ARTIGO
Estado de exceção na critica agambeniana: uma leitura do sofrimento e possível intervenção à luz da Gestalt-terapia.
State of exception under the agambenian review: a reading of the soffering and a possible intervention in the light of Gestalt-therapy.
Fabrício Siqueira Basso*
Setting Centro de Psicologia Clínica
RESUMO
O advento do Estado democrático de direito teve por finalidade abolir a vontade soberana das formas de governo dantes existentes. Entretanto, o que se vê é que a vontade soberana permaneceu no Estado de direito de maneira oculta e disponível, sempre que preciso, para ser utilizada como técnica biopolítica a grupos ditos perigosos ante o sistema. É diante da denúncia deste malogro que Agamben nos mostra, através do artifício jurídico do “estado de exceção”, a maneira pela qual o soberano ainda permanece na constituição dos Estados modernos. Faz-se necessário, portanto, haver estudos e pesquisas visando desmascarar as diversas metamorfoses da vontade soberana que ainda permanece (e sempre esteve) na constituição do direito ocidental. Seguindo esta orientação, busco na Gestalt-terapia (uma abordagem psicoterapêutica) desenvolver uma leitura do sofrimento destes, que se encontram como vítimas do totalitarismo soberano, bem como divulgar sua proposta de intervenção inclusiva.
Palavra-chave: Estado de exceção; Poder soberano; Gestalt-terapia, Sofrimento; Intervenção inclusiva.
Abstract
The advent of the democratic state of law was intended to abolish the sovereign will of the forms of government existent before. However, what is seen is that the sovereign will remained in the state of law in a hidden way and available, whenever needed, to be used as a biopolitical technique on groups taken as dangerous before the system. It is before the denouncement of this failure that Agamben shows us, through the juridical artifice of the "state of exception", the way through which the sovereign remains in the constitution of modern states. So , therefore, making it necessary to have studies and research aimed to debunk the various metamorphoses of the sovereign will that still remains (and has always been) in the constitution of western law. Following this guidance, I seek in Gestalt-therapy (a psychotherapeutic approach) to develop a reading of suffering of those, who are victims of the sovereign totalitarianism, as well as to disclose its proposal of inclusive intervention.
Keywords: State of exception; Sovereign power; Gestalt-therapy; Suffering; Inclusive intervention.
Introdução
Nos tempos hodiernos, em que os Estados modernos se utilizam cada vez mais de exceções jurídicas (medidas provisórias e excepcionais) como técnicas políticas a fim de governar e controlar grupos ditos perigosos – normalmente relacionados à defesa de interesses corporativos – faz-se necessário problematizar tal movimento da política contemporânea, bem como as formas de atuar junto àqueles que sofrem com tais técnicas políticas.
A política moderna em sua tentativa de articular zoé e bíos, ou, o que é o mesmo, voz e linguagem, assume uma forma biopolítica, destarte, “A vida nua continua presa a ela sob a forma da exceção, isto é, de alguma coisa que é incluída somente através de uma exclusão.”(AGAMBEN, 1995, p.18)
O estado de exceção virou norma na política moderna. É diante da denúncia de Giorgio Agamben de que o Estado de direito malogrou ao tentar cessar a vontade soberana, permanecendo esta oculta e em potencial naquele, que desenvolvo meu artigo.
Sob o esteio de Agamen, que reconhece a permanência dos campos nos quais impera a exceção no Estado de direito moderno em situações como áreas de espera de aeroportos, estruturas de planejamentos estatais aos migrantes1 e refugiados, certas periferias de nossas cidades, internações compulsórias e pacientes judiciários2, sujeitos encarcerados, situações de violência racial e de gênero, enfim, campos que identificam as diversas formas de metamorfoses da exceção soberana moderna, que amparo meu trabalho. Todavia, não procuro me ater estritamente à denúncia, mas sim, e principalmente, ao sofrimento daquele que vive sob a forma da exceção, bem como, divulgar uma proposta de intervenção a estes que sofrem.
Afinal de contas, “A vida nua não está mais confinada a um lugar particular ou em uma categoria definida, mas habita o corpo biológico de cada ser vivente”. (AGAMBEN, 1995, p.135)
Neste artigo, não busco identificar a gênese deste sofrimento. Procuro, no entanto, abordar o tema sob um olhar específico do âmbito da saúde; a saber, na proposta da Gestalt-terapia que institui, em um conjunto de ideias e práticas psicoterapêuticas, uma leitura do sofrimento daqueles que se encontram nas formas de exceção.
Esta escolha se dá pelo fato da Gestalt-terapia possuir um aparelho conceitual e metodológico específico que nos permite estabelecer uma relação dialética nas formas de fazer (política). Haja vista que este aparelho conceitual - a teoria do self - nos apresenta uma leitura de pelo menos três aspectos do processo de uma experiência, a saber: a co-presença de um fundo habitual, um horizonte de futuro, e a maneira como estes dois são engajados na atualidade.
Tal qual Agamben, salvo seus diferentes caminhos teóricos, a Gestalt-terapia também nos permite denunciar a relação de poder estabelecida no presente. Ainda mais, ela nos propõe algo a fazer, o que, por outro lado, Agamben não deixou explicitado.
Por fim, saliento a importância da Gestalt-terapia enquanto esta proposta de intervenção que viabiliza e fundamenta (no esteio da crítica de Agamben) uma prática profissional (ou não) de acolhimento ético junto àqueles que estão incluídos no bando fora dele; ou seja, àqueles que estão com a vida nua.
O poder soberano e a vida nua
Na obra Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I, Giorgio Agamben (1995) propõe estudar e analisar - através da orientação deixada por Walter Benjamin acerca do nexo direito e violência – o modelo jurídico-institucional ocidental e seu modelo biopolítico de poder. Para tal, Agamben buscou conceitos em autores como Carl Schmitt, Michel Foucault, Hannah Arendt e Walter Benjamin.
Para iniciar suas análises, o autor em tela propõe desenvolver suas pesquisas a partir dos estudos de Michel Foucault e Hannah Arendt.
Michel Foucault desenvolveu estudos acerca das técnicas políticas, ciência do policiamento na qual o Estado tem como poder e função cuidar da vida natural dos indivíduos; e das tecnologias do eu, entendida como o processo pelo qual ocorrem a subjetivação da vinculação da própria consciência e da identidade de modo conjunto ao poder de controle externo; já por outro lado, dentre as pesquisas de Hannah Arendt, encontra-se a tendência totalizadora das sociedades modernas3 – como os domínios totalitários do nazismo e seus campos de concentração. O que fez com que Agamben (1995) unificasse de certa forma, ou melhor, lançasse um ponto de “[...] intersecção entre o modelo jurídico-institucional e o modelo biopolítico de poder”, haja vista que “[...] as duas análises não podem ser separadas e que a vida nua na esfera política constitui o núcleo originário – ainda que encoberto – do poder soberano.” (p.14)
Do ponto de vista de Agamben (1995), faz-se necessário remontar a interpretação que Foucault faz de dois termos gregos que Aristóteles fez uso, a saber, zoé (que significava o viver comum a todos os seres vivos) e bíos (que designava a maneira como cada indivíduo ou grupo vivia). Foucault utilizou estes termos, para descrever em seu livro Vontade de Saber, um limiar na Idade Moderna na qual o poder estatal começa a incluir mecanismos de controle da vida natural, transformando, assim, a política em biopolítica. Nos termos de Foucault: “O homem, durante milênios, permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivo e, além disso, capaz de existência política; o homem moderno é um animal, em cuja política, sua vida de ser vivo está em questão.” (FOUCAULT, 1988/1999, p. 134)
Agamben propõe uma correção à interpretação de Foucault, justificando que este tolhimento à vida nua não seja delimitada na Idade Moderna, pois esta forma de dominação, ou exclusão-inclusão, já existia desde sempre na política ocidental. Segundo Agamben (1995), Aristóteles já dizia (em Política) que a pólis tem lugar próprio na passagem da voz à linguagem. Nas palavras de Agamben, “O vivente possui o lógos tolhendo e conservando nele a própria voz, assim como ele habita a pólis deixando excluir dela a própria vida nua” (p. 15).
A característica possível que diferenciaria a democracia moderna da democracia clássica nada mais é do que a reivindicação daquela à libertação da zoé (a vida nua); ou melhor, de encontrar o bíos da zoé. Uma difícil tarefa na qual coloca “a liberdade e a felicidade dos homens no próprio ponto – a “vida nua” – que indicava a sua submissão.” (AGAMBEN, 1995, p.17, grifo do autor)
Portanto, não somos apenas um animal em cuja política sua vida de ser vivo está em questão; mas também o contrário, cidadãos em cujo corpo biológico está em questão a sua própria política.
O autor salienta ainda que este paradoxo da democracia moderna, da qual fala, não visa depreciar suas conquistas, outro sim, denunciar o malogro do que seria o apogeu do triunfo democrático.
Ademais, aponta Agamben uma convergência no que Arendt e Foucault estudaram, - a saber, o estado totalizante, e as técnicas de policiamento bem como os meios de subjetivação do eu – mais do que isso, designou agora, não mais como separado (temporalmente como sugeriu Foucault, ou então, geograficamente como estudou Arendt), mas sim como aspectos do mesmo agente.
“Tudo ocorre como se, no mesmo passo do processo disciplinar através do qual o poder estatal faz do homem enquanto vivente o próprio objeto específico, entrasse em movimento um outro processo, que coincide grosso modo com o nascimento da democracia moderna, no qual o homem como vivente se apresenta não mais como objeto, mas como sujeito do poder político. Estes processos, sob muitos aspectos opostos e (ao menos em aparência) em conflito acerbo entre eles, convergem, porém, no fato de que em ambos o que está em questão é a vida nua do cidadão, o novo corpo biopolítico da humanidade.” (AGAMBEN, 1995, p. 16, 17)
Um dentre os autores inicialmente citados foi deveras importante para a construção de sua tese, se não o principal, Walter Benjamin. Seguindo as indicações que encontrou em Benjamin, acerca do nexo entre violência e direito, e a sua diluição em uma terceira figura denominada como violência divina4, Agamben equipara esta ultima à violência soberana e parte do ponto onde Benjamin citou ser o portador deste nexo, a saber, a vida nua (bloßen Leben).
Benjamin, ao denunciar este nexo, estabelece uma ligação entre vida nua e violência jurídica, de onde segue o ponto de partida de Agamben: analisar o estreito relacionamento entre vida nua e poder soberano.
No que tange o poder soberano, Agamben (1995) ampara-se nas definições de Carl Schmitt acerca da soberania, como “aquele que decide sobre o estado de exceção” (p.18), ou então, aquele que “[...] tendo o poder legal de suspender a validade da lei, coloca-se legalmente fora da lei.” (p.22); e, mais à frente, no poeta grego Píndaro, que a define como “[...] o ponto de indiferença entre violência e direito, o limiar em que a violência transpassa em direito e o direito em violência”. (p.38)
O soberano, descreve Agamben, é o detentor do monopólio da decisão, a decisão definitiva do estado de normalidade, cuja finalidade última não é tanto pelo controle de instituições, riquezas, patrimônios, etc., mas antes pela vida humana (como Benjamin havia indicado, a vida nua como referente da violência soberana).
Em suas análises acerca do poder soberano conexo com o direito ocidental e sua ordem política, é revelada uma estreita relação que o primeiro (denunciado pelo dispositivo político da exceção jurídica) têm com o segundo (a ordem jurídica do Estado de direito), que aliás, afirma ser a natureza constitutiva deste5.
A tese de Agamben pode ser descrita como a falência do Estado de direito ao não conseguir cessar a vontade soberana, permanecendo esta última, oculta e em potencial para o Estado utilizar quando necessário (como uma técnica biopolítica). (RUIZ, 2011a; MARTINS, 2010; DA CUNHA E SILVA, 2007; PONTEL, 2012)
De certa maneira, afirma Ruiz (2011c) que a vida humana está no Estado de direito sempre com uma ameaça em potencial, a saber, a ser ordenada vida nua. Logo, este que se apresenta como protetor da vida humana, a protege apenas parcialmente, visto que a cuida parcialmente (de alguns, ameaçando outros).
A estrutura da exceção soberana designa uma forma de pertencimento sem inclusão, “[...] a lei aplica-se-lhe desaplicando-se, o mantém em seu bando abandonando-o fora de si.” (AGAMBEN, 1995, p.55) A decisão soberana, em outras palavras, suspende a lei no estado de exceção e implica nele a vida nua, mantendo a vida humana dentro do bando (soberano) sob a seguinte condição: abandonando-o6.
Agamben chama de relação de exceção esta forma radical que inclui algo excepcionalmente pelo meio de sua exclusão, em outras palavras, uma exclusão inclusiva, porém, funcionando como uma inclusão exclusiva. “[...] é aquilo que não pode ser incluído no todo ao qual faz parte, e não pode pertencer ao conjunto no qual já está desde sempre incluído.” (1995, p. 173)
Ruiz (2011a) e Abdalla (2010) enfatizam que este tipo de relação encontrada no estado de exceção tem sempre um cunho biopolítico e policial, a fim de conseguir por meio desta relação – utilizada como uma técnica –, um controle de grupos sociais perigosos.
Nos termos de Ruiz,
“Cada vez que a ordem social estiver ameaçada por qualquer pessoa ou grupo social, poderá ser invocada a figura da exceção para suspender total o parcialmente o direito sobre essas pessoas. [...] tornando-os vulnerável e como consequência facilmente governável” (2011a)
Ao denunciar as características da biopolítica moderna, Agamben nos alerta a reconhecer as metamorfoses deste paradigma nos modelos que pensam e organizam os espaços públicos das cidades: as ciências humanas, a sociologia, a urbanística, e a arquitetura; metamorfoses estas, na qual o soberano está cada vez mais em simbiose com o jurista, o médico, o cientista, o perito e o sacerdote.
Não obstante, a união entre medicina e política é uma das características essenciais da biopolítica (ou tanatopolítica?) moderna. Ruiz (2010, 2011a e 2011b) nos faz refletir sobre a realidade brasileira, realidade esta, na qual, por exemplo, médicos decidem pelo valor e desvalor de vidas de pacientes diante da falta de leitos em hospitais.
Mais ainda, além desta realidade - na qual pessoas morrem na fila de hospitais à espera de leitos -, milhares de pessoas no Brasil vivem privados de seus direitos básicos. Vivem a exceção como norma de diversas formas, algumas com falta de alimentação digna e suficiente, outras sem moradias ou condições infra-humanas, certas periferias que encontramos com alta vulnerabilidade expostos à violência – seja de traficantes ou policiais -, encarcerados (imputáveis ou inimputáveis) sob condições de vida desumana, déficits na educação básica e digna é a realidade de muitos outros.
Sem dúvida nenhuma, toda e qualquer forma de exceção provoca um efeito sobre a subjetividade daquele que a sofre. Mas, diante da problematização que Agamben nos colocou – e que não nos deixou um método, se não o de pensar que o primeiro passo seria questionar estes modelos jurídicos-institucionais e suas formas de poder biopolítico -, como pensar uma prática diante destes grilhões que nos encontramos?
Assim como relatado, a exceção soberana encontra-se metamorfoseada nos diversos âmbitos sociais, tais quais jurídicos, científicos, etc. Todavia, busco neste artigo focar no âmbito da saúde, especificamente dentre tantos deste âmbito, busco na psicologia o escopo de meu labor problemático.
Mas afinal, como fazer algo diante do soberano que exclui e inclui confundindo-se e sendo ele mesmo, simultaneamente, aquele que pode nos ajudar? É possível fazer frente à soberania e cuidar do sofrimento daquele que vive a exceção como norma sem coadunar com a mesma?
É a partir destes questionamentos que recorro à Gestalt-terapia7 (amparada na critica agambeniana), na qual lança mão de uma leitura e prática em prol destes que estão em sofrimento com a vida nua.
A leitura gestáltica e sua relação com a crítica agambeniana
Gestalt-terapia é o nome de uma abordagem clínica psicoterapêutica balizada por ideias e práticas desenvolvidas por Fritz Perls, Laura Perls, Ralf Hefferline, Paul Goodman, entre outros colaboradores, nos idos de 1951 nos Estado Unidos. Suas ideias são apresentadas na obra cujo título é o mesmo da abordagem, Gestalt-terapia, e cuja peculiaridade se dá no fato de tentar repensar a clínica psicanalítica freudiana e seus desdobramentos para além da palavra e do afeto a ela associada, buscando situá-las sob um olhar fenomenológico, como ocorrências de campo. (MÜLLER-GRANZOTTO e MÜLLER-GRANZOTTO, 2007)
Para tal feito, os criadores desta abordagem, apoiados pela fenomenologia Hursseliana, desenvolvem sua teoria na qual chamam de teoria do self. Esta, basicamente pode ser designada não como uma instância psíquica, mas como uma “função de contatar o presente transiente concreto (...) como um processo temporal”, marcado relativamente por todas as outras experiências de contato, ou seja, com a co-presença de nossas historicidades e possibilidades (fundo de vividos e horizonte de possibilidades, respectivamente). (PERLS, HEFFERLINE E GOODMAN, 1951, p. 177)
No que tange às funções do sistema self, os autores discriminam 3 funções ou operações básicas de contatos com o presente: função id, função de ego, e a função personalidade. A função id corresponde aos excitamentos (formas habituais; passado); a função ego8 está relacionada à atualidade na qual se encontra nossas necessidades fisiológicas e as demandas sociais através da linguagem; e a função personalidade corresponde ao horizonte de futuro, sinteticamente, aos nossos desejos.
Nas palavras de PERLS, HEFFERLINE E GOODMAN (1951):
“(...) o Id é o fundo determinado que se dissolve em suas possibilidades, incluindo as excitações orgânicas e as situações passadas inacabadas que se tornam conscientes, o ambiente percebido de maneira vaga e os sentimentos incipientes que conectam o organismo e o ambiente. O Ego é a identificação progressiva com as possibilidades e a alienação destas, a limitação e a intensificação do contato em andamento, incluindo o comportamento motor, a agressão, a orientação e a manipulação. A Personalidade é a figura criada na qual o self se transforma e assimila ao organismo, unindo-a com os resultados de um crescimento anterior.” (p. 184)
Estas funções, também chamadas de dimensões, nada têm de cronológico - que, aliás, ocorrem simultaneamente -, são apenas pontos de vistas diferentes da mesma experiência.
Para PHG9, a função que encontramos uma representação, uma função social, ou o que também é chamado de “outro social”, corresponde à personalidade. Esta é definida pelos autores como
“[...] o sistema de atitudes adotadas nas relações interpessoais; é a admissão do que somos, que serve de fundamento pelo qual poderíamos explicar nosso comportamento, se nos pedissem uma explicação. [...] a Personalidade é essencialmente uma réplica verbal do self; é o que responde a uma indagação ou a uma auto-indagação.” (1951, p.187 e 188)
Para Robine (2006) e Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2012a, 2012b e 2007), a função personalidade é um aprendizado que se repete, se reescreve no campo social, e que serve ao mesmo tempo como medida e parâmetro racional de valores éticos, morais, biográficos, institucionais ou de modos de conhecimento: científico, filosófico ou religioso10. Ou seja, é na função personalidade onde adquirimos o status “humano”, reflexivo, consciencioso de uma consciência.
“Dizendo de outro modo, a função personalidade (entendida como outro social) é este terceiro compartilhado por uma comunidade de atos. À medida que se encontra, neste terceiro, um espelho de suas próprias condições ativas, vive-se aí uma reflexão, a qual pode acontecer como um pensamento, uma norma, um valor ou como a fruição de um sentimento. Noutras palavras, à medida que encontram o outro social, as funções de ato passam a dispor de uma consistência imaginária.” (2012b, p. 286)
Logo, cada função de ato corresponde à constituição e re-inscrição da função personalidade, sendo aquela, ao mesmo tempo, mediada por esta que também pode ser representada por valores, pensamentos e instituições, etc.
A respeito da gênese deste outro social, os autores em tela afirmam ser derivado dos desejos e fantasias de outrora, mas que
“agora continuam disponíveis como futuro do pretérito, horizonte de aprendizado necessário à vivencia da identificação, da responsabilização e do raciocínio atuais. [...] são os projetos, os ideais, as ficções, as produções virtuais que, no passado, ainda não tinham um sentido estabilizado, mas agora, na dimensão presente, estão disponíveis como referência, biografia, história, racionalidade perante qual podemos nos regozijar e exercer a crítica, orgulharmo-nos e sentir vergonha[...].”(p.287 e 288)
Podemos dizer, que o outro social também é nosso amor próprio, o valor que damos a nós mesmos ou para alguém. Enquanto participante desse espelho social, é aqui onde se encontra a sensação de prazer e desprazer.
Também chamada de dimensão antropológica11, o outro social está presente na acolhida ética12 de nossos excitamentos e nos espaços políticos13 que ocupamos (lugar na qual manejamos os nossos desejos). (MÜLLER-GRANZOTTO e MÜLLER-GRANZOTTO, 2012a e 2012b)
Quando não há constituição do outro social, ou a fluidez desse sistema de contatos (sistema self) por algum motivo - seja por ordem social ou biológica - malogra, procede então um sentimento de aflição – ou “misery”, conforme utilizado no original por PHG. (MÜLLER-GRANZOTTO e MÜLLER-GRANZOTTO, 2012b)
Conforme os autores descrevem, existem três formas pela qual a função personalidade é malograda: através da “[...] falência antropológica (causada pela imposição de uma condição natural), a falência política (por conta dos dispositivos de poder) e a falência ética (em virtude dos estados de exceção).” (2012b, p. 295)
“Misery” ou aflição é o termo que PHG utilizam para descrever o sofrimento do sistema self ao não encontrar um lugar ético para estabelecer relações políticas e antropológicas. Sofrimento é a falência da função personalidade – do outro social -, seja por não formação, perda, ou aniquilação destas representações na qual o indivíduo construiu historicamente e na qual está identificado. (MÜLLER-GRANZOTTO e MÜLLER-GRANZOTTO, 2012a e 2012b)
Nos termos do sistema self, este, sofre quando ao ser atravessado pelo fundo de excitamentos (função id), a função de ato se vê impossibilitada de agir diante da ausência de dados (material e sociolinguística), o que malogra a função personalidade, e junto com isso, a possível identificação a um valor ou identidade objetiva.
Dito de outro modo, é a experiência do impedimento à identificação de determinada personalidade (laços sociais como instituições, valores, identidades) que provoca sofrimento ao sujeito.
Entretanto, interessa-nos abordar neste artigo - dentre as falências apresentadas pelos autores – o sofrimento daqueles que estão privados de um lugar ético, lugar este que lhe impossibilita o fluxo natural do sistema self. Destarte, definem os autores como sofrimento ético
“[...] a presença de um desejo soberano que, mais radicalmente do que dominar o outro social, mais radicalmente do que transformar as representações sociais em dispositivos de satisfação do desejo de poder, agora aniquilaria as representações sociais, para assim dispor da nudez dos atos e respectivos hábitos. Assim despidos de suas representações, os sujeitos de atos não seriam mais que corpos sem lugar social, sem possibilidade de reconhecimento e interlocução. Viveriam em estado de sofrimento ético.” (2012b, 316)
Vitimas de violência de gênero, preconceitos, ou conflitos ideológicos; excluídos do mercado de trabalho, ou aqueles que se submetem a trabalhos com condições escravistas, para citar alguns exemplos, encontram-se em estado de sofrimento ético por estarem com a vida nua presa sob a forma da exceção soberana, acarretando por consequência, a não constituição de uma representação social (outro social) bem como a impossibilidade de exercer sua capacidade política. O lugar que estes sujeitos ocupam é identificado por representações sociais indesejáveis, banais, sem valor, seja por uma exigência dominadora ou por uma aniquilação do desejo totalitário do outro soberano.
Mas, diante de tais acontecimentos e situações, o que há para se fazer àquele que está em sofrimento ético, ocupando lugares indesejável provocado por diversos conflitos sociológicos? O que estes autores da Gestalt-terapia podem nos oferecer fazer diante do desejo totalitário do poder do outro soberano, e de que forma podemos ajudar aquele que está vivendo sob a norma da exceção soberana?
A proposta de intervenção inclusiva da gestalt-terapia
Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2012a e 2012b) nos alerta para o pedido de socorro, o clamor daquele que está em sofrimento ético, com a vida nua diante do semelhante. Este pedido, do ponto de vista do excluído, está representado neste outro (o semelhante) como aquele portador da possibilidade política, da possibilidade deste que está sob o regime de exceção, uma oportunidade de reconstituir sua inclusão nas identificações sociais.
Os autores em tela denominam este apelo por ajuda como um pedido de inclusão - um ajustamento de inclusão -, um clamor de um corpo impessoal despido dos meios e representações antropológicas (sociais) nas quais lhe permitiriam constituir uma identidade social, étnica, bem como a possibilidade política de exercer tais constituições.
“O clamor, conforme acreditamos, é sempre um pedido de inclusão; e a inclusão de que se trata é sempre uma inclusão em um plano antropológico, em uma representação social (valor, pensamento, instituição) que valha como proteção (acolhedora, solidária e gratuita).” (2012b, p. 351)
Noutras palavras, este pedido de inclusão, designa especificamente uma inclusão no meio antropológico (acolhida), na política (através da solidariedade) e no meio ético (pela gratuidade, como modo de doação ao outro) da qual carecem. Haja vista, a impossibilidade destes sujeitos – desnudados - de agirem (se defenderem) diante deste outro soberano que os exclui – porém, incluindo-lhes a vida nua - radicalmente de tais meios.
Tal é a situações destes sujeitos em sofrimento ético, que a única coisa na qual dispõem é o pedido de proteção, abrigo, acolhida ou ajuda solidária, contando apenas com a gratuidade alheia. Mesmo que de forma desconfiada, insegura e arredia, este pedido nos arrebata, e então nos sentimos impelidos a ajudar, de tal maneira gratuita, que não sabemos bem ao certo o que dar, bem como não se sabe exatamente o que está sendo pedido.
“O sofredor não sabe sequer o que lhe falta. Seu pedido é para que ele possa voltar a pedir. Trata-se de um ajustamento cuja meta é encontrar “suporte” para voltar a criar [...]” (2012b, p. 355)
É diante deste pedido de inclusão que Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2012a e 2012b) lançam mão de uma proposta de intervenção junto àqueles que se encontra em tais situações. Uma proposta na qual visa sobreviver à exceção soberana, buscando re-estabelecer a fluidez da capacidade política e antropológica (privadas) dos sujeitos desnudados. Destarte, encontraram no acolhimento ético e gratuito (inspirados por Bataille) e na posição cínica (do cinismo grego) uma forma pela qual possam auxiliar.
Explicam os autores, que este acolhimento ético e gratuito, “não se trata de combater o outro soberano a céu aberto, tampouco de ignorá-lo mediante uma redescrição estética ou gozosa de nós mesmos” (2012b, p.328) conforme Foucault e Lacan respectivamente orientaram. Outro sim, de modo a possibilitar a criação de associações, laços e sociedades por aqueles – e não para aqueles – que se encontram como vítimas da exceção soberana.
Os autores salientam ainda que este fazer gratuito se dá de forma a não reclamar adesão a qualquer significante político de nossos desejos, aliás, neste fazer gratuito “[...] não operamos com desejo (político) algum, apenas com a gratuidade da experiência do contato (sem awareness)” (2012b, p. 328)
Sob a inspiração da obra O erotismo de Georges Bataille, os autores fundamentam esta gratuidade afirmando ser ela uma doação em proveito do outro, na qual este outro – ser que nos ultrapassa e que jamais nos coincidiremos - recebe em forma de crescimento.
Nas suas palavras, entende-se por gratuidade, “[...] esse crescimento que opera como doação. [...] é uma forma de se dirigir ao outro que não carece de teleologia, dado que não tem necessidade de afirmar algo como um fim a ser alcançado, seja isso a justiça política, o poder ou a recompensa.” (MÜLLER-GRANZOTTO E MÜLLER-GRANZOTTO, 2012b, p. 329)
Destarte, através desta gratuidade indicada pelos autores como forma de enfrentamento à exceção soberana, justificam eles, que ambos os sujeitos em questão, tanto àquele que doa quanto aquele que recebe a doação, não ficam maculados por uma dívida (condição, promessa, expectativa, cobrança e matabilidade), mas sim, com a possibilidade de haver surpresa e gratidão, doação e presente.
Sobre esta estratégia, salienta os autores, sugere uma forma vincular gratuita - tal quais as relações vinculares de amizade e de cuidado - na qual não necessita da justiça de um estado de direito, pois não há direitos em questão. Portanto, não há relações de modo que possa ter efeitos de um poder soberano, mesmo que, de certa maneira, não se pode garantir que ambas as partes – doador e receptor – em algum momento possam reclamar um representante, e assim, restituir as relações políticas de poder.
Aliás, isto – a restituição das relações políticas de poder, caracterizada pelo protagonismo do sujeito -, é o que se espera em um segundo momento após a acolhida de uma identificação antropológica.
Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2012B) definem sua estratégia de sobrevivência à exceção soberana como “cínica”. Cínico, aqui designado para descrever o modo como àquele que opera por fora das relações de valores, pensamentos, instituições e desejos na qual lhe proporcionariam identidade e poder, para possibilitar espaço – ou doar gratuitamente – ao desconhecido, ao inesperado, uma forma de acolher e autorizar um desejo e, ou uma participação em nalguma identificação social compartilhada – o que consequentemente lhes dariam certo prazer.
Noutras palavras, a posição cínica empregada aqui, diz respeito à busca pela prática de um direito político dos cidadãos gregos e latinos na qual exercitavam a expressão do dizer verdadeiro, sem com isso romper com sua organização social, dito “parresia”.
A práxis da parresia sob a ótica dos autores designa uma maneira de sobrevivência, de acolhimento ao outro, ao mesmo tempo em que enfrenta a soberania biopolítica. Afinal de contas, sem romper com as relações políticas – representações sociais e desejos - o cínico sabe que nalgum momento há de autorizar em si e no outro “[...] o carnaval, a festa, a piada e o luto.” (2012b, p. 336)
Conforme os autores, o clínico gestáltico, é aquele que pode acompanhar e cuidar ao dar suporte e escutar o sofrimento dos sujeitos sob a forma da exceção. Nas suas palavras, “O clínico é aquele que cuida da autonomia dos sujeitos (funções de ato) envolvidos nas situações de exclusão social e privação natural” (2012b, p. 356)
Sua intervenção pode ser desde um acesso a uma consulta, por exemplo – à um médico, um advogado, assistente social, psicólogo, etc -, como dar-lhe uma orientação – uma informação sobre legislação, sem lhe endividar -, ou até mesmo uma escuta gratuita, um espaço para poder praticar seu dizer verdadeiro – seja individualmente ou através de formações de grupos -, e assim dispor do corpo de atos dos semelhantes para ser reconhecido, re-estabelecido e criado suas identificações e valores de cunho sociais e desejantes.
Trata-se, portanto, de dar cidadania (compartilhar com) a este semelhante que pede por socorro. Não somente d(o)ar cidadania – identificações sociais -, mas, e principalmente, possibilitar de maneira gratuita - sem dívidas - o protagonismo do fazer político e criador deste semelhante.
Enfim, nas situações de exceção, a estratégia, basicamente, é procurar resgatar aquilo de humano que lhe foi privado - mesmo nos casos de surtos psicóticos14 denunciados por Emerim (2012) e Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2012a e 2012b) -, trata-se de buscar restituir a humanidade antropológica, as identificações sociais privadas, que assim, consequentemente, o sujeito em questão se apropriará de sua capacidade política.
Considerações finais
É diante da denúncia de Agamben, do malogro do Estado de direito moderno ao tentar cessar a vontade soberana, e as diversas metamorfoses que este aplica vida nua aos corpos capturados pelo seu totalitarismo, que os autores da Gestalt-terapia: Müller-Granzotto e Müller-Granzotto inauguram uma estratégia possível de sobrevivência e enfrentamento (não esteticista) ao outro soberano.
O cinismo grego apresentado e utilizado pelos autores, identificado através da forma da solidariedade gratuita, é entendida como uma identificação especial personalista. Uma “[...] posição cínica de renúncia ao poder em favor do crescimento do outro” (MÜLLER GRANZOTTO & MÜLLER GRANZOTTO, 2012b, p. 337)
Trata-se de uma posição na qual se busca doar ao outro, independentemente de quaisquer que sejam seus valores ou projetos políticos das quais esteja submetido, sem que assim ainda, não se rompa com tais valores e projetos.
Esta estratégia de intervenção inclusiva, pelo meio da solidariedade gratuita, é representada em nós (políticos) por um fazer ao possibilitarmos um espaço favorável ao crescimento desta alteridade que pede por apelo à margem do bando. Afinal de contas, “[...] a solidariedade dos iguais sempre inaugura uma forma de resistência.” (2012b, p. 388) Ao passo que “[...] pela gratuidade, sempre podemos escapar daquilo que justificaria a matabilidade, ou seja, da justificativa do “direito” em decorrência de uma “dívida” devida ou cobrada ao outro.” (2012b, p. 330 e 331)
É possível observar, mesmo não sendo explicitado pelos autores, que esta estratégia não se limita somente ao clínico gestáltico, pois cada e qualquer sujeito podem intervir à sua maneira junto àquele que está com suas representações sociais destruídas, aniquiladas, bem como impossibilitados de atuar politicamente.
Seja através de formações de grupos que compartilham de um mesmo estado, ou colaborar para o fortalecimento das organizações já existentes que cumprem o papel, de alguma forma, de acolher e ajudar os sujeitos a se protegerem; ou então pelos trabalhos gratuitos individuais, que tal qual, e não menos importantes que as organizações, buscam restituir a dignidade ética, política e antropológica dos sujeitos em sofrimento; é a estratégia possível – e perigosa por assim desafiar os dispositivos do soberano - proposta pelos autores em tela.
Orientados pelo alerta de Agamben (1995), a ideia central é a de propor meios de inclusão pelos quais não incluam a relação de poder. Como se pudéssemos repetir a forma da exceção soberana – incluir excluindo -, porém abrindo mão do poder que esta forma pudesse nos favorecer.
Esta forma de exceção não acaba por ser soberana, pois, não visa aniquilar o outro semelhante - não há metas a conquistar -, busca, portanto, dissolver as relações da exceção soberana ao possibilitar esta acolhida ética, re-estabelecer as identidades antropológicas e a capacidade política dos sujeitos.
Para concluir, considero a proposta dos autores em tela, deveras importante para a construção de estratégias de sobrevivência diante deste outro soberano que encontramos em diversos lugares e de diversas formas em nossa vida.
Afinal de contas, conforme nos mostrou Agamben, a exceção soberana é a forma originária da política constituinte do direito ocidental. Além disso, nos tempos hodiernos, o totalitarismo soberano que mantém capturado a vida nua encontra-se metamorfoseado nos diversos tipos de saberes, necessitando por isto, continuidade de pesquisas e estudos sobre o referido tema.
No mais, termino com o apelo de Agamben, cuja proposta (atual) se dá exatamente na motivação de pesquisar/fazer o meu trabalho.
“A nossa política não conhece hoje outro valor (e, consequentemente, outro desvalor) que a vida, e até que as contradições que isto implica não forem solucionadas, nazismo e fascismo, que haviam feito da decisão sobre a vida nua o critério político supremo, permanecerão desgraçadamente atuais.” (1995, p. 17)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Endereço para correspondência:
Fabrício Siqueira Basso
Endereço eletrônico:fabricio-psi@hotmail.com
Recebido em: 03/02/2014
Aprovado em 12/09/2014
NOTAS
* Fabrício Siqueira Basso é Graduado em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco (2010); Especialização em Sociologia pela Universidade Gama Filho (2013) e
Especialização em Psicologia Clínica pelo Instituto Muller-Granzotto de Psicologia Clínica Gestáltica (2013).
1 Bem observado por Castor Ruiz (2010) em entrevista concedida à Márcia Junges pela Revista do Instituto Unisinos: “Retidos em campos, os refugiados se expandem ao longo do planeta, vivendo uma condição de exceção, pois, no país onde habitam, não são reconhecidos como cidadãos de pleno direito, ao seu não podem retornar e também não lhes reconhece os direitos de cidadania. [...] eles estão expostos permanentemente ao abuso e à violência. Um estado de exceção permanente se abate sobre suas vidas”.
2 Emerim (2012) e Muller Granzotto & Muller Granzotto (2012a e 2012b) fizeram ótimos trabalhos acerca deste tema: o paciente judiciário e o sofrimento ético destes que sofrem, na maioria das vezes, por estar sob o regime de cárcere. Sujeitos em situações de surto psicótico, por exemplo, é uma das figuras das metamorfoses da exceção e do poder soberano denunciadas por tais autores.
3 Agamben se utiliza da tese de Arendt na qual “ligava os destinos dos direitos àqueles (homens) do Estado-nação moderno, de modo que o declínio e a crise deste implicam necessariamente o tornar-se obsoletos daqueles.” (AGAMBEN, 1995, p. 130, grifo meu)
4 Também descrita como violência soberana ou “violência que reina”, no original “waltende Gewalt” (BENJAMIN, 1921, p.156)
5 “Mais originário que o vínculo da norma positiva ou do pacto social é o vínculo soberano, que é, porém, na verdade somente uma dissolução; e aquilo que esta dissolução implica e produz – a vida nua, que habita a terra de ninguém entre a casa e a cidade – é, do ponto de vista da soberania, o elemento político originário”. (AGAMBEN, 1995, p.91)
6 “Por isto a tese, [...] segundo a qual o relacionamento jurídico-político originário é o bando, não é apenas uma tese sobre a estrutura formal da soberania, mas tem caráter substancial, porque o que o bando mantém unidos são justamente a vida nua e o poder soberano.” (Ibidem, p.108)
7 Dentro desta abordagem existem diversas vertentes teóricas. Desde o seu início houve ramificações, o “grupo da costa leste, (formado por Fritz Perls e seus seguidores) e o grupo da Califórnia (formado por Laura Perls e Paul Goodman)” (FROM & MILLER, 1997 APUD BELMINO, 2014, p. 36). Basicamente, estes autores desenvolveram a teoria conforme as suas compreensões, entretanto, me amparo nos autores que desenvolveram um trabalho a partir do grupo dito “californiano”, especificamente sob o trabalho desenvolvido pelos autores Marcos José Muller-Granzotto e Rosane Lorena Muller-Granzotto. A escolha destes autores se da pelo fato do mesmo dialogar com a crítica agambeniana.
8 Esta função de ego não pode ser confundida com a noção de ego freudiana, pois esta última é uma estrutura, enquanto que a primeira é uma função (insubstancial) do sistema self de contatos.
9 Utilizarei a sigla PHG para me referir aos autores criadores da Gestalt-terapia: Fritz Perls, Ralf Hefferline e Paul Goodman.
10 A título de exemplo de manifestações deste outro social, MÜLLER-GRANZOTTO e MÜLLER-GRANZOTTO citam “[...] a linguagem, a cultura alimentar, os modos de utilização dos recursos naturais, as formas de organização econômica e comercial, até a imagem corporal cultuada nos vestuário, na literatura, nas artes, nos ritos religiosos. [...] gramáticas, dos códigos, das cidades, avenidas, igrejas, praças etc.” (2012b, p.296)
11 MÜLLER-GRANZOTTO e MÜLLER-GRANZOTTO explicam que sua concepção de antropologia é orientada pela visão crítica da antropologia de Jean-Paul Sartre (de 1942), na qual o homem se ocupa de transcender sua unidade própria, sua práxis histórica. Designam, portanto, antropologia como o estudo desta práxis histórica e seu movimento de transcendência, porém, diferentemente de Sartre, não advogam como um princípio.
12 Ético, no sentido de acolhida ao estranho (afeto) manifestado pelos semelhantes (comportamentos, discursos).
13 Político, no sentido da ação de um sujeito ao incluir o semelhante – ou, o que dá no mesmo, uma representação social - e o estranho em sua unidade presuntiva. É o movimento das relações de poder, poder entendido pelo autor como desejo, de si ou do semelhante.
14 Obviamente, e especialmente neste caso, somente sob a supervisão de profissionais da área (psicólogos, psiquiatras e acompanhantes terapêuticos) é que poderá possibilitar tal inclusão.