Homenagem a Laura Perls
Roberta Maria Federico
O presente artigo é uma homenagem ao centenário que Laura Perls completaria no dia 5 de agosto de 2005.
Trata-se de um pequeno apanhado dos conceitos gestálticos trabalhados por ela na obra “The Growing Edge of Gestalt Therapy” lançada em 1976 e que teve alguns capítulos traduzidos por Jean Clark Juliano e Walter Ferreira da Rosa Ribeiro em 1977. O tema central deste artigo são os conceitos e a experiência de continuum de awareness, de limite de contato e de suporte.
Laura começa explicando a dificuldade que é para se traduzir a palavra alemã “Gestalt”, pois esta tem uma gama muito grande de palavras que podem ser usadas como tradução. Para ela, “uma Gestalt emerge de um fundo, 'existe', e a relação de uma figura com seu fundo é o que chamamos 'significado'” (Perls, 1976). Então, dependendo da relação da figura com seu fundo podemos dizer se esta faz ou não sentindo.
Em seguida Laura trabalha a questão da base existencial-fenomenológica da Gestalt-Terapia e, como tal, ser experiencial e experimental. Daí a importância dada ao que o indivíduo vive no aqui e agora, pois tanto o passado quanto o futuro existem no presente seja como nostalgia ou como esperança.
Então a Gestalt-terapia pode auxiliar o indivíduo a entrar em contato com as experiências aqui e agora, sem necessariamente buscar explicá-las ou interpretá-las. “O objetivo da terapia gestáltica é o continuum de awareness, a formação fluente e livre de gestalten” (idem, 1976). Já que num indivíduo saudável elas surgem e se dissipam deixando o campo livre para a formação da gestalt seguinte. Pode acontecer das gestalten se fixarem e, nesse caso, pode-se ver como elas estão presentes observando as tensões musculares do indivíduo, por exemplo.
Laura também fala dos automatismos no comportamento e mostra como eles podem ser úteis na economia de energia, mas também podem ser problemas na vida do indivíduo. Nesse sentido a Gestalt-Terapia busca desautomatizar determinados comportamentos que de alguma forma se tornam obstáculos.
A Gestalt-terapia dá a liberdade de o terapeuta usar outros meios disponíveis para a awareness corporal. Laura lamenta o fato de as pessoas se aterem demasiadamente ao método de trabalho de Fritz Perls, em vez de buscarem criar seu próprio estilo de trabalho. “Um Gestalt-terapeuta não usa técnicas; auto-aplica-se na e para a situação com qualquer habilidade profissional e experiência de vida que acumulou e integrou” (idem, 1976).
Laura também fala do conceito de contato enquanto fenômeno de limites entre organismo e ambiente. É a forma de lidar com o não-eu, o outro. Ela dá o exemplo da criança que, antes de ser educada, vive no limite; descobre o mundo. Até o momento em que ela é educada e passam a existir os bloqueios. As tensões musculares das quais Reich fala retratam bem isso.
“Por outro lado, as convenções e a conformidade insistem em uma atitude confluente dentro de limites fixos, um dogma de semelhanças e concordância, de ser um – um 'nós' sem o eu e o você – sem a aceitação do outro e de si como indivíduos separados” (idem, 1976). Quando as diferenças emergem acontecem as brigas e finalmente há o contato. Mas é muito comum que o mais forte restaure a confluência. Este é um mecanismo típico de casamentos.
Há também a confluência entre pais e filhos. Na gestação e no início da vida há de fato uma confluência. Seja orgânica, ou seja, pela fragilidade que apresentamos no início da vida, que faz com que a dependência seja muito grande; mas com o desenvolvimento esta confluência não se torna mais tão necessária. “Por outro lado, os pais tendem a experienciar a criança como uma extensão de si mesmos, a mãe através da manutenção da confluência original com o embrião e o bebê; e ambos os pais através do investimento de todos os seus desejos irrealizados, e suas esperanças e ambições na criança.” (idem, 1976) Essa dependência estimulada acaba por criar um indivíduo introjetor, que não tem senso crítico e independência para saber o que é bom para si.
Então fica claro que o contato não é algo “para sempre”. Se for, temos um indivíduo confluente e, se nunca ocorrer, temos um indivíduo isolado.
Em seguida Laura fala de suporte, que é o que facilita a assimilação do mundo, por dar mais confiança ao indivíduo, e também explica como a falta de suporte para o contato pode gerar ansiedade. Por outro lado, quando algo que foi criado para dar suporte (idéias fixas ou padrões de comportamento) não tem mais essa utilidade, mas mesmo assim continua a ser usado, torna-se um bloqueio no processo vital.
Por fim, Laura afirma novamente a importância de o terapeuta ter ferramentas próprias de trabalho, que criam o seu estilo. Ela diz:
“Como nos damos na facilitação do continuum de awareness
e no desenvolvimento das funções de suporte, depende do suporte
que temos em nós mesmo e da nossa awareness sobre as disponibilidades
do cliente e de que espécie de suporte ele carece.” (idem, 1976)
Agradecimentos
Agradecemos a Jean Clark Juliano que gentilmente nos forneceu os textos que serviram de base para esta homenagem. Este artigo não seria possível sem a sua colaboração. Obrigado Jean pelo tanto que você já colaborou com a Revista IGT na Rede e com o desenvolvimento da Gestalt-terapia no Brasil.
BIBLIOGRAFIA
· PERLS, L. (1976). Comentários sobre os novos rumos. Em Smith,
E.W. The Growing Edge of Gestalt Therapy. New York: Brunner/Mazel
· Apostilas e materiais datilografados da coleção particular
de Jean Clark Juliano.