Equipe reflexiva, quais as diferenças que criam diferenças?
Marcelo Pinheiro da Silva
Monografia de Final de Curso de Especialização em Terapia Familiar no Instituto De Terapia Familiar - ITF
Objetivo
O objetivo deste trabalho é pesquisar e conceituar o que ocorre com a
utilização da “equipe reflexiva” que vem a gerar as
diferenças no sistema terapêutico.
Justificativa para a realização desta pesquisa
Chamaram a minha atenção os efeitos marcantes gerados no sistema
terapeuta de campo / clientes quando utilizamos a “equipe reflexiva”
como procedimento terapêutico no atendimento em equipe a casais e famílias.
Normalmente, após a entrada da equipe reflexiva, acontece uma marcante mudança de atitude dos membros da família, e também dos terapeutas de campo. As mudanças ocorrem tanto ao nível do conteúdo das conversas como também, entre outros aspectos, no contexto emocional da sessão e na fluidez das interações. Estas mudanças muitas vezes contribuem de forma decisiva para o bom andamento do processo terapêutico.
Quanto melhor
pudermos conceituar os aspectos que tornam este procedimento produtivo, maiores
serão os proveitos que poderemos tirar dele.
Definição
Como vai ser descrito posteriormente pelo próprio criador Tom Andersen
(1.1). As características deste procedimento que leva o sistema a um
processo reflexivo são:
O atendimento
é realizado por uma equipe, sendo que parte da equipe interage diretamente
com a família, conduzindo a sessão (equipe de campo), enquanto
outra parte observa, fora do campo terapêutico, muitas vezes atrás
de um espelho unidirecional (equipe reflexiva). Quando se faz necessário,
o foco é invertido de forma que a equipe reflexiva passe a ser ouvida
por terapeuta(s) de campo e família. Nessa situação os
integrantes da equipe reflexiva conversam sobre o que chamou a atenção
de cada um deles no que estavam assistindo da família, sem nenhuma preocupação
em chegar a um consenso ou a uma verdade única. Novamente o foco é
invertido e o conjunto família / terapeuta(s) de campo volta à
cena. Normalmente conversando sobre o que acabaram de assistir, o(s) terapeuta(s)
de campo busca(m) utilizar as portas abertas pela equipe reflexiva, aprofundando
ou tocando em novos temas. Algumas perguntas tipicamente utilizadas neste momento
são: “do que foi dito o que fez sentido para vocês?”
“O que não fez nenhum sentido para vocês?” “Que
colocações chamaram mais a sua atenção?”.
Contextualização histórica
A equipe reflexiva foi criada enquanto técnica e tem sido bastante divulgada
pelo psiquiatra, norueguês Tom Andersen. Professor do “Institute
of Community Medicine, University of Tromso”, Noruega.
Tom
conta no fragmento a seguir o contexto em que esta técnica foi cunhada:
(1.2)
“ALGO ACONTECEU
Durante dois ou três anos, em parceria com minha co-terapeuta (Ama Skorpen,
MHN), andei elaborando algumas idéias que a falta de coragem não
permitia que trouxesse a público.
Como vimos, a sessão terapêutica era, em si própria, um
processo. E esse processo propunha-se pôr novamente em andamento o processo
paralisado. Pensamos, portanto, que seria uma boa idéia deixar o sistema
“paralisado” analisar melhor o processo terapêutico. O pensamento
implícito era simples, pois havíamos dito que o objetivo é
importante, mas não o mais importante-. Mais importante é o caminho
para o objetivo. Quando alguém fica paralisado é por ser, muitas
vezes, difícil ou perturbador encontrar uma maneira de conseguir o que
deseja. As pessoas “paralisadas” dizem, “Não sabemos
o que fazer”. Seria útil para aqueles que nos consultam ver a maneira
como trabalhamos quando tentamos encontrar contribuições para
um novo caminho ou outros novos caminhos que nos levem ao objetivo?
Foram necessários três anos para termos coragem de mostrar a eles
nosso trabalho. Era fácil imaginar que, geralmente, quando falávamos
com as pessoas, estávamos tão carregados de pensamentos desagradáveis
sobre elas que poderíamos deixá-los “transparecer”
se, eventualmente, falássemos sobre essas pessoas enquanto nos escutavam.
Conseqüentemente, essa idéia teve um longo período de gestação.
Um dia, porém, em março de 1985, a própria idéia
forçou o seu nascimento.
Houve uma conversa entre um jovem médico e uma família que havia
passado por um longo período de privações. A miséria
havia sido tanta e por tanto tempo que a família nada mais sabia a não
ser sobre miséria. Chamamos esse médico para conversar e sugerimos
alguns temas de otimismo. Ele tornou a encontrar a família e tentou.
Mas esta facilmente o levava de volta para o seu tema deprimente da miséria.
Por mais duas vezes, fornecemos ao médico novos temas otimistas. Foi
em vão.
Nessa ocasião, já estava difícil conter a idéia.
Notamos que em nossa sala havia um microfone conectado com os alto-falantes
da sala de entrevistas das famílias. Não demoramos nem um minuto
para decidirmos bater na porta da sala de entrevistas e perguntar se gostariam
de nos ouvir por um momento. Um de nós falou que tínhamos algumas
idéias, talvez úteis, para sua conversa. Disse, “Se acharem
que essa idéia interessa, sugerimos que vocês todos, família
e médico, permaneçam em seus assentos nesta sala. Nosso equipamento
nos permite diminuir a luz, aqui, na sala onde estão e acender a da nossa
sala. Assim, podem nos ver, e nós ficamos sem condição
de ver vocês. Podemos também ligar o som de forma que vocês
nos ouçam e nós não possamos ouvir vocês”.
Nossa última chance de escapar dessa situação era não
concordarem, mas concordaram.
E pareciam surpreendentemente excitados. A essa altura, nos sentamos e ficamos
ouvindo o burburinho engraçado até que a luz de nossa sala se
acendeu e fez-se, daí em diante, um silêncio prolongado. Um de
nós quebrou esse silêncio com um comentário hesitante algo
sobre resistência e força. Outro prosseguiu com novas observações
sobre o mesmo assunto. Alguém levantou a hipótese de que, possivelmente,
toda essa luta contra um destino cruel desviava os membros da família
do uso de muitos recursos que obviamente possuíam. Aos poucos, demos
início a uma discussão sobre o que poderia acontecer se alguns
desses recursos fossem usados.
Quando acendemos a luz e o som voltou, estávamos preparados para ver
e ouvir o que quer que fosse, desde pessoas iradas até entediadas.
Mas, nos deparamos com quatro pessoas pensativas e bastante silenciosas, que
depois de uma pausa começaram a falar entre si com sorrisos e otimismo.
Parecia bem diferente da maneira usual de trabalhar. A relação
com a família tornou-se bastante diferente daquela que tínhamos
com as famílias que trabalhávamos de maneira “normal”.
Certamente, experienciamos o significado da famosa frase de Bateson: “A
diferença que faz uma diferença”. Começamos a questionar
nossos conceitos básicos e como seriam daí por diante. E mais
importante ainda, como transformar esses conceitos em prática?
A reversão da luz e do som trouxe uma liberdade surpreendente para a
nossa relação com a família. Não éramos mais
a (única) parte responsável. Éramos somente uma das duas
partes.
Esse novo formato tornou-se conhecido como equipe reflexiva. Pensamos no significado
francês da palavra e não no inglês, que no nosso entender
aproxima-se mais de réplica. O termo francês réfiexion,
que tem o mesmo significado do norueguês refleksjon,quer dizer: algo ouvido
é internalizado e pensado antes de uma resposta ser dada. A reversão
da luz e do som também proporcionou mais liberdade para pensar, e começamos
a questionar como os diversos conceitos e regras que seguíamos nos afetavam”.
(Andersen, 1991/2002, p. 32 a 35)
Tom Andersen pode ser classificado como um autor e terapeuta Construcionista-Social.
O construcionismo vem influenciando a terapia familiar há alguns anos
e tem como características básicas às crenças de
que não é possível ter acesso a uma realidade objetiva
e de que nossa aproximação do mundo lá fora (se é
que existe um mundo lá fora) é mediada pela nossa linguagem e
por toda nossa bagagem cultural. Desta forma o que é chamado de realidade
é uma construção cultural realizada intersubjetivamente.
Maturana em a árvore do conhecimento afirma que “o fato relatado
fala mais do observador do que do fato”(2.1).
Metodologia
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com 06 (seis) profissionais que
trabalham com equipes reflexivas. Estas entrevistas foram filmadas e podem ser
assistidas pelo leitor. Pesquisaram-se explicações e metáforas
que buscassem definir o que, na presença da equipe reflexiva, gera mudanças
no sistema família / equipe terapêutica. Durante estas entrevistas
foram feitas as perguntas disparadoras abaixo listadas:
· Para darmos início a nossa entrevista eu gostaria que você
se apresentasse.
· Há quanto tempo você trabalha utilizando equipes reflexivas?
· Este procedimento é eficaz quanto a sua possibilidade de facilitar
o atendimento terapêutico? Se for, quais são, do seu ponto de vista,
os aspectos que o tornam eficaz? Busque explicá-los.
· Após a entrada da equipe reflexiva podemos observar uma grande
mudança no contexto emocional do campo terapêutico, você
concorda com essa afirmação? Se concordar como você compreende
este fenômeno?
· O lugar dos terapeutas de campo é bem diferente do lugar da
equipe reflexiva. Como você definiria essas diferenças especialmente
quanto à escuta e quanto à fala?
· E quanto ao lugar do cliente. Como você percebe ser estar nesse
lugar?
· Que cuidados, em termos de composição da equipe e forma
de trabalho devem ser tomados no sentido de que a equipe se desenvolva bem?
· Você teria alguma metáfora que ilustre o funcionamento
deste método? É como se...
· Você tem alguma historia sobre este tema que queira contar?
Foram entrevistados
(clique sobre o nome para assistir ao vídeo, ou copie o endereço
disponível em Referências Bibliográficas):
Carlos
Zuma – Psicólogo, terapeuta de família, fez formação
paralela no ITF e no IPUB. É professor e monitor do ITF desde sua formação
em 1992.
Helena
Julia M. Monte – psiquiatra, docente e supervisora do ITFRJ, membro
fundadora do Instituto Noos.
Heloisa Rodrigues – Formada há 23 anos, tendo sua primeira formação
em Gestalt-Terapia. Há 10 anos trabalha com terapia de família.
Jorge
Bergallo – Psicólogo, especializado em terapia de família
pelo ITF e fundador do Instituto Noos.
Rosana
Rapizo – Psicóloga com pós-graduação em
terapia de família. Fundou o Instituto de Terapia de Família do
Rio de Janeiro há 18 anos, e trabalha como coordenadora e professora
da turma de formação do Instituto.
Teresa
Cristina Diniz – Terapeuta de família e sócia-fundadora
do ITF. Uma das responsáveis pela divulgação do trabalho
de Tom Andersen no Brasil.
Epistemologia
Acredito ser fundamental especificar de onde estou falando para que o leitor
tenha uma o maior possibilidade de compreender o que estou dizendo.
Eu sou um Gestalt-Terapeuta e como tal se torna impossível enxergar o
universo sistêmico sem utilizar minhas crenças como lentes. A Gestalt-terapia
se baseia em conceitos originários de certas correntes da filosofia de
língua germânica que marcaram a virada do século XIX para
o século XX.
Questões em relação ao dualismo sujeito / objeto e sobre
a possibilidade ou não de se acessar uma realidade objetiva (se é
que ela existe), que estão na alma do pensamento pós-moderno já
eram pensadas e discutidas por filósofos como Kant (século XVIII),
Nietzsche (século XIX), Edmundo Husserl (século XIX e inicio do
século XX), Heidegger (século XX), Merleau-Ponty (século
XX) e outros.
Husserl construiu a fenomenologia como método e como filosofia, com isso
iniciou um dos caminhos de busca de superação do dualismo sujeito
/ objeto estabelecido em seu tempo nos discursos das escolas empirista e racionalista.
A fenomenologia é uma das bases mais importantes da Gestalt-terapia,
tanto em função de suas influências diretas como também
por influências indiretas, a medida em que gerou grande repercussão
tanto em outras correntes filosóficas como em algumas correntes teóricas
que vieram a influenciar de maneira fundamental a Gestalt-terapia. Como exemplo
de correntes influenciadas podemos citar o existencialismo como filosofia e
a psicologia da Gestalt (Gestalt teoria) como a abordagem teórica. O
existencialismo nos traz uma visão de homem bem demarcada. A Gestalt
teoria colaborou marcantemente na rede conceitual que é utilizada pela
Gestalt-terapia.
A Gestalt-Terapia, da mesma forma que abordagem sistêmica, guarda em seu
bojo uma ampla gama de sabores, isto é da mesma forma que existem várias
vertentes no universo que é denominado como abordagem sistêmica,
este mesmo fenômeno acontece no interior do que chamamos Gestalt-Terapia,
com uma diferença muito marcante, na Gestalt os sabores diferentes terminam
não sendo batizados como ocorre na terapia sistêmica (1ª cibernética,
2ª cibernética, cibernética de primeira ordem, cibernética
de segunda ordem, modelo estratégico, modelo estrutural, modelo narrativo,
etc. Estas perspectivas possuem similaridades que justificam o pertencimento
a uma família sistêmica, porém possuem singularidades, o
que também justificavam uma nomenclatura diferente). A Gestalt-Terapia
valoriza, de forma marcante, a possibilidade de diversidade, a busca das potencialidades
singulares do individuo. Dentro deste contexto, é natural e esperado,
a presença de terapeutas com estilos diferentes sob esta mesma classificação,
isto se dá de acordo com as características de personalidade e
também do momento de vida dos terapeutas. Claro que desde que certos
pressupostos filosóficos não sejam contrariados.
Costumo comparar a Gestalt-Terapia com a abordagem sistêmica, usando a
metáfora de duas árvores diferentes que cresceram numa mesma região
de forma que alguns galhos se aproximam muito. Ambas são árvores
por isso têm similaridades, porém são árvores de
espécies diferentes o que gera singularidades. A sistêmica, árvore
oriunda de tradições científicas traz conceitos precisos
e linguagem acadêmica. A Gestalt-Terapia é uma árvore oriunda
de tradição filosófica com conceitos mais abstratos, de
transmissão mais difícil.
Nos pontos
em que os galhos dessas duas árvores, que se originam de universo simbólicos
diferentes, se aproximam quase se tocando, surgem panoramas similares, pontos
de vista extremamente parecidos. Uma ave pousada em qualquer uma das duas árvores
nestes pontos de proximidade enxergaria quase a mesma paisagem.
Não devemos esquecer que estas duas árvores têm algum parentesco
comum. As correntes filosóficas que dão sustentação
a Gestalt-terapia certamente tiveram influência marcante na brisa pós-moderna
que tem sido presente na atualidade e nos discursos científicos nos quais
se apóia a abordagem sistêmica. Atualmente o diálogo estabelecido
entre as diversas vertentes do conhecimento com certeza gera influências
mútuas entre essas duas árvores em particular.
Kurt Lewin um dos participantes das conferências Macy era um teórico
da Gestalt Teoria e fez grandes contribuições com sua teoria de
campo. Varella sofreu grande influência de Merleau-Ponty que era um grande
estudioso de Husserl, pai da fenomenologia. O conceito de carnalidade, por exemplo,
está muito próximo do que Husserl chamava de resíduo da
redução fenomenológica.
Voltando às árvores, certamente existem vários galhos de
uma e outra árvore que se aproximam. Temos por exemplo, Gestalt-Terapeutas
de tendência mais assertiva e interventiva, que se aproximam em sua postura
da adotada no modelo estratégico, este absolutamente não é
o meu caso. Em minha postura terapêutica, dou ênfase ao método
fenomenológico e a crença na relação terapêutica
como terra fundamentalmente fértil para o desenvolvimento humano.
Vai ser necessário aqui definir e explicar postura fenomenológica
e relação terapêutica dentro de minha ótica.
Postura fenomenológica. Edmund Husserl pai da fenomenologia era um matemático
aluno do filósofo Brentano. Ele buscou superar a dicotomia, marcante
em sua época entre empirismo e psicologismo através de seu método
fenomenológico. Husserl afirma que toda consciência é consciência
de alguma coisa, que não existe consciência sem objeto. Desta forma
não é possível separar o objeto do observador. No fenômeno
da observação o que temos de fato é o que surge da interação
entre o observador e o que é observado. Não existe a possibilidade
de separação, de purificação total do que é
observado. O método fenomenológico como processo de desenvolvimento
do conhecimento propõe como postura, a busca da redução
fenomenológica. O que é a redução fenomenológica?
É a busca de se colocar a realidade entre parênteses, objetivando
dentro dos limites possíveis distinguir o observador do que é
observado. Quanto maior é a consciência que o observador tem de
sua forma de perceber o objeto, com seus valores, conhecimentos pré-existentes,
etc, maior a aproximação do que é observado. Em outras
palavras é a busca de se abrir para experiência quando se quer
aproximar do que se está observando.
Martin Buber filósofo existencialista nos traz conceitos relacionais
muito interessantes. Buber fala de relação Eu-Isso e relação
Eu-Tu. Na relação Eu-Isso eu não observo o mundo com curiosidade,
eu reduzo a realidade aos meus mapas anteriores e simplifico e lido com ela
nesses moldes. Na relação Eu-Tu eu me encontro com algo que não
conheço, olho o que há a minha volta com curiosidade, como alguém
que nunca vira anteriormente o que está observando. É uma relação
bem mais complexa e sujeita a novidades.
Voltando a falar de relação terapêutica podemos dizer que
uma relação terapêutica produtiva é aquela recheada
por muitos momentos Eu-Tu, onde eu não reduzo a pessoa que está
na minha frente às minhas teorias, procuro viver um encontro existencial.
Acredito que o ser humano cresce neste tipo de encontro. Acredito que da troca
genuína e honesta surge o novo. Do contrário, isto é, se
coloco entre mim e a pessoa que está a minha frente minhas teorias gero
uma relação Eu-Isso, transformo em coisa essa pessoa deixando-a
sozinha em suas experiências, e é claro, não é fácil
caminhar sozinho especialmente quando esse caminho atravessa áreas nebulosas
e ameaçadoras como as que são típicas de um processo terapêutico.
Em uma relação terapêutica quanto mais clareza a pessoa
que está sendo atendida tem de onde ela está pisando, mais segurança
tem ao caminhar, por isso a importância de uma postura honesta e genuína,
de uma postura ao máximo transparente aonde a confirmação
da presença de um outro é fundamental. Vem daí o motivo
de tamanha ênfase na troca.
Pareceu-me necessário mostrar de onde estou olhando para explicar porque
acho tão importante a compreensão do funcionamento da equipe reflexiva.
Este processo me parece extremamente familiar e coerente. A alma do que eu acredito
ser um processo terapêutico está na possibilidade de troca genuína
e honesta onde eu reconheço a capacidade e o valor de quem estiver em
atendimento comigo. Busco estabelecer uma relação em que este
outro possa me enxergar como sou, de forma, a poder saber, onde está,
e a ter subsídios para decidir se quer se mostrar ou não. Da mesma
forma a equipe reflexiva tenta não ensaiar. Busca realizar uma troca
genuína, viva e espontânea diante da família, trazendo à
tona as experiências vivenciadas pelos integrantes da equipe no contato
com a família. Para mim fica muito fácil traçar um paralelo
entre o encontro existencial que ocorre numa relação terapêutica
individual, e o encontro existencial vivido entre a família de terapeutas
(equipe que realizam o atendimento utilizando "equipe reflexiva")
e a família em atendimento.
Um outro aspecto muito importante dessa forma de trabalhar é que em minha
experiência quando se tem uma equipe entrosada e consistente os terapeutas
de campo podem ter uma postura mais contemplativa, menos assertiva do que em
outros contextos. Saber que se está trabalhando com um time e que se
necessário existe a possibilidade da entrada da equipe gera um contexto
diferenciado. No atendimento familiar é muito importante que o terapeuta
mantenha a organização da sessão, caso contrário
o processo terapêutico se dilui e perde o seu sentido. Desta forma, normalmente
o terapeuta de família precisa administrar com rédeas curtas o
processo terapêutico. A presença da equipe reflexiva permite um
significativo afrouxamento nessas rédeas, à medida que a entrada
da equipe é estruturadora. Ela organiza o campo, faz afirmações;
o(s) terapeuta(s) de campo pode(m) perguntar mais, buscar abrir portas. A equipe
ajuda a costurar as coisas, dando margem a uma interação mais
próxima entre terapeutas de campo e família. Eu gosto disso. Quanto
maior a proximidade, maior a possibilidade de troca, e é claro maior
a probabilidade de mudanças. Este modelo facilita uma aproximação
segura.
O respeito à diversidade de opiniões, valorizado e essencial para
o processo reflexivo, também me parece extremamente coerente com uma
abordagem existencialista. O existencialismo crê em um homem que é
livre por condição, e para o qual o equilíbrio só
é possível a medida em que ele é consistente em sua autoconstrução,
respeitando suas características singulares.
O respeito à individualidade, a fé na interação
e a coerência interna deste método me fazem identificá-lo
como uma postura terapêutica muito próxima ao estilo Gestalt-Terapêutico
com o qual me identifico. Desta forma percebo alguns pontos interessantes de
convergência entre construcionismo social e minha forma gestáltica
de observar o mundo.
Eu acredito em uma Gestalt-Terapia que se apóia na filosofia, nessa abordagem
as teorias são transitórias. Fundamentais, mas transitórias.
A ética, a atitude e a coerência da postura terapêutica são
as bases sólidas e fundamentais para o fluir do processo terapêutico.
Esta forma de pensar é extremamente coerente com a visão construcionista
de que o que é chamado de realidade é apenas uma construção
possível entre muitas outras, não devendo ser encarada como uma
representação icônica de uma realidade objetiva ou mesmo
como a própria realidade.
Discussão das respostas obtidas nas entrevistas
Passo neste momento a estudar cada pergunta, feita nas entrevistas, listando
as idéias que foram apresentadas pelos entrevistados. Tarefa difícil
de realizar devido à sua complexidade.
Surpreendeu-me perceber como é difícil destilar de forma coerente
as idéias contidas em uma entrevista filmada. Seguramente é muito
mais fácil extrair, com alguma fidelidade, as idéias de um texto
escrito. A entonação da voz, a forma de olhar, a postura ao falar.
São inúmeras as nuances que transmitem informações
influenciando no conteúdo do que é dito.(3)
Tenho certeza das limitações do trabalho que executei. Certamente
o leitor, assistindo aos vídeos com atenção, vai ser capaz
de identificar idéias que não foram traduzidas em sua plenitude.
Mas, isso não me preocupa, pois é totalmente coerente com a importância
que identifico na prática da equipe e reflexiva. A possibilidade de a
família assistir ao diálogo da equipe reflexiva dá margem
a transmissão de uma quantidade incrível de estímulos e
informações, o que é incomparável com a intervenção
através do telefone, por exemplo.
Depois de listar as idéias que consegui captar das entrevistas farei
algumas reflexões sobre este procedimento. Não vou ter nenhuma
preocupação em relação a aspectos quantitativos
e percentuais. Vou me ater a comentar as idéias apresentadas, buscando
utilizá-las como disparadoras para a construção das respostas
mais ricas possíveis neste momento para as perguntas que efetuei.
1) Este método é eficaz quanto a sua possibilidade de
facilitar a dinâmica terapêutica? Se for, quais são, do seu
ponto de vista, os aspectos que o tornam eficaz? Busque explicá-los.
Obtivemos dos entrevistados as seguintes idéias:
PROPOSIÇÕES LIGADAS A EQUIPE REFLEXIVA DE FORMA GERAL
· Pessoas diferentes observam, são sensíveis, a aspectos
diferentes trazendo riqueza e novidades ao contexto terapêutico.
· A possibilidade de se pensar diferente, enquanto membro da equipe,
modela uma possibilidade de convívio entre idéias diferentes influenciando
positivamente a família.
· Pontos de vistas diferentes dão margem a novas idéias
para o sistema.
· A carga emocional que vem junto com a idéia também é
importante.
· A posição da equipe é diferente, não tendo
de se preocupar com determinados aspectos (condução do processo),
ela pode perceber coisas difíceis de serem vistas pelo terapeuta de campo.
· A equipe tem liberdade de colocar coisas que um terapeuta de campo
não teria.
PROPOSIÇÕES LIGADAS A DIFERENÇAS NO SUBSISTEMA
FAMÍLIA EQUIPE DE CAMPO
· Ritualização é construído um rito de entrada
da equipe, uma espécie de ritualização do processo de compartilhar
as idéias.
· A entrada de um grupo falando sobre as pessoas de um lugar diferente
gera um escuta diferente.
· Sempre acrescenta alguma coisa, mesmo que seja no sentido de gerar
contraste. “Não eu não penso assim”.
· Quebra a relação dual terapeuta família, cria
uma situação circular.
· Como se trouxesse uma nova dimensão para a situação
terapêutica uma perspectiva diferenciada.
PROPOSIÇÕES LIGADAS A FAMÍLIA
· Nunca se sabe qual idéia vai surtir efeito na família.
· Permite que as pessoas se escutem através dos membros da equipe.
Escutem a própria voz modificada e a distância.
· Escuta a repercussão que ela teve em uma outra pessoa e a distância.
· O repertório de visões diferentes é oferecido
como um cardápio de fácil escolha, posto que essa escolha não
é feita dentro do diálogo, mas olhando de fora.
· O fato do olhar não ser direto na pessoa faz com que ela possa
assistir ao diálogo de um ponto confortável.
· A família tem a oportunidade de entrar em contato com diálogos
internos e externos, possibilitando o surgimento de vozes que não estavam
acessíveis.
Considerações
Está foi a primeira pergunta voltada para o objetivo central do trabalho,
e vai direto ao ponto. Quais são as características que trazem
eficácia a este método? As idéias apresentadas acima me
pareceram coerentes e de fácil compreensão, não vou cansar
o leitor repetindo-as. Seguindo a coerência com o método reflexivo
vou me ater a escrever sobre as idéias que neste momento se fazem mais
marcantes para mim.
É inegável a importância do aporte de novas idéias
que a equipe reflexiva traz ao universo terapeuta de campo/clientes, porém
alguns outros aspectos também me chamam atenção. As idéias
não vêem de uma máquina. Vêem de pessoas que expressam
sua "pessoalidade" no que estão dizendo. A família e
os terapeutas de campo tem a oportunidade de presenciar em toda a sua intensidade
a expressão de vida das pessoas que compõem a equipe reflexiva.
A equipe reflexiva tem a oportunidade de fazer poesia viva, tocando em temas
intensos e íntimos da família. O contexto gerado por esta prática
permite isto.
Uma música é capaz de transmitir sentimentos e idéias que
para que se possa descrever seriam necessárias milhares de palavras.
De uma certa forma a equipe reflexiva tem a oportunidade de criar música,
criar poesia, criar drama tocando em um enredo trazido pela família.
Desta forma o que é transmitido tem dimensões difíceis
de se explorar simplesmente com palavras escritas, pois no contato humano, no
diálogo humano são transmitidas muito mais do que palavras.
E tudo isso ocorre em solo sagrado. Em uma terapia familiar, quando o processo
vai se aprofundando, terapeutas e família vão entrando em áreas
sagradas. A intimidade de uma família merece respeito e cuidado. Eu sempre
me sinto honrado quando as famílias nos permitem transitar por essas
áreas.
Paradoxalmente a presença de uma equipe reflexiva facilita o caminho
para essas áreas mais sagradas, digo paradoxalmente, pois o fato de existirem
pessoas assistindo de fora a sessão terapêutica poderia gerar uma
situação de menos intimidade. Porém a medida em que as
sessões vão se sucedendo a presença da equipe reflexiva
contribui para o estabelecimento de um contexto de segurança, de um contexto
de confiança. Este contexto de confiança parece ser gerado, entre
outros fatores, pela intensidade das colocações feitas pela equipe
reflexiva. O distanciamento que a equipe reflexiva tem do processo terapêutico
permite que seus integrantes vivam um contato intenso com seus sentimentos para
depois falar deles. Isto gera uma intensidade marcante nas palavras que são
trazidas por eles, contribuindo para a construção de um clima
cada vez mais íntimo. Isto também se reflete na equipe terapêutica
como um todo. A cada atendimento a situação de estar passeando
e se mostrando em um terreno tão íntimo e sagrado, convida a equipe
como um todo (equipe de campo mais equipe reflexiva) a um clima de intimidade
no qual a possibilidade de exposição na inter-relação
da própria equipe tende a se intensificar.
Do ponto de vista de uma abordagem existencial se existe um encontro existencial
verdadeiro, existe mudança dos dois lados. No caso de um processo terapêutico
ocorrem mudanças tanto na família como também no terapeuta.
Esta crença é totalmente coerente com as mudanças que vão
acontecendo também no interior da "família equipe terapêutica".
Cabe ressaltar que uma infinidade de fatores, que compõe o campo equipe
terapêutica, pode interferir neste processo, daí a importância
de se trabalhar cuidadosamente a equipe terapêutica. Iremos aprofundar
este ponto posteriormente.
2) Após a entrada da equipe reflexiva podemos observar uma grande
mudança no contexto emocional do campo terapêutico, você
concorda com essa afirmação? Se concordar, como você compreende
este fenômeno?
Obtivemos dos entrevistados as seguintes idéias:
· O contato com idéias tão diversas a respeito dos acontecimentos
descola a família do aqui e agora. Permite que a família vá
para uma situação reflexiva em relação aos problemas.
É como se a pessoa tivesse olhando para um quadro com nariz encostado
nele e com essa dinâmica ela pudesse ir se afastando do quadro e com isso
encontrasse uma perspectiva com a qual é possível ter uma visão
mais ampla daquele contexto.
· Quando a equipe entra é como se outros terapeutas viessem cuidar
da família e dos terapeutas de campo e isso traz um sentimento de cuidar.
Isso traz um clima de cuidado e de generosidade. Traz também um clima
de diálogo, mesmo que existam diferenças de ponto de vista, isto
não tem importância em função deste clima de diálogo.
· A equipe está mais livre para refletir, para trazer sua vivência,
falar sobre como foi tocada, o que sentiu e o que pensou. A equipe reflexiva
é mais emocional. Cria um espaço mais livre para se falar do que
se está vivendo de forma menos mediada, mais espontânea e menos
censurada.
· Poder falar de um lugar de igualdade de ser humano, de pessoa para
pessoa, minimizando a distância do especialista para o paciente. E isso
aproxima esse trabalho da Gestalt-Terapia.
· Interrompe o fluxo da conversa coloca a família numa posição
de escuta.
· O fato de outras pessoas entrarem, a ritualização, fato
de as pessoas conversarem entre elas, isso tudo quebra o clima já existente.
· É como se abrisse uma janela na sessão para que as pessoas
pudessem ouvir tanto a elas mesmas como as ressonâncias trazidas pela
equipe.
· A ritualização.
· A entrada de outras pessoas.
· A solenidade dessa fala ser num espaço separado.
· A família não incluída na conversação,
sendo colocada numa posição de escuta.
· Fala do sentimento cada um fala do que sente. A equipe é orientada
a buscar as ressonâncias, a falar de suas próprias experiências
que foram provocadas a partir do que foi presenciado.
· A família vê gente interessada na história deles
e falando como gente, falando de si mesmo.
· Ninguém é culpado, ninguém é inocente,
é apenas uma história que qualquer um pode viver. Não é
privilégio de ninguém.
Considerações
Considero esta pergunta extremamente importante. Nossa sociedade ocidental não
nos treina muito a prestar atenção no subjetivo. Nós somos
sempre incentivados a olhar para o concreto para o objetivo para o que tem uma
forma definida. Em um diálogo é estabelecida uma espécie
de dança na qual muito mais do que o conteúdo verbal objetivo
é transmitido.
Em um processo terapêutico se busca caminhar por áreas nas quais
as pessoas em outros contextos não ousam ou não conseguem trafegar.
Para que essas expedições emocionais, no universo íntimo
de uma família possam ser bem sucedidas é fundamental que os passos
sejam dados de forma extremamente consistente isto é os passos precisam
ser firmes e ao mesmo tempo cuidadosos. Os expedicionários precisam estar
seguros confiantes e atentos. No universo do diálogo essa consistência
passa por uma percepção e por uma expressão que leve em
conta, da forma mais ampla possível, a totalidade do que se expressa
quando se dialoga e esta totalidade vai muito além do conteúdo
objetivo do discurso. Neste sentido a diferença de papéis exercida
pelos membros de um sistema terapêutico, dividido em terapeutas de campo
e equipe reflexiva, facilita com que este sistema abranja um universo mais amplo
no diálogo estabelecido com a família. Este formato amplia a possibilidade
de identificar uma gama mais ampla de nuances no diálogo terapêutico
e de traduzir em "palavras humanas" também uma gama mais ampla
de nuances apreendidas/construídas nesta relação.
A consistência emocional construída neste processo dá sustentação
à “expedição emocional" (terapia familiar),
criando um contexto seguro para a jornada. Desta forma, com muita freqüência,
as alterações que surgem após a passagem da equipe reflexiva
vão na direção de uma intensificação da possibilidade
de expressão emocional. É como se as pessoas pudessem estar mais
integradas, mais sintonizadas em suas emoções. É claro
que a possibilidade de estar numa situação de escuta, fora do
diálogo direto também dá a família a possibilidade
de exercer um papel diferente e observar aspectos diferentes enquanto está
neste lugar. É uma dança na qual as trocas de posições
facilitam o movimento.
3) O lugar dos terapeutas de campo é bem diferente do lugar da
equipe reflexiva. Como você definiria essas diferenças, especialmente
quanto à escuta e quanto à fala?
· Quando o terapeuta está no campo, ele fica mais limitado tanto
em relação à possibilidade de escuta como em relação
à possibilidade de fala.
· É importante que o terapeuta de campo busque calçar o
sapato do cliente, busque pensar e sentir como o cliente. Isso aproxima o terapeuta
do cliente, porém limita sua possibilidade de visão e de fala.
· O terapeuta que está atrás do espelho fica mais livre
podendo olhar para o que quiser. Fica menos comprometido com esta identificação
tão grande com o paciente. Dá para ter uma visão um pouco
mais geral.
· A equipe reflexiva fica mais livre para falar. Ela se autoriza a falar
coisas que o terapeuta de campo não poderia falar em função
do lugar de empatia que ocupa.
· Os terapeutas de campo ficam mais focados na família. A equipe
reflexiva não tem que amarrar nada, apenas tem que colocar estímulos.
· Existe uma divisão de tarefas. Quando estou no campo eu não
preciso me preocupar com certos aspectos porque sei que equipe vai estar atenta
a eles.
· O terapeuta de campo tem uma conexão mais direta, tem uma vinculação,
uma afetividade, uma responsabilidade diferente. Ele produz um diálogo,
faz perguntas, se mobiliza. Ele tem que facilitar uma conversa. Não que
ele não fique em contato com suas ressonâncias, seus sentimentos,
mas existe ali uma exigência de rapidez de produção, de
fazer perguntas de pensar junto, de lidar com a emoção de uma
maneira diferente.
· Quem está atrás do espelho está priorizando uma
escuta, o silêncio, contato consigo mesmo, a ressonância do que
está escutando da família e finalmente a transformação
disso numa fala que a família possa ouvir.
· A conexão da equipe reflexiva com a família tem uma certa
distância, até física mesmo, eles não estão
participando da conversa.
· A equipe escuta para pensar em algo que vai dizer em um outro momento.
O terapeuta escuta para construir um diálogo.
· Quem está no campo está numa conversação
está buscando intervir de forma a facilitar essa conversação.
Quando se está na equipe reflexiva se está buscando falar sobre
o que ressoou daquela a conversa.
· Fala da equipe reflexiva é uma fala mais estruturada é
uma fala vinda de um silêncio traz uma conexão com a emoção.
· Terapeuta de Campo se ocupa com o texto. A equipe atrás do espelho
está ocupada com o contexto.
· O terapeuta de campo. Tem que cuidar de perguntas, respostas, ações,
reações. Ele tem que cuidar de todo mundo com base nos fatos.
A equipe reflexiva vem falando no processo. Não tão ligada aos
fatos.
· A equipe reflexiva se ocupa de uma visão mais geral, vê
o processo mais do que o fato.
· A interferência de quem está atrás do espelho é
menor por que o contato não é um contato direto, o que gera preocupações
diferentes.
· Basicamente quando estou atrás do espelho eu procuro a emoção.
Considerações
O tamanho da diferença existente entre os dois lugares é muito
marcante. Alguém que não tenha vivido a experiência de ocupar
as duas situações, não tem como imaginar a nitidez dessa
diferença de papéis. Os terapeutas de campo conduzem o leme. A
equipe reflexiva traz a alma. O terapeuta de campo dá suporte ao processo,
estrutura o caminho, constrói o diálogo. A equipe reflexiva é
uma caixa de ressonância que amplifica e dá qualidade ao som. Funciona
como uma espécie de oráculo. Não um oráculo místico
com poderes sobre humanos. Um oráculo humano, com um calor do humano
e a riqueza do encontro, da troca, do contato entre pessoas. Um contato entre
pessoas protegido. Podemos pensar o lugar atrás do espelho como um mosteiro
onde em um contexto de paz e distanciamento, os monges podem meditar e a re-ligação
(da palavra religião) tem espaço para acontecer. Só depois,
em um segundo momento, elas vão falar do que perceberam, do que vivenciaram
e vão dialogar com seus pares, seus colegas de equipe reflexiva que passaram
por situação idêntica. Este diálogo dá margem
a uma troca que auxilia mais ainda na elaboração e na expressão
do que foi vivenciado.
4) E quanto ao lugar do cliente. Como você percebe ser estar nesse
lugar?
· Se num primeiro momento a família ou o grupo acha um pouco estranho
depois deles passam a pedir que ocorra a equipe reflexiva.
· Pode escutar sem ter que se posicionar.
· A relação com a equipe reflexiva é mais emocional,
com os terapeutas de campo a relação é mais pesada mais
séria.
· A família pode ficar no lugar de escuta reflexiva.
· Pessoas gostam muito, reclamam se equipe não vai.
· É como se eles pudessem escutar de fora o que foi dito no decorrer
da sessão.
· Não lembro de nenhuma situação em que a família
não gostasse da entrada da equipe.
· É um momento de escutar coisas diferentes, sínteses.
Considerações
As idéias retiradas das entrevistas já são bastante elucidativas,
mas vale a pena fazer alguns comentários.
Mesmo que contextualizemos cuidadosamente a família quanto às
características desta prática a primeira entrada de uma equipe
reflexiva no atendimento de uma família pode parecer algo insano, especialmente
se a equipe reflexiva vem até a sala de atendimento ao invés de
ocorrer a mudança na luminosidade que permite a inversão da visão
no espelho onidirecional. É uma situação que precisa ser
muito bem explicada, pois para começar a presença de pessoas atrás
do espelho já é algo estranho e meio persecutório. De repente
elas adentrarem a sala e, sem a menor educação, começarem
a falar entre elas como que fingindo não perceberem a presença
das pessoas que estão na sala. É uma situação mais
estranha ainda.
Chama atenção como em muito pouco tempo a família absorve
essa que pode parecer uma estranha situação e consegue vivenciar
de forma geralmente intensa, gratificante e produtiva, o contato com a equipe
reflexiva. Acredito que a sintonia que as colocações feitas pela
equipe reflexiva tem com o momento emocional da família facilita a compreensão
deste procedimento por parte da família e a absorção dessa
dinâmica como parte integrante do processo terapêutico.
Pensando sobre a idéia da ausência de um olhar direto entre a equipe
reflexiva e a família, de não se estar dentro de um diálogo,
ocorre-me a idéia de que em um grupo em que as pessoas estão dialogando
tem toda uma rede de cumplicidades e identificações que vão
influenciar nas teses que são definidas. Isso fica diferente quando o
diálogo é feito dentro de um outro universo, a equipe reflexiva.
5) Que cuidados, em termos de composição da equipe e forma
de trabalho devem ser tomados no sentido de que a equipe se desenvolva bem?
· Diversidade: pessoas diferentes compondo a equipe, a diversidade é
muito importante.
· Não deixar cair no âmbito de uma hierarquia de poder,
definição de certo e errado cuidar para que seja uma relação
humana.
· Construir na equipe uma noção clara do humano, da relação
de pessoa a pessoa, de ter contato com o que se sente.
· Confiança. Existir um clima de confiança nas relações
da equipe.
· Estar atento ao objetivo, cuidar para que não aconteçam
disputas dentro da equipe.
· Cuidar do falar, na forma de falar e se o que será falado vai
ser algo que vai abrir possibilidades para a família?
· Cuidado para não trazer idéias demais.
· É um exercício pessoal de percepção dos
seus sentimentos e o exercício de transformar isso em palavras de uma
forma construtiva. O objetivo não é só falar dos sentimentos,
mas usar as ressonâncias para construir uma fala que possa contribuir
com a família e isso tudo sem perder a espontaneidade. Esse é
um exercício difícil.
· É importante sempre trabalhar as relações dos
membros da equipe.
· Para mim um maior cuidado é trabalhar a confiança, evitando
o máximo possível a competição e exercitar o respeito.
Todas as falas são pertinentes e é sempre surpreendente quais
são as falas que vão ser valorizadas pela família.
· Procurar a diferença que faz diferença. Algo que seja
próximo o suficiente para ser escutado, mas suficientemente diferente
para gerar novidades.
· Falar cantando. De uma forma que não seja agressiva para família.
· Falar de uma forma que gera segurança que as pessoas se sintam
protegidas.
Considerações
Mais uma vez as idéias trazidas a partir das entrevistas já são
extremamente elucidativas.
Essa pergunta convida a três possíveis linhas de pensamento. Primeira
que cuidados tomar durante o processo terapêutico para que ele seja produtivo
e corra bem. Uma outra linha é de que cuidados tomar na administração
de uma equipe reflexiva ao longo de sua existência. A terceira linha de
pensamento é no sentido de que cuidados tomar na montagem, na composição
da equipe.
A dinâmica em questão é muito rica, porém alguns
cuidados realmente são muito importantes. A equipe precisa ter uma noção
clara de sua identidade diante do contexto terapêutico. É fundamental
que os integrantes da equipe tenham clareza de sua função e do
objetivo de suas colocações. Essa clareza molda a forma como as
pessoas vão se colocar. Faz com que as pessoas fiquem atentas em falar
de maneira a serem escutadas tanto em termos da forma como em termos de conteúdo.
A fogueira das vaidades, facilmente transforma em cinzas uma equipe terapêutica.
Quanto maior a condição de diálogo que os integrantes de
uma equipe terapêutica tenham, mais provável é o sucesso
dessa equipe. Neste sentido é fundamental investir em cuidar das relações
entre os membros da equipe e a disponibilidade para este investimento é
um ingrediente fundamentalmente necessário. O resto se constrói
com o tempo.
Também é importante estar atento em relação a como
as ressonâncias do contexto familiar afetam a interação
dos membros da equipe terapêutica. Se surge, por exemplo, um clima de
competição dentro da equipe terapêutica vale investigar
atentamente se existe alguma possível relação deste clima
com o contexto emocional trazido pela família. A identificação
deste tipo de relação protege a equipe e permite a utilização
destas informações em prol do processo terapêutico.
Quanto à composição da equipe penso que esse tema merece
uma pesquisa, e que essa pesquisa não deve ser muito fácil de
ser realizada, posto que se pensarmos em estilo de personalidade, experiência
de vida, gênero e muitos outros fatores que podem ser combinados, temos
um universo extremamente amplo para observar.
6) Você teria alguma metáfora que ilustre o funcionamento
deste método?
É como se...
· É como uma lufada de ar que entra na sala. Um arejamento.
· É como um “pit-stop” a equipe troca os pneus reabastece
verifica o óleo. Faz o ajuste fino.
· É uma coisa de coração puro. Um bálsamo
para a família e para os terapeutas de campo.
· É como se a família naquele momento ocupasse o lugar
da diretoria, ficasse em posição de avaliar, de dizer: gosto;
não gosto; achei interessante; não achei interessante.
· Como se fosse um ritual.
· É como se fosse um coro grego que está fora da cena,
mas fala coisas que interferem na cena.
· É como se estivesse todo mundo no mesmo barco com funções
diferentes e todos dependem de todos, todos são responsáveis.
Considerações
Chamou minha atenção a variedade de aspectos focalizados pelos
entrevistados. Praticamente cada metáfora citada aponta para uma gama
específica de características do processo.
Penso que metáforas são extremamente ricas na sua possibilidade
de criar mapas para uma determinada situação. É como se
elas fossem multidimensionais, enquanto o discurso científico, por exemplo,
parece ter uma única dimensão. As metáforas são
como hologramas, enquanto a prosa é uma planta baixa.
Cada metáfora citada acima poderia ser longamente analisada e explorada,
mas não vou seguir esse caminho, prefiro deixar as metáforas como
metáforas mesmo. Vou me ater a colocar as minhas metáforas favoritas
para representar esta prática.
Fio
O contato direto é mais espesso que o fio do interfone, o fio é
muito fininho passa pouca informação. As intervenções
através interfone têm muito menos dimensões, gerando assim
um efeito menos rico.
Cinema
Assistir a equipe é como assistir a um bom filme (no caso ligado à
própria história da família e da sessão). Depois
de assistir a um bom filme com pessoas agradáveis normalmente surgem
conversas interessantes e animadas sobre o assunto. Alguns ingredientes desse
novo papo são: Cumplicidade (todos acabam de passar por situação
parecida assistiram o mesmo filme), mobilização afetiva, quebra
de gelo, assuntos que antes podiam estar na condição de tabu se
tornam acessíveis (aquecimento).
Considerações Finais
Realizar este trabalho foi extremamente gratificante. Hoje me sinto mais capaz
de falar sobre este método. Identifico com mais clareza alguns dos aspectos
que estão ligados ao retorno positivo que ela traz.
Penso que este trabalho também ajuda a demonstrar o quanto este método
pode ser congruente com o olhar Gestáltico.
A Gestalt terapia traz um olhar extremamente coerente com atendimento de família
e se mostra uma abordagem extremamente rica em termos desta finalidade. Atualmente
no Rio de Janeiro assistimos a um movimento marcante de aproximação
dos Gestalt-terapeutas em relação a pratica da terapia familiar.
Para tanto muitos terapeutas têm buscado suporte na abordagem sistêmica,
que tem grande tradição no atendimento familiar.
O diálogo com a abordagem sistêmica traz contribuições
marcantes para a Gestalt-terapia. Neste diálogo podemos enriquecer nossos
mapas, tanto em função da longa história da terapia sistêmica
no que tange ao atendimento familiar, como também a partir da percepção
das semelhanças e diferenças. Essa percepção ajuda
na construção de nossa identidade como terapeutas.
O contraste a diferença faz com que a figura emerja do fundo. Ter contato
com os olhares diferentes traz a possibilidade de acesso ao contraste e o contraste
ajuda no conhecimento.
Acredito que como terapeutas, quanto mais conhecemos nossos limites, nossa identidade,
mais condições temos de facilitar com que nossos clientes ampliem
a percepção que têm sobre suas identidades no contato conosco.
"A diferença que faz diferença" como nos diz Bateson,
se a diferença é grande demais não pode ser absorvida pelo
sistema. Se a diferença é pequena demais não traz novidades.
O contato com a forma reflexiva traz diferenças que fazem diferença.
No momento de catalogar as idéias trazidas pelas pessoas entrevistadas
ficou para mim tão nítido como é difícil traduzir
de forma objetiva o que a gente enxerga no que uma pessoa está dizendo
quando nós assistimos esta pessoa falando. Dar forma às diversas
dimensões que podemos perceber no discurso de uma pessoa é uma
tarefa árdua. Isso mostra como é imensamente mais rica a entrada
da equipe reflexiva no campo do que uma intervenção através
de um contato telefônico com um dos terapeutas.
Um outro aspecto que fica marcante para mim é que quando busco dar forma
a meus pensamentos, depois de trabalhar com as entrevistas, dois caminhos nitidamente
diferentes se abrem: um o analítico, e um outro que passa por um olhar
mais global, que desce menos aos detalhes, porém busca uma fidelidade
maior em relação a compreensão do todo. Esse enfoque é
meio poético, um tanto menos preciso, mas também tem seu lugar.
Espero que com o auxílio das idéias extraídas das entrevistas
este trabalho tenha conseguido trazer contribuições nessas duas
vertentes.
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