ARTIGO
"Bullying": a violência na escola contemporânea sob o enfoque da abordagem Gestáltica
"Bullying": violence in contemporary school with a focus on gestalt approach
Eduardo Cremer*
IGT - Instituto de Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar - Rio de Janeiro, Brasil.
RESUMO
Esse trabalho trata de uma questão que aparece essencialmente no espaço escolar, o bullying. O tema é desenvolvido sob o olhar da Gestalt-terapia e contextualizado com a sugestão de que a escola é somente mais um cenário pós-moderno em que há um incremento da violência, estilo de vida que assola nossa sociedade. Por fim, há uma avaliação de como a estrutura escolar pode contribuir para a reprodução desse modelo social e uma discussão acerca das relações estabelecidas entre os atores que compõem o espaço escolar.
Palavras-chave: Bullying. Escola. Professor. Aluno. Desenvolvimento Integral. Relação.
ABSTRACT
This work is about a question that appears mainly in the school environment: bullying. The theme is developed from the perspective of Gestalt therapy and contextualized with the suggestion that the school is just another postmodern scenario in which there is an increase in violence, a lifestyle that is plaguing our society. Finally, there is an assessment of how the school structure may contribute to the reproduction of this social model and a discussion of the relationship between the actors in the school environment.
Keywords: Bullying. School. Teacher. Student. Integral development. Relationship.
Introdução
“Quando quiseram disseminar a virtude ilustre por todo o reino,
os antigos primeiro ordenaram bem seus próprios Estados.
Querendo ordenar bem seus Estados, primeiro regularam bem suas famílias.
Querendo regular suas famílias, primeiro cultivaram suas pessoas.
Querendo cultivar suas pessoas, primeiro emendaram seus corações.
Querendo emendar seus corações, primeiro buscaram ser sinceros
em seus pensamentos.”1
Muito se fala hoje em dia sobre os episódios de violência escolar, tanto entre os alunos, como entre aluno e professor e, ainda, em última instância, dos alunos depredando a estrutura escolar. Os casos vão se multiplicando e passou a se tornar necessário que se pense sobre o assunto, sob pena da escola se perder em sua função educativa, já que os agentes escolares acabam não conseguindo atuar de forma produtiva com os alunos.
Vemos em nossa sociedade um crescimento gradativo das relações violentas e o ambiente escolar, pertencendo a esse cenário, vem sendo sensibilizado por esse estilo relacional. Atos agressivos vêm se repetindo nesse espaço e se tornando cada dia mais comuns assim como no cotidiano da cidade. As relações contemporâneas estão um pouco distantes de formatos de cidadania, respeito ao outro e de valorização dos contatos confirmadores, abrindo espaço para modos de vida calcados em agressões.
Os próprios modos de produção e, como diz Bauman (2001), a compressão do tempo e do espaço promovem formas de existir que não colaboram com uma convivência saudável entre as pessoas. A questão temporal se traduz pela ampla velocidade com que as trocas acontecem e as relações se desenvolvem. Calcada principalmente na evolução tecnológica, muitas tarefas do cotidiano foram facilitadas, o que traria mais conforto à sociedade. Paradoxalmente, o que vemos é que todos têm cada vez menos tempo para as obrigações do dia a dia, concorrendo para um estresse maior no cumprimento das mesmas. Nesse esquema, a maioria das pessoas está sempre funcionando no limite, o que ocasiona pouca disponibilidade para o outro e para demandas que não são de interesse próprio.
A estrutura capitalista também vai ao encontro desse formato exacerbando a competição por espaço, emprego e benefícios, contribuindo para um maior individualismo. Além disso, a falta de diversas garantias, tais como, emprego, saúde e segurança, e o foco no consumo são itens que estão muito presentes na atualidade e participam, em algum nível, da construção de um cenário social que se destaca pela agressividade, já que cada um precisa brigar – e, em alguns casos, literalmente se trata de uma disputa física - para sobreviver.
Sendo assim, a escola, como instituição submetida a essas influências, pode acabar reproduzindo em seu interior comportamentos violentos, já que sua população faz parte desse contexto social. Um dos estilos de violência que tem se repetido muito e vem ganhando espaço, principalmente na mídia, é o bullying2, tema principal desse trabalho. Esse fenômeno se trata de um comportamento violento e repetitivo entre pares escolares e tem sido alvo de inúmeras discussões atualmente, sobretudo depois que ganhou um nome e passou, também por isso, a ser divulgado. Por se tratar de um trabalho de base gestáltica, não me limito a abordar o fenômeno somente a partir dessa definição e me esforçarei para descrevê-lo de maneira mais fenomenológica, assim como fazemos com os diagnósticos em geral.
Ao avaliar a forma como o bullying acontece percebemos se tratar de uma questão multifatorial, portanto, não vamos encontrar soluções observando-o muito de perto, ou seja, não encontraremos saídas ou resolveremos a questão atuando e olhando somente para o ato em si. Com o foco na agressão e, muitas vezes, só punindo o agressor não ampliamos o olhar e não desfazemos, assim, o ciclo estabelecido. Então, avalio a temática trazendo para o cenário outras questões que podem atravessá-la como a família dos envolvidos no ato e a forma como se estrutura a escola contemporânea e a nossa sociedade.
Esse tema novo, pelo menos do ponto de vista da mídia e das pesquisas, tem produzido situações preocupantes nas escolas. Alunos que sofrem esse tipo de violência tem tido dificuldade em frequentar a escola, apresentam sintomas físicos de mal-estar e podem até mesmo cometer suicídio. A própria novidade do tema é algo que pode ser questionado, já que é possível que esse comportamento possa ter existido em outras épocas também.
Essa é só uma das discussões que se apresentam sobre o tema, já que outras também emergem à medida que desenvolvo este trabalho. Um exemplo é o debate a respeito da posição que deve ser ocupada pelos professores numa situação de bullying, se faz parte do seu trabalho uma preparação para reconhecer e intervir. Essa é uma das interrogações que trabalho mais de perto me posicionando, mas outras foram suscitadas ao longo do processo e acho por bem citá-las no final, mesmo sem uma posição definida a respeito.
Portanto, aqui, já antecipo que esse trabalho se propõe a produzir abertura para novas perguntas e, não necessariamente, objetiva uma resolução fechada de procedimentos e modos de agir. Mesmo porque, trata-se de uma contribuição da psicologia e, mais especificamente, da Gestalt-terapia para a área da educação e, como uma produção interdisciplinar, se beneficiaria muito da participação teórico-experiencial de pedagogos e agentes escolares. Sem dúvida esse contato enriqueceria muito essa produção, trazendo novas possibilidades para o tema.
De outra maneira poderia cair na armadilha de criar teorias somente a partir da minha área de conhecimento, correndo o risco de desenvolver teses que se afastam das possibilidades de resolução dos problemas educacionais. Então, apesar de achar importante a avaliação do lado psicológico e emocional dos alunos, precisamos de contato com a área que lida direto com tal questão, sob pena de produzirmos ideias que não se alinham a realidade escolar. Por isso, para o desenvolvimento do trabalho, proponho questões e resoluções que servem a discussão e não a um fechamento. Também por isso e a título de ilustração, entrevisto três professores coletando alguns dados mais reais sobre o cotidiano escolar e sobre o tema desenvolvido no trabalho.
Outro ponto a se destacar é que me valho de uma perspectiva de campo e, por isso, não penso no bullying como um problema que apareceu nas escolas sem relação com o cenário em que se engendra, da mesma maneira acredito que seu diagnóstico precisa ser feito dentro da mesma postura teórica. Então, quando estiver falando da ocorrência desse fenômeno parto do princípio que, de fato, foi verificado com a contribuição das partes envolvidas, observando de maneira mais ampla o que ocorreu e não ficando somente com o olhar sobre uma das partes, quando, por exemplo, ocorre ao se escolher como única solução para o caso a punição do agressor.
Ao longo do trabalho, também me utilizo do argumento de que o cuidado maior com o desenvolvimento integral dos alunos pode ter relação direta com a diminuição da violência escolar. Entendendo por desenvolvimento integral a relação de integração dos aspectos cognitivo, afetivo e comportamental, já que, a partir do enfoque gestáltico, esse sujeito em formação é considerado como uma totalidade. Em alguns momentos em que falo de maneira separada de um dos campos é para dar relevância a algum tema, mas todos os campos coexistem sempre. Essa ideia se baseia nos resultados obtidos por uma pesquisa realizada por Fante (2005) encontrada no livro que utilizei como fonte para esse trabalho. Essa pesquisa-intervenção intitulada “Programa Educar para a Paz” é composta de algumas fases que explico mais à frente.
Utilizo-me dos resultados dessa pesquisa como fonte de ideias para pensar numa saída para essa questão, mas não coloco meus argumentos como caminho a ser seguido obrigatoriamente para um resultado exato, como não aconteceria em momento nenhum se tratando de uma questão humana. A própria Fante (2005) adverte que a ação proposta por ela após a realização pesquisa não produzirá os mesmos efeitos sempre e que qualquer trabalho nessa direção deve levar em consideração a realidade de cada escola.
Além disso, me valho de experiência pessoal para identificar três itens importantes do trabalho: o sofrimento que o bullying causa, a estrutura escolar contemporânea e a violência em nossa sociedade. O primeiro ponto advém de meu trabalho como psicoterapeuta, que me demonstrou em atendimentos o quão deletério é o bullying para o posterior desenvolvimento de uma pessoa. Em pelo menos três casos os clientes se queixavam do que tinham sofrido na escola e de como esses fatos ainda os perturbavam em sua vida atual, mesmo que 30 anos depois do ocorrido, como em uma das situações.
A segunda experiência fica por conta das observações que pude fazer a respeito da estrutura escolar contemporânea quando trabalhei em uma instituição por sete anos e meio. Pode ser somente uma experiência, mas de fato via o quanto as características de nossa sociedade atual, atravessavam aquela instituição de ensino causando sofrimento em seus alunos. Por último, a violência que se espalha por todo o nosso tecido social é citada pela mera constatação do nosso cotidiano, principalmente na cidade do Rio de Janeiro.
Para a construção desse trabalho - que ainda conta com três entrevistas com professores – dividirei em três partes teóricas para melhor entendimento. Na primeira discorro sobre as características pós-modernas, época em que vivemos segundo alguns teóricos, ampliando o olhar para os itens que mais me interessam aqui. Dentro disso ainda especifico como as relações humanas se apresentam nesse cenário.
Na segunda parte me detenho mais nas definições objetivas e características do bullying, passando por um breve histórico do fenômeno incluindo a discussão a respeito do nome utilizado para significar o assédio moral escolar. Depois de delimitar os atores envolvidos, trabalho a questão observando um período específico, o de maior ocorrência de bullying, do 6º ao 9° ano do ensino fundamental3. Ainda nesse capítulo destaco as consequências emocionais dos envolvidos no ato e, por fim, analiso a relação que as famílias dos alunos envolvidos têm com a ocorrência deste.
No terceiro e último capítulo teórico coloco todos os itens anteriores no interior da escola e avalio como essas características se cruzam produzindo ou, pelo menos, contribuindo para o aparecimento de atos violentos entre os alunos. Na primeira parte caracterizo a estrutura escolar e o que seus professores fazem em seu trabalho, depois discuto as relações entre os diversos atores lá presentes e na última parte levanto a possibilidade de uma formação mais integral que inclua, por exemplo, atenção ao campo emocional na formação escolar, como forma de ação preventiva para os atos de violência e, posteriormente, no campo social mais amplo.
Na última parte do trabalho apresento as informações recolhidas nos depoimentos obtidos em três entrevistas realizadas com professores que atuam na faixa escolar abordada neste trabalho, fazendo-o a luz de todas as construções teóricas que levantei anteriormente. Os depoimentos tiveram como objetivo observar como três professores tratam a questão do desenvolvimento mais integral, com destaque para o campo emocional, trazendo para o foco suas opiniões e informações sobre o assunto.
Desenvolvo o trabalho sempre tendo como norte a ideia de que, assim como a violência, o bullying é uma questão de causas multifatoriais, portanto, para entendermos e pensarmos sobre essa questão necessitamos da participação de diversos campos e instâncias que atravessam o fenômeno. Assim, passo por algumas etapas de construção esperando no fim produzir mais compreensão do fenômeno, bem como novas questões para discussão que componham novos pensamentos, podendo construir pontes com outros campos de conhecimento.
1 - Contexto social atual
“Não se pretende que o último herói da modernidade para a geração de 68, Ernesto Guevara, seja um ideal utópico para os jovens, mas uma estampa numa t-shirt da Forum de Tufik Dusek.” (OUTEIRAL, 2005, p. 92)
1.1 - As influências pós-modernas no cenário social
Para poder compreender melhor o tema que será discutido nesse trabalho faz-se necessário a explicitação e descrição do cenário em que se engendra. Como esse trabalho tem como fundamentação a Gestalt-terapia, também não faria sentido avaliar algum construto em figura destacado de seu fundo correlato. Avaliando a figura isolada, corremos o risco de investigar a questão ignorando sua relação com as características contemporâneas, portanto, adotando uma postura que não conta com o fundo para compor a questão, podemos até mesmo ficar longe de uma solução possível para o problema. Agindo dessa maneira, perdemos uma parte importante do fenômeno, tornando difícil de avaliar como se construiu o bullying, foco desse trabalho.
O caminho percorrido será o de trazer as características do mundo atual tendo como base alguns fatores que caracterizam a pós-modernidade, avaliando como influenciam as relações humanas e, principalmente, como nossa sociedade desenvolve uma postura que tende à agressão, à violência e à exclusão, terminando por compreender como a escola se insere num cenário como este. Aqui se faz necessário um esclarecimento: ao lado das descrições pós-modernas trarei mais a frente o entendimento e posicionamento gestáltico para determinadas questões, já que é a linha de pensamento que norteará o trabalho.
Então, vamos começar pela compreensão do que seja a definição de pós-modernidade. Iniciando pelo nome, já se apresenta uma pequena discussão, alguns autores chamam nossa época, entre outros nomes possíveis, de modernidade tardia ou, ainda, de hipermodernidade avaliando que não estamos em outra época, mas num tempo de exacerbação das características modernas. Seria como se ainda tivéssemos as características do que se convencionou chamar tempos modernos, só que com uma intensificação das mesmas. Para Birman (2006) esse ponto de vista tem raízes europeias e a ideia de pós-modernidade se alinha mais com estudos e teóricos norte-americanos e indicando uma ruptura e começo de outra fase da humanidade.
Além disso, ainda temos a discussão dessa passagem quando falamos de Brasil, porque as características modernas e alguns de seus grandes momentos marcantes (Revolução Francesa, Revolução Industrial), se dão todos fora de nosso país, cabendo a discussão se em algum momento tivemos a instauração dessa fase em todos os seus nuances. Sendo assim, como passaríamos de uma à outra sem termos a fase inicial? O que de fato é verdade é que acabamos sempre a reboque de certas transformações econômico-político-sociais, muitas das quais, talvez, não estejamos preparados.
A parte do que pode ser um embate teórico que traz em seu bojo uma disputa para medir quem tem mais importância no cenário mundial, quem domina e dá as cartas em tais épocas e se temos tais e quais fases em nosso país, vamos gestalticamente nos preocupar não com o nome dado, mas sim em como vivemos hoje, principalmente em nosso país. Opto por me referir a nossa época como pós-modernidade por preferência pessoal e para nos guiar enquanto conjunto de características contemporâneas, que passo a destacar a partir de agora iniciando com o trecho abaixo:
“É interessante, agora, explicitar algumas das características da pós-modernidade: velocidade, banalização, cultura do descartável, fragmentação, globalização, mundo de imagens, virtualidade, simulacro, des-subjetivação, des-historicização, dês-territorialização etc. Não se trata, é evidente, de tomar a pós-modernidade como encarnação do mal: ela é um momento de passagem e como tal, de inevitável turbulência. Não sei, ao certo, se ela existe realmente como momento histórico e cultural ou se é apenas uma criação intelectual, mas é interessante e útil que façamos, a partir dessas ideias, um exercício de compreensão desse mal-estar na cultura, parodiando o criador da psicanálise.” (OUTEIRAL, 2005, p. 77)
Temos ainda a compressão tempo-espaço, a globalização, a privatização do espaço público, o neoliberalismo, a objetificação do ser humano e a distância entre as pessoas, fragilizando os laços entre as mesmas. Essas características atravessam todo o tecido social tocando tudo que se encontra nele. Então, família, artes, relações sociais, valores, escola e até processos psíquicos, entre outros, estão sujeitos a esse modo de funcionamento. Quanto a esse último item, por exemplo, pode-se dizer que “passamos das histéricas de Freud, de uma época repressora, para a falta de limites pós-moderna, com suas tendências anti-sociais e transtornos de pânico”. (OUTEIRAL, 2005, p.71)
Esses e outros itens se interligam num todo, sem dúvida, mas como temos um trabalho mais direcionado às relações que se estabelecem na escola brasileira contemporânea, suas consequências emocionais e como os professores podem agir diante disso, destacarei a objetificação do ser humano e a fragilidade das relações atuais como suas possíveis consequências. Ainda dentro dessa perspectiva escolar, encontramos outra característica atual marcante, mas que não se define muito como pós-moderna: a ênfase ao conhecimento racional, especialmente demarcado pelo pensamento positivista da ciência ocidental. Esse é outro ponto importante para o desenvolvimento desse trabalho, já que outras partes do desenvolvimento humano ficam alijadas do ambiente escolar em prol desta última.
1.2 - As relações humanas: um olhar Buberiano
Para definir como as pessoas se relacionam atualmente numa sociedade dita pós-moderna lançarei mão de uma teoria bem conhecida da Gestalt-terapia que, para mim, é muito apropriada para discorrer sobre tal tema. Trata-se da teoria relacional formulada por Martim Buber, que avalia os relacionamos em dois níveis: o modelo Eu-Tu e o modelo Eu-Isso. Vou me deter um pouco nas definições e opiniões pertinentes a esse respeito porque é uma leitura que vai permear o resto do trabalho.
Buber (1974) define que os dois tipos de relação se diferenciam enquanto intenção da palavra-princípio Eu. No caso da existência da relação Eu-Tu o Eu estabelece uma relação de troca, de igualdade de possibilidades, reconhecendo o outro como sujeito em toda a sua alteridade. Em outras palavras estabelece uma relação genuína em que toda diferença está incluída.
Nas relações que se estabelecem como Eu-Isso o Eu aparece como egótico, que toma consciência de si, mas não do outro. O outro é só algo que ele precisa para interesse próprio e não dos dois, portanto, não se estabelece uma relação de mão dupla. O outro é tratado como um objeto para uso, a relação fica monopolizada só por um lado, enquanto parece não existir ninguém do outro lado, já que este, não seria confirmado.
O que nos interessa aqui não é identificar um modelo de relação como melhor que o outro, até porque os dois têm sua pertinência de acordo com o momento. O que é importante ressaltar, portanto, é que o estilo de relação Eu-Isso, longe de ser ruim ou negativo a priori, se torna uma questão a ser avaliada quando temos a cristalização dessa posição se estabelecendo em nossa sociedade. Buber (1974), inclusive, avalia que a humanidade caminha, ao longo da história, aumentando progressivamente o mundo do Isso.
Avaliando as características pós-modernas percebemos o quanto a relação Eu-Isso se alinha com a época em que nos encontramos. As relações são frágeis e a objetificação do ser humano está presente na maioria das cenas. Dentro disso, a dialogicidade e a confirmação do outro se encontram em segundo plano, provocando toda sorte de problemas emocionais, psíquicos e até físicos. Esse processo acaba limitando o desenvolvimento social e a produção de cidadãos que se interessam pelo bem estar social, estilos de relação em que o Eu se confirma na presença de um Tu, modelo relacional que produz laços mais fortes entre as pessoas.
Observando nosso cotidiano, percebemos a predominância de diversas dificuldades relacionais e, mesmo que não exista homem que esteja totalmente em um dos polos dos dois estilos de relação, o que vemos de fato é uma preponderância do estilo Eu-Isso, não colaborando para relações genuínas entre as pessoas e em último grau, chegando até mesmo a violência. Esse esquema pode ser também a explicação para outra característica muito marcante dos tempos pós-modernos: o consumismo. Essa questão não será abordada aqui, mas é interessante o raciocínio de que ter objetos se torna mais interessante, em algumas vezes, do que a satisfação vivencial de cultivar uma relação autêntica no formato Eu-Tu entre as pessoas, algo, sem dúvida, mais trabalhoso que estabelecer o mesmo tipo de relação com um objeto.
1.3 - As relações humanas na contemporaneidade
Discorrido sobre as principais características que vão contextualizar o que pretendo, vejamos como as relações são encenadas com esse pano de fundo e o que elas têm a ver com o bullying, tema desse trabalho. No mundo de hoje observamos que a predominância da relação objetificante Eu-Isso possibilita uma tendência a categorizar e a separar as pessoas entre bons e ruins, normais e anormais, quem alcança o sucesso e quem é fracassado. Esse sistema bipolar já esteve montado de forma velada, mas atualmente parece estar dito, algo que se comprova em diversas situações. Num exemplo de estilo de relação que não reconhece o outro como potência, mesmo que apresente algumas diferenças quanto a norma estabelecida, está o que ocorre nas escolas que, em sua maioria, só valorizam um tipo de desempenho: as notas.
Na escola contemporânea vemos ainda como a cultura do winner/loser já foi importada dos Estados Unidos. Não que não existisse antes, mas até mesmo a nomenclatura passou a ser usada e com frequência ouvem-se frases como: “preciso ter tal objeto para ser popular”, algo muito comum e aparente na cultura norte-americana. Como se o reconhecimento e confirmação do Eu pudesse vir através de ações calculadas ou influências compradas, e não de relações autênticas, característica essencial do estilo relacional objetificante encontrado preferencialmente na pós-modernidade.
Com a instauração dessa bipolaridade as pessoas precisam encontrar seu grupo e, aparentemente, só existem essas duas opções. Nesse ponto o esquema se torna perverso e aprisiona seus participantes, já que, se só existem essas duas formas de viver, além disso, os grupos opostos precisam estar interligados para que um possa se definir pelo outro. Nas palavras de Veiga (1997, p.26) o fodão “precisa do merda para existir, porque é nessa dialética que as pessoas vão achar sua identidade”.
Além de um precisar do outro para existir é comum a preocupação em não trocar de lugar, já que se você não é um vencedor, você é um perdedor. Com isso se estabelece uma relação de encaixe entre os participantes de cada grupo e todos começam a viver regidos por essa lógica, perpetuando esse jogo. Então, numa relação de agressão, por exemplo, não é só o agressor o responsável, o agredido também participa e em muitas vezes concorda com o que sofre. Em outras situações, em que o agredido se sinta com mais poder, poderá ocupar também a posição de agressor, repetindo um comportamento com outro que ele mesmo sofre em outra cena.
Por isso, em algumas oportunidades, uma pessoa pode apresentar os dois polos dessa configuração e cada um vai aparecer mais conforme varia o contexto. Mais importante do que avaliar quem é o agressor e quem é o agredido, é investigar a incorporação e propagação de um comportamento que divide o mundo em duas instâncias. Precisamos estar atentos a forma como as pessoas se comportam e colocar em questão esse jogo para tentar algo diferente e não, somente, procurar culpados.
Nesse ponto vale fazer um adendo mais específico em como se desenvolvem as relações em nosso país, principalmente aquelas em que se estabelece uma assimetria de poder. Nas relações em que isso acontece a parte que tem o poder em determinado contexto, não raro, abusa dele diante de quem não o possui naquele momento. É comum em nossa sociedade, por exemplo, o abuso de poder sobre os menos favorecidos economicamente, o que sempre se traduz em agressão, senão física pelo menos moral e psicológica.
Ocorre como na seguinte situação hipotética: um magistrado público destrata ou impede que um policial exerça sua função sobre ele. Este último vai abordar um funcionário médio de uma empresa com uma justificativa qualquer para conseguir algum retorno. O funcionário chega a empresa e destrata seu subordinado imediato, que pode tratar mal um entregador atrasado ou um faxineiro estabanado, que por fim, na maioria das vezes, só tem a família para continuar o ciclo, sendo os filhos, alvos frequentes por estarem subordinados aos pais, dependendo destes para sustentá-los nos mais diversos campos da vida. Esses movimentos parecem ser replicados o tempo todo, de inúmeras formas e com personagens diferentes em nosso país. Isso parece tão antigo e tão cultural que se não estivermos aware4 de nossa relação com o outro, repetimos a ação e participamos da sequência descrita acima, principalmente porque o outro, com menos possibilidades, espera de nós reação compatível.
Acho que o entendimento dessa dinâmica é importante principalmente para entendermos o bullying, porque me parece uma repetição dessa descrição entre os mais jovens no ambiente de convivência preferencial na idade deles, a escola. Isso pode acontecer porque, como ressalta Robine (2006, p.77-78), “nossas necessidades e desejos não se dão apartados do mundo, são influenciados pelo contexto.” Temos um fundo de possibilidades e elegemos figuras que são mais pertinentes de acordo com o contexto, estas se destacam do meio de acordo com o princípio da dominância, que representa a tendência de uma tensão forte que prevalece no campo.
Quando as figuras que sobressaem do fundo têm uma sucessão natural, significa que estamos aware de nossas necessidades que são possíveis em cada momento. Se isso não ocorre dessa maneira a figura cristaliza e o indivíduo começa a repetir algum comportamento de forma automática. Algo parecido ocorre com a forma como nosso meio está constituído, se temos um padrão de funcionamento social fixado e repetido pela maioria, o sujeito pode facilmente ser capturado e funcionar da mesma forma sem estar aware da escolha que fez.
A cristalização de um modo de funcionamento social é explicada por Robine (2006) como uma confluência patológica com o fundo, que ocorre com o estabelecimento de um par figura-fundo fixado. Com isso, concluí-se que quanto mais aware estamos de nossa vivência, menos confluente com o fundo estamos e, de maneira oposta, estando mais confluentes, nos arriscamos mais a tomar decisões automáticas que vão na mesma direção do pensamento social hegemônico. Pensando dessa forma, em uma sociedade consumista, superficial e violenta, podemos auferir que uma vivência predominantemente confluente patológica vai replicar tais valores por todo tecido social, abrindo espaço para toda sorte de problemas relacionais.
Os problemas que encontramos no processo de socialização hoje em dia como hostilidade, agressões e preconceitos, parece ser consequência da predominância desse universo Eu-Isso no cenário social. O preconceito, exemplo de relação objetificante, está intimamente relacionado com o processo de normalização social, que se traduz por uma sociedade que busca uniformidade entre seus componentes, separando-os em normais e anormais. Com isso, a diferença é encarada como anormal, como erro, por não corresponder a ideologia dominante. Isso produz um desconforto em quem se depara com uma possível “anormalidade” no outro ou em si mesmo, sendo que no segundo caso o desconforto é de tal ordem que o sujeito pode projetar suas frustrações e possíveis sentimentos de raiva.
“É então um mecanismo por meio do qual o sujeito procura livrar-se dos impulsos que ele não admite como seus, por ter introjetado os valores autoritários da cultura, e que, embora lhe pertençam os atribui – de maneira fantasiosa – ao outro.”(ANTUNES e ZUIN, 2008, p.8)
Então, um projeta no outro algo que não reconhece como seu e, como vimos anteriormente, o outro, por estar submetido à mesma “lei”, introjeta muitas dessas atribuições, encaixando-se nessa dinâmica. Esse estilo de relação é o cenário que se alinha de maneira justa com o bullying e mais a frente, já de posse de suas definições e descrições, vamos perceber isso. A partir do contexto percebemos que não existe um problema escolar isolado, como se fosse uma nova moda ou um novo vírus, mas somente um alinhamento aos mecanismos relacionais que essa sociedade possui. O trabalho pretende seguir essa linha, “questionar o sentido social dos fenômenos singulares encontrados”. (ANTUNES e ZUIN, 2008, p.11)
A violência e uma de suas modalidades, o bullying, apresentam-se como questão transversal e multifatorial, e tentarei uma compreensão que respeite esse caminho. Assim precisamos estar atentos ao que é considerado violência em nossa cultura, manter sob perspectiva sempre o contexto espaço-temporal em que vivemos e tratar a questão como pública e não privada, como se estivesse inserida num lugar isoladamente. Mesmo porque, sua prevenção e possível resolução vão passar por aí.
Precisamos levar ao entendimento de que qualquer questão relacionada
a violência que se produz no meio social, como o bullying o é,
deve ser um problema de todos, principalmente em nossa sociedade porque esta
promove a exclusão do diferente, a não confirmação
dos “fora do padrão” em sua existência e seu tratamento
como inferiores. E “quando a diversidade não é acolhida,
a desigualdade é legitimada” (CHALITA, 2008, p.128). A imersão
nesse sistema é tão grande que o oprimido em uma relação,
busca ser opressor em outra, como única saída.
No trecho abaixo, Fante (2005, p.69) destaca características percebidas por ela em um ambiente escolar que são facilmente associadas ao nosso dia a dia nos espaços sociais:
“Raramente se via uma atitude solidária espontânea entre alunos. Acreditamos que o egoísmo, a falta de habilidade para negociar a satisfação de seus desejos, a falta de atividades interativas entre eles e de opções de lazer determinavam toda essa rebeldia e toda essa agressividade que, não encontrando outra via de expressão, eram deslocadas para o comportamento violento, manifestado especialmente contra os mais frágeis.”
Se no lugar de ‘alunos’, no trecho acima, estivesse qualquer outro representante de nossa sociedade, a sentença se aplicaria da mesma forma. E onde os alunos, aprendizes por definição, iriam apreender essa atitude solidária? Não a vemos em muitos lugares, já que a regra é exatamente a falta de negociação para realização dos desejos e a substituição do diálogo pela violência.
A violência se apresenta multifacetada e não só em agressões físicas, crimes e homicídios, está presente em relações familiares, relações de gênero, na escola e em outros aspectos da vida social, sob formas que não deixam marcas físicas, tais como: humilhações, exclusão, ameaças, desrespeito, indiferença e omissão para com o outro. É bom que se diga também que a agressão que marca nossa sociedade é diferente do que entendemos gestalticamente como agressividade, que denota a energia e a vontade de viver, de tirar do mundo o que é possível e necessário para construção da nossa vida. Dentro do que entendemos sobre isso, a ideia não é alcançar objetivos sem ética ou prejudicando alguém física, emocional ou materialmente, como seria o caso da agressão, mas alcançar o objetivo incluindo o outro nas negociações dos desejos.
Esse clima social pautado pela agressão ao outro, ou seu tratamento como Isso, além de estar intimamente ligado às características pós-modernas, ainda encontra um respaldo bem contundente no estilo de Estado em que vivemos hoje: o Estado Capitalista Neoliberal. Sem muitas garantias do Estado convivemos com uma desigualdade social grande em que uma massa de pessoas se encontra na pobreza e desempregada, o que também se trata de um tipo de violência. Pessoas que não são confirmadas em sua existência por não ter o mínimo necessário para a sobrevivência. Isso aumenta os níveis de agressão e competitividade que, pela situação limite que essa estrutura impõe, transforma a competição em violência pura. Violência essa que, muitas vezes, serve exatamente para que se confirme a existência de quem a pratica através do medo que este provoca em sua vítima.
Essa dinâmica pós-moderna associada ao sistema capitalista, principal sistema econômico do ocidente, potencializa esse ciclo. Dentre suas características, podemos destacar a competição como o principal item que influencia a convivência conflituosa entre as pessoas. Possuindo essa ética o outro passa a ser considerado um inimigo das suas pretensões, o que afasta a convivência mais solidária e faz surgir um estilo de vencer a qualquer preço que impõe sofrimentos de toda a ordem para os envolvidos. Socialmente regidos por esse esquema, claramente encontraremos na escola consequências disso também, mas num ambiente em que seus componentes não têm força para rechaçar essa ideia e nem estão aware em que tipo de sociedade estão inseridos.
De posse de todas essas descrições e caracterizações do contexto em que vivemos, observando que se distingue pelo estilo de relação Eu-Isso, tipo de relação que facilita a agressão, e com as características pós-modernas de nosso mundo atual, parece-me mais fácil entender como o fenômeno do bullying ocorre nas nossas escolas. Além disso, podemos identificar mais facilmente que tipo de escola temos hoje e porque encontra tantas dificuldades no relacionamento com o aluno.
Enfim, esse é o cenário em que as relações contemporâneas se engendram, a meu ver. A partir dessa contextualização vamos desenvolver a parte mais específica do trabalho que diz respeito ao bullying, mas sempre nos remetendo ao modo de funcionamento acima, já que, de outra maneira, correríamos o risco de dissertar sobre uma questão pontual que parece ter sido desenvolvida a partir de uma geração espontânea, sem vínculo nenhum com o lugar em que se insere e nem com o mundo do qual participa.
2 - Bullying: o assédio moral escolar
“Filhos são como bolas de boliche. Você dá uma direção, mas quando você tem que soltá-los só resta torcer para que não caiam na canaleta.” (Mike Kyle, personagem da série Eu, a Patroa e as Crianças)
2.1 - Definições, histórico e formas do fenômeno
Os estudos no Brasil sobre violência escolar são recentes e em sua maioria datam de 1980. Além do bullying, objeto de estudo deste trabalho, a conduta antissocial e o distúrbio de conduta também começaram a ser avaliados mais de perto. Portanto, o interesse por atos violentos na escola começou a aparecer há pouco tempo, motivado pela ocorrência de episódios que estavam ligados principalmente a depredações ao patrimônio da escola, além de problemas de relacionamento entre professor-aluno e aluno-aluno.
Comparando com o início dos estudos sobre violência na Europa registra-se certo atraso que não se traduz em incompetência ou descaso. Da mesma maneira que a história da educação brasileira é mais nova que a europeia, o surgimento dos problemas e seu posterior estudo também chegam depois por aqui. O interesse sobre o tema também só surgiu a partir de algumas tragédias ocorridas em diversos países no mundo, já que algumas mortes ocorreram em decorrência do problema, ou por vingança de uma vítima ou por suicídio de uma vítima de agressão.
Entrando mais especificamente no histórico do bullying encontramos os primeiros estudos posteriores a 1970. Segundo Chalita (2008), as primeiras pesquisas datam de 1972 e 1973 na Escandinávia, iniciadas depois de alguns problemas graves incluindo suicídios de alunos. Os dois primeiros países a se preocupar com tal fenômeno foram a Noruega e a Suécia, sendo que desde essa época a detecção se mostrava difícil por se tratar de um comportamento que, na maioria das vezes, é dissimulado. O instrumental de pesquisa se tornou mais efetivo depois que se conseguiu diferenciar em sua construção o fenômeno de uma simples brincadeira, principalmente porque o estudo precisa ser feito através de pesquisas escritas, já que a maioria que sofre com essa situação não informa o ocorrido por vergonha ou por medo. Depois que um instrumento de aferição foi elaborado e afinado tornou-se mais fácil identificar o fenômeno e a preocupação com os atos de agressão na escola passou a se espalhar pela Europa e pelo mundo.
Essas pesquisas constataram que o maior índice de ocorrência de bullying se encontrava nos anos de 6º a 9º do fundamental e que entre os países há uma média de 35% de alunos envolvidos em atos dessa natureza, independente do papel que ocupam na ação. Definirei os atores envolvidos um pouco mais a frente. Essas porcentagens chamaram atenção para o problema e os estudos evoluíram. No Brasil, os primeiros estudos com o nome de bullying apareceram na década de 1990 e a primeira pesquisa extensa realizada, bastante referenciada em diversos trabalhos sobre o tema, foi a da ABRAPIA, concluída em 2003.
O estudo teve início em 2002 e foi concluído em 2003 resultando na produção de um livro escrito por Lopes Neto e Saavedra. Foi elaborado um questionário adaptado de Dan Olweus (1989) e aplicado nas turmas de 6º ao 9º ano. Este foi aplicado nas escolas em todos os alunos de um turno ao mesmo tempo e sem lhes dar informações sobre o que era bullying. O trabalho foi aplicado em 9 escolas da rede pública e 2 escolas particulares do Rio de Janeiro, totalizando 7.757 alunos.
Esse trabalho detectou nas escolas do Rio de Janeiro um índice de 40,5% de alunos envolvidos em atos de bullying, portanto um índice superior aos encontrados pelo mundo. Em outros trabalhos as estimativas chegaram até mesmo a 45% e 49% de reconhecimento de participação dos alunos. Com base nisso, se justifica a observação acurada das relações nas escolas brasileiras, já que esses dados significam que algo funciona mal nas mesmas e, possivelmente, em nossa sociedade.
O fenômeno, como já citado, começou a ser estudado na Noruega e foi definido pela palavra inglesa bullying, designando um conjunto de agressões que se caracteriza por uma diferença de poder entre os participantes. “Bully” é traduzido como adjetivo por tirano e brutal, e como verbo, por bravatear, ameaçar, intimidar. No Brasil não há palavra que defina todas essas ideias, mas alguns países encontraram suas próprias expressões tais como harcèlement quotidien na França, prepotenza na Itália, ijime no Japão, acoso y amenaza entre escolares na Espanha e até em Portugal pela expressão maus-tratos entre pares. Alguns autores do nosso país colocaram como violência moral e para mim, particularmente, o termo mais próximo do que ocorre poderia ser assédio moral escolar. Esta última se alinha mais com o correlato francês e de outra definição brasileira, comportamento prepotente agressivo. (LOPES NETO, 2005, p.13)
Esse levantamento me parece importante porque precisamos ter cuidado ao importar nomes sob pena de levar junto às elaborações e resoluções propostas em outro país de cultura e organizações sociais distintas. Além disso, as pessoas que têm contato com o nome pela primeira vez não entendem o que ele quer dizer. Chama atenção como esses eventos vêm se repetindo no Brasil, claro que é importante olhar para outras culturas e avaliar o que tem sido feito, mas em alguns momentos, parece uma certa preguiça nossa a importação de pacotes fechados de diagnósticos e, obviamente, seu “tratamento” correlato. Por isso, terminamos por adotar nomes estranhos de difícil acesso como bullying ou Síndrome de Burnout, que é o estresse laboral crônico.
Junto a isso, criar um nome para um fenômeno social é um processo bastante delicado, do mesmo modo como facilita sua compreensão e desenvolvimento teórico, traz sempre na mesma moeda a expansão de seu diagnóstico provocando ‘epidemias’ que não estão em consonância com a realidade, algo que não contribui para possíveis soluções. Isso pode acontecer porque a formulação de um nome e sua descrição correlata cai no senso comum de uma maneira que este passa a contaminar o olhar de quem avalia produzindo diagnósticos em escalas muito maiores do que se apresentam de fato. Principalmente porque é difícil, em certas situações, separar o que é brincadeira do que é um caso de bullying efetivamente. Somente a descrição fria de um diagnóstico não dá conta de avaliar com exatidão a realidade e para nos aproximarmos de tal acerto, só avaliando cada situação com seus participantes, sendo feito necessariamente de forma singular. Portanto, nos aproximamos mais de uma observação correta ao conseguir a descrição do ocorrido pelas partes envolvidas em determinada situação.
Mesmo assim temos que dar importância ao surgimento dessas classificações por nomes para divulgação de campanhas, de pesquisas e para a troca de informações ser precisa sobre o fenômeno abordado. Portanto, não é a importação do nome em si ou de existir uma classificação que vai fazer com que não ajamos com uma postura gestáltica-fenomenológica, mas sim a forma que damos a isso. Então, tendo um nome, que sabemos possuir algumas características, não significa que iremos tratar a questão de forma mecânica e positivista, sem poder avaliar as singularidades e o contexto em que se encontra.
Acerca disso falamos em bullying para falar sobre algo já nomeado e famoso nos espaços públicos, mas também não deixemos de lado nosso raciocínio de assédio ou violência moral escolar, instituição que é mais um espaço social abarcado pela estrutura caótica e violenta da nossa sociedade. Também não deixemos nos levar por diagnósticos apartados do contexto, nem pelo tradicional olhar psiquiátrico que precisa de síndromes descritas para desenvolver um tipo de tratamento universal. A proposta positivista traz em seu bojo uma ilusão eterna de tentar controlar aspectos naturais e sociais através de dados estatísticos e de uma pretensa instituição do que é anormal e do que está na média, na norma, sendo taxado de normal. Esse ponto é interessante porque a existência do bullying se dá sustentada, muitas vezes, por essa lógica de agressão e exclusão do diferente, algo que a ciência faz quando institui o anormal.
Dessa forma a ciência emerge como saber principal, objetificando o homem e as relações, fazendo com que uma grande parte da compreensão dos eventos sociais se perca, tornando-os sem sentido e alienando o observador de muitos aspectos processuais importantes. Então, a compreensão do assédio moral escolar não se beneficia ao adotar a visão de que ‘surgiu’ o bullying nas nossas escolas como se fosse uma tendência natural. A negação de que se trata de algo natural é o raciocínio que vai nortear esse trabalho na forma de tratar a questão. A partir de um olhar amplo irei investigar as influências que perpassam esse tipo de assédio moral.
Nesse momento passo às definições buscando sempre não cair na sistematização de descrições soltas e inúteis. Fante (2005, p. 21) diz que “bullying é uma forma de violência velada, que ocorre por meio de comportamentos cruéis, intimidadores e repetitivos, prolongadamente contra uma mesma vítima”. Lopes Neto e Saavedra (2003, p. 17) ainda completam que este “ocorre sem motivação evidente e é adotado por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia. É executada dentro de uma relação desigual de poder, tornando possível a intimidação da vítima”. É importante notar que sempre há uma assimetria de poder entre agressor e vítima. O primeiro tem mais possibilidades de estar no mundo, tem uma boa autoestima, é mais forte, extrovertido, tem muitos amigos e é admirado; já o segundo, encontra-se limitado no espaço escolar, com uma autoestima baixa, de forma geral é tímido, tem poucos amigos e vergonha de si mesmo. Outra característica importante é que a vítima de tal ato sofre repetidas vezes o assédio de pessoas diferentes e não se acha em condições de responder ou se defender. Não raro se acha merecedor daquilo e acaba excluído das relações escolares.
Outro ponto a se destacar é que o bullying pode ocorrer em qualquer tipo de escola, pública ou particular, das cidades ou do campo e de municípios pequenos ou grandes. Isso demonstra se tratar de uma questão ampla e não de algo isolado e específico de tal segmento de sociedade. Quando um fenômeno se apresenta tão ramificado, realmente, nos leva a crer que nossa leitura quanto à pertinência a um contexto maior e quanto à repetição de um modo de funcionamento hegemônico pelo qual passa nossa sociedade, está próxima de ser correta.
Essas definições também são importantes na medida em que há uma confusão grande entre o assédio moral escolar e uma simples brincadeira por parte de quem avalia e pode intervir, como é o caso dos professores. Isso é importante porque no segundo caso não há sofrimento nem angústia em nenhuma das partes envolvidas, já no outro comportamento há muita dor presente, portanto, o que nos interessa é o estilo de relação que é desigual e que, através e por causa disso, é agressiva. Abaixo estão algumas frases coletadas por Fante (2005), em que alunos vitimados por esse estilo de relação expressam sua dor. Pelas frases destacadas dá para perceber que brincadeira parece ter uma consequência diferente:
“-..., sempre sou ameaçada...Por isso tenho muito medo.”
“
-..., quero mudar de escola...Algumas colegas estão me impedindo de
ter amizades, acho isso desumano...”
“
- Minha vida na escola é muito triste...”
“
- Na aula de educação física, dizem que sou baixa e frágil,
então não sirvo para nada...”
“
-..., quando lembro que tenho que ir pra escola,...Morro de medo..., por isso
tenho dor de cabeça e de estômago quase todos os dias...”
Através dessas frases percebe-se uma tristeza grande e, em alguns momentos, de falta de apoio e desesperança de alguns alunos. Mesmo assim, ainda conseguimos colher no livro da mesma autora dois exemplos que destoam um pouco dos depoimentos acima:
“-..., dizem que vão me bater. Na saída, quase todos me
ofendem, mesmo assim vou para casa alegre,...”
“
- Sou muito fracote, às vezes me discriminam, falam que sou ‘japonês’,
que sou ‘tolo’, mas tudo bem. Tenho uma professora boa e gosto
dela...”
Nesses dois últimos exemplos, o estilo de relação é o mesmo dos encontrados nas outras frases, somente o final, ou a forma como o aluno lidou com a situação, é diferente. Isso é importante para esse estudo porque se apreende que temos que avaliar e estudar os construtos teóricos, mas não perder de vista que cada situação é singular e que para qualquer intervenção temos que estar de posse da observação individual dos fenômenos também. Abre-se aqui uma questão importante, qual a diferença entre os adolescentes que sofrem com essa situação e os que a suportam de forma mais tranquila?
De qualquer maneira os que sofrem mais com isso podem ter as piores reações, como o suicídio ou a ‘destruição’ da escola. Nesse último caso, a agressão é dirigida a toda a escola, por esse motivo é que em algumas situações limite, em que isso envolve o uso de arma de fogo, muitas pessoas são atingidas, até mesmo quem não convivia diretamente com o agressor, denotando o interesse em destruir a instituição, localizada como fonte de sofrimento, algo diferente de uma vingança pontual.
Como vemos, a identificação do que é bullying e do que é brincadeira fica difícil através de protocolos e de um olhar externo, sem a compreensão a partir do ponto de vista dos envolvidos. De fato a linha que separa os dois é muito tênue, até mesmo porque gozação ou brincadeiras baseadas em diferenças físicas ou comportamentais parecem sempre terem existido. A diferença que pode haver em relação ao passado é que, em grande parte das vezes, mesmo o alvo das brincadeiras era incluído na comunidade escolar, por todos, por algum grupo da escola ou teriam um suporte externo. Então, uma possível vítima de brincadeiras poderia ser amiga do autor do ato sem problemas.
O que acontece hoje é que o alvo do assédio é excluído, não confirmado em sua existência, o que na perspectiva relacional seria o Isso. Essa posição na relação faz com que seu ocupante não esteja em igualdade de possibilidades, é como se fosse um objeto, passa por um processo de desumanização, por isso vai servir para o autor das agressões para um interesse próprio, só um lado se beneficia e o outro não é incluído na relação. A primeira vista parece que o alvo é confirmado na relação porque pelo menos é digno de uma agressão, mas o que acontece na realidade é que o agredido não é alvo do ódio do assediador, mas sim de um interesse de uso. O ódio só aparece nas relações Eu-Tu, nas relações de bullying o que ocorre é uma completa indiferença pelo outro.
Esse comportamento aparece muito como impulso de uma atitude preconceituosa em que os alunos que fogem da norma, ou seja, que escapam da média física, social ou econômica da população escolar, são discriminados. Esse movimento chama nossa atenção para que por um momento pensemos na sociedade em que vivemos e comparemos as atitudes. Em nossa sociedade as minorias e os diferentes, ou considerados anormais, são discriminados ou excluídos? Aparentemente sim, já que vemos o quanto deficientes físicos são excluídos dos processos sociais de trabalho e de circulação, bem como são discriminados ou menos valorizados os componentes das classes sociais inferiores, portanto vemos como há uma repetição de modos de ser.
Voltando a fazer o nosso vai e vem entre caracterizações e a compreensão do fenômeno, falarei agora um pouco das descrições que são importantes também para a compreensão do trabalho. O bullying apresenta alguns atores com participações bem demarcadas e com características que se repetem. Novamente digo que minha intenção aqui não é identificar culpados ou vítimas numa relação, mas colocar alguns termos que auxiliam em determinadas partes do trabalho.
Então, numa relação de assédio moral escolar, encontramos os seguintes personagens: o autor, o alvo e as testemunhas. Essas três instâncias se encontram interligadas para que uma situação de bullying ocorra. O autor de forma geral é impulsivo, agressivo, geralmente mais forte que seu alvo, quer dominar e controlar, humilhar e intimidar, causando danos emocionais, físicos ou materiais ao outro. Através desse comportamento obtém ganhos sociais e materiais. Podem adotar comportamentos antissociais que vão ficando mais complexos ao longo de seu crescimento. Também podem vir de famílias que favorecem esse tipo de conduta, assunto que tratarei mais de perto em outra parte do trabalho. De qualquer forma, como colocam Lopes Neto e Saavedra (2003), esse sujeito é forjado por influências subjetivas, familiares, escolares e sociais, assim como os demais indivíduos envolvidos nesse cenário. Isso influencia tanto na visão desses personagens, que muitos deles, como aferido em pesquisa desses mesmos autores, não reconhecem o que fazem como agressão, e sim como brincadeira.
Lopes Neto (2005) define que o alvo é um aluno exposto de forma repetida e durante algum tempo às ações negativas perpetradas por um ou mais alunos. Em geral não dispõe de recursos para reagir, é tímido, inseguro, frágil, tem poucos amigos e não tem esperança em sua vida. Tem baixa autoestima e, não raro, como dito anteriormente, se acha merecedor de maus-tratos. Pode ser ainda passivo, retraído e infeliz. É muito comum ter uma característica física que pode ser usada para inferiorizá-lo, não se vestir como os outros e não ter habilidade em esportes, que no caso da nossa cultura trata-se quase sempre de futebol. Quando seu sofrimento não é cuidado, não recebendo nenhum suporte, só lhes restam três opções: sair do colégio, aguentar calado até o limite do suportável ou passar a agressor.
Sobre essa última possibilidade cabe aqui dizer que muitos alvos que sofrem em algumas situações, são autores em outra, corroborando a tese de que a única saída para a dor de quem é vítima de um comportamento agressivo é passar, ele mesmo, a agredir também. A saída não é vista como uma reformulação das relações, mas sim em passar para a parte que parece ser mais favorecida dentro dessa lógica de funcionamento.
No caso das testemunhas, mesmo parecendo que não, elas se tornam extremamente importantes como legitimadoras do processo. Sua presença durante a ação garante um dos ganhos do autor, que é o reconhecimento social de seus pares. Outra consequência de sua participação é que torna mais difícil ainda uma possível reação do alvo, já que diante de muitas pessoas este se sente mais pressionado, fato que se soma com todos os problemas pessoais que o agredido já enfrenta. Essa massa de pessoas não age de forma direta no bullying, mas também não faz nada para evitá-lo ou denunciá-lo. Isso acontece porque a maioria tem simpatia pelo autor, concordando com suas atitudes, mas também está relacionado ao medo de se levantar contra e se transformar na próxima vítima. Os que concordam se tornam potenciais agressores.
Além dos personagens ainda temos a classificação do bullying em direto e indireto. O primeiro ocorre no entre, ou seja, na relação que se estabelece num dado momento através de agressões físicas e verbais contra o alvo que está presente. O indireto trata-se da disseminação de histórias desagradáveis e vexaminosas, normalmente caluniosas, a respeito do alvo. Essa difamação hoje em dia tem o apoio da internet, que é uma ferramenta poderosa e rápida para tal objetivo.
Novamente nos deparamos nesse ponto com outro nome e o alarde de alguns autores sobre algo novo, o cyberbullying. Aqui temos outra demarcação de caminhos diferentes, algumas pessoas se ocupam disso como um novo fenômeno, quando se trata apenas do mesmo processo ocorrendo de forma coerente com nosso mundo atual. A tecnologia está muito presente em nossas vidas, trazendo rapidez na circulação de informações, portanto, parece óbvio que ela fará parte de tudo, até mesmo servir de veículo para agressões.
Por fim, como levantado nas pesquisas, ainda temos um diferencial quanto a participação dos gêneros. O modelo de bullying direto é mais praticado pelos meninos, principalmente com agressões físicas, e o indireto mais por meninas, apesar do contexto atual também estar modificando isso, já que temos uma planificação e uma igualdade de condições e ações cada vez maior entre os gêneros.
Na apreensão desses conceitos é importante destacar que estão aí para mapear algumas situações, mas nunca cristalizar as posições. Também lancei mão dos conceitos autor/alvo em lugar de agressor/vítima, fato que concordo com os autores consultados por entender que se trata de um encaixe entre os participantes, que respeitam uma lógica de funcionamento em que todos acabam compartilhando e sendo responsáveis. Portanto, não se trata de encontrar culpados, acusar alguém ou repreender algum dos lados para resolver a questão. Esse comportamento só procura como saída a punição, que novamente repete e reforça as relações sociais que predominam hoje em dia.
Como aferido em pesquisa, a maior incidência do problema é entre o 6º e o 9° anos escolares, fato que torna ainda mais claro, pelo menos para mim, a necessidade dos agentes da educação em se sensibilizarem com essas questões que permeiam a convivência em sala de aula e em outros espaços do colégio, já que essa fase é marcada pelo início da independência do adolescente e importante momento de construção de identidade. O entendimento dessas condições e dos problemas decorrentes da convivência entre os alunos nessa fase importante de suas vidas, tendo como perspectiva de fundo todas as características de nossa sociedade, pode facilitar o contato com os alunos e a possibilidade de resolução de quaisquer atos de agressão.
Aliado a isso a percepção de que o bullying está ocorrendo precisa estar bem afinada, já que os alvos de agressão têm imensa dificuldade em fazer queixa do que sofrem, visto que não têm estrutura para sustentar isso e, por medo e vergonha, não pedem ajuda. Por isso, numa situação em que o aluno que está sofrendo esse tipo de assédio consegue vencer suas limitações e denuncia seus agressores, a equipe escolar precisa estar bem preparada para acolhê-lo, reconhecer o problema e tomar as medidas cabíveis. Quando esse aluno consegue reclamar e não é acolhido ou sua queixa é subestimada, a situação dele piora muito, já que percebe que não tem apoio ou não o merece, provocando seu isolamento ou uma reação agressiva. É importante ressaltar que esse acolhimento inclui o agressor, para que ele também tenha espaço para se dar conta do que faz, tendo oportunidade de elaborar a questão.
Os profissionais da educação – e aqui enquadro todos os funcionários desde coordenadores e professores, mais técnicos, até inspetores e faxineiros – precisam desse discernimento tanto para atender os alunos envolvidos a contento, como para fechar as portas para possíveis enquadres psiquiátricos desse tipo:
“...quadros graves de bullying podem estar diretamente ligados a transtornos comportamentais graves, como transtornos disruptivos[...], transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtorno bipolar do humor, depressão infantil e fobia escolar. Nesses casos a avaliação neuropsiquiátrica é indicada...” (TEIXEIRA, 2006, p. 13)
Esse tipo de abordagem se mostra superficial e muito fechada, não permitindo discussões que podem elaborar a situação. Uma intervenção diferenciada pode acolher os alunos envolvidos e os profissionais da educação devem estar preparados, atentos, para identificar as situações e intervir de forma mais humana. Esse processo não é fácil nesses casos, sobretudo porque a agressão, na maioria das vezes, é sutil e não deixa marcas visíveis.
Isso é relevante principalmente porque a já citada pesquisa da ABRAPIA (2003) identificou que aqui no Brasil a maioria das ocorrências de assédio moral ocorre dentro das salas de aula, ou seja, lugar onde a autoridade na maior parte do tempo é o professor. Portanto, ao menos o conhecimento do professor a respeito do assunto é de suma importância para, não só evitar, como intervir nas relações em que ocorre esse tipo de comportamento.
A escola precisa detectar qual é a melhor forma de intervenção para trabalhar essas questões e não seguir modelos prontos, mas de fato, acho que não seria produtivo seguir exemplos, como descreve Fante (2005, p. 30), de escolas em outros países que ao constatar o aumento da violência em seus espaços, tornaram-no alvo de controle extremo com câmeras espalhadas por todo o espaço, detectores de metal nas entradas e um sistema punitivo que não abre espaço para reflexões. Esse comportamento de polícia com os estudantes não mexe na questão central e tenta agir de forma tardia, ou seja, na repressão e não na prevenção, que evitaria as possíveis agressões.
A parte do que poderia se tornar uma discussão se é papel da escola mediar ou intervir nessa situação, Lopes Neto (2005, p. 3) nos lembra muito bem que os alunos devem ter resguardados seus direitos ao respeito e à dignidade, sendo a educação entendida como um meio de prover o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania. Essas ideias estão presentes na Constituição da República Federativa do Brasil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo. A partir disso concluímos que, do ponto de vista legal, a escola precisa garantir um bom ambiente para o desenvolvimento de seus alunos, algo bastante coerente, já que a violência acaba por imobilizar as pessoas.
2.2 - O bullying nas turmas de 6º ao 9º ano do ensino fundamental
Como já foi citado, temos a maior ocorrência de bullying nesse segmento do ensino fundamental, o que nos permite pensar em algumas possíveis causas para esse dado estatístico. Observamos que na faixa etária abarcada por esse período escolar, mais ou menos de 10 a 15 anos, temos uma grande diversidade de fases adolescentes, principalmente nos dois primeiros anos do período, tornando a questão mais complexa. Na realidade a maior incidência é nessa fase, provavelmente, pela existência da própria diversidade.
Essa época acaba sendo muito complicada para os adolescentes, pois é a fase em que começam a substituir os vínculos primários familiares pelas relações sociais com os grupos de amigos. Além disso, é nessa época que o adolescente começa a perder o corpo infantil para algo que ainda não conhece bem e que no fim das contas é só uma preparação/transição para a próxima fase que vai estabilizar o crescimento do corpo e como será daí para frente. Por esse exemplo percebe-se que fica complicado gerenciar as diferenças, já que cada uma chega a determinada fase em momentos distintos, às vezes sem condições psíquicas de atualizar o que acontece e com mudanças físicas que podem parecer aberrações.
Como se já não bastasse tudo isso, segundo Outeiral (2005, p. 74) desde a década de 1970, a adolescência vem chegando cada vez mais cedo e hoje em dia acontece antes da puberdade. Entendendo aqui, que adolescência se trata do desenvolvimento psíquico e do comportamento e a puberdade do crescimento e mudanças fisiológicas. Portanto, assuntos como o namoro, por exemplo, muitas vezes é vivido pelos adolescentes antes deles se tornarem púberes, aumentando a confusão. De qualquer maneira esse processo apresenta tantas formas quantos forem os sujeitos observados, já que cada um vive o processo de forma singular e em tempos diferentes. Isso deixa o ambiente confuso pela diversidade de fases compreendida entre os 10 e os 12 anos. Esses indivíduos todos confinados num mesmo local dão uma dimensão do que pode ocorrer quando a regra é não compreender nem incluir as diferenças.
Com a existência de preconceito e a exclusão proporcionada por tal atitude o bullying surge de maneira marcante, algo muito diferente de uma inocente brincadeira, que também pode acontecer em função da própria diversidade. Só que o primeiro se presta a agredir o outro com o objetivo de, rebaixando-o, poder sobressair em relação aos outros estudantes. Nessa relação um usa o outro como ponte para um objetivo particular, o que se constitui como benefício unilateral remetendo a objetificação da relação Eu-Isso. Na segunda atitude a diferença, que de fato existe, pode suscitar algumas situações lúdicas, mas nesse caso o outro é tratado como Tu, sendo incluído com toda a sua diferença, que sem dúvida é algo que chama atenção.
Além disso, ainda temos sob perspectiva uma organização cultural que tem se distinguido pela violência. Como vemos em nosso cotidiano, ocorrem brigas por todos os motivos fúteis possíveis, por isso, dissemos que o estilo de relação Eu-Isso tem predominado em nossa sociedade, o que se configura numa dificuldade relacional. Esse tipo de relação em que o Isso se presentifica parece ter se tornado a base existencial de nossa vivência, provocando todas as dificuldades que assistimos no contato com o outro. Como nos diz Von Zuben (1974, p. LIV): “Se o homem não pode viver sem o Isso, não se pode esquecer que aquele que vive só com o Isso não é homem.”
De fato estamos diante de uma estrutura caótica e todos são - em maior ou menor grau, direta ou indiretamente - vítimas da violência. Mesmo assim, os autores das agressões escolhem fazê-lo, escolhem repetir esse modo de operar predominante. Se os adultos são sensibilizados por essa estrutura parece óbvio que os alunos pertencentes à faixa etária predominante nas turmas de 6º ao 9º ano também o serão, e com o agravante de terem menos possibilidades psíquicas de digerir tal situação. Por isso é tão importante que se traga o tema à luz das discussões na própria escola para que possamos ampliar a consciência de todos para esses atos, já que através desse movimento temos mais chances dos envolvidos estarem aware do contexto ao qual pertencem para poderem fazer uma escolha mais saudável. Até que essa tentativa se faça, os autores repetem movimentos deletérios para todos sem estar muito consciente de suas ações.
Na tentativa de cuidar dessa situação surgem contribuições de muitos saberes. Temos, por exemplo, um artigo do Jornal de Pediatria (2005, p. 1) em que Lopes Neto alerta os pediatras da “prevalência de bullying entre os estudantes” e da importância da “atuação na prevenção, diagnóstico e tratamento dos possíveis danos à saúde e ao desenvolvimento...”. Nesse contato entre disciplinas é muito importante que tenhamos cuidado com os termos ‘tratamento’ e ‘diagnóstico’ principalmente no que diz respeito à lógica de funcionamento da medicina. O diagnóstico se aproxima muito de uma classificação nosológica que, como já vimos, não traz abertura para produção de alternativas, acaba rotulando e fechando a questão para o tratamento específico que algum manual propõe. Esse modelo também se torna muito pesado para lidar com a questão que envolve os adolescentes desse período escolar, já que propõe nomes e classificações que passam a ideia de que os envolvidos possuem um problema.
Os rumos que esse trabalho de base gestáltica propõe vão em outra direção, procurando observar como essas relações se desenvolvem e como podem ser trabalhadas tendo como ponto de partida a própria experiência dos envolvidos. Esse ponto de vista, fazendo justiça ao jornal citado anteriormente, é o que permeia tal trabalho também, mas o uso de palavras consagradas que dão outras direções para questões psicossociais, acaba sendo arriscado e podemos cair em propostas que são tão excludentes como o próprio bullying.
Voltando um pouco para a avaliação dos dados, em pesquisa da ABRAPIA (2003) foi detectado que no segmento destacado a maior incidência de bullying é nos dois primeiros anos, que é o período inicial de construção da independência dos adolescentes. É nessa época que a maioria dos jovens se lançam de seus espaços familiares para construir novas identificações em seu meio social, que nessa idade trata-se preferencialmente do ambiente escolar. Também foi aferido que nesse período escolar participam do assédio moral 60% de meninos e 40% de meninas, que a maioria dos alvos sofre agressões várias vezes por semana e que a maioria dos autores não foi advertido de que essa conduta não poderia se repetir.
O primeiro dado é importante porque esse período de afastamento da família se dá de uma forma menos turbulenta quando o jovem possui uma autoestima equilibrada facilitando, dessa forma, a consciência de quais são suas necessidades, seus limites e fronteiras para lidar com o outro. De forma geral, nessa época, isso não está garantido, já que ainda é uma fase de construção da personalidade, tornando o processo mais complicado. É fácil perceber a relação da ocorrência de bullying com a fase de construção de personalidade pela pesquisa da ABRAPIA (2003), já que esta aferiu que sua incidência vai diminuindo conforme os alunos vão progredindo nas séries escolares, o que nos leva a concluir que, conforme os alunos vão ficando mais velhos, mais estrutura têm para lidar com as situações sociais, possivelmente apresentando uma autoestima mais equilibrada.
Outro ponto importante é que o 6º ano é uma série extremamente delicada do ponto de vista da adaptação. A maioria das crianças que saem do 5º ano, último ano do primeiro segmento do fundamental, quando vão para o 6º ano, mudando de colégio ou não, via de regra, vão para colégios muito maiores onde aumenta o número de professores - não mais as tias do primário - e o estudante perde sua identidade, já que as turmas são maiores e muitos professores não conseguem conhecer todos os seus alunos. Como diz Sanches (2005, p. 85): sair da 4ª série para a 5ª série é enfrentar o desconhecido. Fazendo as substituições na nomenclatura das séries de 4ª para 5º ano e de 5ª para 6º, esse é o resumo do que acontece e, em algumas vezes, as crianças/adolescentes não estão preparados para esse enfrentamento, nem as escolas para lidarem com isso.
Contudo isso, o bullying, de fato, precisa de estudos principalmente quando nos damos conta de que se trata de um acontecimento universal do ponto de vista escolar na contemporaneidade, já que ocorre sem distinguir região, classe social ou localização. Além disso, o participante agredido na relação, como dito anteriormente, tem muita dificuldade em denunciar seu agressor ou fazer queixa a quem é de direito, fato que se traduz em dados quando nos referenciamos novamente pela pesquisa da ABRAPIA (2003). Na quantificação da busca por ajuda dos alunos-alvo, quase metade dos alunos não procurou por ajuda de nenhum tipo. As justificativas passam por medo do autor, medo da indiferença da pessoa a quem procurou, de achar que é merecedor da agressão e por último algo próprio da idade, a vergonha de estar admitindo fragilidade precisando da ajuda dos adultos.
Além do envolvido não denunciar, quem está em volta não consegue ver o fenômeno com clareza, tornando difícil uma interrupção por parte de professores ou outros profissionais da educação. Num período onde crianças se misturam com adolescentes, mais estruturados em termos psíquicos, a escola precisa de cuidado para criar um ambiente saudável em que os alunos possam se sentir acolhidos e pertencentes a um grupo que os aceite como são. Como destaca Zagury (2000, p. 27), “a sociabilidade [do adolescente] é maior, embora a insegurança seja muito grande. Há uma busca de identidade, para a qual o jovem precisa de um tempo, pois acarreta angústia, dificuldades de relacionamento, confusão e medo”.
Essa mistura coloca em contato estágios de desenvolvimento diferenciados principalmente no que diz respeito à comparação entre meninos e meninas, uma vez que estas têm um salto de crescimento na fase de 6º e 7º anos que tornam o ambiente ainda mais diverso. Dificulta ainda mais a vivência dessa época o fato de que as mudanças corporais são muito radicais e em algumas situações, estranhas. A descrição abaixo dá uma boa dimensão do que acontece nessa fase e porque o adolescente oscila tanto entre segurança e insegurança.
“É fácil compreender o quanto esses anos são difíceis para os jovens. O difícil é conviver com tanta contradição. Sentem-se imortais, fortes, capazes de tudo. Momentos depois acham-se feios, desengonçados, deselegantes. Espinhas e cravos acabam com a pele, há pouco deliciosamente perfeita, suave, agradável ao tato... A beleza e a integridade física assumem aqui talvez seu momento mais proeminente. Em nenhuma outra fase da vida é tão importante ser forte, belo, desejável.”(ZAGURY, 2000, p. 29)
A partir dessas informações nota-se o quanto esse ambiente é bastante favorável a ocorrência de bullying, já que uma das características desse fenômeno é ocorrer através do preconceito contra o diferente. Como vimos, essa fase escolar que enfoco é a que possui maior diversidade de estilos de personalidade e aparência física e, portanto, uma fase que apresenta muita diferença entre os alunos. Esse quadro ainda é agravado quando pensamos no contexto social em que estamos inseridos, já que podemos perceber uma dificuldade geral de lidar com essas diferenças. De certa maneira pessoas diferentes, que escapam da norma, incomodam e acabam excluídas da cena social.
Ainda sobre esse campo da diversidade encontrada nessa etapa do colégio, vemos surgir uma assimetria de poder entre os alunos. Alguns alunos se apresentam mais articulados e seguros quanto a sua autoestima, podendo mobilizar por isso, um grupo que o legitime. Esse tipo de aluno pode desenvolver uma relação com o outro que o diminua, como é o caso do bullying. Nesse caso o autor, mais influente, vai “escolher” um alvo que tenha uma capacidade diametralmente oposta em termos de poder na escola. Um aluno pode se tornar alvo por ter algumas características físicas, comportamentais ou emocionais que podem torná-lo vulnerável às ações dos autores e dificultar a sua aceitação pelo grupo. (LOPES NETO, 2005, p. 7) O “escolher” encontra-se entre aspas porque trata-se de um encaixe entre os dois pólos opostos desse movimento em que um precisa do outro.
Essas diferenças produzem uma relação em que um lado tem mais poder de atuar que o outro, propiciando o surgimento da relação assediosa autor-alvo. Essa falta de habilidade relacional gera um abuso de poder por parte do autor, já que este não consegue lidar de forma ética com essa diferença. Novamente se pensarmos de forma mais ampla encontramos também em nossa sociedade uma atração por esse estilo de relação. Como já exemplifiquei anteriormente, muitas pessoas que possuem mais poder em nossa sociedade têm por hábito se utilizar disso para obter vantagens ou só mesmo para diminuir o outro, pelo simples prazer de fazê-lo. Esse estilo de relação, representado pelo formato Eu-Isso, é repetido em diversos espaços sociais, sendo a escola um deles. Relacionando o bullying com assimetria de poder temos a seguinte definição:
“...a definição de bullying é compreendida como um subconjunto de comportamentos agressivos, sendo caracterizado por sua natureza repetitiva e por desequilíbrio de poder. [...]O desequilíbrio de poder caracteriza-se pelo fato de que a vítima não consegue se defender com facilidade, devido a inúmeros fatores: por ser de menor estatura ou força física; por estar em minoria; por apresentar pouca habilidade de defesa; pela falta de assertividade e pouca flexibilidade psicológica perante o autor ou aos autores dos ataques.” (FANTE, 2005, p. 28)
Mesmo com todos esses pontos contextualizados e colocados como um encaixe relacional entre os participantes não tenho a intenção de retirar a responsabilidade de ambas as partes no processo. Insisto na contextualização, como já disse antes, tão somente para não parecer que temos um problema desconexo ou isolado de nosso cotidiano. Portanto, tenho claro que o ato do assédio moral escolar é realizado de forma consciente pelo autor, muito embora sua awareness do que faz e do que participa em termos mais amplos seja superficial.
Como coloquei antes, a diferença entre os alunos é um dos motores que propiciam o surgimento do bullying e esta se estabelece produzindo como alvo, principalmente, os que não são “normais”. Esse grupo é o dos jovens que escapam à norma, ou seja, à média social na qual está inserido. Os motivos variados que fazem o alvo entrar nesse grupo podem ser: peso excessivo ou peso muito baixo, ser muito alto ou muito baixo, ter o nariz ou a orelha grandes ou de formato pouco encontrado, além de diferenças culturais, religiosas ou etno-culturais entre outros.
Friamente essas “anormalidades” são apenas dados estatísticos, que apontam para uma característica pouco encontrada em determinada amostragem cultural. Só que isso determina muitas dificuldades relacionais chegando até à violência em alguns casos, como se uma pessoa diferente incomodasse a ponto de ter que ser eliminada, ou como se fosse um depositário de projeções frustradas de quem o agride. Se em nossa sociedade percebemos essa dificuldade entre adultos já construídos do ponto de vista de sua autoestima, na escola isso se torna mais complexo, porque quem agride, em algumas situações, não percebe direito as consequências de seus atos e, o alvo, encontra-se em dificuldade maior porque não consegue se livrar do sofrimento em que vive.
Nessa situação complicada, em que o alvo acaba se tornando um objeto para quem o persegue, o aluno não só não consegue se libertar dessa posição como acaba dependendo da mesma. Assim como qualquer pessoa, o jovem precisa se desenvolver nas relações e um aluno vítima desse tipo de assédio também precisa, então, para ele, essa relação em que é agredido é melhor do que o isolamento total, já que nos constituímos com o outro e nos desenvolvemos no entre, mesmo que, nesse caso, a confirmação seja ilusória.
Mesmo assim, o isolamento pode ocorrer de forma compulsória, sem que o alvo queira seguir esse caminho. Isso pode acontecer pelo medo generalizado que se espalha entre os alunos de que podem ser a próxima vítima. Para que corram menos risco de serem os próximos alvos, deixam de acompanhar ou conversar com a vítima das agressões, que acaba se tornando uma pessoa isolada, todos se afastam. Aliado a isso, temos a falta de maturidade dos adolescentes para lidar com a situação, o que significa que falta estrutura tanto para o autor ver o que está fazendo, como para o alvo lidar com as agressões que sofre.
Então, um complicador dessa questão é que o outro é muito importante para gerar nossos significados, mesmo que seja para desqualificar ou diminuir. Como coloca Almeida (1999, p. 71): “na modelagem dessas atitudes, o outro tem uma participação imprescindível. É o outro que dá sentido às manifestações expressivas da criança”. O alvo fica numa situação muito delicada em que escolhe entre ocupar o lugar dessa pessoa que não merece ser valorizada ou viver sozinho a maior parte do tempo de vida nessa época, já que passa grande parte da semana no ambiente escolar. Temos nossa vida emocional vinculada às nossas relações, portanto, o que sentimos precisa ser testemunhado por alguém para que possamos vivê-lo e termos a noção dos sentidos que damos às experiências. Sozinhos, ficamos deficientes do ponto de vista emocional também, o que na idade escolar pode significar até mesmo ter deficiências mais profundas que acarretem em problemas na vida adulta.
A criança que é um pouco diferente, que não tem espaço para exercer todo o seu potencial pode ficar com essa marca por muito tempo. Seu desempenho pode estar sempre limitado e sua autoestima pode ficar tão arranhada que levará tempo até que possa confiar em si mesma, valorizando suas atitudes. Colocado nesses termos, enquanto limitação existencial, a situação ganha contornos de seriedade, chamando atenção para o cuidado com o desenvolvimento do jovem, que não deve ser somente intelectual, mas também emocional. Para deixar isso mais claro vamos agora tratar, especificamente, das consequências emocionais dos alunos envolvidos nesse tipo de relação.
2.3 - As consequências emocionais de autores e alvos
Para falar das consequências emocionais dos participantes do assédio moral escolar voltarei a usar como construto a questão do desenvolvimento relacional sob a perspectiva Buberiana. Como já disse, a fluência de Eu-Tu para Eu-Isso é bastante importante, em algumas oportunidades estabelecemos um dos esquemas e em outros momentos a outra, uma possível cristalização não seria saudável.
Ainda sobre questões relacionais percebemos que tudo se desenvolve no entre, nossa personalidade e crescimento psíquico se dão nesse campo, então, nosso entendimento precisa passar por esse fundamento. Com isso concluí-se que é nesse campo que somos e que nos construímos como pessoa; precisamos dessa troca para termos garantias de existência através da confirmação pelo outro.
O estilo de relação que garante uma sustentação existencial é o modelo Eu-Tu, onde há a reciprocidade, uma relação de mão dupla em que os dois lados se reconhecem e tem um tratamento equivalente. Claro que aqui falo da relação homem-homem, que é o que nos interessa, mas esta não é a única que se estabelece nesse formato. Buber (1974) coloca outros dois tipos – relações com seres da natureza e a esfera das essências espirituais -, mas considera esta que estamos tratando como a mais importante.
Então, o que nos interessa investigar é exatamente o entre e o que se constrói a partir disso. Apreendemos com isso que dependemos do outro para nossa própria construção de autoestima, de personalidade e de nossos significados psicológicos. Como bem lembra Chalita (2008, p. 147), “todos são partes de cada um de nós. Parte daquilo que somos e sentimos é consequência da ação do outro. Assim, também, o outro é parte daquilo que somos capazes de nele despertar”. Somos todos interdependentes nessa construção.
Com isso em mente passamos para a leitura de como o bullying funciona nesses termos. Nesses significados que nos são apresentados é como se a parte agredida da relação, que chamamos de alvo, se encontrasse na posição de Isso, se constituindo num objeto para seu agressor. Esse significado, em algumas vezes, é a única coisa que tem ou só o que ouve a seu respeito nos diversos espaços onde vive. Para o alvo, então, é muito difícil não adquirir esse estilo de vida por esse reconhecimento, mesmo que este não seja muito sustentável.
Outra questão que traz mais complexidade a este cenário é a idade que esses jovens possuem nas séries de que falo aqui, nessa época conseguir digerir o que lhe é dito é muito difícil. Não conseguem ainda ter muita segurança para separar o que lhe é útil e jogar fora o que não faz sentido. Nesse momento o adolescente ainda é uma pessoa que introjeta muito e não consegue assimilar as significações de forma saudável. Nessa fase é comum o jovem só trocar as introjeções dos significados dados por sua família para as que são dadas pelo meio social ao qual pertence.
A introjeção para a Gestalt-terapia é a passagem de formas de ser e significados sem que seu recebedor tenha condições de filtrar o que lhe parece útil, que lhe faz sentido, do meio de questões que não lhes dizem respeito. Perls (1988, p. 46) diz que é “aquilo que trazemos inteiro, o que aceitamos indiscriminadamente, o que ingerimos e não digerimos, é um corpo estranho, um parasita que se instala em nós”. Não é parte de nós, embora pareça. É ainda parte do meio. Sempre fazendo a ressalva que esse mecanismo não é ruim a priori, já que tem função em determinados contextos, essa faixa etária de que falo tem esse modo preferencial de funcionamento, já que o filtro que avalia o que recebe do outro não está totalmente construído.
A introjeção do alvo por sua posição oprimida, às vezes, é tão potente que ele leva para outras situações um agressor interno, que o deixa sempre em posição de vítima ou de objeto em outras relações, principalmente porque o alvo, enquanto Isso da relação, recebe a confirmação de objeto que tem serventia para ele enquanto afirmação existencial. Somado a isso, lembramos ainda que, o estilo de relação Eu-Isso é privilegiado em nossa sociedade, parecendo que só contamos com essas duas posições possíveis: Eu – atuante, agressor, sujeito; Isso – passivo, vítima, objeto. Partindo desse princípio, o alvo precisaria ter forças para passar a outra parte da relação, o que na maioria dos casos não é uma crença que possui, só restando, então, a posição que ocupa, que é melhor do que nenhuma.
Esses problemas ou dificuldades existenciais só se dão, obviamente, nas relações desenvolvidas e encenadas pelo homem. As dificuldades ainda são um importante indicativo de que algo vai mal entre as pessoas e até mesmo na sociedade em geral, como tenho proposto nesse trabalho. O bullying pode ser um importante indicativo de que algo não vai bem nas relações desenvolvidas nos tempos pós-modernos. Tal qual fazemos com o sintoma na Gestalt-terapia, partimos para a contextualização com o objetivo de compreender qual a função dele e o que significa para quem o possui. A ideia não é sufocá-lo levando a eliminação daquilo que incomoda, já que, até mesmo para desenvolver algo que possa ajudar, precisamos primeiro compreendê-lo e descobrir o que ele pode nos ensinar, caso contrário eliminamos a pista que temos para ajudar alguém. Como nos diz Hycner (1995, p. 134) “dentro do problema está a solução”. Precisamos estar atentos ao que o problema está tentando nos dizer. Isso é importante para o trabalho de elaboração dessa questão na escola, sob a perspectiva gestáltica.
Da mesma forma que compreendemos a psicopatologia como algo oriundo do entre das relações, também entendemos que a autoestima se desenvolve no mesmo campo. As experiências só o são com uma interpretação subjetiva do que ocorre nas relações e a construção da autoestima passa, então, por esse processo. Portanto, não é a experiência em si que contribui para a constituição da estrutura do Eu, mas o significado que damos a ela, do que ocorre entre duas pessoas. Precisamos do outro na montagem do que somos, além de sua confirmação para a nossa existência.
Em algumas situações a importância dessa confirmação é tão grande que o sujeito pode até desenvolver uma estrutura falsa, ilusória, mas que lhe garanta alguma sustentação. Torna-se interessante construir um estilo de personalidade que se alinhe com a maioria mesmo que seja falsa. Esse tipo de construção segue a mesma linha do que disse a respeito do alvo quando opta por ter uma confirmação negativa a não ter nenhuma. Só que, nesse caso específico, a intenção do autor não é nem reconhecê-lo como um Tu, que receberia algum tipo de sentimento negativo, mas como algo que se assemelhe mais ao uso de um objeto que não é merecedor de nenhum tipo de sentimento.
Penso que, também por isso, temos a repetição de relações agressivas entre os alunos. Utilizando a leitura de que o espaço escolar é dividido entre as duas posições presentes na relação de bullying, um indivíduo pode escolher a posição de agressor por lhe parecer mais conveniente para sua sustentação nesse espaço social, mesmo que não concorde de forma consciente com o que está escolhendo. Na posição de agressor há uma tentativa de ser confirmado pelo outro, algo que não atingiria de outra forma conhecida por ele. É claro que a leitura dessa bipolaridade relacional se apresenta como estilo prioritário na contemporaneidade, mas não como única possibilidade. Há outros caminhos que podem se acessados.
Quando falo em confirmação, é bom que se diga, não seria a mesma ideia de aceitação, por exemplo. A confirmação se trata de um reconhecimento total da existência do outro, com suas qualidades e defeitos, com suas facilidades e dificuldades, com suas opções diferentes e às vezes irritantemente opostas e cristalizadas. Como Hycner (1995, p. 61) bem resume neste trecho: “confirmar o outro significa fazer o esforço terrível de se voltar para a outra pessoa e afirmar sua existência única e separada – ‘sua alteridade’. Significa também, ao mesmo tempo, reconhecer o vínculo humano comum da relação com outras pessoas”.
A aceitação dá uma ideia mais próxima de não confirmação nesses termos e se coloca mais como obrigação de conviver do que, propriamente, uma escolha por compartilhar a existência como seres humanos iguais que são em suas diferenças. Então, a confirmação inclui o outro mesmo que seu comportamento pareça inaceitável, nesse caso o Eu trata o outro como um autêntico Tu. Quando olhamos de perto o assédio moral escolar percebemos que sua dinâmica se dá em grande parte pela dificuldade, que parece de nosso tempo, que os alunos têm de lidar com as diferenças, tanto físicas e psicológicas, como de poder.
A partir desses dados fica mais claro o quanto dependemos das relações para construção de nossa autoestima. Esse construto é muito importante principalmente nessa fase. Como é uma época importante do ponto de vista da construção da personalidade, a falta de um ambiente saudável cria dificuldades para o jovem lidar com as situações que se apresentam e podem causar problemas para o desenvolvimento do futuro adulto. Uma das situações que, sem dúvida, pode causar esse tipo de consequência negativa é o bullying. Aqui temos um detalhe importante: algumas características são comuns aos alvos desse tipo de assédio, mas é importante notar que alguns alunos que sofrem essa agressão sucumbem a isso ou ficam presos a esse tipo de relação, enquanto que outros de características semelhantes não apresentam essa resposta. O que dá para notar é que uns têm mais suporte de seu modo de ser, apresentando uma autoestima equilibrada, enquanto outros não acham possível se apresentarem com seu jeito, denotando uma autoestima baixa, que não se autoconfirma e, por isso, tão pouco pode ser confirmada pelo outro.
Essa construção e suporte têm uma importante base que é o meio familiar, como aferido na pesquisa da ABRAPIA (2003) e que cito no próximo item, sendo possível que a confirmação existencial dos alvos que sofrem seja deficiente nessa base inicial. Talvez essa seja a grande diferença entre os que se desestruturam diante das agressões sofridas e os que - como vimos nas frases reais destacadas anteriormente - podem dizer: “...me ofendem, mesmo assim vou para casa alegre,...”. O bullying é uma questão importante exatamente porque alguns alunos que são alvos não têm estrutura para lidar com as situações que se apresentam e sofrem muito com a forma como são tratados no ambiente escolar, com as “brincadeiras” unilaterais.
As consequências desses atos são muito sentidas e, apesar do alvo ser a parte da relação mais nítida quanto ao sofrimento, o autor, por seu turno, também tem dificuldades pelo seu estilo de comportamento. Com relação a este último, o que se apresenta mais visível, de forma geral, segundo Lopes Neto (2005, p. 9), são “baixo rendimento escolar, agressividade e comportamento antissocial”, características marcantes em autores que sem dúvida levam a algum tipo de sofrimento, seja na escola por seu rendimento, ou no campo social por correr o risco de ser vítima, ele mesmo, de agressões pelo seu comportamento.
A agressão como estilo de vida se reproduz nas relações e é bastante possível que, quando esse modelo de comportamento predomina, retorne desta mesma maneira para seu autor. Portanto, viver dessa forma traz como consequência negativa sofrer agressões ao longo da vida e viver relacionamentos conflituosos que não promovem uma vivência saudável. O sujeito que vive de forma que priorize a violência não traz sofrimento só para quem ele agride, mas também para ele próprio, já que há um desgaste emocional durante uma briga e, algumas vezes, o sentimento de culpa depois. O sofrimento se instala principalmente quando o agressor fica culpado com suas atitudes, mas não consegue agir de outro jeito. Em longo prazo esse estilo de vida traz muitas dificuldades relacionais e o comportamento antissocial pode se intensificar podendo até mesmo gerar problemas com a lei.
As consequências para o alvo do assédio moral escolar, além de serem mais nítidas, são mais numerosas em seus itens. A clareza desses efeitos se traduz até mesmo pelas mais diversas reações físicas em quem sofre esse abuso repetidas vezes. Estar na escola já desencadeia uma série de reações desagradáveis como destaca Fante (2005, p. 24-25): “taquicardia, sudorese, diurese, dor de cabeça, mal-estar generalizado, sensação de sufocação, cólicas, náuseas, vômitos e diarreia”. Esses sintomas dão uma ideia aproximada do quanto é insuportável sua vida na escola.
Como o fenômeno acontece repetidas vezes, causando dor e angústia silenciosa, o quadro pode evoluir para a depressão e a ansiedade exagerada, até chegar a atitudes autodestrutivas como o suicídio. Como o alvo, muitas vezes, não encontra suporte nos espaços em que vive e nem autossuporte para denunciar, vive todas essas consequências sozinho e em silêncio, ficando inseguro, podendo levar a uma reação intempestiva como temos a oportunidade de ver em algumas ocasiões no Brasil e ao redor do mundo. Histórias de alunos que, armados, vão para escola se vingar de todas as agressões sofridas fazendo muitas vítimas, tem se tornado cada vez mais comum.
Nessas situações muitas das vítimas dessa vingança, inclusive as fatais, não tinham relação direta nem indireta com as agressões, o que reforça a tese de que os alunos que eram vítimas de agressões queriam destruir a escola, como representante de todo o mal que lhe é causado, a escola precisa “morrer” tamanho é seu descontentamento com esse campo de sua vida. Claro que existem, nesses casos, alguns alvos mais específicos, como agressores conhecidos ou pessoas que não deram atenção para possíveis denúncias, mas aparentemente eles alvejam indiscriminadamente, como no caso do massacre de Columbine nos Estados Unidos em 1999.
É interessante que no caso de uma escola em Jonesboro, nos Estados Unidos, como descreve Fante (2005), um massacre ocorreu e apresentou reações posteriores semelhantes à lógica do bullying. Testemunhas que souberam o que ia acontecer não denunciaram, assim como os espectadores de assédio moral escolar. Alguns alunos sabiam do plano e não contaram a ninguém. Outro ponto a ser analisado reforça a tese de que os jovens agredidos muitas vezes só veem como saída a mudança de posição, passando a agressores. Nesse exemplo específico ainda tivemos a repetição da fama e do retorno positivo de outros alunos experimentado pelos agressores, já que, depois do incidente, dois alunos disputavam o título de melhor amigo de um dos autores da tragédia.
Esse cotidiano violento da escola torna o ambiente árido para qualquer desenvolvimento socioeducacional saudável. Os alvos são os principais afetados por esse clima, ir para escola torna-se um sacrifício tão grande que o corpo apresenta sinais de que não pode mais ir, já que o mal-estar surge no momento em que o jovem precisa ir para escola. Em alguns casos, a estrutura psíquica do alvo é tão frágil que se acha merecedor daquilo que sofre, o que acaba contribuindo para aumentar o mal-estar, principalmente porque, merecedores disso, não podem nem reclamar. Esses sujeitos acabam não tendo o suporte necessário para escolher um caminho que o livre dessa situação.
Em longo prazo as vítimas da agressão escolar podem se tornar adultos com baixa autoestima, sem confiança, depressivos, introspectivos e até com medo de se relacionar socialmente. Esses reflexos são sentidos na vida adulta porque a violência escolar chega numa época importante de construção da personalidade, o que faz essa estrutura ser arrebatada de forma marcante. Esse rebaixamento subjetivo que sofrem pode gerar problemas na vida adulta , uma gestalt aberta que precisa de elaboração, como explica o trecho abaixo:
“O complexo inteiro de sentimento, expressão, gesto e a impressão sensória, que é particularmente profunda porque está inacabada de maneira significativa, está agora em desuso; e se gasta continuamente uma energia considerável para mantê-lo fora de uso em toda situação presente (uma energia considerável porque a cena traumática está inacabada de maneira importante, e deve ser energicamente combatida).” (PERLS, HEFFERLINE, GOODMAN,1997 , p. 102)
Nesse trecho fica claro que situações inacabadas trazem muito desgaste de energia para o sujeito. Esse gasto só acaba quando trabalhada a questão, caso contrário pode causar problemas relacionais até que isso se realize. Além disso, as crenças negativas da fase de agressão podem cristalizar e desorganizar a vida adulta, trazendo sofrimento e propiciando formas de se relacionar não muito saudáveis.
Com todas essas consequências sob perspectiva parece que se torna importante para a escola estar atenta e abrir espaço para as discussões e medidas a serem tomadas para atuar nas situações de violência, ao menos para que se reduzam os efeitos deletérios dessas questões sobre a vida dos alunos. Nesse caminho é importante ressaltar alguns itens importantes, que serão discutidos e aprofundados mais a frente. Como tratamos tudo enfocando as relações e o fato delas estarem inseridas num contexto maior, não se trata de encontrar e punir um possível culpado, na maioria das vezes, o agressor, a direção deve ser se livrar da agressão, e não do agressor.
Isso nos leva a discussão que acaba sendo levantada nesse trabalho, desencadeando reflexões como essa: a escola tem que estar preparada para lidar com essas questões? Em relação a essa questão, a princípio, já posso citar o que opina Chalita (2008, p. 110): “a escola, por delegação social, deve ser um local de acolhimento e de estímulo ao desenvolvimento e ao crescimento intelectual, sem desprezar as necessidades pessoais, sociais e afetivas dos alunos”. Nesse trecho percebemos uma posição que responde afirmativamente a questão colocada. Além disso, o mesmo autor ainda complementa, citando Platão, quando este fala que educação é liberdade, condição que nos emancipa da ignorância, mesmo que envolva sacrifícios e seja doloroso o saber.
Parece-me que essas citações concorrem para um pensamento amplo do que seja educação e falarei mais sobre isso no terceiro capítulo. Antes de entrar propriamente nessa parte, algumas palavras sobre o papel da família na construção da personalidade do par autor-alvo do bullying.
2.4 - A participação familiar na construção de autores e alvos
Seguindo a linha norteadora do trabalho, de contextualizar a situação que se apresenta, discuto nesse trecho outra instância bastante importante para a compreensão do que acontece com nossos alunos hoje em dia: a família. Precisamos de alguns detalhes desse campo por sua influência primeva e fundamental na vida dos filhos, detalhando como eles podem repetir comportamentos familiares agressivos ou passivos diante da violência que sofrem.
A família entra como componente fundamental da educação, senão por responsabilidade voluntária, ao menos por lei. A Constituição Brasileira formaliza em seu artigo 205 a participação familiar, deixando clara essa obrigatoriedade legal. Abaixo, segue o artigo:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” [grifo nosso]
Como prevê o nosso código nacional, a família é um dos braços importantes do processo educacional e, embora não esclareça de que forma, coloca como um de seus deveres. A partir de alguns conhecimentos em psicologia imaginamos o quanto é importante essa presença para o início da vida escolar e sua continuidade. As necessidades vão mudando ao longo das séries, mas é sempre importante a proximidade, principalmente num caso de bullying em que, na maioria das vezes, o adolescente tem vergonha de falar o que está acontecendo com ele.
Para entender melhor como essas influências acontecem, falemos um pouco do desenvolvimento da criança no meio familiar. No início da vida infantil tudo é significativo e percebido pela criança como fundamental, mesmo porque, as necessidades das crianças são imensas e demandam muitos cuidados. Tudo que precisa é essencial para a sua sobrevivência e tudo que está a sua volta se torna importante e, obviamente, seus pais são os elementos que mais se destacam nesse campo.
À medida que vai crescendo a criança vai se descolando dessa dependência e de seu mundo infantil, diferenciando o que encontra a sua volta em pessoas e situações mais relevantes e outras nem tanto. Como diz Buber5 (1974, p. 43) a “história do indivíduo manifesta um crescimento progressivo do mundo do Isso”. O que fica ainda de relevante em termos de relação se constitui no estilo Eu-Tu, incluindo, em sua maioria, a relação com os familiares mais próximos.
Como importante núcleo de identificações, a família fornece subsídios para que seus filhos iniciem seu desenvolvimento de forma mais segura, principalmente porque no início da adolescência, período que está em foco aqui, o meio social começa a ganhar mais espaço na vida do jovem e diminui um pouco a influência da família. Quando isso acontece, no caso da escola, por exemplo, o aluno precisa ter alguns filtros para identificar quais são as escolhas melhores para ele e, talvez o mais importante, precisa ter estrutura para não participar de situações que não lhe interessam ou que o ofendem. Para se cuidar sozinho e até tomar as devidas providências quando é vítima de algum ato agressivo que não consiga lidar, o adolescente precisa ter uma estrutura razoável, já que o meio pressiona bastante.
Nessa formação a atenção e afeto dos pais são importantes para o crescimento da criança. Sistemicamente, se a família é bem equilibrada e têm bons valores, seus filhos vão, provavelmente, se desenvolver por esse caminho. Nesse processo o que tem de mais importante para os pais passarem para os seus filhos é o exemplo de suas próprias atitudes. Claro que não se excluem as conversas e explicações sobre o que acontece, mas o peso maior é a ação, principalmente porque alguns pais são incoerentes entre o que dizem e o que fazem. Temos muitos exemplos de pais informados que passam o que sabem para seus filhos, como, por exemplo, respeitar os outros e eles mesmos não respeitarem as pessoas que entram em contato no cenário social, às vezes, incluindo seus próprios filhos.
Toda a família, seja de que estilo for e qual formação tenha, é referência para os filhos. Chalita (2008, p. 165) destaca bem essa contribuição familiar:
“Os pais, de alguma forma, contribuem para a descoberta da razão de existir. É numa estrutura familiar sólida que a criança e o adolescente vão suprir suas necessidades de amor, de valorização, de limites e de coerência. Valores que contribuem para o desenvolvimento de habilidades de autodefesa e auto-afirmação.”
Então, percebemos que no processo de crescimento do adolescente para se transformar num “ser social”, como dizem Lopes Neto e Saavedra (2003), este precisa adquirir habilidades no seio da família, local onde pode apreender noções de respeito, limite, afeto, solidariedade e outros valores éticos e morais. Na pesquisa da ABRAPIA (2003) foi constatado que uma família agressiva ou de pouco contato afetivo, eram em grande parte o nicho de formação dos autores de bullying. O adolescente, então, carrega um forte componente familiar, seja de forma positiva, seja de forma negativa, como vemos no caso de condutas agressivas.
Isso também não quer dizer que tudo seja responsabilidade familiar e que seus filhos não têm liberdade de escolha sobre suas ações, além disso as famílias dão o que podem e, na maior parte das vezes, estão fazendo o máximo para educar seus filhos. Chamo atenção para o tema familiar porque num momento de dificuldade de seus filhos na escola, são marcantes tanto na construção do problema como na resolução do mesmo. Para que a família seja chamada nesse momento, temos que estar cientes da influência importante dessa instituição, principalmente porque os problemas podem ser - e em sua maioria são de fato – um indício de que algo funciona mal em determinado núcleo familiar e esta pode ser uma oportunidade de se discutir sobre isso.
Esse ponto é muito interessante porque, frequentemente, em situações de adolescentes envolvidos em situações de agressão, esbarramos com frases dos familiares de muita surpresa e denotando falta de entendimento de como aquele sujeito chegou a tal ponto, se esse comportamento, na visão deles, não foi ensinado em casa. Nesses casos é comum aparecerem frases como: “Eu fiz tudo por ele!”, “Ele sempre teve tudo!”, “Sempre lhe dei tudo do bom e do melhor!”. Esses “tudos” que aparecem nas frases têm nuances infinitas e podem indicar problemas nas relações. Na primeira e na terceira frases, temos que contextualizar o tudo porque pode não ter sido suficiente ou colocar sob perspectiva a qualidade do “bom e do melhor”, já que algo bom para um, pode ser ruim para o outro, trata-se de uma questão ligada à subjetividade. O “tudo” da segunda frase nos remete a situação de infantilização do adolescente, já que ele tem todos os seus desejos atendidos nessa situação. Esse modelo não contribui muito para um crescimento responsável dos filhos.
As famílias têm dificuldade de acessar essas percepções, por isso uma criança que vai mal na escola é um importante indicador de uma questão que pode estar muito bem camuflada no sistema familiar. Aqui reside o problema da inclusão da família, porque se a questão está nas sombras, provavelmente é para continuar lá por uma dificuldade de entrar em contato com a história familiar. Colocá-lo à luz de discussões pode ser insuportável para a família, o que reduz as chances de resolução.
Contudo isso, o que fica de mais importante sobre esse aspecto é que a família, de fato, tem uma importante influência sobre seus filhos, talvez a maior de todas, e que não pode se furtar dessa responsabilidade. Seu comportamento é facilmente repetido pelas crianças e, sem dúvida, suas opiniões sobre o mundo e sobre seus próprios filhos pesam muito na vida deles. Isso é um sistema do qual não se pode fugir.
O processo de crescimento traz uma consequência imediata e importante para o adolescente, conforme vai se desenvolvendo o jovem vai ficando cada vez mais responsável por suas escolhas, enquanto que o papel do adulto relativo a isso vai diminuindo. Quando isso não acontece, os pais ainda continuam em todos os momentos tentando livrar o filho das possíveis consequências de seus atos, tornando-o imune ao que é de sua responsabilidade, transformando-o, portanto, em uma pessoa irresponsável diante de suas escolhas. Esse é outro ponto que faz parte do quadro que estou montando nesse trabalho.
Toda essa confusão que a família vive ainda é intensificada por influências que estão presentes no modo de vida pós-moderno. Antes as posições familiares eram fixas e as regras bem definidas. Esse sistema, chamado de patriarcal, tinha o pai como chefe inquestionável da família e a fonte de renda principal da família. Ele trabalhava para sustentar a casa e todos que lá habitavam tinham que obedecê-lo. A mãe exercia a função de cuidar da casa e dos filhos, sua posição perante a prole era de respeito também. Aos filhos, restava obedecer aos dois e nunca questionar nada. Tudo era controlado nesses termos e esse modelo era até um incentivo para que os filhos saíssem de casa cedo. Esse esquema era marcado, então, pelo autoritarismo paterno.
Depois dos movimentos de contracultura nas décadas de 60 e 70 essa instituição passou por mudanças que ainda não se estabilizaram adequadamente. As regras claras e bem definidas dos tempos anteriores caíram, as mulheres entraram no mercado de trabalho e os filhos passaram a contestar mais a autoridade dos pais. Nesse novo modelo parece que a família ainda não encontrou uma boa forma de atuar. Como as regras instituídas não existem mais como no formato anterior, a autoridade dos pais já não vem mais acoplada à função que ocupam, precisa ser construída no dia a dia.
Sem as velhas referências os componentes da família precisam de mais trabalho para criar e educar seus filhos. A velocidade das mudanças pós-modernas faz com que o hiato entre as gerações da família seja ainda maior e, o adolescente, histórico representante do rompimento com as tradições e produtor de diferença, passou a exercer esse papel com intensidade maior, gerando mais conflito entre as partes. Esse contexto traz dificuldades importantes à família que parece estar no mesmo barco do “não-saber” dos professores que recebem seus filhos.
Na falta de um porto seguro que lhes dê referências para atuar, os pais se veem em constante dificuldade no contato com os filhos. Isso é tão comum hoje em dia que, em determinadas situações, ouvimos propostas de retorno ao modelo autoritário de educação do passado, como forma de controlar os jovens. A geração que lutou contra a estrutura familiar autoritária, com suas medidas repressivas, em alguns momentos acha que essa é a melhor maneira de serem respeitados pelos filhos. Com isso, o sistema familiar, perdido, pode produzir em seu interior filhos com valores deturpados, que vão repetir no meio social, comportamentos que podem ser desrespeitosos, antiéticos e até agressivos, causando problemas no contato com o outro.
Uma das questões que trazem muitas dificuldades aos pais pós-modernos é a administração da liberdade que os adolescentes podem ter e os limites que devem existir nesse processo. É claro que, à medida que cresce, o jovem precisa ter espaço para ampliar suas possibilidades, ter uma liberdade cada vez maior diante do que seus pais podem escolher por ele. O fundamental é que para ter direito a liberdade deve compreender que esta nunca é adquirida sem a companhia de uma boa dose de responsabilidade.
A liberdade é, então, condicionada e não é um benefício que se deve conceder sem que deveres venham junto, colaborando para limitar as ações. O que vemos hoje é o uso da liberdade sem respeito pelo direito que o outro também tem de usá-la. A falta de limites dos adolescentes advém principalmente de pais que não permitem que seus filhos se responsabilizem por atos que possam invadir o espaço de vida do outro. Nessas oportunidades alguns pais não deixam que seus filhos tenham o ônus de suas atitudes. Essa liberdade mal utilizada é participante importante do estilo de relação Eu-Isso, em que o outro é quase um objeto das vontades alheias. Como bem analisa Chalita (2008, p. 220):
“O primeiro aprendizado sobre civilidade é o de que vivemos numa sociedade constituída por pessoas diferentes entre si e que, apesar disso, gozam dos mesmos direitos e deveres, e que essas diferenças devem ser consideradas sinônimos de diversidade, não de desigualdade; que a vida não se resume exclusivamente à nossa pessoa e aos nossos caprichos, e que a sobrevivência da humanidade depende da convivência harmoniosa, cordial e respeitosa com outras pessoas.”
Isso é bastante importante porque os valores e os limites que são transmitidos com a liberdade é que vão construir cidadãos responsáveis em suas ações no meio social. Uma base saudável promove um lançamento adequado do sujeito na sociedade, principalmente no início, em que este começa a se desprender da influência maior da família para começar a fazer suas escolhas de forma autônoma, não sem uma certa dose da influência da nova rede onde o jovem vai se estruturar, a dos amigos.
A participação da família nessa fase é fundamental, acompanhar o adolescente e estar disponível para suas dificuldades é importante. Claro que a disponibilidade não deve ser confundida com controle rígido, os pais precisam fazer um balanço razoável entre cercear a liberdade dos filhos e deixá-los ser. O equilíbrio interessante a ser alcançado deve estar entre uma ruptura brusca em que jovem se amedronta diante da súbita falta de apoio e a eterna vigilância dos pais, se movimentando para resolver as questões no lugar dos filhos. Essa meta pode ser atingida através de um lar aberto, não para a liberdade total, mas para a discussão dos impasses, atitude que pode afinar a família entre os pólos opostos da repressão e da permissão.
Com essa afinação bem realizada a família prepara suas crianças e adolescentes para saber se proteger e escolher, com valores dos pais internalizados. Para isso, os pais devem ter confiança, não só em seu filho, mas também no trabalho que realizaram nessa caminhada. Também é importante notar que, quanto à educação, os tempos são só diferentes, necessidades e cuidados mudaram um pouco, mas, hoje, não são necessariamente piores para a educação familiar do que anteriormente, que, obviamente, tinham outros problemas a serem equacionados, como fica claro no trecho abaixo:
“Não é novidade para ninguém o quanto as famílias estão mudando e tais mudanças, muito comumente, implicam em um estado de crise. Embora essa possa ser uma das razões, é sabido que as dificuldades nos relacionamentos íntimos sempre existiram. Temos que considerar também que antigamente as famílias não se dispunham a falar de suas mazelas, até mesmo porque o modelo mais tradicional de família incluía um silêncio, por vezes doloroso, em torno do que se passava dentro delas.”(SILVEIRA, 2005, p. 2)
Indubitavelmente o meio social principal nesse momento de mudança é a escola, já que os adolescentes estão nesse espaço, ou envolvidos com atividades oriundas deste, a maior parte de seu tempo útil. Caso a saída de casa para essa rede social seja dificultada por uma família que age em um dos pólos – permissão e repressão – de forma cristalizada, é no espaço escolar que vão ocorrer a maior parte dos problemas. Um jovem que sai de uma família desestruturada que não o confirma, pode conseguir uma segunda chance na escola para que se transforme numa pessoa potente. Por isso, o trabalho da escola no cuidado com as relações que nela se encenam, é de suma importância para o desenvolvido do jovem e, talvez, sua última chance.
“A relação afetiva entre pais e filho repercute na formação da personalidade do indivíduo. Um bom relacionamento afetivo, em que o carinho e o amor se evidenciam no trato com a criança, criará registros altamente positivos em sua memória, fortalecendo a auto-estima e a autoconfiança. Por outro lado, um relacionamento marcado pela falta de afetividade positiva e pelos maus-tratos físicos ou verbais influenciará o indivíduo, determinando seu desempenho social e sua capacidade de adaptação às normas de convivência, bem como sua habilidade de integração social. Portanto, as raízes do comportamento agressivo estão fincadas na infância, sendo o modelo de identificação o elemento fundamental para a sua compreensão.” (FANTE, 2005, p. 175)
Nesse sentido escola e família devem ser complementares na educação e construção da autonomia do adolescente. Essa parceria deve estar entrosada porque são os dois espaços vivenciais mais importantes dessa faixa etária. A colaboração dos dois lados pode criar condições para que algumas arestas sejam aparadas. Então, os ditos alunos “problema”, podem vir de famílias disfuncionais, algo que deve ser compreendido pelos professores para uma atuação mais precisa, que proporcione um cuidado mais sistêmico com tal aluno. Nesse ínterim é importante a presença e acompanhamento da família, lembrando sempre que não é algo fácil de abordar, já que, como vimos, o aluno “problema” pode ser o sintoma que aponta para uma família disfuncional que, por diversas vezes, não está disponível para olhar para suas questões.
Como colocam Perls, Hefferline e Goodman (1997, p. 101), “a repetição acontece até que se consiga uma assimilação”. Enquanto a elaboração não acontece, o jovem vai repetindo os comportamentos aprendidos de sua família de origem. Nessa idade é comum os adolescentes não terem muito contato com a forma como vivem, não se dão conta de muitas ações que realizam e absorvem muita informação do meio, tanto familiar, quanto social, sendo que o primeiro, como diz Fante (2005, p. 174), “registra seus contatos humanos iniciais, constituindo a referência para a construção da personalidade”.
Portanto, se uma família é agressiva, preconceituosa, abusa de seu poder com os mais fracos, ou é antiética, a probabilidade de seus filhos seguirem esse caminho é muito grande. Se não for só por repetição, o adolescente ignorado em casa causa problemas que geram ações disciplinares da escola ou da polícia, como uma forma de serem olhados ou confirmados. A violência psicológica – críticas depreciativas, ridicularização, chantagens – ou o preconceito podem passar de forma muito sutil e entrar no cotidiano familiar sem serem notados pelos participantes. No caso da agressão física, o movimento é mais claro, pois é visível, e, às vezes, deixa marcas, sem dúvida algo mais palpável e, portanto, de intervenção mais fácil.
Em uma investigação realizada por Fante (2005) foi constatado que 73% dos alunos envolvidos em atos de bullying disseram que reproduziam um comportamento que aprenderam em casa, traduzindo em números o que levanto nessa parte do trabalho. É importante destacar ainda que a influência de uma família agressiva pode produzir dois tipos de comportamento em seus filhos: o agressivo, em que o adolescente repete o comportamento familiar, e o retraído, em que torna-se difícil suportar os ataques sofridos em casa e no meio social. O segundo caso é mais próximo dos comportamentos dos alvos de bullying.
Entre os dois estilos de violência a mais difícil de ser identificada acaba sendo a mais cruel e problemática. A violência psicológica é difícil de ser notada no jogo familiar e, principalmente, não deixa marca visível nenhuma. Para o adolescente que cresce nesse meio é difícil apontar o que está ruim nesse tipo de relação, mesmo porque, não tem muita estrutura para enxergar de forma distanciada o que acontece em seu meio familiar, visto que ainda é muito referenciado pelos pais.
O que lhe resta fazer em grande parte dos casos é se habituar a viver dessa maneira, desenvolvendo ferramentas que possam facilitar sua sobrevivência. Claro que, apesar de ser responsabilidade dos pais a forma como atuam, não quer dizer que ajam assim com intenção de provocar algum mal. Aliás, em sua maioria, agem dessa maneira com a melhor das intenções, provocando algumas dificuldades no crescimento e desenvolvimento dos filhos. Na maior parte das situações não estão muito aware das escolhas que fazem e, assim como seus filhos, também não percebem o jogo do qual fazem parte.
O adulto de hoje também pode ter sido tratado de maneira agressiva, ou sem afeto, por seus pais, figuras que também acabam sendo referência. Se os seus lares funcionavam dessa forma, a aprendizagem desse formato pode trazer, em alguns casos, a repetição do comportamento mais tarde. Se cresceram com estilo de relação preferencial Eu-Isso, podem ter uma estrutura direcionada para tal e acabam tendo dificuldade de escolher outra forma de atuar. Os pais podem acabar tendo problemas por ignorar outras possibilidades de relação, dão o que receberam. Ressaltando sempre que se trata de uma tendência e não de um resultado obrigatório e causal entre as gerações.
Uma criança pode aprender a se tornar agressiva num ambiente desses, imitando um padrão de comportamento. Por isso é importante que os pais estejam atentos para o tipo de troca que estão estabelecendo. A falta de cuidado com esse contato com os filhos pode abrir espaço para situações de violência, que, como já foi dito, podem ir desde a falta de respeito pelo espaço dos filhos até a agressão física. Esse sistema é reforçado também quando faltam regras claras ou quando os pais são incoerentes entre o que dizem e o que fazem em casa. O jovem pode tanto reproduzir um movimento violento com seus companheiros de escola, repetindo o que sofre em casa, como pode adotar uma posição passiva, repetindo na escola a submissão e o lugar de agredido. O bode-expiatório familiar pode acabar se repetindo na escola.
Portanto, a família pode ser uma variável importante do assédio moral escolar e, muito embora não seja uma relação de causa e efeito, pode ser responsável tanto pela ação dos autores, como pela passividade dos alvos. Como lembra Chalita (2008, p. 87):
“Em se tratando de perfil familiar, este não é, certamente, um diagnóstico definitivo e conclusivo. Correríamos o risco de rotular famílias inteiras, imputando toda a culpabilidade do fenômeno bullying aos lares desprovidos de afeto. Mas, seguramente, a ausência do afeto e do acolhimento, no ambiente familiar ou escolar, é um fator que merece vigilância e intercessão. A ação do aluno tirano não se justifica isoladamente pela família empobrecida de afeto, ou pela escola omissa e depauperada de valores, nem, ainda, pelo grupo de amigos que fortalece e valoriza o agressor.”
Então, com todo o cuidado para que não criemos rótulos, levantamos essas influências que se somam – família e valores contemporâneos – e concorrem para um comportamento agressivo, mas não podemos abandonar a escolha individual do adolescente e nem que a família tem um peso maior dentre essas influências.
Além de ser importante na construção dos personagens envolvidos no assédio moral escolar, a família também se torna importante em identificar se algo vai mal com seus filhos. Principalmente no caso do alvo, os pais precisam estar atentos se tem algo que não vai bem com o adolescente. Mesmo que os componentes familiares tenham uma relação próxima não é uma tarefa fácil de realizar porque o adolescente, de forma geral, já apresenta um comportamento instável por natureza. É uma fase complexa do ponto de vista emocional em que o jovem está sofrendo muitas transformações corporais e em sua vida social. Com muitas mudanças ocorrendo, seu comportamento fica mais estranho para família e não é tão fácil separar quando isso é natural para idade e quando algo ruim está acontecendo, principalmente porque também é nessa fase que os filhos começam a construir sua independência e já querem resolver seus problemas sozinhos.
Como relata Zagury (1996, p. 30): “as emoções são contraditórias. Deprimem-se com facilidade, passando de um estado mediativo e infeliz para outro pleno de euforia e crença em suas possibilidades.”. Esse estado emocional dificulta num diagnóstico preciso por parte dos pais, principalmente com relação a um jovem que é alvo de bullying. Falo do alvo aqui porque são eles que sofrem mais imediatamente numa relação desse tipo e ao mesmo tempo tem vergonha de falar sobre isso e pedir ajuda. Não possuem estrutura nem para sustentar um pedido de ajuda, algo preocupante pelo que já vimos das consequências emocionais da parte agredida.
A forma dos pais acolherem quando a queixa finalmente é verbalizada também é de suma importância. Esse processo deve ser tratado com o cuidado que merece um discurso que só pode surgir com muito esforço, pela dificuldade já destacada. É um pedido de ajuda que, muitas vezes, é o único que será possível em muito tempo e essa oportunidade precisa ser aproveitada. Quando isso ocorre, soluções construídas pelos pais não ajudam em nada, então, não surte muito efeito tentar diminuir o sofrimento do adolescente dizendo para que ele simplesmente não ligue ou incentivando-o a reagir, repetindo o ciclo de violência. São dois caminhos que os pais, de repente, procurariam, mas está fora da alçada do que o jovem pode fazer, mesmo porque, ele já deve conhecer essas duas propostas racionais e sofre exatamente porque não consegue sustentar essas duas saídas e, muito provavelmente, nenhuma outra.
Algumas formas de lidar com a questão partem sempre de uma escuta cuidadosa desse sofrimento e, mesmo que se sugira uma solução mais próxima do que o adolescente é capaz de fazer, é bom nunca desqualificar o sofrimento presente nos filhos. Tanto no caso do autor do assédio, esse identificado pela escola quase sempre, como no caso do alvo a ideia é poder focar no que eles podem fazer para solucionar a questão a partir de suas possibilidades, incentivando a canalização da agressão para algo positivo no primeiro caso e fortalecendo a autoestima no segundo.
As dificuldades podem diminuir com uma boa parceria entre a família e a escola. Como já vimos, em alguns momentos, a escola é muito importante para identificar uma situação de bullying no caso dos agressores, mas também afina o diagnóstico no caso da vítima usando seu rendimento decrescente na escola para notar que algo não vai bem. Esse entrosamento é essencial tanto para a identificação dos envolvidos como para atuação no sentido de resolução do caso. Como a pesquisa-intervenção realizada por Fante (2005) nos mostra, os pais devem estar dentro das escolas como seus filhos e os casos devem ser discutidos entre todos os envolvidos, mesmo que num primeiro momento haja a separação entre a parte agredida e a agressora, o projeto é poder fazer com que todos participem juntos do processo. Segundo os dados colhidos nesse trabalho essa intervenção pode reduzir os casos de assédio moral escolar.
Os profissionais da escola sejam eles professores, inspetores, orientadores pedagógicos ou psicólogos, devem cuidar da abertura desses espaços, cada um do seu jeito, promovendo a discussão e promoção de saúde na escola. Dessa maneira podem buscar um caminho para uma escola mais humana que pode desenvolver o máximo que seus alunos conseguem oferecer. Um espaço como esse pode render bons frutos para que a sociedade tenha mais representantes que atuem de forma a considerar o outro como igual em suas diferenças. A família precisa cobrar isso da escola e esta precisa cobrar daquela a mesma direção, tornando-se parceiros no processo. Veremos agora como a escola pode ser importante para esse trabalho.
3 - A escola contemporânea
“Do rio que tudo arrasta
Se diz que é violento,
Ninguém diz violentas
As margens que o cerceiam.”6
3.1 - O professor na sala de aula contemporânea
Os tempos pós-modernos, como já defini antes, imprimiram algumas mudanças importantes na cena social. Outeiral (2005) coloca que passamos por rápidas transformações que provocaram rupturas de uma série de paradigmas, como ideias, valores morais e estéticos, processos de pensamento e, como não poderia deixar de ser, a escola também é abarcada por esse processo se tornando palco de alguns conflitos e dificuldades nas relações educacionais.
O tempo dos alunos de hoje é muito diferente do tempo do professor, a distância entre os dois em relação a que existia no passado parece ter aumentado. Os adolescentes de hoje processam as informações de maneira muito rápida e estão sempre conectados a diversas fontes ao mesmo tempo. A imagem do jovem de hoje é aquela em que ele está sentado no computador olhando diversos sites diferentes, jogando, ouvindo música, conversando com amigos virtuais e com a televisão ligada. Com essa enxurrada de signos sendo absorvida instantaneamente o adolescente cresce habituado a não se interessar por livros ou outras atividades que sejam mais lentas e precisem de uma concentração maior, tendo dificuldade, portanto, de estar em situações que exijam essas características. Esse processo vem se intensificando e parece não dar sinais de que vai estabilizar em algum patamar por agora.
Claro que temos um processo de aceleração, por exemplo, que não assola somente os adolescentes, mas eles acabam sendo os mais severamente impactados, já que não possuem uma estrutura já construída e, por esse motivo, absorvem mais a modelação existente em seu cotidiano. Como já dissemos, o adolescente é a personificação das rupturas com o estilo de vida anterior, representado por seus pais, e portador das notícias de novas formas de subjetivação. Muito embora não sejamos produto da história, sofremos sua influência e quanto menos aware do nosso estilo de vida, mais risco corremos de seguir esse mesmo fluxo. Com essas características pós-modernas esse choque se torna mais duro.
Algumas escolas, pelo que vemos, parecem uma instituição alheia a essas transformações, principalmente quando percebemos que sua estrutura parece a mesma há pelo menos mais de um século. Quando essa escola recebe o aluno pós-moderno um embate, até o momento insolúvel, vai ser encenado. A instituição escolar, em sua maioria, repete um comportamento antigo com estruturas velhas e quer incutir no aluno conhecimentos necessários para um objetivo específico, visando, em sua maioria, somente a passagem dos anos escolares e o vestibular. Então, é como se determinadas escolas só se preocupassem com esse tipo de desenvolvimento de seus alunos, deixando para segundo plano uma parte importante da educação, como o desenvolvimento emocional e a promoção da cidadania.
O jovem nos bancos escolares precisa, então, se ocupar de diversas tarefas e se enquadrar naquele estilo de aprendizado, já montado e cristalizado antes de sua própria existência. Esse ponto se torna mais interessante quando observamos a origem grega da palavra escola, citada por Chalita (2008, p. 188): ‘scholé, significa lugar do ócio’, algo que nada tem a ver com o que ocorre nessas instituições hoje em dia. O autor ainda completa dizendo que “a educação grega, a Paideia, era interdimensional. [...]Desenvolvia as dimensões da razão, do desejo, do sentimento e da relação com o transcendente”. Esse trecho torna ainda mais distante a escola contemporânea da ideia grega original.
Essa escola, não muito diferente das mais antigas, não se apropria muito desses conceitos oriundos da etimologia grega da palavra escola. O surgimento da estrutura de escola que conhecemos hoje em dia pode ajudar a explicar um pouco a forma como o professor atua e o afastamento da proposta grega inicial. Foucault (1983) afirma que na organização dos espaços institucionais no século XVIII a escola foi abarcada, instituindo separações, disciplinas e controle espaço-temporal.
Nesse século, as instituições começaram a funcionar com um controle mais fino dos espaços e dos corpos para sua melhor organização. Fábricas, hospitais, prisões e exércitos ganharam tecnologias de organização que, segundo Foucault (1983), engendraram novas relações de poder. Ele observou que a estrutura escolar foi uma das instituições que teve o mesmo destino no século XVIII e, em sua maioria, eram colégios internos de orientação religiosa, que já continham em seu cotidiano regras rígidas de funcionamento. A parte do que pode provocar discussões infindáveis a respeito das teorias foucaultianas, me concentrarei apenas no que vemos hoje como correlato dessa organização e de como sua disciplinarização pode ter gerado construtos de poder que não contribuem para a garantia de um desenvolvimento mais integral, que possa incluir o campo emocional ou mesmo cívico, algo que poderia evitar, ou pelo menos diminuir, as ações de bullying no colégio.
Foucault (1983) coloca que o modelo tradicional de escola, em que cada aluno ganha atenção individualizada do professor enquanto os outros esperam ociosos, começa a desaparecer e surge uma estrutura de lugares individuais determinados. Foucault (1983, p. 134) fala, ainda, que dessa forma era “possível um controle de cada um transformando o espaço escolar numa máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar”. Esse controle do espaço pode ser ampliado até a hierarquização da sala de aula segundo o temperamento do aluno, seu avanço intelectual ou sua aplicação, sob a classificação do professor.
A partir disso a escola se tornou um lugar organizado em espaços unitários, com alunos ocupando lugares delimitados em carteiras que, em alguns momentos, são destinadas a eles sem que possam escolher em qual sentar. A hierarquização propicia também o aparecimento da serialização, não se pode mais ter, para uma boa organização, alunos de níveis muito diferentes em uma mesma série, então, os alunos precisam apresentar um rendimento tal para ir subindo de série. Esse sistema é o mesmo até hoje e proporciona principalmente para os professores, um lugar de poder que antes não existia. Os alunos precisam passar de série para terem o aval escolar de que evoluíram enquanto aprendizes, e quem estipula os parâmetros para isso é o professor, não sozinho, mas com apoio da escola.
A educação, como destaca Cerezer (2005), é um processo que não ocorre sem algumas rupturas e conflitos, mas os colégios contemporâneos tornam isso ainda mais intenso. As instituições repetem alguns movimentos, como a construção de esquemas prontos que os alunos devem incorporar sem muitas perguntas, não tendo o direito de contestar ou, pelo menos, discutir algumas regras, reduzindo seu espaço de pensamento. Nesse caminho a escola contemporânea, na média, acabou se construindo com o um olhar centrado no conhecimento racional e didático. A preocupação é fazer todos aprenderem os conteúdos outorgados pela escola e descobrir quem são os que não conseguem cumprir as metas elaboradas pela instituição. Na realidade o parâmetro nem precisa ser a medida de conteúdos introjetados, mas se o aluno atinge as metas estipuladas, já que muitos saem da escola sem o tal conteúdo exigido. A forma de avaliação pode não ser eficiente para aferir o que se aprendeu e muitos vão passando de série sem saber muito bem o que já lhe foi apresentado como matéria escolar. O resultado final parece ser focado na evolução seriada e não na aprendizagem.
“A supervalorização da cognição tornou as relações impessoais, estereotipadas e padronizadas sem espaço para incluir aquilo que não consta no conteúdo programático ou aquele que esteja fora do padrão determinado pelo grupo. As disciplinas compartimentalizadas fragmentam o saber, que perde o sabor, o sentido e o significado. A organização do espaço físico enfileira as crianças e desfavorece o diálogo e a troca de ideias e ideais.”(CHALITA, 2008, p. 190)
Essa lógica invade o campo educacional e é defendida como proposta na organização capitalista meritocrática. Isso se percebe em artigos divulgados principalmente através da mídia, braço importante da produção de subjetividade contemporânea. Um exemplo claro desse tipo de texto pode ser observado em dois artigos veiculados pela Revista Veja e escritos pelo economista Gustavo Ioschpe. Notamos que as avaliações a respeito da educação passam por uma lógica empresarial e pouco humana.
Citando os dois artigos que têm como títulos “O amor constrói. Mas não ensina tabuada.” e >“Aula de ética é em casa, não na escola”, conseguimos recolher um bom número de frases e ideias que são bem representativas do modo de pensamento vigente na pós-modernidade quando aplicadas à escola. Os artigos estão afinados com esse pensamento e excluem a cidadania e formação mais ampla dos bancos escolares em favor dessa lógica de que falo aqui. Destaco abaixo pelo menos dois trechos, só como um exemplo, do que norteia o pensamento desse teórico que não tem nenhuma formação na área da educação e que baseia sua lógica em aplicação de estatísticas às notas, em ideias econômicas e na comparação com os tais países “desenvolvidos”. Seguem os trechos:
“A escola brasileira parece acreditar que terá cumprido sua missão se criar um sujeito bem ajustado, que não puxa os cabelos dos coleguinhas, ainda que não saiba a tabuada nem consiga escrever dois parágrafos concatenados.”(IOSCHPE, 2010, p. 103)
“[falando de escolas que procura para o filho]Ouve-se falar pouco no desenvolvimento cognitivo, em aprendizagem, em ciências exatas. Menos ainda alguém se referindo à pesquisa empírica ou aos recentes achados de neurociência. Em compensação, dois temas são unanimidade: cidadania e ética. É uma distorção que me preocupa.”IOSCHPE, 2010, p. 120)
Ou seja, o artigo classifica como distorção a formação humana que a escola tem interesse em colocar em prática e ainda completa que o interesse deveria ser a passagem de conhecimentos teóricos, inclusive neurociência. Claro que não descarto que a escola deve se propor a passar informação para seus alunos, como fica patente ao longo do trabalho, mas não acho que deva se limitar a isso, como propõe o referido autor. Pelo que consta no artigo e nos trechos destacados parece que se o aluno dominar os números ou como escrever um parágrafo não importa todo o resto, nem se ele conseguirá viver em sociedade sem causar mal a alguém.
Com essa citação destaco um estilo de pensamento que em alguns momentos parece hegemônico em nossa sociedade, como se o objetivo de nossas vidas fosse cumprir com as metas estipuladas pelo mercado humano que se transformou a formação escolar. Perseguir boas notas e ter um bom desempenho acadêmico ofusca a produção de cidadãos que pudessem viver em sociedade com potencial para diminuir a incidência de relações agressivas, presentes tão marcadamente em nosso cotidiano. A escola pós-moderna, em sua maioria, passou a preparar o aluno para uma lógica de funcionamento neoliberal, então, o ensino e o colégio servem de ensaio para encarar um mundo competitivo, em que só alguns conseguem atingir seus objetivos e uma massa de estudantes não conseguem ultrapassar o funil que se forma nos passos seguintes à escola.
Ainda dentro dessa lógica, a escola contemporânea - nesse caso somente as da rede privada - parece ter sido capturada também pela ética do mercado e com isso o objetivo do lucro acaba por permear as relações no ambiente de ensino. Os alunos passam a clientes gerando todas as consequências possíveis advindas de uma lógica em que um adolescente aprendiz passa a ter sempre razão. Como forma de reação do corpo docente, temos os discursos verticais e tentativas de deter os alunos, principalmente através do manejo das notas, que vão selecionar quem é apto e quem não é. O discurso passa pela assimetria de saber em que o professor tem algo a oferecer e o aluno não.
Ao mesmo tempo o tipo de ensino ficou parado no tempo enquanto o mundo caminhou. O conteúdo do que os alunos vão apreender na escola, não raro, estão em descompasso com o mundo em que irão entrar depois. O que é ensinado não conta, em sua montagem, com as necessidades do aluno. Lembrando aqui que, preparar alguém para o vestibular, não forma cidadãos nem seres pensantes. Não excluindo a necessidade atual dessa forma de preparo, pensar nisso como única função da escola é, no mínimo, temerário.
O descompasso do ensino aumenta ainda mais quando vemos que famílias e alunos mudaram seu ritmo de vida, o intervalo de tempo para resolução de problemas está muito menor hoje, assim como a comunicação se dá de forma instantânea, levando a atividades cada vez mais rápidas e dinâmicas. Como coloca Sanches (2005), não precisamos entrar numa sala de aula para perceber que esta se afasta e muito desse modo de funcionamento e parece parada no tempo.
O agente principal desse processo é o professor e este torna-se um repetidor de conceitos, em muitos casos, se interessando mais por esse currículo formal do que, propriamente, um currículo mais humano, que contenham em seus princípios aprendizagem cívicas e emocionais. Por privilegiar o primeiro estilo, um currículo formal elaborado pela instituição educacional e sem qualquer participação do corpo discente, os adolescentes se encontram submetidos a obrigações que estão apartadas de sua realidade e não conseguem encontrar sentido para lições fragmentadas que ele precisa saber para alcançar uma meta que não é construída por ele.
Desse modo, o aparelho de ensino não consegue tirar o melhor de cada um e detém, ele e seus operadores, segundo Chalita (2008), o monopólio da verdade sobre a forma de se adequar a vida. Nessa lógica a escola se investe do poder de dizer o que é certo e o que é errado, piorando a situação quando ainda passa a ideia de que esses parâmetros são naturais e não construídos com alguma intenção. Percebemos que notas e avaliações padronizadas que não se preocupam em tratar o diferente de forma diferente, remetendo ao conceito de equidade e não de igualdade, é de todos os ângulos, artificial.
Se a instituição repete o movimento de rechaçar a diferença enquanto possibilidade de saber e padroniza alunos, sem que alguém possa construir um saber reflexivo sobre isso, ela reforça o preconceito com os ditos incapazes, que não o são por deficiência natural, mas por um não enquadramento nas “leis universais e naturais” escolares. Nesse mecanismo a instituição educacional diagnostica o fracasso produzido por ela mesma, já que é esta que elabora os parâmetros artificiais que vão enquadrar os aptos e classificar os que estão fora dos limites estabelecidos como inaptos, ou “alunos-problema”.
A falta de reflexão, ou de espaço para isso, dos envolvidos no processo educacional propõe relações congeladas na escola, todos têm um papel bem definido e nada pode ser mexido. Portanto, professores não podem ser questionados pelos alunos em suas práticas e estes só devem obedecer ao que lhes é imputado. Só que esse método tem entrado em falência desde que os adolescentes, sempre contestadores, foram ganhando mais espaço pela queda do autoritarismo das figuras de autoridade, modelo vigente até a segunda metade do século XX. Com isso, somente os argumentos do professor que esse estilo de educação é o que deve ser seguido, sem muita fundamentação, já não convencem mais os alunos e não os fazem ficar em seus bancos calados.
Com essas metas, como diz Freire (1997), a escola acaba por priorizar um caminho não muito ético que não leva em consideração o livre pensar e o investimento nas relações, principalmente entre seus funcionários e a população assistida por essa instituição. Ainda segundo ele, falando de ética, é importante investigar como a educação pode ter enveredado pelo caminho reproduzido pela lógica do mercado, principalmente as escolas privadas, sem se preocupar muito com seu objetivo primeiro de educar. A escola se transforma em uma negociante financeira tratando seus alunos como clientes, repetindo a forma capitalista que atravessa nossas relações.
Isso pode ter diversas implicações negativas para o processo de desenvolvimento escolar, já que se transformando numa instituição passiva interessada em aumentar suas receitas, sua mediação com alunos e familiares fica comprometida e, como clientes detentores da razão, cobram da escola posturas que lhes interessam e não o que seria educacionalmente elogiável. Numa situação em que alunos e familiares podem precisar comparecer no espaço escolar para discutir posturas e envolvimentos dos adolescentes em comportamentos de assédio moral, o trabalho psico-pedagógico já apresenta um prejuízo estrutural, já que, pelo que se pratica, os contratantes não podem ser questionados ou contrariados.
Essa leniência abre espaço, portanto, para comportamentos mais agressivos, como o próprio bullying, que conta exatamente com uma falta de interesse de fiscalização e trabalho com as relações entre os alunos. Lembrando sempre que a escola aparece como segunda possibilidade de socialização e de desenvolvimento emocional do jovem, logo depois do espaço familiar, isso torna o papel dessa instituição muito importante para ser colocado em xeque por relações comerciais entre pais e escola.
Outro dos grandes interesses da instituição educacional contemporânea, pertencente ao campo da disciplina, diz respeito ao manejo que os professores detêm das notas escolares. Esse item, como já citei, introduz um sistema de poder na sala de aula que é muito usado pelos seus participantes. Vivemos em nossas escolas a cultura da nota e do vestibular, como é perceptível quando observamos o que acontece no Ensino Médio, por exemplo. Desde o seu início, no 1º ano, já se tem um apontamento para a preparação focando o vestibular e o processo educacional é abandonado definitivamente. Como o que nos interessa aqui é fase de 6ª a 9ª do Ensino Fundamental, darei mais importância ao que as notas escolares representam nesse período, mas a atitude que se estabelece no Ensino Médio também é algo preocupante do ponto de vista educacional.
Em outra referência foucaultiana, ele avalia a nota como a passagem do castigo físico antigo para esse controle mais formal dos comportamentos. É bastante comum alunos serem ameaçados com redução de pontos por algum movimento fora dos padrões ou serem avisados de que a prova será muito difícil se não se comportarem bem. A prova, então, assume um caráter de punição aos alunos que excedem os padrões e normas ditados pela escola e, muitas vezes, tem um caráter mais disciplinar, ou de controle, do que, propriamente, para medir conhecimentos. “A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos <dóceis>. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminuem essas mesmas forças (em termos políticos de obediência”). (FOUCAULT, 1983, p. 127).
A nota, enquanto disciplina, produz exatamente essas reações dos alunos, docilidade diante da política escolar para não serem sancionados em termos de avaliação. Sanches (2005) faz uma pergunta muito pertinente quanto a isso, quando questiona o que a nota mede: o que o aluno aprendeu ou o que o professor foi capaz de ensinar? Talvez não precisemos, como numa prova clássica, achar a resposta “certa” para essa pergunta, mas ter a possibilidade de agregar as duas ideias na avaliação. Pensando de maneira gestáltica, precisamos dar importância a relação que se estabelece no ensino entre professor e aluno para clarificar o que acontece quando isso não funciona.
Portanto, a crítica não serve para, respeitando a mesma lógica escolar, colocar a responsabilidade só no trabalho do professor, mas na relação que estabelecem, trazendo para a avaliação em sala as duas perspectivas e não só uma. Para Sanches (2005) a avaliação, da forma como é realizada, não tem vínculo com o processo de construção do conhecimento pelo aluno. O que leva a uma segunda constatação sua que conflui ao tema da relação que coloquei anteriormente. Com base nesse estilo de avaliação a escola está correta e os alunos que vão mal nelas é que estão com problemas, transformando esse espaço de relação, ainda segundo o mesmo autor, num diálogo entre surdos.
Com isso a avaliação traz em seu bojo um claro instrumento de poder para o professor, apoiado na premissa que os alunos precisam evoluir de série em série para que possam ter um desenvolvimento, dito, normal. Como avalia Gallo (2003), é como se só tivesse restado a esse profissional esse poder de decidir sobre a capacidade dos alunos, porque já não tem mais um salário digno e nem o status de outros tempos. O professor se torna outro reprodutor de um método de qualificação que exclui quem tem dificuldades com esse tipo de ensino. No lugar de atuar como um produtor de possibilidades, se apoia nesse instrumento que não contribui com o desenvolvimento do aluno enquanto pessoa. Como novamente coloca Gallo (2003), o professor não precisa anunciar qual será a nova possibilidade, mas vivendo um estilo Eu-Tu com seus alunos, dentro das situações que lhe são apresentadas nessa relação, cuidar do espaço em que se poderá construir, em conjunto, algo novo.
Quando a escola não foca nesse processo colabora para o que Freire (1997) chama de “burocratização da mente”, onde o aluno não é provocado a pensar, e sim correr atrás de boas notas. Um dos efeitos colaterais dessa estrutura é fazer o jovem ficar dependente de que digam o que precisam fazer e a repetir o movimento de perseguir boas notas por toda a sua vida. Isso se reproduz até a faculdade e depois dela, podendo gerar reflexos até mesmo nas suas relações pessoais, em que o sujeito passa a depender sempre de uma avaliação do outro para existir, para que seja alguém.
Outro efeito importante é que a atenção é tão voltada para esse processo durante o período escolar, que notas boas viram sinônimo de sucesso, quem não alcança essas metas além de ser um fracassado, pode absorver a cultura de que isso vai se repetir pelo resto de suas vidas. Essa estrutura muitas vezes é encampada também pelos pais, tornando a vida dos que não atingem tal sucesso na escola um grande sofrimento. Pensemos, por exemplo, nos adolescentes que desde cedo tem uma enorme aptidão para artes, esse esquema montado dessa forma, além de não ajudar, ainda pode atrapalhar em seu processo de construção profissional e de autoestima, este último justificado pela importância da escola na vida dos jovens.
Claro que aqui não venho defender a eliminação desse processo de avaliação, mas é preciso pensar que este, talvez, não esteja sendo feito da melhor maneira possível. Para o aluno-artista, por exemplo, deveríamos pensar em incluir isso de alguma forma em seu processo de avaliação. Outro ponto que fala a favor dessa discussão é o fato de que a escola estruturada desse jeito e, colocando a nota como balizador de conhecimento, prediz que o aluno que se forma, sabe, então, pelo menos uma parte daquele conhecimento que lhe foi passado. Mas na realidade sabemos que temos alguns casos em que o jovem sai do colégio, mas não alcança essa obtenção de informações que a escola atesta com suas notas. Portanto, as notas que aprovam não se traduzem necessariamente em conhecimento, o que demonstra em muitos casos a inutilidade desse esquema.
Chama atenção também que alguns profissionais sabem disso, tanto que há alguns casos de alunos que “passam” de ano por causa de uma avaliação do conselho de classe, mesmo sem obter o índice exigido. Então, por que não tornar esses processos velados mais claros para todos os envolvidos? O que vemos hoje é o grande terror que alguns adolescentes passam em semana de provas achando que a nota que vai tirar será apropriada de forma rígida para a sua aprovação. Alguns jovens encaram essas avaliações de forma tão intensa que parece que sua existência depende exclusivamente daquela aprovação pela nota.
Todo esse processo me parece essencial porque se isso tudo é o que tem de mais importante na escola, é possível que outras questões sejam avaliadas com menor atenção, o que por si só, é algo perigoso. Parece-me óbvio que a estrutura escolar formal, englobando aqui a universidade também, não garante a formação de um cidadão que seja educado e respeitoso com o espaço do outro. Caso isso não fosse verdade só teríamos delinquentes ou falta de educação de pessoas que não tivessem passado pelos bancos escolares e não é isso que ocorre.
Então, não seria mais interessante nesse processo de avaliação escolar contemplar o todo do processo do jovem e não focar numa parte, que seria a nota? O conselho de classe precisaria relativizar os casos, como parecem que fazem algumas vezes, e acompanhar o desenvolvimento individual tendo como parâmetro o que o aluno pode render. Isso deveria extrapolar essas reuniões e, de fato, entrar nas salas de aula e nos outros espaços escolares, para que ficasse claro para todos o que seria levado em consideração para avaliação.
A importância disso, com relação ao tema da agressão que discuto aqui, é que o aparelho educacional estruturado dessa forma parece ter dificuldade de lidar com situações de bullying exatamente porque está focando em outras questões que não são suficientes para resolver o problema, além de excluir a diferença, como nos casos do assédio moral escolar. E o que pode ser ainda mais complicado, a formação dos professores também não parece contemplar esse viés e eles terminam como reprodutores da norma escolar há muito estabelecida.
O interessante era que os professores fossem produtores de possibilidades, que pudessem ser criadores de espaços para que os alunos possam se desenvolver plenamente. O que ocorre, na verdade, é que, hoje, boa parte dos professores se tornou um mero transferidor de conhecimento, muito parecido com o que uma máquina poderia fazer. A aula, dessa forma, parece um monólogo e não um diálogo com os alunos, que devem ficar quietos. Nesse modelo os alunos não interagem e precisam seguir a disciplina de ficar acompanhando em silêncio.
É muito duro para os adolescentes, sobretudo os de hoje, se comportarem dessa forma, seu nível de vida o empurra sempre para atividades dinâmicas e movimentadas. Aliado a isso, o professor, tal qual os pais dos alunos, não é reconhecido como figura de autoridade por si só, precisa construir esse lugar no contato com os alunos. Para isso deve estar atento ao equilíbrio entre licenciosidade e autoritarismo, portanto, não é interessante que exagere nem na liberdade irresponsável e nem nos limites sufocantes, um equilíbrio complicado de se colocar em prática.
De qualquer forma, algo que é difícil, torna-se impossível de realizar se a questão não é abordada. O professor lida com uma diversidade grande de individualidades e, por esse motivo, é alvo das mais diferentes demandas em sala de aula. Pensar sobre isso dentro da perspectiva de manejo da liberdade e das questões emocionais dos alunos torna essa profissão uma das mais complexas de serem bem realizadas, principalmente no mundo de hoje. Lembrando sempre que o professor ainda precisa ter espaço para o ensino formal.
O que se percebe, hoje, é que o corpo docente parece muito focado neste último, ignorando outras partes importantes do processo, como, por exemplo, o próprio desenvolvimento emocional do aluno, que se manifesta todo tempo se pensarmos de forma integral. Aliás, é interessante notar que os postulantes ao cargo recebem em sua escola, e depois em sua universidade, exatamente o tipo de ensino que critico aqui, sem cuidado com o que pensa esse futuro profissional da educação e também com seus afetos. Nesse sentido, o professor em sua formação passa pelas mesmas dificuldades que seus alunos passarão amanhã em sua classe, sendo assim, os dois estão sujeitos aos mesmos métodos de ensino e padecem das mesmas dificuldades ao longo do caminho da educação.
O modelo educacional poderia estar mais pautado no estilo de relação Eu-Tu, em que o aluno, confirmado pelo professor, também tem algo importante a dizer e não só o mestre, com suas indicações de sabedoria que os estudantes precisam seguir cegamente, pendendo mais, nesse caso, para o estilo Eu-Isso. O adolescente presente dentro da sala é um espectador do que se passa no tablado, seus dois únicos trabalhos são: ficar quieto durante a apresentação e ser obrigado a acompanhá-la. Embora, de fato, deva haver uma ordem para que a aprendizagem se dê, talvez isso não deva ser levado às últimas consequências, cristalizando uma ordem em que nada pode escapar ao planejado. Então, por mais que a educação necessite de castração em algum nível, não precisa se pautar somente nisso.
É interessante notar que, quando esse esquema não funciona, o problema reside na dificuldade de adaptação do aluno. O diagnóstico é feito naturalizando o esquema escolar, este foi construído de forma correta e quem não consegue acompanhá-lo é que precisa ser “consertado”. A responsabilidade do aprendizado não é das duas partes, parece estar ligada há apenas um dos lados, nesse movimento a instituição, novamente, trata seu estudante como Isso, ou seja, ele não pode ser fonte de informação para uma revisão sistêmica dos métodos, ele é a peça que não se encaixa nas engrenagens estudantis, um objeto que não funciona.
Com toda essa construção de que participam e a estrutura educacional da qual fazem parte, imagina-se que seja difícil que os professores tenham subsídios para enfrentar uma situação de bullying ou de outros tipos de violência escolar. Quanto a isso acumulam-se situações de omissão docente quanto ao assédio moral escolar, minimizando muitas vezes a questão. Não é incomum apontarem alternativas para o alvo que são meras orientações vindas de um lugar que em nada contribui para ajudar e não tem características de acolhimento. Ainda encontramos atitudes desastradas, que apesar de ativas, produzem resultados negativos, como a história de Wanderley, 8 anos, narrada por Chalita (2008, p. 126):
“Sem querer incomodar a mãe, começou a desistir do sonho de estudar. Em um trabalho em grupo, quando ninguém permitiu que ele entrasse, sozinho, ouviu o professor determinar que um grupo o acolhesse. Surpreso, entristecido, ouviu a frase dolorosa:’Ele fede! O bafo-de-onça tem mau hálito! O senhor já reparou nos dentes dele?’. A sala riu. O professor também riu.”
Esse trecho nos traz a gravidade desse assunto. Nessa sentença existem dois grandes problemas: o fim do sonho de uma criança, em uma idade que é algo muito precioso, e a intenção de desistir de uma parte de sua educação. Diante dessa situação o professor que se abstém de intervir de alguma forma que proteja esse aluno do que sofre, provavelmente não contribui em nada para que este se desenvolva e para que essas agressões não o impeçam de concluir algo muito importante para ele.
Claro que não é somente o professor que precisa lidar com isso, este profissional deve ter o apoio dos outros agentes escolares para proceder, mas é sempre bom lembrar que o educador, presente em sala de aula, é o que precisa atuar na urgência. No trecho acima percebe-se que naquele momento só o professor pode fazer algo e, mais do que poder, pela gravidade do ato, ele deveria tomar alguma atitude. Depois o acontecimento pode ser discutido e trabalhado com outros profissionais, mas o primeiro atendimento é dele e o educador precisa estar preparado. Veremos agora como este profissional lida com as demandas escolares.
3.2 - As relações na escola e seus principais atores: professores e alunos
Continuando na parte do trabalho mais dedicada a educação, seus efeitos e suas relações, começo destacando outro documento que define e legisla sobre os conceitos educacionais que deveriam ser seguidos. Chalita (2008, p. 196) destaca o artigo primeiro da Lei de Diretrizes e Bases da Educação que estabelece:
“...a educação abrange todos os processos formativos que se dão na família, no mundo do trabalho, nas instituições de ensino e de pesquisa, nos movimentos sociais, nos meios de comunicação e nas atividades culturais.”
Como vemos é uma definição muito abrangente e coloca a escola como um dos aparelhos responsáveis pelo processo, mas na atualidade, é a que mais se destaca enquanto produção educativa. Por esse peso maior e pelo espaço vivencial que ocupa no início de nossa vida, é que os agentes escolares precisam ter muito cuidado com o que acontece em seu espaço. Como já citei, é o segundo lugar de desenvolvimento mais importante para o adolescente e sua segunda chance de se estruturar. A criança, que antes era “propriedade” dos pais passa a responder a outra instância superior, o professor. Isso pode ter uma implicação grande nos processos identificatórios do ser que começa a se construir, principalmente porque, em muitos casos, o jovem passa mais tempo na escola do que com a própria família.
Para qualquer ser humano poder se desenvolver plenamente é importante um ambiente sadio que zele pela disponibilidade de elementos que possam compor um crescimento subjetivo saudável. Como o indivíduo no início da vida passa boa parte de seu tempo em ambiente escolar, é necessário que este seja potente em reflexões para formar um cidadão que se relacione de maneira diferente da que vemos hoje como modo preferencial em nossa sociedade.
O tecido social, saturado de relações violentas, precisa de novos participantes disponíveis a tentar outras formas mais solidárias para que melhoremos nossa convivência. Para esse processo funcionar a escola é um ambiente essencial e, se em seu interior, as relações são permeadas pela agressividade, como as de assédio moral, se desperdiça uma oportunidade fundamental para iniciar uma mudança em nosso quadro social atual.
Nesse ambiente Sanches (2005) coloca que os alunos pós-modernos são recebidos pelos professores de estilo educacional moderno, período que antecede ao que estamos nos referindo como pós-moderno, causando alguns choques difíceis de solucionar. Os alunos têm em seu mundo uma fonte inesgotável de informações ao alcance de um clique na internet, uma das tecnologias que mudaram radicalmente o estilo de vida das pessoas e alteraram o ritmo dos adolescentes de maneira decisiva. Ao lado da televisão e do vídeo-game, a internet também influencia na forma como os jovens se relacionam. Com esse incremento na velocidade e diversidade das informações passadas os alunos não têm facilidade de se concentrar em algo mais lento, ou que precise de uma construção subjetiva mais presente. Em resumo, pensar passou a ser algo um pouco fora de moda, abrindo espaço para a introjeção de informações de maneira rápida e dinâmica.
Outras características importantes dos estudantes, como nos dizem Bauman (2001) e Outeiral (2005), é não terem mais contato com os personagens das grandes narrativas, o que significa que seus ídolos, pessoas que são respeitadas por eles como referência, não duram uma estação do ano, são muito frágeis, o que acaba reproduzindo o modo de se relacionar com as autoridades. Seus representantes não ficam muito tempo no “poder” só pela posição que ocupam, precisam reafirmar esse lugar todo dia no contato com os adolescentes para serem respeitados. Nesses casos colabora muito o adulto não ser incoerente entre o que fala e seu real estilo de vida. Por fim, o jovem de hoje quase não consegue ter um desejo que se sustente por muito tempo, algo que valha a pena ter como meta, ou porque elas não dão mais o retorno de outrora, caso da relação educação hoje/emprego amanhã, ou porque suas necessidades são disponibilizadas ao seu alcance muito rapidamente.
Esse mundo é, por vezes, muito distante do que os professores viveram na idade de seus alunos e o choque temporal e de pensamento é um dos que dificulta um processo escolar baseado, exatamente, num estilo mais próximo do moderno que é mais lento e mais estático. Para observar isso basta notar que a escola é uma das instituições que funciona da mesma forma há muito tempo. Isso deixa a escola cada vez mais distante dos modos de subjetivação de seu público alvo, além do fato do professor não ser mais a única ou, pelo menos, a principal fonte de informação de seus alunos que estão interessados em propostas muito diferentes do que a escola tem a oferecer.
O processo de ensino muitas vezes conta com uma banalização e objetificação de diversas questões, às vezes, relativas ao próprio funcionamento escolar, que seriam importante fonte de reflexão. A escola recebe os estudantes que estão sensibilizados com o estilo de funcionamento de nossa sociedade, portanto, eles irão repetir em seu espaço diversos comportamentos sociais que podem ser trabalhados de muitas maneiras pelos professores. Esse tipo de trabalho serve para que se discuta principalmente as questões que não são ditas e, por isso, se tornam banais, naturais, dificultando que sejam elaboradas, como o estabelecimento de relações agressivas. Como destaca o trecho abaixo, os alunos têm direitos e a escola deveres a serem cumpridos:
“É importante lembrar que a escola é um espaço de aprendizagem e, principalmente, de formação de pessoas. Para isso, deve ser garantido aos alunos o direito de freqüentar um espaço seguro, onde eles possam aprender e conviver com outras pessoas, num clima saudável e tranqüilo.” (LOPES NETO e SAAVEDRA, 2003, p. 115)
Outras ideias que também seriam importantes para discussão, como a forma que a sociedade da qual eles participam se organiza e os impactos que isso tem para o ambiente escolar, ficam de fora e são pouco aproveitados na forma de temas transversais das atividades rotineiras. Essa estrutura pode levar a uma acomodação do sujeito enquanto ser pensante, adormecendo as representações políticas e os movimentos sociais que propõe novas ideias ou, pelo menos, discute as hegemônicas, abrindo espaço para diminuir as reproduções de modelos consagrados. A autonomia do estudante pode ser interessante, deixando claro aqui, que isso não significa que ele fará o que quer, mas terá uma liberdade de pensamento, que é um conceito que já traz em seu bojo a responsabilidade inerente ao processo.
Com todas essas questões em funcionamento vale a pena os profissionais da educação, em primeiro lugar, compreenderem que os jovens não entram na escola vazios para serem preenchidos pelo conhecimento dos professores, como diz Chalita (2008, p. 170), eles já têm “um repertório interno povoado de emoções, desejos e aspirações”, sendo o trabalho da educação potencializar esse conteúdo. O segundo passo é avaliar, exatamente, qual é a bagagem que já trazem, componentes que, sem dúvida, devem estar muito influenciados na atualidade pelas características pós-modernas já citadas. Essa percepção deve estar o mais próximo possível de uma avaliação individual, que vai produzir os dados singulares necessários a uma boa medida de que posição o jovem possui no aqui-agora, com sua construção de momento, e onde é possível que ele chegue em termos de desenvolvimento. Claro que nenhum desses dados será exato, mas dá uma dimensão mais justa de quem é aquele sujeito.
Portanto, não seria interessante a escola buscar a homogeneização, uniformizando as condutas, fato que não contribui para mudar nem o status quo escolar nem o social. Nessa dinâmica a escola encontra os não aptos ao modelo escolar, ou seja, um indivíduo que não se adapta ao que a maioria consegue, e pretende ajustá-lo para se enquadrar. Normalmente não se pensa ao contrário, que o processo escolar é que não esteja atendendo aquele sujeito específico, não porque ele tem um problema, mas sim porque a estrutura escolar não consegue contemplar a enorme diversidade de formas de vida que há em seus bancos. “Aparece, através das disciplinas, o poder da Norma.[...]O Normal se estabelece como princípio de coerção no ensino, com a instauração de uma educação estandardizada e a criação das escolas normais;” (FOUCAULT, 1983, p. 164)
Então, o surgimento da norma remonta a construção da estrutura escolar que perdura até os dias de hoje. Esse mecanismo avalia quem é normal e quem não é para os parâmetros da escola, fazendo a instituição reproduzir o modelo que leva ao bullying entre os alunos. A escola pode, então, jogar o mesmo jogo punitivo-discriminatório que vai compor o modelo que funda o comportamento de assédio moral escolar.
Além disso, a escola ainda apresenta aulas monótonas, marcadas por monólogos e pela distância entre o que se ensina e a vida real, não contribuem para que o colégio seja um lugar atraente para seus alunos. O profissional mais próximo e influente para fazer essa ligação se tornar mais importante e produtiva para os alunos é o professor. É importante que cuide da abordagem e do contato com os alunos, facilitando o processo de ensino e de educação, que para Outeiral (2005, p. 96) são diferentes. Para ele o primeiro se trata de “colocar signos para dentro”, num processo de introjeção de conceitos e, em relação ao segundo, traduz como a possibilidade de “criar condições ambientais para que a criança e o adolescente desenvolvam, no seu ritmo, seu potencial”. Entendo que os dois precisam acontecer e ter a importância necessária nos momentos adequados.
A despeito de toda a diferença entre os dois participantes desse processo, descritos por Outeiral (2005, p. 84) como o “professor [...] um esteta da modernidade, enquanto seus alunos estão vivenciando a estética da pós-modernidade”, os dois lados precisam se encontrar no aqui-agora possível para que, aparando essas arestas, cresçam com a relação que desenvolvem. No que diz respeito a esse trabalho que apresento, os professores são de extrema importância na avaliação de que um processo de bullying encontra-se em andamento em sua sala de aula, já que é um dos campos de maior ocorrência do fenômeno, como demonstrou a pesquisa da ABRAPIA (2003, p.73), e, percebido isso, devem ter a compreensão de que forma podem intervir.
O professor também é um importante exemplo para seus alunos porque a aprendizagem não se dá somente por palavras, principalmente no que diz respeito à formação de um sujeito pensante e civilizado. Quando esse profissional pune atitudes diferentes, discrimina os alunos que têm notas baixas ou não respeita os questionamentos, ele dá exemplos sutis de comportamentos que se alinham ao modelo que serve de base para as agressões em sala de aula. Quando ocorre uma situação de bullying, por exemplo, ele se encontra numa situação delicada para atuar, já que seu discurso não é coerente com seus movimentos.
O professor autoritário também não abre espaço para o livre pensamento dos estudantes, fato que só assujeita os mesmos, transformando-os em meros repetidores das escolhas de terceiros. Esse estilo também não busca a equidade, formato em que o profissional da educação encontra as potencialidades singulares possíveis de cada aluno, mas vai planificando e igualando todos os componentes da sala, como se não fossem diferentes. O professor humano, ao contrário, contextualiza a situação do adolescente que tem a sua frente e, mesmo que este possua todas as características que dificultam sua prática, se esforça para criar condições para sua educação.
Para isso, parece-me importante um preparo psicológico e emocional desses profissionais para lidar com uma infinidade de demandas que aparecem em sua prática. Talvez esse desenvolvimento não se esgote somente na discussão de teorias, mas já é um começo. Esse equilíbrio é importante principalmente quando um aluno o desafia ou tem um comportamento considerado um obstáculo para o bom andamento escolar. Caso o profissional discuta com o estudante significa que estão balizados em igualdade, mas esse emparelhamento é num nível baixo.
Supõe-se que um aluno tenha menos preparo emocional para lidar com suas questões que o professor, se este último “desce” ao nível do estudante na relação que estabelecem, ele não ajuda o estudante em sua dificuldade presente e na sua incapacidade de suportar algumas situações. O fato do professor discutir ou brigar com seu aluno, emparelhando o nível dos dois, demonstra que o agente educacional também tem uma incapacidade de lidar com o que acontece. Diminuir o aluno nessas situações também remonta ao assédio moral escolar e, novamente, o professor demonstra um caminho a ser seguido que exclui o outro e, embora em seu discurso possa dizer outras coisas, esse modo de proceder se constitui como relação Eu-Isso.
Da mesma maneira, que o professor pode fazer a balança pender para relações destrutivas, também é importante personagem no processo inverso e agir na construção da personalidade dos estudantes. Dessa forma, pode ser o agente emissor do elogio que qualifica, processo bastante importante em se tratando de pessoas que iniciam seu crescimento. Na escola, à medida que as séries se sucedem, o elogio substitui o carinho físico do início do processo de desenvolvimento. Só que na estrutura que vemos atualmente, em sua maioria, o elogio parte de uma única situação: alcance de notas altas. Para isso existem cerimônias de entregas de certificados de qualidade aos alunos como não ocorre para outras atividades, e nem para alguma evolução relativa de um estudante, que respeitaria sua singularidade, indo no sentido contrário da premiação só por uma nota absoluta e estipulada como boa pela instituição. O campo de elogio escolar, tão importante na construção da autoestima e na confirmação do adolescente, é, então, muito restrito e acessível a uma minoria.
Esse processo também pode ser desencadeador de bullying, já que muitos alunos podem se ressentir de não conseguir alcançar a única premiação importante da escola e, por não conseguirem relevância por outras atividades, podem dar vazão a sua frustração mal-tratando os que atingem o grau estipulado. Nesse caso específico, a principal agressão verbal é chamar o alvo do tradicional adjetivo nerd, encarado num sentido pejorativo por quem é atacado.
Com isso o professor se insurge como instância de poder principalmente pelo respaldo que possui diante dessa separação de quem é bom e de quem é ruim balizado pelas notas, processo que ocorre através das avaliações, as quais não têm participação dos alunos. Nesse sentido, se instaura uma assimetria de poder entre professor e aluno, com vantagem evidente para a primeira, fonte de imobilização da parte mais fraca da relação, fazendo com que os estudantes não tenham muito espaço para legislar sobre sua formação.
Nessa relação assimétrica de poder, os conflitos e discussões em sala de aula servem, muitas vezes, para dar notícias exatamente da ocorrência dessa desigualdade. Com tal assimetria clara para todos os envolvidos ao menos ficaria mais fácil de manejar a situação com escolhas mais assertivas sobre qual direção tomar. Freire (1997) coloca que isso se mostra interessante do ponto de vista que o mais fraco da relação pode deixar claro que a outra parte abusa de seu poder, em atos covardes que o deixa imobilizado. Trazer essa dinâmica a tona torna as relações, no mínimo, mais autênticas e com boas possibilidades da ocorrência de uma evolução por outros caminhos. Parece óbvio que o detentor do poder temesse um debate desse tipo, pois existiria a possibilidade de surgir um mal-estar difícil de lidar a partir dessa situação ou de seu autoritarismo ser colocado em xeque. Há, portanto, um risco nessa postura, já que não se sabe qual seria seu resultado para o dia a dia em sala de aula.
É interessante notar que, assim como os pais em casa, o professor que tem sua autoridade mais bem estruturada, tem maior confiança em abrir espaço para a liberdade dos alunos. Enquanto a relação fica cristalizada na vontade do professor de que os alunos sejam do jeito que ele imagina e os jovens tentando encontrar uma brecha para reagir a essa situação a seu modo, ninguém estabelece uma comunicação que produza crescimento. Se isso se transforma numa queda de braço, o professor, por uma via autoritária, pode entrar numa disputa de quem pode mais com o estudante, algo que não favorece e, aí sim, pode se perder em termos de autoridade. Perdido nesse caminho, o profissional não colabora para o crescimento do aluno e desce ao nível de desenvolvimento deste, o que o leva a impor sanções e tratá-los de forma agressiva, novamente se aproximando da postura que se repete entre os estudantes nos casos de bullying.
Para atuar nessa linha tênue entre obrigar os alunos a fazerem o que a escola quer, e estes resolverem de forma unilateral sobre seu comportamento, o professor precisa de autoconhecimento e de equilíbrio emocional. Se tal estágio for alcançado pelo profissional facilitaria a aproximação dos dois em sala de aula para que conseguissem uma postura dialógica de ensino, em que existem duas pessoas se relacionando em condições de equidade. Com isso o adolescente encontraria mais espaço para crescer, tendo condições de perceber que é responsável por esse espaço e que ninguém irá lhe dizer tudo que precisa fazer.
Nessa relação mais respeitosa o conhecimento encontra um campo fértil, já que é algo que se constrói no entre, ao contrário da postura tradicional de que um detentor do saber dá uma informação fechada para um receptor que precisa absorver de qualquer maneira. Segundo Bicudo (2006, p. 90), a produção de conhecimento pode ter outro suporte além desse:
“Manifesta-se, também, quando o professor se coloca à disposição dos alunos para auxiliá-los a crescer de modo realista; quando fica atento às expressões dos atos cognitivos, abrangendo seus aspectos lógicos, afetivos, os de expressão do percebido e articulado.”
A passagem de informação no formato de introjeção não engloba a ideia de que o receptor é um ser que tem alguns conteúdos já construídos antes desses que recebe e que, para se abrir para os novos, deve haver alguma vontade genuína de apreensão. Numa relação dialógica a introjeção não é o esquema preferencial, trabalha-se mais com um debate do que propriamente com uma concordância artificial. Como todos os outros apontamentos, não digo isso excluindo a introjeção totalmente do processo de ensino, sob pena de somente inverter o sentido da fixidez de conceitos. Levanto, sim, uma outra vertente do que pode estar incluído também no processo educacional, algo que não parece acontecer hoje.
Esse tipo de professor que dialoga se esmera tanto na relação que tem disponibilidade para compreender o aluno em suas dificuldades e facilidades, podendo valorizar, caso haja espaço na escola, uma potencialidade diferenciada que tal sujeito, por ventura, tenha. Isso não significa expor suas dificuldades na sala de aula, nem menosprezar o aluno, mas aponta para um acolhimento da diferença e para construção de um organismo equilibrado e saudável, já que existem outras formas de desenvolvimento na escola alternativas as de sempre. As habilidades singulares aparecem nessa postura mais dialógica, já que o professor pode ouvir de que forma preferencial o adolescente consegue render o melhor que puder.
A liberdade de diálogo funda uma forma de educar diferenciada que pode promover a apreensão crítica de conhecimentos e desenvolver a responsabilidade correlata ao espaço que é dado ao aluno diante do educador. Essa postura é bastante fenomenológica e é descrita de forma exata por Sanches (2005, p. 73): “quando queremos recuperar alguém, buscamos conhecer a essência do seu problema e não adotamos modelos comuns para casos incomuns”. Dessa forma, a escola pode contribuir para a segunda chance do adolescente de estar em um processo de crescimento dentro de parâmetros civlizados, que o coloquem em contato com formas mais solidárias de existência. É importante lembrar que os pais, que, às vezes, faltam nesse estilo de educação em casa, podem ser sensibilizados também pela instituição, para que eles possam vislumbrar outras possibilidades para viver em sociedade, diferente de formatos calcados na violência.
Quando isso não ocorre e encontramos um diagnostico efetivo de bullying tudo deve ser feito com muito cuidado para o professor não se tornar, ele mesmo, um repetidor de atitudes preconceituosas de exclusão. Então, na busca de uma solução, não adiantaria somente identificar o aluno-problema para que sofra sanções, algo que respeita a lógica da medicalização dos pacientes identificados, em que se observa quem é o problema, quem está fora da norma, para devolvê-lo, depois de tratado, aos parâmetros normais, ou excluí-lo de vez. Christina Barros (2009), em edição do jornal do CRP-RJ, coloca que a medicalização escolar, principalmente em casos de Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade, se dá por uma tentativa dos professores reaverem o controle de sua autoridade, perdido com as mudanças nas instituições educacionais ao longo do tempo.
No mesmo artigo do jornal Fernanda Bortone (2009) complementa que o diagnóstico escolar que classifica os alunos em agressivos, hiperativos, retardados, desatentos ou lentos pode estar equivocado, pois esses mesmos estudantes podem ser vistos em outros espaços em que essas características não são aferidas. Essa avaliação mais cuidadosa, incluindo outras vivências do sujeito analisado, é um formato que não naturaliza o sintoma e não aponta para um comportamento que é daquele sujeito específico. De outra maneira, autoridades escolares partem em busca de um culpado, o que exime a todos os outros de uma avaliação mais responsável da participação que cada um tem nessa estrutura, lembrando que a escola e seus funcionários estão incluídos no cenário social atual que já descrevi, sendo, portanto, possíveis repetidores, também, de um comportamento que é tornado real pelo aluno-agressor.
Com o objetivo de produzir ideias acerca do tema, levantando a parcela de responsabilidade de cada parte envolvida, podem ser feitos grupos participativos, palestras informativas e a transformação dessa questão em tema transversal na escola. Esse movimento é bem diferente, e mais produtivo, que encontrar um culpado ou apontar a responsabilidade do outro, sem se apropriar da parte que lhe cabe. Vejamos agora de que maneiras isso pode ser alcançado tendo como perspectiva o desenvolvimento integral do aluno, nos valendo, para isso, de um olhar gestáltico.
3.3 - A escola como campo de aprendizagem integrada: impasses e possibilidades
Finalmente chegamos a discussão que se impõe sobre o tema que apresento. O que a escola pode fazer quanto ao desenvolvimento emocional de seus alunos, principalmente no que diz respeito ao trabalho com o bullying e sua prevenção possível. Uma das saídas existentes para a questão encontra-se em sua discussão teórica, mas também na intervenção escolar a partir de profissionais que estejam capacitados para ouvir os estudantes sobre a forma como vivem e o que os leva a cometer atos agressivos contra seus companheiros de classe. Nesse ponto, me parece que a Gestalt-terapia tem muito a contribuir oferecendo subsídios para que o profissional se encontre presente nas relações que se estabelecem, ajudando na leitura do que ocorre no interior dos muros escolares.
Então, em primeiro lugar, a proposta é que o trabalho com os participantes não deve ir na direção de punir um culpado, ou ao menos não se bastar nisso, mas propor uma reflexão em torno do tema em que se possa clarificar a situação e para que possuam dados que deixem em suas mãos um caminho saudável a seguir. Isso se verifica especialmente nas pesquisas de Fante (2005), quando houve uma queda nos casos de bullying depois de sua intervenção chamando todos a uma reflexão. Portanto, as atitudes da escola numa situação de assédio não deve se basear somente em punição do autor, já que, desse modo, a instituição não promove reflexão e repete o estilo de comportamento que se quer extinguir, perpetuando o sistema e excluindo o autor. Com isso precisamos pensar no papel da escola contemporânea frente aos desafios pós-modernos e como se apropria do tema da educação. Dessa maneira a Gestalt-terapia contribui dando subsídios para a escuta do sujeito e para o trabalho em grupo, analisando a situação como um campo que se estabelece e propicia o aparecimento do bullying, levando em consideração as forças que estão atuando nessas relações.
A reflexão kantiana a respeito disso, como citado por Antunes e Zuin (2008, p. 10), fala da busca por uma educação para emancipação do sujeito para que este possa utilizar sua razão para a convivência cidadã em espaços públicos e privados, se configurando no que Kant chamou de “indivíduo esclarecido”. A proposta é exatamente fazer o sujeito se implicar em suas escolhas, algo que pode ser conseguido através da educação, produzindo indivíduos esclarecidos e não repetidores de um modo de ser. Quando estamos inseridos em uma sociedade que se destaca pelos comportamentos agressivos e violentos, o estudante, que vive dentro desse sistema, pode reproduzir esse estilo. Nesse ponto, a educação se insurge contra a barbárie, promovendo a conscientização de que o caminho pode ser escolhido e não imposto por um modelo de funcionamento.
Claro que esse movimento é um pensamento a ser construído, reduzir uma discussão fértil ao campo educacional apenas à repetição de meros chavões como “Violência gera violência”, sem uma reflexão sobre seu significado, torna estéril um possível ato produtivo. Por isso que a entrada de especialistas nesse circuito não garante sucesso no aparecimento de sujeitos pensantes e ativos, visto que podem repetir o processo de chegar com direcionamentos de pensamento prontos e unilaterais que não contam com a participação dos envolvidos na questão. Isso faz com que os envolvidos nas questões escolares deixem de contribuir para responder a questão do papel da escola atual frente às demandas pós-modernas, algo que tento discutir aqui. Novamente aqui se faz presente a escuta cuidadosa do que as partes têm a dizer sobre determinada situação a partir de sua ótica, diferente da postura do especialista, que, muitas vezes, se coloca numa posição de saber superior em relação aos que vivenciam tal experiência.
E em caso de recusa de acolhimento para um caso de assédio moral escolar, o profissional da educação não contribui para um cuidado com a individualidade dos estudantes, nem com o que podem oferecer enquanto potencial de vida. Isso precisa ocorrer para que chamas de vida não sejam apagadas ou fiquem limitadas por muito tempo, inutilizando o potencial subjetivo do indivíduo. Nesse momento escolar é importante um espaço para o autoconhecimento, para que saibam e descubram o que podem produzir, principalmente porque nessa idade temos todas as questões relativas ao início do processo de identificação adolescente. O autoconhecimento promove escolhas mais acertadas para o indivíduo produzindo mais sabedoria organísmica e com isso, um desenvolvimento consciente e, possivelmente, mais equilibrado.
Bicudo (2006, p. 89) até chega a propor esse mecanismo como uma das avaliações do aluno na escola, através do método de autoavaliação que classifica como função da capacidade organísmica de valorização. O aluno, assim, teria uma de suas notas a partir de uma avaliação que faz de seu próprio desempenho na escola. Isso faz com que ele participe e se responsabilize por uma parte de seu processo educativo na escola, demonstrando qual o valor que ele estipula para o seu desempenho.
Da mesma maneira, esse caminho do autoconhecimento pode ser proposto pelas autoridades escolares na tentativa de equacionar os casos de bullying identificados, privilegiando um espaço para que os envolvidos reflitam em suas posições nessa relação para que possam ocupar outras diferentes das de agressor e agredido. Essa filosofia centra a questão nos sujeitos sim, mas não abandona de forma alguma o trabalho na relação estabelecida, como ressalta Bicudo (2006, p. 102), novamente: “a pessoa é como um ser que está no-mundo-com-os-outros, de maneira histórica e culturalmente situada”.
Dessa forma a tese de que a escola precisa formar cidadãos acima de qualquer currículo formal se faz presente, mesmo porque a formação teórica somente, não garante que seres sociais sejam capazes de desenvolverem relações saudáveis. Então, se o aparelho educacional se esmera no movimento de formação teórica, este pode se tornar inútil, já que com uma sociedade em que o individualismo impera e relações agressivas predominam, o caos pode chegar a tal nível que ninguém, por mais bagagem teórica que possua, consiga viver bem nessa sociedade. Para a intervenção no espaço escolar em situações de bullying, Lopes Neto e Saavedra (2003) citam que não existem soluções simples. Por ser um fenômeno complexo e variável, cada escola precisa de um programa próprio, baseado em seu contexto, que deve ser realizado contando com a colaboração de todos para o projeto.
Nesse tipo de sistema o ambiente escolar ganha muito em riqueza com o trabalho a partir das diferenças individuais. O que cada aluno é capaz e suas dificuldades pessoais são bons ingredientes para um processo educacional produtivo. Por esse motivo os processos de avaliação devem ser plurais para encampar da multiplicidade de situações que podem ser possíveis para os alunos. O que ocorre hoje é uma estrutura que privilegia as notas de matérias formais somente, nesse âmbito não há espaço para o desenvolvimento emocional nas atividades escolares. A predominância desse tipo de avaliação faz com que o movimento também seja excluído do processo educacional. Basta lembrar na forma principal de ministrar aula que temos hoje, todos calados e sem se mover muito para não atrapalhar a atuação do professor. Especificamente sobre essa tentativa de controle motor, impõe-se uma questão até mais séria relativa à grande quantidade de diagnóstico médico e seu tratamento medicamentoso correlato de Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
Os alunos que não se enquadram no sistema escolar estão sujeitos a sanções que até extrapolam tal espaço, sofrendo uma intervenção médica para que entrem no ritmo esperado pela escola. Esse movimento não parte da inclusão das necessidades do indivíduo e propõe uma solução que vem de fora para dentro. Como coloca Almeida (1999), o professor não aproveita nem os movimentos nem as emoções para algo produtivo, ignorando que a afetividade está ligada intimamente ao conhecimento e aprendizagem. O déficit para aprendizagem do transtorno citado pode não ser, então, de ordem racional, mas de fundo emocional, que desorganizado, não promove espaço para a apreensão de conhecimento.
Esse padrão médico respeita o modelo vigente de diagnosticar quem está “errado” para consertá-lo ou excluí-lo, repetindo o comportamento social preferencial que temos hoje. Como já foi dito, a escola está inserida no meio social e sofre suas influências, o que não significa dizer que seja o único segmento responsável por esse modelo. Diversos aparelhos sociais participam dessa montagem, mas a escola se torna importante porque é protagonista de um possível processo de mudança social. Seria interessante, então, que fosse a fonte de transformação da sociedade através da produção de cidadãos para esse cenário, não sendo reprodutora de personagens e de métodos de ensino que compartilhem do que vemos atualmente.
“Cabe à ação pedagógica criar oportunidades para que os alunos compreendam o mundo, compreendam o outro, compreendam a si mesmos, reconheçam a diversidade humana e encontrem a melhor maneira de participar e de ser feliz. Não se trata, porém, de uma nova disciplina curricular, mas de estratégias educativas que ofereçam oportunidades de escolha, de participação para conhecer e pertencer e para se reconhecer como sujeito de direitos, deveres e talentos.” (CHALITA, 2008, p. 239)
Um dos objetivos da escola poderia ser se empenhar num mundo melhor e por ser parte de um cenário complexo, ir para além de seus muros e se responsabilizar por sua capacidade de produção social. Se somos responsáveis pelo que acontece ao todo, de forma holística, como propõe Lima (2008), podemos fazer algo todo dia para mudar essa dinâmica, observando o que está ao nosso alcance. Se somos fonte do que pode acontecer de ruim, o outro lado da mesma moeda é sermos fonte do que pode acontecer de bom. A instituição de ensino tem acesso ao processo de formação de muitas pessoas que serão os componentes futuros da sociedade, portanto, é base estratégica para essa construção. Se ao contrário disso, não se empenha em compreender uma situação de assédio moral escolar e nem acolhe seus participantes, contribui para a manutenção do estado agressivo social.
O papel da educação rende bons frutos quando colabora, então, para a emancipação de seus alunos, principalmente de pensamento. Esse processo promove saúde nas relações sociais, sobretudo se envolver também outros campos, como o emocional, no trabalho com os alunos. Em casos de bullying o menosprezo pela queixa do alvo pode provocar uma desesperança e insegurança tão grandes que seu dia a dia no colégio pode ser fonte de sofrimento intenso, provocando enfermidades psíquicas e até doenças físicas. Lembrando que, de forma e intensidades diferentes, o autor da agressão também sofre com o processo.
A educação pode ser um espaço fundamental para os adolescentes virem a se tornar o que querem, fazendo atualizações e afirmações de cunho cognitivo, emocional, sensorial e social. Esse estilo educativo humano abre espaço para que o indivíduo se sinta capaz de escolher o caminho que lhe for mais conveniente, sem balizamentos artificiais como notas e outros estilos de avaliação objetificantes. Quanto mais aware de seu processo de crescimento e de respeito pelo seu próprio espaço, mais provável será ele reconhecer essa potencialidade equitativa no outro e, por conseguinte, respeitar também seu espaço na convivência e não estabelecer relações agressivas, como o bullying. O espaço escolar é tão importante para essa formação que, em situações terapêuticas, Aguiar (2005), o coloca como parceiro fundamental do trabalho para melhorar a autorregulação da criança, ou como é o caso deste trabalho, do adolescente. Dessa forma a educação busca ser um campo fértil para o desenvolvimento coletivo, em que se tenha noção da existência e necessidades do outro. Esse fato torna o processo educativo um importante lugar de compromisso social contra o individualismo exagerado, estilo de convivência Eu-Isso que cria brechas para o surgimento de relações agressivas.
Já vimos o quanto é importante a confirmação de um Eu para a existência de um Tu, dependemos do outro para existir e o espaço para que isso aconteça é o meio social. Na faixa etária enfocada nesse estudo - repetindo que se trata de uma fase de confirmação da personalidade por excelência – é de absoluta importância que esse campo possa ser fértil, nesse sentido, para os adolescentes. Como coloca Lima (2008), o jovem precisa encontrar um meio que tenha elementos necessários para o desenvolvimento de sua personalidade em todo o seu potencial, fazendo da escola um lugar fundamental para esse crescimento.
Se esse lugar se estrutura sob o predomínio de vontades unidirecionais, o campo se torna estéril para o desenvolvimento de relações de confirmação em nível Eu-Tu. A escola, através de seus funcionários, deve estar atenta para a criação de espaços em que os adolescentes possam aproveitar seus potenciais singulares, senão voltamos ao modelo de uniformização que propõe exatamente o contrário: “Sejam da forma que queremos”.
Para tornar a escola um espaço fértil para o crescimento é de suma importância que os agentes da educação nunca deixem de ouvir as dificuldades e sofrimentos que surgem em seus espaços, principalmente dentro da sala de aula, com seus problemas relacionais aluno-aluno, aluno-professor e aluno-estrutura escolar. Esse contato, que abre espaço para a escuta do mal-estar, coloca os alunos para refletir e deixa em suas mãos parte da resolução de seus problemas, numa abordagem que se aproxima muito de uma atitude gestáltica. Em um caso de bullying esse esquema é bastante importante para que se discuta o que está ocorrendo para, na participação dos envolvidos, chegar a uma solução viável para todos. Já o modelo que se baseia somente em punição, construído sob a égide de vontades unidirecionais, não promove esse tipo de solução.
O convite para os alunos pensarem sobre sua própria situação concorre para um estilo de relação Eu-Tu entre estes e os educadores. Nessa proposta há uma consideração importante sobre o que os alunos acham de sua situação escolar, social e o que podem melhorar, obtendo deles o que conseguem produzir naquele momento. A valorização desse material vai ao encontro de uma confirmação existencial, já que dessa maneira os estudantes têm possibilidades de se verem como pessoas que são importantes para o outro e para o meio social ao qual pertencem.
É importante notar que o professor que internaliza esse discurso mais humano e se interessa pelo que seus alunos têm a oferecer, e não no que ele quer que estes produzam, lida com seus estudantes de forma diferenciada, mesmo que a escola em que lecione não concorde ou simplesmente não tenha essa linha pedagógica. Mesmo que este professor respeite a linha do lugar onde trabalha ele se diferencia exatamente no contato com os alunos, promovendo interações mais ricas e não objetificantes. Isso é interessante porque ele pode estar tentando algo diferente onde sua influência alcança e, sem grandes embates com a instituição, promove um trabalho que acredita poder causar ecos em outros espaços, multiplicando um estilo de contato Eu-Tu. Para mudar um todo maior, de forma holística, começamos por uma pequena parte que pode sensibilizar uma estrutura maior.
Nesse estilo de funcionamento, a instituição respeita o artigo 214 da Constituição Brasileira que versa a respeito disso:
“Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à:
[.....]
V – promoção humanística, científica e tecnológica do País.”
Na lei fica claro, novamente, o que se pretende da educação brasileira e coloca como um de seus itens, precisamente, a promoção humanística. Embora sem referências do que venha a ser exatamente seu significado, através da lei podemos fazer a leitura de que a intenção é ir em direção a uma sociedade mais humana, tendo como base de estruturação a educação.
Possivelmente, o que falo aqui seria rebatido pela questão do tempo que os alunos têm na escola, que ficaria difícil para dar conta de todas essas demandas humanas e mais a passagem das matérias formais. Isso é verdade, mas a proposta é rever essa divisão do tempo e a forma como isso é feito, porque só se pensa que isso é impossível respeitando o modelo vigente de organização escolar baseada em sistema de notas e preparação para o vestibular. Se não dá para observar as duas em conjunto, precisamos discutir como fazê-lo e não abandonar a ideia porque é muito difícil executá-la. Em último caso, constatada a impossibilidade, só o fato de poder levantar a necessidade já reposiciona os sujeitos quanto ao que a escola deve oferecer. Nesse caminho o professor pode, até mesmo, ajudar o aluno a construir sua identidade, o que colabora para que escolha seus próprios caminhos e fique menos dependente de alguém que o guie, tornando-se pessoa e se realizando como tal. Com o colégio regido por esse enfoque, fica mais fácil atuar em situações de violência.
A forma dialógica de atuação que apresentada dá mais consistência para a inclusão da diferença, de outra forma esta é tratada como Isso e fica alijada do processo escolar, não contribuindo para que o corpo discente possa crescer com seus aspectos diferenciados. O diálogo com os alunos para inclusão dos que escapam da média precisa ser afetivo e ético para acolher o outro em toda a sua alteridade, o que não se faz sem esforço e preparação emocional. Segundo Freire (1997) é nesse diálogo que inclui diferença que o indivíduo aprende e cresce no encontro de dois seres que se reconhecem como inacabados surge uma relação de propósitos éticos.
Todo esse campo precisa estar muito bem equilibrado para que, numa situação de bullying, um trabalho cuidadoso possa ser realizado. Um bom começo é aproveitar a energia mobilizada pelo alvo quando se queixa. O movimento só surgirá da parte agredida, que tem seu sofrimento mais sentido, é dessa parte que sairá a possibilidade de solução. O cuidado de não eliminar o autor da agressão faz com que se prolongue o aprendizado diante da diferença. A percepção de que podem optar por outros estilos de relação, que não esse, é importante, caso o contrário, a parte oprimida pode imaginar que sua única saída é passar ao lado opressor, perpetuando esse esquema da mesma forma que a escola quando só se baseia em métodos punitivos. Esse tipo de relação só se extingue quando há um engajamento de todos os participantes do campo relacional, desde os componentes da estrutura de assédio, passando pelas testemunhas, chegando até as autoridades educacionais.
A abordagem principal desses atos participativos, como propõe Fante (2005), é discutir sobre o ocorrido, ou aproveitar o tema de forma transversal nas atividades escolares, como, por exemplo, propor uma redação que fale sobre o assunto ou um texto que traga contribuições mais indiretas. As discussões são calcadas na reflexão dos envolvidos nos acontecimentos, para que não se torne uma palestra em formato vertical, algo que fazia os envolvidos em tais atos introjetarem conceitos, ordens e proibições, diferente do objeto principal que seria a escuta e investigação do que o sintoma aparente nos diz. Informações são importantes, mas nesse momento acaba por se tornar mais positivo fazer com que todos pensem e falem sobre seus pontos de vista, desse modo há uma produção e digestão do que é possível para cada um, tornando mais efetivo em termos de prevenção e até mesmo, de uma possível punição, às vezes, também necessária. Sobre a reflexão, nos diz Freire (2005, p. 59):
“Ao defendermos um permanente esforço de reflexão dos oprimidos sobre suas condições concretas, não estamos pretendendo um jogo divertido em nível puramente intelectual. Estamos convencidos, pelo contrário, de que a reflexão, se realmente reflexão, conduz à prática.”
Dessa maneira, o uso da liberdade por todos pode ser avaliado e relativizado porque torna possível que as partes se apropriem de seus espaços sem precisar invadir e causar danos no do outro. A partir disso podem surgir alguns parâmetros para a liberdade, partindo de uma construção coletiva, já que esta não traz orientações específicas e regras definidas de como aproveitá-la. Quando se discute abertamente sobre isso em grupo, principalmente tendo como cenário as relações sociais, os envolvidos na reflexão tomam posse, conscientemente, dos meios disponíveis para uma convivência menos individualista que produza menos confrontos e menos tensão na fronteira de contato. Novamente o manejo gestáltico de grupos se encaixa bem aqui, com o psicólogo criando condições para que essas trocas, que são difíceis, possam ocorrer de maneira produtiva e não redundando em novas brigas.
A partir dessa abordagem é possível fazer todos perceberem que estão submetidos ao mesmo problema, só que de formas diferentes. Portanto, se temos uma sociedade que prima por relações violentas, em maior ou menor grau, podemos sofrer com esse estilo de vida. Então, torna-se interessante a escola, compreendendo esse processo, abrir esse espaço de discussão criando possibilidades para que os alunos possam se unir em prol de um objetivo comum, diminuindo um comportamento violento como o bullying, buscando uma convivência mais solidária.
Visto que a exclusão não é uma opção produtiva, acaba sendo compromisso da escola ter que garantir o direto de desenvolvimento subjetivo pleno de todos os seus alunos, produzindo indivíduos que podem contribuir para uma sociedade com mais cidadania. Essas obrigações, que podem ser discutidas em sua forma, estão documentadas como deveres no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 13 de julho de 1990. Nele estão descritos alguns itens que têm relação com a forma de lidar com pessoas pertencentes à faixa etária assolada pelo bullying a começar pelos seus três princípios destacados na apresentação: Princípio da Cidadania, Princípio do Bem Comum e Princípio da Condição Peculiar de Pessoa em Desenvolvimento, este último muito interessante, indo ao encontro do que escrevo neste trabalho. Ele trata da condição específica do jovem, percebendo ser um período de características especiais que deve ter cuidados peculiares para seu pleno desenvolvimento. A importância é notada nos artigos que estão destacados abaixo:
“Art 7° - A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Art 16º - O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
...
IV brincar, praticar esportes e divertir-se;
...
VIII buscar refúgio, auxilio e orientação.
Art 17° - O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art 18° - É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”
Por esses artigos percebemos que está em lei a proteção do jovem, já que está presente a preocupação com o desenvolvimento sadio, as condições de existência, o espaço para atividades lúdicas e o direito ao refúgio. Ainda cita a garantia da integridade física, psíquica e moral, preservando o indivíduo e por fim, coloca que é dever de todos velarem por esses cuidados, portanto, a escola está incluída. Através disso notamos o quanto uma situação de assédio moral escolar não assistida pela escola fere esse estatuto. A instituição é obrigada, pelo menos tendo em vista o que diz o ECA, a intervir na situação, trabalhando tanto com o alvo como com o autor para garantir o cumprimento dos artigos do documento. Outro ponto importante é o destaque para as atividades lúdicas, esportivas e a diversão como direito assegurado, demonstrando que esse espaço, escasso em algumas escolas, deve existir.
O trabalho escolar, portanto, deve conter um cuidado em relação a um desenvolvimento mais geral de seus alunos. O desenvolvimento se dá de forma bastante importante pelo lado emocional e não só comportamental, como vemos em algumas ações escolares sobre o assunto. Como coloca Almeida (1999), citando Wallon, o campo emocional existe desde o nascimento, muito antes do campo intelectual entrar em cena. Parece um contra-senso, então, deixá-lo tão excluído do processo de crescimento escolar dos indivíduos. Segundo Wallon7 , a afetividade é o ponto de partida do sujeito e seus sentidos iniciais são dados pela mãe. Com o crescimento intelectual da criança ela vai podendo aprender os próprios significados para o que sente, um processo que parece atropelado pela escola, já que os alunos não têm espaço para seus dilemas emocionais.
Portanto, as emoções precisam do campo intelectual para serem trabalhadas, assim como do corpo e outros. Então, seria estranho se o racional também não dependesse da afetividade para seu funcionamento, ao menos em algum nível. Enfatizo nesse ponto que tal dualidade se faz aqui para delinear e explicar melhor o que defendo, principalmente porque é a forma que as instituições escolares nos colocam a questão, mas, gestalticamente, entendemos que as duas não funcionam separadamente como transcrevo aqui com objetivo teórico. Com base nessa abordagem, percebemos o organismo como um todo constituído de partes interligadas.
Por esse raciocínio fica claro que a proposta escolar de se interessar somente pelo desenvolvimento intelectual dos estudantes é arriscada, já que, não se observando o sujeito de forma integral, ignorando potencialidades de outros campos, seu objetivo principal de formação fica comprometido. No que diz respeito ao tema desse trabalho, é difícil investir só no campo intelectual com o lado emocional abalado, como acontece em casos de bullying, e o resultado ser positivo, corroborando a impossibilidade de isolar quaisquer aspectos do sujeito.
Como coloca Almeida (1999), o desenvolvimento racional, de forma recíproca, precisa de uma evolução afetiva para ocorrer. Vemos que a inteligência está ligada às emoções, assim como a outros aspectos do sujeito, e que a evolução precisa se dar em conjunto para um equilíbrio organísmico mais interessante, que aproveite o que o aluno pode proporcionar de melhor. Esse equilíbrio se torna importante porque, segundo Almeida (1999), um lado pode paralisar o outro, algo facilmente observado quando alunos que possuem boas notas começam a diminuir seu valor por uma separação dos pais ou por ser vítima de agressões na escola, duas situações que desorganizam o campo emocional.
É interessante notar que a própria escola possui esses dados e correlaciona os dois nesses momentos em que esse sintoma das notas aparece, agindo de forma pontual na questão e, às vezes, com interesse único somente nas notas. De forma constante, não é feito o trabalho na direção de um cuidado emocional com os alunos, quando muito, o fazem ao perceberem exatamente a queda nas notas, o que nos remete a importância grande que as avaliações objetivas possuem em tais instituições. A escola chega, portanto, atrasada ao tema do desenvolvimento emocional de seus alunos, já que só se preocupam quando algo já vai muito mal. Parece que só quando seu interesse focal, no caso, as notas, é abalado a escola tende a se mover de forma mais ativa, depois que algum problema já está instalado. O diagnóstico do sintoma não é uma prática preventiva, esta se estabelece para a não ocorrência do sintoma, que é a proposta a ser executada com relação ao bullying nas escolas, principalmente pelos resultados positivos da pesquisa realizada por Fante (2005).
Esse trabalho chamado “Educar para a paz” produziu resultados muito interessantes, comparando-se suas observações antes e depois de sua intervenção. A autora do projeto o organizou da seguinte maneira: em primeiro lugar descrevia as diversas situações de violência, depois passava a investigação através da observação e aplicação de instrumentos técnicos. Após isso divulgava os indicadores aferidos em material explicativo e, por fim, montava fóruns para discutir os resultados. Num segundo momento partia para a sensibilização do corpo escolar, do corpo discente e de seus familiares, com movimentos de discussão, abertura de espaço para denúncias e campanhas de solidariedade que excediam os muros escolares. No fim, um novo processo de avaliação, parecido com o primeiro, era realizado para saber quais os efeitos de seu programa na luta contra a violência escolar.
Seus resultados indicaram que, na medida em que as intervenções sobre o tema iam sendo feitas, a ocorrência de bullying diminuiu. Mas não foi somente isso, a ampliação de consciência na escola fez com que outros tipos de indisciplina, como, por exemplo, a destruição do patrimônio escolar, também sofresse importante declínio estatístico, demonstrando que o aprendizado de outras formas de relação, mais solidárias e mais ligadas a uma sabedoria afetiva, incentiva os alunos a agirem de maneira cidadã.
Assumindo que a educação é o fundamento principal contra a violência, e esta grassa em nossa sociedade atual, os professores devem estar preparados para o acolhimento dessa demanda e, principalmente, estruturados emocionalmente para receberem essa população sensibilizada pela agressão, cuidando dessa parte do campo afetivo dos alunos. Para a instituição escolar a questão das notas já seria uma boa justificativa para que se preocupassem em combater a violência de forma preventiva através de atividades que desenvolvam os alunos de maneira mais integral, já que pelas análises feitas, fica patente que um crescimento cognitivo não é possível, por exemplo, com o aspecto emocional em desordem.
A abordagem gestáltica pode dar uma contribuição importante às instituições escolares com sua compreensão de que o ser humano é um todo constituído de algumas dimensões e não só racional. Então, quando o estudante está aprendendo conteúdos na escola não se encontra ali o funcionamento somente de seu lado cognitivo, está presente nesse momento tudo que ele foi ou pode ser, tudo que já passou, o que vive hoje e o que espera do futuro, compreendido e sentido de todas as maneiras. Seria interessante, portanto, que para um sujeito que se apresenta de forma integral, se apresente uma educação que acolha e respeite o mesmo como um todo que é e não se separa em partes menores.
A educação se constrói ligada também ao afeto e com um aprendizado que também é emocional, além de cognitivo, só que em lugar disso o que mais encontramos é a dificuldade de compreensão dessa sentença, colocando a questão quase sempre de forma excludente, ou se tem um aprendizado de conteúdos formais ou se dá atenção às questões emocionais e existenciais. Como bem ressalta Freire (1997, p. 49):
“É uma pena que o caráter socializante da escola, o que há de informal na experiência que se vive nela, de formação ou deformação, seja negligenciada. Fala-se quase exclusivamente do ensino dos conteúdos, ensino lamentavelmente quase sempre entendido como transferência do saber. Creio que uma das razões que explicam este descaso em torno do que ocorre no espaço-tempo da escola, que não seja a atividade ensinante, vem sendo uma compreensão estreita do que é educação e do que é aprender”
Quando a escola não consegue englobar todas as formas potencializa o processo de exclusão. Uma pessoa que é tagarela, por exemplo, sofre com as possíveis reprimendas, ou a frustração, a culpa por ser inadequada, na tentativa de exercer a vontade; e essas coisas diminuem mais ainda a autoestima (Perls, Hefferline e Goodman, 1997, p. 99). O espaço para essa característica não aparece e a situação é tratada como se o indivíduo fosse novamente culpado de não se adaptar ao cotidiano escolar que prevê como normalidade, o silêncio. A instituição acaba por excluir e, por consequência, diminuir o aluno que não se enquadra.
Um trabalho de inclusão que dê espaço ao campo afetivo estudantil, além de outros, gera consequências, visto que é o sujeito integro que vai ao meio social, local onde se encenam, por exemplo, as emoções, como colocado por Almeida (1999, p. 67), complementando ainda que a emoção precisa de espectador, pois o outro é o ativador dos impulsos. Portanto, o campo emocional é melhor desenvolvido nos espaços sociais. Outro efeito é que os espaços abertos para discussão agregam novas ideias que põe em xeque o modelo predominante de organização escolar, colocando-se em questão certezas consagradas há muito tempo. Então, quando um fato novo surge, a estrutura precisa se modificar para o novo paradigma, mesmo que este não seja incorporado, o fato de pensar sobre ele para fazer uma avaliação coloca em movimento uma mudança, mesmo que seja mínima.
Desses momentos é que podem surgir saídas interessantes contra as relações agressivas na escola, tais como as citadas por Fante (2005): discussão do bullying para não replicá-lo; levantar a percepção de que todos sofrem com essa situação de assédio; deixar os alunos conscientes dessa escolha que fazem; participação de todo o corpo escolar nas discussões, como os inspetores, por exemplo, e outras medidas que podem contribuir para a diminuição da violência escolar.
O que pretendi com essa parte do trabalho foi ensejar o que poderia ser feito a respeito do papel da escola enquanto formadora de pessoas e de sua responsabilidade como possível base modificadora da sociedade. Essas funções são outorgadas às instituições de ensino pelas leis, mas, apenas isso, não parece ter tido força suficiente para implementar tal formação. O único alento é que, estando nos códigos legislativos, ao menos, aumentam as chances de ser alvo de discussão sobre essa possível função.
A respeito disso ainda temos a Lei Municipal nº 5.089 de 2009, que estabelece exatamente a obrigatoriedade de programas que previnam e combatam o bullying nas escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro. Mesmo sem seu desenvolvimento teórico ou possíveis discussões, porque tive ciência da mesma com o trabalho já concluído, acho válida a citação para o conhecimento de mais uma lei que visa a melhoria das condições da educação, nesse caso, falando diretamente sobre a violência tema desse trabalho. Esse documento se encontra em anexo para consulta no fim do trabalho e dá uma boa ideia de como o tema tem despertado preocupação nas diversas esferas sociais.
De qualquer maneira, se podemos discutir que tipo de formação a escola deve oferecer, já não podemos fazer o mesmo com o bullying, já que é um fenômeno que ocorre entre os muros da escola, limitando o desenvolvimento de alguns de seus alunos. O combate, a prevenção e a compreensão do fenômeno deveria acontecer estando em lei ou não. Esse processo deveria ser objeto de interesse dessas instituições de ensino porque o sofrimento dos estudantes que são alvo disso, na melhor das hipóteses, só prejudica seu rendimento escolar e, na pior, agride de forma decisiva a construção da autoestima do adolescente, fase importantíssima para este desenvolvimento, causando efeitos deletérios que podem prejudicá-lo no prosseguimento de sua vida.
4 - A entrevista
4.1 - Discussão sobre as entrevistas realizadas com professores
No intuito de complementar o trabalho, foram colhidos depoimentos de três professores que se formaram e dão aula no Rio de Janeiro. As entrevistas foram feitas para que fossem levantados alguns dados de realidade a partir de profissionais que vivem o dia a dia escolar. O procedimento usado com cada participante é semelhante, as respostas parecidas serão tratadas de maneira conjunta, salvo no caso de alguma discordância interessante. Nos momentos em que é retirada uma frase ipsis litteris do que foi respondido, ou dito, será colocado entre aspas e com formato itálico. Logo após a apresentação das respostas são interpostas algumas contribuições do texto teórico do trabalho que tenha relação com a temática e se assim se fizer necessário.
As duas primeiras questões apresentaram repostas iguais para os três entrevistados. Todos eles acham importante o desenvolvimento emocional dos estudantes, mas nenhum deles recebeu esse tipo de orientação em suas respectivas formações. Nesse processo, todos disseram que, enquanto alunos da graduação, não dão importância para tais matérias e um deles teve professores que valorizavam isso, enquanto que os outros dois entrevistados não percebiam o mesmo empenho nos próprios mestres.
Esse dado corrobora a observação na escola em que trabalhei de que o desenvolvimento emocional não se apresenta como prioridade. O foco é maior no esforço para os alunos aprenderem os conteúdos dados em sala, que sempre são medidos por testes ou provas formais. Essas respostas demonstram que os professores, em sua formação, também não são sensibilizados para a questão, que acaba por se tornar menos importante diante da ênfase ao ensino formal.
Na questão seguinte os três julgaram que o preparo emocional do professor é importante para a prática em sala de aula e só em uma das três universidades isso não era abordado. Aqui nota-se que existe uma preocupação com o preparo emocional dos professores, mas não há o mesmo movimento em direção aos alunos, a questão parece restrita ao cuidado com a prática pedagógica do professor e não se revela da mesma forma quanto ao corpo discente. Esse modelo dá margem a algumas questões importantes, mas, principalmente, esta: a formação do docente se concentra no desenvolvimento dos alunos ou está mais focado nos professores? Porque chama atenção um campo ser importante nas discussões universitárias para uma parte e não para outra.
Adiante, em duas questões relativas ao bullying, somente um dos três já sabia do que se tratava, mas não obteve a informação em seus estudos na faculdade. Os dois que não sabiam, não obtiveram nenhuma informação na graduação e na licenciatura sobre isso e, tampouco, tiveram conhecimento por outros meios, o que também chama atenção, já que, hoje, é um tema presente na mídia.
Outra vez podemos perceber o quanto a formação dos professores anda atrasada em relação época em que vivemos. Os três professores entrevistados têm uma média de idade baixa, em torno de 26 anos, portanto, não têm muito tempo de formados, e não ouviram nada sobre esse assunto, que é uma preocupação contemporânea. Como vimos ao longo do trabalho, os docentes modernos - e aqui modernos não pelo tempo em que vivem, já que é o mesmo dos alunos, mas em referência ao tipo de ensino que possuem na universidade - são confrontados nas salas de aula com alunos pós-modernos, o que causa muita dificuldade no contato e compreensão mútua. O desconhecimento do bullying é só mais um exemplo dessa distância.
Na parte restrita às perguntas que somente seriam respondidas por quem tinha informações sobre bullying, fato que só ocorreu com um entrevistado, havia questões sobre a atuação prática numa situação reconhecida como tal. Essa professora presenciou uma situação clássica de assédio moral escolar, pois um aluno que chegou depois do ano letivo iniciado na escola, foi excluído pela turma que já se conhecia há mais tempo, dificultando algo que já era complicado para este estudante, porque não parecia ter muita habilidade de socialização.
Sua capacidade e disponibilidade em participar das aulas foi “mal interpretada” pelos colegas de classe e foi alvo de agressões até envolver-se numa briga, em que ele e outro aluno foram suspensos. Nesse ponto não há informações sobre outras medidas que possam ter sido tomadas pela escola além da punição, repetindo o ciclo de que falo ao longo do trabalho. A situação chegou a tal ponto que o alvo das agressões passava seus recreios sozinho na biblioteca. Por fim, fizeram uma página de internet em um site de relacionamento de cunho “ofensivo com o nome dele”.
Esta professora disse que sua única atitude nessa situação foi passar o caso à diretora da escola para que esta tomasse alguma atitude. Colocou que sua formação não ajudou para que pudesse intervir e, quando questionada sobre o que poderia fazer, informou que “não está muito participativa nessas questões”. Apesar de se sentir despreparada para atuar num cenário como esse, concorda com a ideia de que é sim sua responsabilidade fazer isso. Vou me deter um pouco mais na análise dessa resposta.
Nesse caso real de bullying, único a ser coletado nas entrevistas, fica patente a dificuldade de atuação tanto da professora como da estrutura escolar. A primeira vista já notamos a atitude da escola como uma repetição do ciclo de agressividade. A punição como única saída, como vimos na teoria não ajuda em nada o autor da violência e, na prática, como vemos nesse caso, ajuda menos ainda o alvo, já que depois da atitude da escola só teve como saída o isolamento total. Essa estratégia, muito comum para os alvos de bullying, serve exatamente como última tentativa destes, já que ele não é protegido por ninguém e não consegue isso sozinho, todos se tornam perigosos e, nesse caso, a privação do contato para ele é o melhor a se fazer.
O autor também não recebe a atenção devida e, além de não ser convidado a refletir, pode intensificar seus ataques por causa da punição que recebeu, como parece o caso, tendo em vista a construção da página difamante no site de relacionamento. Como colocado também, anteriormente, este é um exemplo de intervenção estabanada por parte do colégio, já que aos olhos do alvo, ele é punido duas vezes, uma na relação com os colegas e outra pela direção. Nesse caso este se vê desamparado e, provavelmente, se sente injustiçado com a ação da escola.
Também fica patente, nesse caso, a dificuldade da professora em lidar com a questão e, embora concorde que é parte do seu trabalho, acaba se livrando da urgência, passando o caso para outra instância. Nesse ponto parece também não haver cooperação entre os dois setores - corpo docente e direção - para elaborar a questão. Com isso, o único movimento que resta é, realmente, a punição. Como depois disso o alvo se isola, os problemas da escola quanto à questão parecem resolvidos, já que não devem haver mais brigas. O que se mostrou como sintoma de algo que vai mal, no caso a agressão ao alvo, foi silenciado pelo isolamento deste e, por isso, o dia a dia escolar volta ao “normal”.
Outro item importante para resolução do caso, como verificado na pesquisa de Fante (2005), não é acessado pela escola. Como foi aferido por essa pesquisadora, a participação dos pais na questão se torna muito importante, principalmente porque influenciam decisivamente nas atitudes de seus filhos. Como também foi colocado ao longo do trabalho a família é importante fonte de referência para os jovens, então, sua participação numa situação de bullying é fundamental para que possam tomar conhecimento de que seu filho é o autor ou o alvo e para que possam discutir formas de lidar com a situação que se apresenta.
Quanto à formação mais ampla do aluno e não só a passagem de conteúdos, a instituição, nesse relato que trago aqui, falha clamorosamente. Nada é feito para que as responsabilidades sejam elaboradas, o autor continua com seu comportamento, o alvo acha que sua única saída para convivência é a agressão e a escola não desenvolve seu lado de formar cidadãos e não meros reprodutores de disciplinas e comportamentos.
O último detalhe dessa questão, que tem relação com uma parte da discussão teórica, é em relação ao diagnóstico. Pelo relato, a situação não foi identificada como caso de bullying pela direção. Nesse caso, parece-me que poderia ajudar tal rotulação, já que ao enquadrar a questão nesse tópico, a situação pode ganhar um outro olhar por se tratar de um problema descrito com causas e consequências bem delineadas. Dessa forma talvez a escola pudesse tomar mais cuidado, visto que se trata de um problema reconhecido, fato que muitas vezes impulsiona um envolvimento maior. Como dito antes, a rotulação pode levar a um caminho positivo ou negativo, dependendo da forma como se apropria disso. Nessa construção o diagnóstico talvez fosse positivo para a resolução do caso, já que chamaria atenção de que não se trataria de brincadeira.
Na última questão, relativa a compreensão que os professores têm sobre o que seja educação para eles, obtive respostas em três formatos que variavam na ênfase dada em relação à formação humana e à aprendizagem formal. Um deles falou somente em “desenvolver a capacidade crítica do aluno”, outro mesclou um pouco dos dois aspectos falando em “transmissão de conhecimentos (informação) e valores éticos e morais” e o terceiro que se concentrou em dizer que a educação tem como objetivo “auxiliar o educando a lidar com situações do dia a dia, bem como a viver em sociedade”.
Os três consideraram esta a pergunta mais difícil, o que chamou atenção, já que esta não pede teorias formais sobre educação, e sim o entendimento da questão aos olhos deles. Isso pode ser um indício do que os professores passam em sua graduação, que parece não ter espaço para que pensem por si, analisando criticamente as teorias, podendo, por fim, acabar tornando-se meros repetidores do que lhes foi apresentado. Assim os professores somente replicam modos de agir e conteúdos em sala de aula com os estudantes, demonstrando dificuldade em dar opiniões autênticas, que, talvez, seja um exercício pouco realizado na academia, o que acarreta na falta de incentivo para que seus alunos o façam também.
Em seus comentários informais foi unânime a reflexão de que há essa lacuna em suas formações. Em dois casos a forma de falar sobre isso foi em tom de pesar, porque sabem da necessidade disso e de acharem possível que fosse um processo presente na universidade. Em pelo menos um caso, a professora chegou a essa constatação com uma dose de frustração ao classificar sua formação como “inútil”.
Todos ficaram interessados pelo tema e acharam importante as informações sobre bullying e a discussão do papel do professor nessa situação. Um dos entrevistados se queixou do despreparo para intervir numa situação assim e ainda disse que, para ele, os episódios de assédio moral escolar diminuíram da sua época de aluno para a atualidade como professor, outra informação interessante, mas que mereceria uma dedicação maior para elucidá-la em pesquisa, algo que não será feito nesse trabalho.
De posse dessas informações, percebe-se que a formação desses três professores ouvidos oferece um modelo insuficiente para a prática do professor em sala de aula. O contato com os alunos e o cuidado com seu desenvolvimento mais amplo parece não ter um espaço relevante na graduação e também na licenciatura, que é o trecho acadêmico mais ligado à prática. Com isso, assuntos que dizem respeito a essas questões, como os diagnósticos de Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade – que são supervalorizados - ou bullying, não são discutidos durante o desenvolvimento acadêmico.
O cuidado com esse campo me parece importante porque os episódios de bullying, ação de características agressivas, têm crescido na escola contemporânea ao lado de outras ações de violência. Portanto, podemos discutir em que medida a escola deve ser responsável por lidar com a questão, mas não dá para negar que o contato com isso não é opcional. Esses comportamentos vão acontecer no espaço escolar, assim como na dinâmica social a qual está inserida, então, se o contato é irremediável, talvez seja mais produtivo trabalhar com a questão a simplesmente tentar eliminá-la da escola, com a punição ou exclusão dos alunos que personificam esse comportamento. Usar o espaço escolar - contando com profissionais que sejam capacitados para lidar com o campo emocional – para diluir os comportamentos violentos através da discussão em grupo e prevenir seu aparecimento, primando pela vivência escolar solidária, pode ser um bom começo para mudar um complexo social maior, já que, melhorando a base, há uma oportunidade de uma construção social melhor.
Considerações Finais. Ou seriam iniciais?
“ A resposta é a desgraça da pergunta”8
“O que enlouquece é a certeza, não a dúvida.
É
do caos que nasce uma estrela”9
Como tentei fazer permear por todo o trabalho, me interesso mais por fazê-lo como veículo de novos pensamentos e encontros do que propriamente estruturas em teorias fechadas em si ou no campo da Psicologia. Claro que a teoria não é neutra, já apresenta alguns posicionamentos, inclusive os meus, mas penso que não deveria se encerrar neles, o trabalho foi até onde teve possibilidades, o que não significa que não pode se expandir para outras discussões. A parte que me cabe aqui enquanto campo de conhecimento é o da Psicologia e, dentro desta, a Gestalt-terapia, mas sei que o tema desse trabalho tem outras interseções, que podem enriquecer e contribuir muito para seu desenvolvimento.
Partindo dessa ideia de abertura proponho algumas considerações, que podem ser apenas iniciais, e outras questões que podem fomentar novas discussões. A guisa de conclusão, ao longo de todo processo teórico fica clara a avaliação dos alunos como seres íntegros que trazem em sua constituição diversos campos, incluindo o âmbito racional e emocional. Por essa lógica, uma pessoa é constituída por esses dois campos, além de outros, que são interdependentes e sua separação é meramente teórica. Portanto, o aluno para se desenvolver, precisa de um equilíbrio entre tais instâncias sob pena de ocorrerem perdas nesse trajeto pelo menosprezo de um dos campos.
Fica claro também que a escola contemporânea, em sua maioria, não está atenta ao campo afetivo como está para o intelectual. Nesse sentido a escola acaba se tornando um campo fértil para toda sorte de dificuldades relacionais, que já observamos em nossa sociedade, resultando em situações de violência. Com um quadro como esse não é estranho o surgimento do bullying e o aumento de sua ocorrência.
É importante ter em mente os efeitos que foram levantados na pesquisa de Fante (2005) para essa leitura final. O processo de abertura de espaços para informação e conscientização do assédio moral escolar e o incentivo a atitudes solidárias entre os alunos gerou uma melhora sensível no ambiente escolar, registrando uma queda nos episódios de violência, o que nos leva a concluir duas coisas: em primeiro lugar, mudanças são possíveis e, em segundo lugar, que tais incentivos replicam melhoras de convivência, inverso do que parece vigorar em nossa sociedade. Importante também destacar como o olhar gestáltico se afina a essa proposta de trabalhar a questão como um campo de relações, sem procurar culpados para futuras punições.
Outro ponto importante desse contexto de campo é o espaço para que os participantes e agentes escolares como alunos, professores, inspetores, pais e outros, possam estar aware de que vivência se tem e de qual se quer ter de fato. Tratando todos que se envolvem na questão como potenciais solucionadores, a partir do estilo relacional Eu-Tu, os envolvidos numa situação de violência podem tomar o problema nas mãos, tornando sua resolução mais fácil do que quando não a enxergavam.
Então, a proposta de prevenção dos casos de bullying se alinha ao trabalho de Fante (2005). Parecem-me adequados os espaços de discussões em grupo envolvendo toda a comunidade escolar. Esses encontros trazem uma potência de resolução importante, já que a conscientização, por si só, pode trazer mudanças importantes. Aqui o olhar gestáltico tem muito a contribuir, já que o manejo de grupos é uma de suas possibilidades de atuação, se alinhando exatamente ao formato que esses grupos teriam.
O coordenador do grupo sob essa perspectiva teórica se posiciona somente em cuidar para que o espaço de fala seja aberto e se mantenha, criando possibilidades de posicionamentos de todos os envolvidos nos casos, suas testemunhas e os profissionais que devem zelar para que casos de violência não ocorram. A partir do encontro desses componentes diferentes podem surgir novas construções, posicionamentos e soluções, sempre com o objetivo de criação de um espaço escolar mais saudável. Seguindo esse caminho não só cuidamos dos envolvidos nos atos agressivos como prevenimos o aparecimento do bullying nas escolas, lembrando que cada escola tem uma estrutura e, por isso, precisa de uma solução diferente para cada caso, devemos estar atentos ao limite de cada profissional para lidar com o fenômeno.
No caso dos professores, temos que avaliar quais são as possibilidades e limites de atuação, sem abrir mão de que esta é imprescindível, como pudemos observar nos depoimentos dos professores ouvidos para esse trabalho. Assim como corroboram os estudos teóricos feitos e a pesquisa da ABRAPIA que constatou que a maioria dos casos de bullying ocorre dentro da sala de aula, local administrado principalmente pelos professores. Torna-se importante que esse profissional esteja interado e preparado para a intervenção nesses casos.
Nesse ponto abrem-se algumas questões, até esse momento sem
respostas objetivas, para discussão e novas construções.
São elas:
- O bullying é algo do nosso tempo, intensificado na nossa época
ou sempre existiu e só não tinha nome e pesquisas?
- O bullying é um diagnóstico diferencial ou é uma questão
de preconceito que tem outro nome?
- O professor tem condições, no que se refere ao tempo, de atuar
em situações de bullying?
- O professor deve ser preparado para lidar com o lado emocional de seus alunos?
- Como fazer um diagnóstico correto dos casos?
- A escola possui em sua estrutura tempo e espaço para discussão
dos casos e prevenção do fenômeno?
- Se não possui tempo e espaço, é por que não é seu
papel ou por se estruturar de uma forma que os interesses são outros
que não a formação de cidadãos?
- Nessas situações, é preciso o apoio de outros profissionais à escola,
como psicólogos, por exemplo?
Entre outras interrogações, essas foram as que ficaram mais presentes. O debate deve continuar e a psicologia deve ter muito a contribuir com essas questões em conjunto com outras disciplinas. De qualquer forma, é importante que se tome alguma atitude e que se formulem estratégias, porque o fato incontestável é que existem muitos alunos sofrendo com o bullying. Isso faz com que a escola, nos casos em que isso ocorre, passe de um lugar de desenvolvimento e formação para um lugar temido e incapacitante, tanto no aqui-agora da vivência da agressão, como no futuro, privando o adulto de se desenvolver em todo o seu potencial.
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Endereço para correspondência:
Eduardo Cremer
Endereço eletrônico:escremer@yahoo.com.br
Recebido em: 25/11/2012
Aprovado em:13/03/2015
NOTAS
IGT - Intituto de Gestalt Terapia e Atendimento Familiar - Rio de Janeiro, Brasil
* Psicólogo graduado pela UERJ; Especialista em Psicologia Clínica
em Gestalt-terapia com ênfase em atendimento de casais e família/IGT;
Formação em Gestalt-terapia pelo Núcleo de Estudos e Treinamento
em Gestalt-terapia; Formação de Conselheiro em Dependência
Química pela Contexto Consultoria.
1 Confúcio (551-479 a.c.),
apud Veiga (1997)]
2 Esse termo será devidamente
definido e discutido no Capítulo
2 deste trabalho.
3 A nomenclatura anterior desse
período escolar que era de 5ª a
8ª do ensino fundamental, foi modificada recentemente para 6° ao 9º ano
do ensino fundamental.
4 Termo em inglês que não
encontra uma tradução
exata para o português, mas é, aproximadamente, estar consciente
de algo de maneira plena.
5 [Buber (1923), apud Von Zuben
(1974)]
6 [Bertold Brecht, apud Patto
(2008)]
7 [Wallon (1993), apud Almeida (1999)]
8 [Blanchot, apud Outeiral (2005)]
9 [Nietzsche, apud Outeiral (2005)]
APÊNDICE
Questionário aplicado em 3 professores formados com Licenciatura em três faculdades públicas do Rio de Janeiro:
Nome:
Idade:
Já teve experiência de 6° a 9°:
Qual foi o curso que fez:
Faculdade em que se formou:
1) Você acha que a escola deve participar do desenvolvimento emocional dos alunos?
2) Ao longo da sua formação você recebeu alguma orientação
para lidar com as questões emocionais dos alunos? Quais?
3) Pela sua experiência, você acha que as possíveis disciplinas
que abordam essa questão na universidade são valorizadas pelos
estudantes? E pelos professores?
4) Você acha importante o professor ter um preparo emocional para trabalhar
em sala de aula? Isso foi abordado na sua formação?
5) Você sabe o que é bullying?
6) Esse tema foi abordado na sua formação?
7) Você já presenciou alguma situação desse tipo?
Exemplifique:
8) Se você já presenciou, como procedeu?
9) De que forma sua formação influenciou em sua atitude?
10) Você se sente preparado para atuar numa situação como
essa?
11) Você acha que é de sua responsabilidade mediar essa situação?
12) O que você entende por educação?
Comentários
ANEXO
Lei n.º 5.089, de 6 de outubro 2009
Escrito por Lei Municipal
Ter, 06 de Outubro de 2009 00:00 - Última atualização
Qua, 07 de Outubro de 2009 07:57
Lei n.º 5.089, de 6 de outubro 2009
Dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção e combate ao Bullying escolar no projeto pedagógico elaborado pelas escolas públicas do Município do Rio de Janeiro e dá outras providências
Autor: Vereador Cristiano Girão
O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, faço saber que a Câmara Municipal decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º As escolas públicas da educação básica do Município do Rio de Janeiro deverão incluir em seu projeto pedagógico medidas de conscientização, prevenção e combate ao Bullying escolar.
Parágrafo único. A Educação Básica é composta pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Art. 2º Entende-se por Bullying a prática de atos de violência física ou psicológica, de modo intencional e repetitivo, exercida por individuo ou grupos de indivíduos, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidar, agredir, causar dor, angústia ou humilhação à vitima.
Parágrafo único. São exemplos de Bullying acarretar a exclusão social: subtrair coisa alheia para humilhar; perseguir; discriminar; amedontrar; destroçar pertences; instigar atos violentos, inclusive utilizando-se de meios tecnológicos.
Art. 3º Constituem objetivos a serem atingidos:
I - prevenir e combater a prática do Bullying nas escolas;
II - capacitar docentes e equipe pedagógica para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema;
III - incluir regras contra o Bullying no regimento interno da escola;
IV - orientar as vítimas de Bullying visando a recuperação de sua auto-estima para que não sofram prejuízos em seu desenvolvimento escolar;
V - orientar os agressores, por meio da pesquisa dos fatores desencadeantes de seu comportamento, sobre as conseqüências de seus atos, visando torná-los aptos ao convívio em uma sociedade pautada pelo respeito, igualdade, liberdade, justiça e solidariedade;
VI - envolver a família no processo de percepção, acompanhamento e crescimento da solução conjunta.
Art. 4º O Poder Executivo regulamentará a presente Lei e estabelecerá as ações a serem desenvolvidas, como palestras, debates, distribuição de cartilhas de orientação aos pais, alunos e professores, entre outras iniciativas.
Art. 5º As escolas deverão manter o histórico das ocorrências de Bullying em suas dependências, devidamente atualizado, e enviar relatório, via sistema de monitoramento de ocorrências, à Secretaria Municipal de Educação.
Art. 6º As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias.
Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Eduardo Paes
D.O.RIO de 7/10/2009