ARTIGO


A influência dos aspectos contemporâneos na sexualidade feminina – Uma visão gestáltica

The influence of contemporary issues in sexuality women – A vision gestalt

Bruna Cabral Vianna Pinto

Endereço para correspondência:


Resumo:O trabalho visará refletir sobre a expressão da sexualidade feminina tendo por base a repercussão do que é vivido no cenário contemporâneo. Enfocaremos as características bem peculiares deste cenário como forças atuantes do campo de relação dessa mulher: hipervalorização da autossuficiência, da imagem e aparência, autocontrole, individualismo, poder de realização, competitividade.
Abordaremos a sexualidade como expressão do contato por ser também tocada pelo o que é vivenciado em nossas interações e pela capacidade de fazer contato. Para efeito de compreensão do funcionamento da mulher no que tange a sua sexualidade, o tema também será explorado a partir da estreita correlação entre o ciclo de resposta sexual e o conceito de ciclo de contato. Utilizaremos como referencial teórico Gestalt-terapia, lançando mão de conceitos tais como autorregulação, awareness, a perspectiva da teoria de campo, contato. Destacaremos a retroflexão como um bloqueio de contato muito presente na contemporaneidade, promovendo uma dinâmica que dá a si mesmo a noção de autossuficiência, tão valorizada no mundo contemporâneo.Por fim, reafirmaremos nossa crença no trabalho clínico da Gestalt-Terapia como uma possibilidade de acolher nossa questão, promover ampliação da awareness, vislumbrar possibilidades de novas escolhas e o estabelecimento de relações mais funcionais.

Palavras-chave: sexualidade feminina; cenário contemporâneo; gestalt-terapia; retroflexão; awareness.


Abstract: The work reflects on the expression of female sexuality based on the impact of what is experienced in the contemporary scene. We will focus on the very peculiar characteristics of this scenario as the field forces acting against this woman: overestimation of self-sufficiency, image and appearance, self-control, individualism, power performance, competitiveness. We will discuss sexuality as an expression of the contact because it is influenced by our interactions and the ability to make contact. To understand the functioning of female sexuality, the topic will also be explored from the close correlation between the sexual response cycle and cycle concept touch. We will use as theoretical Gestalt- Therapy, through concepts such as self-regulation, awareness, perspective of field theory, contact. We will focus on the retroflexion as a blocking contact in great evidence in contemporary, promoting a dynamic that gives itself the notion of self-sufficiency, so valued in the contemporary world. Finally, we will affirm our belief in Gestalt -Therapy be able to host our question, promote expansion of awareness, make new choices and develop more functional relationships.


Keywords: female sexuality; contemporary setting; gestalt- therapy; retroflexion; awareness.


INTRODUÇÃO

Sabemos da importância de se considerar as forças do campo em que o organismo se encontra, na hora de compreender como é a sua relação com o mundo e com o outro. Não seria diferente ao pensar a sexualidade e suas formas de expressão. De acordo com a Teoria de Campo de Kurt Lewin, o campo pode ser definido a partir de várias regiões (sociais, intrapessoais, interpessoais, físicas) que estariam demarcadas por fronteiras. Lewin descreveu o campo psicológico e social como um conjunto de forças que atuam no presente formando uma rede de relações entre as partes. A fronteira teria a função de promover diferenciação e a interdependência dos elementos.
Numa perspectiva de campo do mundo contemporâneo, Alvim (2006) destaca: “Num cenário competitivo e refratário às diferenças, não há acolhimento, não há espaço público em qualquer grau para a manifestação de fraquezas, de impossibilidades, tampouco de impotência, o que contribui para a geração nas pessoas de um movimento de isolamento e contenção que se reflete no corpo: adoecimento e sofrimento (ALVIM, 2006, p. 127).
Encontramos características bem peculiares deste cenário como forças atuantes do campo de relação dessa mulher: hipervalorização da autossuficiência, da imagem e aparência, autocontrole, individualismo, poder de realização, competitividade, busca de eficácia, exigência de produtividade.
Acreditamos que aquilo experienciado, dentro do cenário contemporâneo, pode estar reverberando na sexualidade o que nos leva a pensar, de que forma a mulher estaria vivenciando a atuação dessas forças?

DISFUNÇÕES SEXUAIS: O QUE ELAS TÊM A DIZER?


Para compreendermos melhor o tema sexualidade, recorreremos aos estudos sobre a resposta sexual humana para, posteriormente, partirmos para uma correlação entre ciclo da resposta sexual e ciclo de contato.
Masters & Johnson, na década de 60, estudaram as modificações corporais durante o ato sexual. Denominaram Ciclo da Resposta Sexual Humana o conjunto de alterações fisiológicas que ocorre durante a atividade sexual. Na década de 70, Helen Singer Kaplan, uma psiquiatra que estudou largamente a motivação sexual, complementou o ciclo com a fase inicial denominada Desejo.
Vejamos cada uma das fases, segundo os pesquisadores:

Desejo


Segundo Kaplan, corresponde à primeira fase do ciclo, na qual as fantasias, pensamentos eróticos ou visualização da pessoa desejada despertam a vontade de ter atividade sexual. O desejo é uma experiência subjetiva que incita a pessoa a buscar atividade sexual.
A resposta sexual satisfatória estaria ligada a uma série de condições pessoais e da parceria amorosa, tais como um bom funcionamento orgânico e uma relação de companheirismo, que permita ao casal a cumplicidade necessária à execução do ato sexual (BARBALHO, 2005).
Excitação Sexual

Masters & Johnson destacam que a excitação sexual é a fase em que o corpo passa a responder fisiologicamente frente aos estímulos que dispararam o desejo sexual. Trata-se do preparo do organismo para o ato sexual.
Uma dificuldade nessa fase nos levaria a perguntar o que vive essa mulher para que seu corpo não esteja tendo condições de preparar-se para seguir adiante naquilo que anseia, tendo em vista que a fase anterior (Desejo) foi possível.

Orgasmo


Segundo Masters & Johnson, representa a obtenção de prazer quando ocorre a liberação total das tensões antes retidas, acompanhada de uma contração muscular rítmica.
As chamadas disfunções sexuais estariam relacionadas a perturbações ao longo do ciclo de resposta sexual, causando sofrimento e insatisfação não só na pessoa, como também no parceiro (DSM-IV, 2008).
Em 1999, houve uma reformulação deste modelo de ciclo especificamente para as mulheres. Estabeleceram um critério subjetivo de desconforto para definir disfunção sexual, a partir da proposta de uma psiquiatra chamada Basson: “o comprometimento do desejo e excitação sexual, do orgasmo e/ou dor sexual, provocando desconforto pessoal significativo.” (FLEURY, 2004).
Este modelo combina aspectos fisiológicos da resposta feminina, expostos no modelo tradicional de resposta sexual, com aspectos psicológicos da receptividade da mulher à estimulação sexual. O modelo enfatiza o valor da intimidade como motivação feminina para o sexo, como também o fato da resposta sexual feminina fazer diferentes caminhos.
Para Basson (2002, apud FLEURY, 2004), muitas mulheres iniciam a experiência sexual em estado de neutralidade sexual, isto é, tendo uma necessidade não sexual em função de outros "ganhos": intimidade emocional, necessidade de maior proximidade, demonstração dos sentimentos pela ausência emocional ou física do parceiro. Sendo também importante a presença de estímulos sexuais adequados e da experiência sexual anterior. Este contexto apropriado propicia uma disposição da mulher para se focar em estímulos sexuais.
A persistência de uma estimulação adequada permite que a excitação sexual e o prazer tornem-se mais intensos, desencadeando o interesse pelo ato sexual propriamente dito. Como no ciclo tradicional, o desejo surgirá junto à excitação, seguidos da satisfação emocional e física (pode haver ou não o orgasmo). Sendo que, a satisfação emocional e física ao final da atividade sexual reforçam uma maior receptividade da mulher a futuras atividades sexuais. Tomando por base esse entendimento, a ausência de desejo sexual espontâneo (no início do ciclo) não significa disfunção sexual.


Ciclo da resposta sexual feminina (Basson, 2002)


Pensamos a sexualidade como expressão do contato, por ser também tocada pelo o que é vivenciado em nossas interações e pela capacidade de fazer contato. Sendo assim, as disfunções sexuais surgiriam a partir de dificuldades ao longo do ciclo de contato. Os Polsters (1979) definem o contato pela função de união e separação de partes diferentes. Caso não haja obstáculos na fronteira, torna-se possível fazer contato com o novo, e promover a descoberta e a transformação (PERLS, 1951).
Outro conceito importante é o de awareness. Os Polsters (2001) assinalam que estar aware significa voltar-se para si mesmo e perceber o que faz, o que sente e deseja. Para tanto a pessoa deve identificar o que acontece consigo. Zinker (2001) coloca que somos capazes de agir somente quando nosso interesse é investido de energia. Podemos ir à busca daquilo que desejamos quando a awareness está energizada o suficiente, possibilitando um contato claro na fronteira entre o eu e o meio e proporcionando um senso de satisfação, resolução e fechamento. Podemos pensar, então, a energia separada da awareness, gerando dificuldades na relação. Essa energia bloqueada pode surgir através de sintomas físicos, entendidos como expressão de sentimentos, caracterizando os quadros das disfunções sexuais. Estas podem ser compreendidas como parte de um processo de autorregulação organísmica. Portanto, a disfunção é resultado da melhor forma possível encontrada pela pessoa para interagir com o mundo. Ocorre através de um retraimento na fronteira quando é vivenciada a mais íntima interação humana na vida adulta, o encontro afetivo-sexual (ALEGRIA, 2010). Segundo os Polsters (2001), as pessoas administram sua energia de modo a obter um bom contato com seu ambiente ou para resistir ao contato. Caso seus esforços sejam em vão, entra em cena uma série de sentimentos perturbadores. A partir disso, torna-se necessário redirecionar essa energia por diversos modos que reduzem a possibilidade da interação plena de contato com seu ambiente.
Após termos apresentado conceitos da gestalt-terapia fundamentais para nossa discussão, faremos uma correlação entre o ciclo de resposta sexual e o conceito de ciclo de contato pretendendo ampliar a compreensão do funcionamento da mulher no que tange a sua sexualidade.

CICLO DE CONTATO E CICLO DE RESPOSTA SEXUAL


O ciclo de contato definido por Zinker (2007) como um processo que representa o movimento de autorregulação organísmica, resultando numa sensação de bem-estar. Um ciclo bem sucedido se configuraria da seguinte forma: teria início numa sensação, um dar-se conta – awareness, levando à mobilização de energia e, em seguida, a uma ação organizada para o contato. E que levaria para o fechamento desta situação, finalizando com uma retirada, até um novo ciclo ser aberto.
Como ressaltou Alegria (2009), as fases de desejo e excitação dependem de uma evolução no ciclo de contato partindo da sensação à mobilização de energia. O orgasmo depende da evolução da ação para o contato. Sendo assim, podemos também pensar em termos de interrupções ao longo do ciclo, causando dificuldades na sexualidade:

Falta do Desejo Sexual: Há interrupção entre retirada e sensação. O experimentar qualquer fantasia, lembrança ou sensação erótica acaba sendo evitado, a partir de um retraimento da fronteira, pela experiência ser vivida de forma ameaçadora. Maior alienação em relação à sexualidade, o que se torna mais limitante. Pode representar um indício comum em casos de abuso sexual.


Falta de Excitação Sexual: Quando há um bloqueio no desenvolvimento da excitação, há interrupção entre mobilização de energia e ação. O processo de retraimento e rigidez da fronteira acontece com a proximidade física do outro. A mulher evita o contato físico por antecipar a angústia gerada pelo toque.


Anorgasmia: Ocorre uma interrupção entre ação e o contato quando há um bloqueio na evolução para o orgasmo. As mulheres com dificuldade de atingir o orgasmo movem-se em direção ao outro mas retraem-se antes que possam sentir a ansiedade daquilo que experimentam como sensação de “se perder” no outro.
Refletindo sobre as fronteiras de contato e seu funcionamento no comportamento sexual feminino, temos por base que:

“A modulação da experiência de fronteira quanto à flexibilidade ou rigidez e a expansão e retração, que delimitam as possibilidades de nossa intimidade erótica, compõem um repertório de comportamentos sexuais que variam entre livre fluxo da completude do ciclo de resposta sexual e expressões de dificuldades ou disfunções sexuais” (ALEGRIA, 2009).


Como observamos, retraimento e rigidez na fronteira ocorrem em momentos diferentes. A mulher que retroflexiona, sente no próprio corpo o resultado do acúmulo de energia e tensão, sendo um alerta para o estado de desequilíbrio.
Justamente a retroflexão é tida como um bloqueio de contato muito presente na contemporaneidade, quando o indivíduo se divide e age, manipulando a si próprio como se fosse o meio. O fechar-se em si mesmo, a falta de contato como outro, o individualismo e a solidão presentes na retroflexão são fenômenos bem comuns ao nosso cotidiano. Assim, promove uma dinâmica que dá a si mesmo a noção de autossuficiência, tão valorizada no mundo contemporâneo (ALVIM, 2010). A autora também ressalta que essa dinâmica faz com que as pessoas batalhem contra si próprias, se impondo regras rígidas, vivendo em constante conflito.
A partir dessa constatação, somada às demais características contemporâneas já citadas no início do trabalho, retornaremos à questão já levantada: quais seriam as expressões na sexualidade da mulher que vivencia esse contexto?
Barbalho (2009) refere que a sexualidade implica em estar focada no presente, no aqui-agora do relacionamento e entregar-se às sensações, sentimentos e fantasias do momento. A consciência do corpo e seu desejo impulsionam a deixar-se ficar na intimidade do contato que leva aos movimentos próprios na busca do prazer. Junto a isso, compreendemos que uma relação interpessoal de contato demanda uma retomada de contato consigo mesmo, já que para ser capaz de evoluir para um contato construído, precisamos saber quais recursos pessoais temos para enfrentar os riscos de estar com o outro, além daquilo que desejamos oferecer e o que buscamos na relação (NETO, 2010). Portanto, quando nos falta intimidade conosco, com nossas próprias sensações corporais, com nossas necessidades e preferências, como haveremos de tê-la com nossos parceiros? Somos capazes de abdicar do controle e da ansiedade de desempenho na hora do sexo?
Certamente, cada mulher é única e vivencia ao seu modo os diversos fatores que podem estar atuantes no campo e cada caso merece atenção e curiosidade para a compreensão do que está em jogo. Ainda assim, lançamos a hipótese de que a mulher pode acabar por não conseguir viver o aqui-agora, por estar carregando para o universo íntimo as tensões e exigências rotineiras. Com isso, terá dificuldades em respeitar seus próprios limites e estabelecer prioridades, vendo seu corpo sofrer essa tensão e não mostrar-se capaz de estar disposta ao contato sexual satisfatório.
Diante disso, entendemos o trabalho clínico da Gestalt-Terapia como uma possibilidade de acolher essas questões, promover ampliação da awareness, vislumbrar possibilidades de novas escolhas e o estabelecimento de relações mais funcionais, o que é bem ilustrado na citação:

“Há espaço para a expressão e de acolhimento da diferença (…) quando a pessoa pode ser olhada e acolhida. Tal olhar, quando sentido como aceitação é capaz de diminuir a sensação de inadequação e solidão frente sua próprias possibilidades criativas (...) A aceitação do cliente de sua totalidade, incluindo sua força e fragilidade, sua criatividade e diferença, são grandes e importantes passos na mudança do Ter para o Ser, da retroflexão para o contato legítimo” (ALVIM, 2010, p.188).


O gestalt-terapeuta auxilia o cliente a reconectar-se consigo mesmo, num processo que preza pelo autoconhecimento e a autoaceitação. Restabelecendo o contato com suas reais necessidades, torna-se possível a vivência da sexualidade saudável, livre de idealizações e preconceitos, sendo experimentada de forma autêntica (NETO, 2009). A partir da relação de segurança entre terapeuta e cliente, este pode iniciar a expressão de sua forma singular e criativa de estar no mundo, primeiramente no consultório e, talvez mais tarde no mundo (ALVIM, 2010).

Por fim, pensamos em aspectos importantes a serem trabalhados quando essas mulheres ou casais buscam terapia (PINTO, 2010):


-Aprender sobre o processo em que se deu a instalação e manutenção dos sintomas e a percepção de que existe um sentido para a sua permanência.
-Ampliar o conhecimento e curiosidade sobre o próprio corpo.
-Favorecer a comunicação do casal, desmistificando as curas fantasiosas sobre o prazer sexual e estimular expectativas mais realistas.
-Focalizar as experiências e emoções da pessoa em todas as dimensões da sua existência e não apenas no sexo.
Alegria (2010) acrescenta que devemos respeitar que a mudança ocorra em seu tempo, assim como a capacidade da pessoa alargar suas fronteiras para possibilidades novas de troca com o mundo, além de experimentar a sexualidade com mais vivacidade, fluidez e espontaneidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


A sexualidade feminina é um assunto complexo, tendo a sua discussão despertado inquietações, com grande repercussão na clínica.
Com este trabalho nos foi possível abordar o tema, dentro de uma perspectiva contemporânea, a partir de conceitos da Gestalt-Terapia. Para tanto, recorremos aos estudos sobre a resposta sexual particularmente na mulher, reconhecendo o valor da intimidade como motivação feminina para o sexo, como também o fato da resposta sexual feminina fazer diferentes caminhos. Posteriormente, partirmos para uma correlação entre ciclo da resposta sexual e ciclo de contato, constatando que as fases de desejo, excitação e orgasmo dependem de uma evolução no ciclo de contato. Pensamos as disfunções sexuais a partir de dificuldades ao longo deste ciclo, com destaque para a retroflexão, sendo vista como um bloqueio de contato muito presente na contemporaneidade.
Ressaltamos que a Gestalt-Terapia está a serviço do acolhimento da mulher em sua singularidade, auxiliando-a a reconectar-se com suas reais necessidades, estabelecer prioridades e limites, o que favorece viver a sexualidade de forma saudável.
Esperamos ter contribuído para a reflexão sobre o tema e gerar motivação para que os estudos sobre a sexualidade feminina progridam, tendo em vista a sua relevância.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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___________ Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007.

Endereço para correspondência:

Brunacabralvp@yahoo.com.br


Recebido em:13/10/2012

Aprovado em:13/12/2012

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