ARTIGO

 

O medo como figura: A compreensão gestáltica acerca da síndrome do pânico e seu manejo clínico

 

How to figure the fear: the gestalt understanding about the syndrome of panic and its clinical management

 

 

Patrícia Bessa Silva

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Síndrome do Pânico é um estado de medo e ansiedade intensos que compromete o bem-estar do indivíduo e sua relação com o mundo. A Gestalt-terapia traz ferramentas valiosas na compreensão dessa doença, na medida em que percebe a relação homem/mundo de forma recíproca e holística. Nesse sentido, o estudo objetiva abordar as acepções feitas pela Gestalt-terapia acerca da Síndrome do Pânico, buscando compreender seus sintomas a partir da ótica gestáltica e refletindo acerca de seu manejo clínico. A metodologia utilizada é de enfoque qualitativo, realizada através de pesquisa bibliográfica na literatura de base da Gestalt-terapia, nos manuais de classificação internacional de doenças, CID -10 e DSM – IV, e produção teórica de profissional especialista em Transtornos de Ansiedade. Os resultados da pesquisa indicam que, a Síndrome do Pânico é passível de tratamento e superação. A Gestalt-terapia torna-se ferramenta útil e valiosa na compreensão e tratamento desse transtorno, na medida em que lança novos olhares sobre a relação homem/mundo e o processo saúde/doença.

Palavras-chave: Gestalt-terapia. Doença. Ansiedade. Síndrome do Pânico.


ABSTRACT

The Panic is a state of intense fear and anxiety that affects the welfare of the individual and his relationship with the world. Gestalt therapy brings valuable tools in understanding this disease, as it perceives the male / world in a reciprocal and holistic. In this sense, the study aims to address the meanings made ​​by Gestalt therapy on the Panic Disorder, seeking to understand their symptoms from the perspective of Gestalt and reflecting about their clinical management. The methodology used is qualitative approach, carried out through literature review of the literature base of Gestalt therapy, the instructions for international classification of diseases, ICD-10 and DSM - IV, and theoretical production of professional expert in Anxiety Disorders. The survey results indicate that, Panic Disorder can be treated and overcome. Gestalt therapy becomes useful and valuable tool in understanding and treating this disorder, as it launches new insights regarding the man / world and the health / disease process.

Keywords: Gestalt therapy. Disease. Anxiety. Panic Disorder.

 

1 INTRODUÇÃO

Sabe-se que o atual contexto cultural, social e econômico em que estamos inseridos, serve de terreno fértil no desencadear e manifestação de diversas doenças. No caso dos transtornos de ansiedade não é diferente, visto que a realidade acelerada, dinâmica e competitiva, acaba por trazer o estresse e ansiedade como componentes presentes no repertório de sensações e sentimentos do homem. Sabe-se ainda que esse homem vive enquanto uma totalidade e que este todo configura-se como algo além da simples somas das partes que o compõem. Nesse sentido, alguém que experimenta a vida de maneira agitada e estressante, de modo a não administrar seus desejos, vontades e necessidades, acaba por trazer na sua totalidade corpo/mente resquícios desse estilo de vida.

A Síndrome do Pânico é um estado de medo e ansiedade intensos que trás manifestações visíveis e não visíveis, comprometendo o bem-estar do indivíduo e sua relação com o mundo. A Gestalt-terapia traz ferramentas valiosas na compreensão dessa doença, na medida em que percebe o homem como um ser total, integrado e em busca de equilíbrio. Através de seu aporte teórico e técnico contribui para um novo olhar acerca desse transtorno e possibilita ao homem restabelecer um contato satisfatório com o ambiente. Nesse sentido, o estudo tem como principal objetivo abordar as acepções feitas pela Gestalt-terapia acerca da Síndrome do Pânico, buscando compreender seus sintomas a partir da ótica gestáltica e refletindo acerca de seu manejo clínico.

A metodologia utilizada é de enfoque qualitativo realizada através de pesquisa bibliográfica na literatura de base da Gestalt-terapia, nos manuais de classificação internacional de doenças, a Classificação Internacional das Doenças (CID-10) e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM–IV), e produção teórica de do Psiquiatra Clínico especializados em Transtornos de Ansiedade, Dr. Geraldo José Ballone. Nesse sento, apresenta-se a tônica dada pelos principais autores da abordagem gestáltica aos ajustamentos do tipo neurótico, buscando sua compreensão acerca do processo saúde/doença, dos sintomas da Síndrome do Pânico e intervenção terapêutica, a partir do prisma dessa abordagem.

Os resultados da pesquisa indicam que apesar de ser um estado árduo e de intenso sofrimento psíquico, a Síndrome do Pânico é passível de tratamento e superação. A Gestalt-terapia permite que o psicoterapeuta trabalhe no sentido de fornecer suporte na reconstrução e equilíbrio do homem com o meio, no enfrentamento dos seus medos e resgate das potencialidades desse indivíduo.

O interesse por essa temática partiu tanto de motivação pessoal quanto necessidade acadêmica e profissional, visto minha tenra aproximação com a Gestalt-terapia e crescente demanda de clientes com queixa de Síndrome do Pânico no âmbito clínico. Além disso, ainda há pouca produção teórica realizada por gestalt-terapeutas abordando esse tema, o que serviu de estímulo à pesquisa.

 

2 GESTALT-TERAPIA: PRINCIPAIS CONCEITOS

Descobridor ou redescobridor como preferia ser chamado ao invés de fundador da Gestalt-terapia, Perls (1969/1977) concebia a Gestalt como sendo tão antiga quanto o próprio mundo. “O mundo e particularmente todo organismo, mantém a si mesmo e a única lei constante é a formação de gestalts – todos, inteiros” (1977, p.32). Seus primeiros trabalhos iniciaram como uma releitura dos principais conceitos da psicanálise clássica, mas logo se firmou como sistema teórico a parte, recebendo influências de várias outras vertentes. A Gestalt-terapia passou a incorporar as abordagens humanistas, concebendo uma visão fenomenológico-existencial do homem. “Este é o motivo pelo qual chamamos nossa abordagem de existencial: nós existimos como um organismo, como um molusco, como um animal, e assim por diante, e nos relacionamentos com o mundo exterior como qualquer outro organismo da natureza” (Perls, 1977, p.20).

Yontef (1998) conceitua fenomenologia como a busca pela atenção ao é dado, do que é óbvio, através da awareness do que é presente e livre de a prioris. Fritz enfatizava a awareness do sujeito e a estrutura da experiência imediata, ideias que serviram como pilares para a Gestalt-terapia. “A Gestalt-terapia é integralmente ontológica, pois reconhece tanto a atividade conceitual quanto a formação biológica da Gestalten. É, portanto autossustentada e realmente experiencial” (Perls, 1977, p. 19). Para Perls (1969/1977), promover o crescimento e desenvolver o potencial humano seria papel fundamental da Gestalt, e isto só poderia ser alcançado através da awareness do sujeito, ou seja, da tomada de consciência da experiência vivida. “Tudo está baseado na tomada de consciência. A tomada de consciência é a única base do conhecimento, comunicação, e assim por diante.” (p.69).

É daí a principal divergência entre a Gestalt-terapia e a Psicanálise, onde o porquê e a ênfase no passado cedem lugar ao como e ao presente. O método investigativo e explicativo da teoria psicanalítica é criticado por Perls (1969/1977), que sugeria o método compreensivo na prática clínica. “Se você pergunta como, você olha a estrutura e vê o que está se passando agora, é um entendimento mais profundo do processo. O como é tudo que necessitamos para entender como nós ou o mundo funcionamos” (p.68).

No entanto a Gestalt-terapia não descarta passado nem futuro, mas acredita que qualquer maneira de acessá-los será feita no presente, no agora. “[...] todos os tipos de coisas se juntam fim de criar este momento específico que é o agora.” (Perls, 1977, p.69). Dessa maneira, viver o aqui-e-agora tem a ver com uma postura frente à vida, frente à psicoterapia, a partir de uma fundamentação epistemológica que a embasa. Consiste em buscar uma presentificação, ou seja, em trazer a atenção e a intenção para o que acontece no momento presente. Assim diferentemente da psicanálise, na teoria gestáltica inaugura-se uma visão de self que não seja uma entidade estrutural, mas como um processo, como “fronteira de contato em funcionamento”. (Perls, Hefferline e Goodman, 1997, p.85).

A partir dessa perspectiva, a Gestalt-terapia trás modificações no âmbito clínico. A relação terapeuta/cliente é perpassada por essas ideias e um novo olhar é lançado sobre ela. A atenção dada ao presente abre portas para que terapeuta e cliente possam iniciar a partir de qualquer ponto e com qualquer material disponível. “[...] a personalidade total expressa por movimentos, posturas, sons, silhuetas, revela tanto material de valor incalculável, que não temos que fazer nada além de obter o óbvio, a superfície extrema e devolver isso de forma a tornar consciente o paciente” (Perls, 1977, p. 8)

Essas ideias apontam para uma concepção holística do ser humano, ou seja, envolve compreender não só o homem, mas a natureza, o planeta, cada ser vivo, cada objeto ou fenômeno do Universo enquanto uma totalidade. É dessa compreensão do homem enquanto uma totalidade, que a cisão corpo/mente inexiste na Gestalt. Perls herdou essa ideia de Kurt Goldstein, de quem introduziu pela primeira vez o conceito de organismo como um todo. “[...] a primeira coisa a ser considerada é que o organismo sempre trabalha como um todo. Nós não temos um fígado e um coração, nós somos fígado, coração, cérebro, e assim por diante: e mesmo isto esta errado. Nós não somos uma soma das partes, e sim uma coordenação, uma coordenação muito sutil de todos esses diferentes pedaços que compõem o organismo” (Perls, 1977, p.20)

Essa relação indivíduo-meio é compreendida na Gestalt-terapia a partir das noções de singularidade, liberdade e responsabilidade, e a partir da crença no potencial criativo do homem, no seu poder de transformação e crescimento, na sua tendência ao equilíbrio e na sua capacidade de se construir e reconstruir na sua relação com o mundo.

Ela tem que descobrir que toda esta energia gasta em manipulação pode ser transformada e usada, e que ela pode aprender a realizar seu potencial, em vez de tentar realizar um conceito, uma imagem daquilo que quer ser, e deste modo reprimir muito do seu potencial, e, por outro lado, adicionar um pedaço de vida falsa, ao fingir ser alguma coisa que não é.” (PERLS, 1977, p. 61)

A partir dessas ideias, Perls introduz o conceito de fronteira do ego. Para Fritz é na fronteira do ego onde se dá a relação do homem com o mundo. É na fronteira onde ocorrem as trocas com o mundo, permitindo a auto-regulação organísmica. “Esta situação agora está fechada, e a próxima situação inacabada pode acontecer, o que quer dizer que nossa vida nada mais é do que um número infinito de situações não terminadas, gestalts incompletas. Logo que acabamos uma situação, surge outra.” (Perls, 1977, p.32).

A noção de equilíbrio homeostático e auto-regulação estão intimamente ligadas a outro conceito, a dinâmica da figura e do fundo encontrada na Gestalt-terapia e também herdada da Psicologia da Gestalt. Para tornar-se figura, esta depende do fundo que por sua vez serve como moldura ou estrutura para a figura que emerge. Em outras linhas, podemos dizer que nossa relação com a figura não acontece em um nada, isoladamente, mas em um fundo que é o contexto em que ocorre essa relação, o que inclui nossa história de vida, experiências passadas, perspectivas futuras, acontecimentos recentes e nossa própria personalidade.

Não só Fritz, mas outros precursores da Gestalt-terapia fizeram desta uma teoria ampla e completa, que quebrou radicalmente com paradigmas já enraizados oriundos principalmente das teorias psicanalíticas. Uma nova visão de homem e um novo olhar sobre a relação terapeuta/cliente fez da Gestalt-terapia mais do que uma abordagem, mas um estilo de ser e de perceber o mundo.

 

3 TRANSTORNOS DE ANSIEDADE: DEFINIÇÕES

De acordo com os sistemas classificatórios vigentes CID-10 (OMS, 1997) e DSM-IV (APA, 1994), há uma concordância quanto à classificação dos Transtornos de Ansiedade. Eles são divididos em: Síndrome do Pânico, Fobia Social, Fobia Específica, Estresse Pós-traumático, Transtorno Obssesivo-compulsivo, Transtorno de Estresse Agudo e Distúrbio de Ansiedade Generalizada. Esses transtornos têm em comum o alto nível de ansiedade envolvido nas situações em que estão presentes, além de ser bastante comum haver sobreposição de sintomas, podendo uma pessoa apresentar sintomas característicos de mais de um tipo de transtorno.

De acordo com Ballone (2005), a ansiedade é uma atitude fisiológica normal responsável pelo processo de adaptação do organismo a situações novas ou de perigo e ameaça, tendo um importante papel na nossa sobrevivência. Assim, tanto a ansiedade como o medo permitem que o indivíduo esteja atento e alerta a situações que predispõe uma ação, como quando um cachorro feroz tenta nos atacar, quando fugimos de um incêndio, passamos apuros no trânsito, assalto, etc. Se não fosse o medo e a ansiedade, entraríamos em um mar revolto sem qualquer preocupação e, certamente, não sobreviveríamos. Nesse sentido, todos nós em algum momento de nossa vida, apresentamos comportamentos ansiosos, visto estarmos a todo o momento nos deparando com situações que nos causam desconforto ou com perspectivas ligadas a um futuro que ainda estar por vir.

Assim a ansiedade é condição natural do homem, presente desde os nossos ancestrais e ligada diretamente a nossa sobrevivência. Conforma mostra a figura apresentada a seguir (Figura 1), podemos dizer que ela inicialmente é diretamente proporcional a nosso processo de adaptação e desempenho no mundo, chegando a um ponto ótimo. A partir de um ponto excedente, a ansiedade será inversamente proporcional à adaptação, levando a falência da capacidade adaptativa e ao esgotamento do desempenho do indivíduo. Neste ponto, a ansiedade não estaria mais a serviço da sobrevivência e entraria sua versão patológica.

 

Figura 1 - Relação entre Adaptação e Ansiedade

Nesse último caso, a ansiedade assume um caráter patológico na medida em que torna-se figura na relação do indivíduo com o mundo, ou seja, o sofrimento emocional, no caso a ansiedade, passa a ocupar o primeiro plano na vida do indivíduo, o impedindo de viver experiências de forma satisfatória e contatos saudáveis. Assim, a ansiedade e o medo passam a ser reconhecidos como patológicos quando exagerados, desproporcionais em relação ao estímulo e interferem na qualidade de vida e cotidiano do indivíduo. Estudos mostram ainda que tais reações exageradas ao estímulo causador da ansiedade se desenvolvem de forma mais comum em indivíduos com uma predisposição genética. (BALLONE, 2005)

Vale lembrar que o contexto social atual é terreno fértil para o surgimento desse tipo de doença, visto a agitada dinâmica social, competitiva, consumista, e dissolução de valores familiares proveniente do mundo capitalista moderno e pós-moderno. Viver ansiosamente passou a ser considerada uma condição do homem moderno.

As pessoas acometidas desse transtorno percebem os estímulos do mundo como uma ameaça em potencial que necessita ser driblada. Há uma tensão expectante e a impressão de uma catástrofe iminente, como algo que estivesse por ameaçar a integridade do indivíduo. Essas sensações impedem que o mesmo enfrente a realidade, já que antecipa acontecimentos de forma negativa e ameaçadora, fazendo com que não entre em contato com os fenômenos que estão ocorrendo no momento, mas sim, com um comportamento muitas vezes de fuga. “A ansiedade passou a ser objeto de distúrbios quando o ser humano colocou-a não a serviço de sua sobrevivência, como fazia antes, mas a serviço de sua existência, com o amplo leque de circunstâncias quantitativas e qualitativas desta existência” (Ballone, 2005).

 O autor supracitado trás duas ideias para esse transtorno. A primeira é que o estresse passou a ser o correspondente emocional da ansiedade, e a segunda é que o fato de um evento ser percebido como estressante, não depende apenas da natureza do mesmo, mas da forma como o percebemos. Ou seja, no mundo animal podemos dizer que o cachorro representa para o gato o fator estressante, preciso e real. No ser humano, um elevador pode ser percebido apenas como um elevador, ou no caso de uma ansiedade patológica, um estímulo bastante estressor e aterrorizante, se a pessoa tiver claustrofobia.

Através de seus estudos e pesquisas, Ballone (2005) percebeu que a ansiedade até certo ponto ajuda no desempenho e adaptação do indivíduo, quando nosso organismo atinge um máximo de eficiência. Após esse ponto, ocorre o efeito contrário, ou seja, haveria uma espécie de paralisação e queda da capacidade adaptativa. Daí nossos ancestrais terem a ansiedade como atrelada a questão da sobrevivência, como um mecanismo útil para enfrentar um perigo real e concreto, diferentemente do homem moderno, onde ela surge como um estado de alarme contínuo.

 

4 ANSIEDADE E GESTALT-TERAPIA: O MEDO COMO FIGURA

Em Gestalt-terapia Explicada, Perls (1969/1977), traz uma definição de ansiedade como esta sendo o vazio entre o agora e o depois. Ou seja, a pessoa não vive o presente, abandonando a base segura do agora e “pré-ocupando-se” com o futuro, desse modo, se deparará com um vazio, pois como já dito anteriormente, o futuro ainda não é. Não sabendo lidar com esse vazio, experienciará a ansiedade. “Assim que você pula para fora do agora, por exemplo, para o futuro, o intervalo entre o agora e o depois, se enche de excitação contida, que é experienciada como ansiedade” (Perls, 1977, p. 111). No entanto, acrescenta que as pessoas tentam preenchê-lo com coisas ou situações que lhes deem uma falsa ideia de segurança, como planos, emprego fixo, rotinas, etc. Seria um temor pelo contato com esse vazio, que segundo o mesmo, constitui-se, na verdade, um vazio fértil e produtivo. Na obra Isto é Gestalt, Perls (1975/1977) fala: “Em outras palavras, não estamos querendo ver o vazio produtivo, a possibilidade do futuro – nós não temos futuro a partir do momento em que preenchemos este vazio, temos apenas as mesmas coisas” (p.52).

Para entender essa ideia é necessário recorrer a um dos conceitos presentes na teoria da Gestalt, o conceito de vazio fértil. Este apareceu pela primeira vez na obra Gestalt-terapia, Perls, Hefferline e Goldman (1951/1997) relacionam o vazio fértil ao conceito de self, criatividade e espontaneidade, afirmando que ele é o espaço onde o self pode atuar de maneira espontânea e criativa frente ao vácuo de possibilidades e emergência de novas figuras. Seria assim, o potencial criativo do self. Polster & Polster  (1979), falam que “O senso de estar privado de tudo o que é familiar é um vácuo que ameaça sugar tudo dentro de seu alcance. O que é difícil de se apreciar, quando o terror molda um hiato catastrófico, é que este pode ser um vazio fértil” (p. 132).

Podemos encontrar a relação entre vazio fértil e psicopatologia, por Dusen (1975/ 1977). Para ele, da mesma forma que a incapacidade de lhe dar com o vazio está presente em algumas psicopatologias, este vazio constitui o centro e o coração da mudança terapêutica. Assim, é de grande importância saber o que as pessoas fazem quando estão diante do vazio invasor.

“Estes vazios e espaços em branco são importantes em qualquer psicopatologia. No obsessivo-compulsivo, eles representam a perda de ordem e de controle. No depressivo, é o buraco preto do tempo que fica parado. Nas desordens de caráter representam uma ambivalência insuportável. Na esquizofrenia é a evasão da falta de significado ou do terror. Em cada caso representam o desconhecido, a ameaça incógnita, a origem, o não-ser, o nada a morte” (1977, p.125).

Nessa concepção, a patologia seria então uma reação negativa a esse vazio, já que os indivíduos ditos normais, saudáveis e criativos usam esse vácuo a seu favor, encontrando muitas vezes soluções criativas para seus problemas. Os neuróticos e psicóticos lutam contra ele.  Podemos dizer que, no âmbito clínico, o paciente procura terapia na medida em que teme o vazio. Daí a importância do gestalt-terapeuta também não temê-lo, mas descrever e compreender a função dele para cada paciente de forma ajudar a manejá-lo de modo saudável. Quanto a isso Wilson fala que à medida que os temores do contato com esse vazio são explorados, ele se torna menos assustador e ameaçador, e com o tempo não só deixará de temê-lo como também saberá usa-lo produtivamente.

Em Dicionário de Gestalt-terapia (2007), encontramos três compreensões acerca da ansiedade, sendo estas não excludentes: uma que trata a ansiedade como relacionada à excitação, outra relacionada ao tempo, e uma terceira compreensão de cunha mais existencial, que a trata como algo inerente ao ser.

Em sua primeira obra Perls (1942/2002) compreende a ansiedade em seu aspecto corporal, como esta sendo fruto de uma “couraça” peitoral que gera problemas respiratórios. Acreditava que a ansiedade derivava de uma excitação inadequada, de modo que a terapêutica recomendada se baseava na percepção e concentração da contração dos músculos peitorais, na expressão contida e na reconstrução da respiração.

“No estado de excitação ou de ansiedade, o metabolismo do oxigênio é aumentado, e assim o ar residual (o restante não expirado), contém mais CO2(dióxido de carbono) do que normalmente. Primeiro este ar impuro deve ser eliminado antes que o ar fresco (com oxigênio) possa fazer suficiente contato com os alvéolos dos pulmões. Inspiração aumentada, portanto, é inútil. A conclusão é evidente: primeiro expira o mais completamente possível. A inspiração seguinte virá sem esforço, será o alívio profundamente bem-vindo pelo qual você estava ensaiando”. (2002,p. 368).

Além disso, Perls descreve a ansiedade como um sendo “fato preponderante da neurose” (1977, p.95), compreendendo-a como um estado psicológico não-sadio e por tanto, patológico. “Se as excitações não puderem se transformar em atividades específicas, e ficaram estagnadas, então temos o estado que chamamos de ansiedade, que é uma tremenda excitação contida, engarrafada (1977, p.95).

Enquanto Goldstein acreditava que a ansiedade estaria ligada a expectativas catastróficas, Perls (1979) afirmava que ela estaria ligada a expectativas sejam elas catastróficas ou positivas. A ansiedade seria o “medo do palco” (p. 153).  “Tenho filmes que mostram que qualquer medo do palco desaparece logo em o paciente entra em contato com o presente e larga sua preocupação com o futuro” (p.155). Ainda com relação a essa ideia, diz que:

A ansiedade é o élan vital que carregamos conosco e que nos torna estagnados e estamos incertos quanto ao papel que devemos desempenhar. Se não sabemos se vamos receber aplausos ou vaias, nós hesitamos; então a criação começa a disparar, e toda a excitação não consegue fluir para a atividade, e temos medo do palco” (1977, p.15).

Perls também relaciona a ansiedade com a reorganização organísmica. Faz uma crítica a Freud e a sua teoria do trauma original e dos impulsos sexuais reprimidos, já que para este último atribui o surgimento da ansiedade a esses fatores.

“Como estas teorias foram apresentadas por importantes cientistas, temos de aceitar suas observações como corretas, embora válidas apenas para a s situações nas quais foram elaboradas. Mas devemos duvidar de qualquer tipo de especulação que, na ciência, como em outros setores, leva as generalizações prematuras” (1977, p.124). 

Por outro lado Perls concorda quando essas teorias incluem excitação e a falta de oxigênio, mas acrescenta dizendo que isso ainda não resolve a questão de como a ansiedade é produzida e a relação entre esses fatores.

Alguns autores da psicanálise clássica defendiam a ideia de que a ansiedade era originada durante o parto ou na amamentação, quando o bebê no ato de sugar o seio da mãe, tinha o nariz tapado, experienciando ansiedade. Segundo esses teóricos, as crises posteriores seriam repetições mecânicas desse incidente. Perls (1942/2002) critica essa ideia na medida em que um adulto que tem uma crise de ansiedade, não está nem nascendo, nem sendo sufocado pelo seio materno. A crise real de ansiedade não seria uma cópia mecânica de uma anterior, mas é novamente produzida em qualquer momento presente específico. ”num estado de ansiedade, ocorre um conflito intenso entre o impulso de respirar (para superar o sentimento de asfixia) e o autocontrole oposto” (2002, p.127).

A Gestalt-terapia trabalha com sensações, sentimentos, pensamentos, e expressões corporais que se expressam no aqui-e-agora, pois acredita que qualquer maneira de acessar passado e futuro só podem ser feita no momento presente e com total disposição do organismo como um todo.  Auxilia e estimula o indivíduo a entrar em contato com esses aspectos através do processo de awareness, que trás a presentificação, a conscientização, bem como a restituição da respiração saudável para o set-terapêutico, como uma das importantes ferramentas auxiliares no tratamento de pessoas dos Transtornos de Ansiedade.

 

5 SÍNDROME DO PÂNICO: CONCEITOS GERAIS

Acredita-se que a palavra Pânico, do latim “panicu” e do grego “panikon”, origina-se do mito grego do deus Pã. Na mitologia grega, Pã era considerado o deus dos campos, rebanho e dos pastores. A versão mais difundida é a de Pã era filho de Hermes e da ninfa Díopre. Nasceu metade homem, metade bode, e por ser tão feio, sua própria mãe ao vê-lo fugiu assustada. Foi levado ao Olimpo, e lá, rechaçado e zombado. Retornando a Terra, foi criado pelas ninfas e juntamente com elas participava dos festejos nas florestas. Era temido por todos aqueles que necessitavam atravessar as florestas à noite, pois as trevas e a solidão da travessia os predispunham a pavores súbitos, desprovidos de qualquer causa aparente e que eram atribuídos a Pã; daí o nome pânico.

A primeira classificação diagnóstica da Síndrome do Pânico ocorreu em 1980, com a publicação, pela Associação Americana de Psiquiatria, do DSM-III, atualmente em sua quarta edição.  A Síndrome do Pânico é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) estando presente na Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Segundo os manuais de classificações de doenças, CID-10 (OMS, 1997) e o DSM –IV (APA, 1994), a Síndrome do Pânico é um transtorno psicológico caracterizado por períodos de intenso medo e desconforto, acompanhado por ataques graves de ansiedade (dispneia, palpitação, taquicardia, hiperventilação, asfixia, hipertensão arterial, dores no peito, tontura, náusea, sensação de despersonalização e desrealização), medo secundário de morrer, perder o controle ou ficar louco. Geralmente tem inicio abrupto e são acompanhados por uma sensação de catástrofe iminente. A frequência das crises varia para cada pessoa, mas em todas elas só duram alguns minutos.

De acordo com Ballone (2007), de uma forma geral, as crises de pânico iniciam-se através de um episódio de susto em relação a algum estímulo, o que gera ansiedade. A partir dessa sensação, surge uma série de interpretações negativas sobre o que está acontecendo , sendo muito comuns os pensamentos catastróficos, como o de achar que vai desmaiar morrer, que está perdendo o controle de algo, ou mesmo vai enlouquecer. Diante desses pensamentos, a pessoa passa a evitar contato com situações semelhantes a que ocorreu a primeira crise, e muitas vezes acabam-se estendendo para outras situações da vida. Isso é o que os autores denominaram de ansiedade antecipatória, onde o medo de ter uma nova crise acaba por fazer a pessoa restringir sua vida a um mínimo de atividades.

As pessoas com Síndrome do Pânico podem necessitar estarem sempre acompanhadas quando saem de casa e, posteriormente, podem se recusar a sair de casa devido ao tamanho medo de passar mal na rua, morrer subitamente ou enlouquecer de repente. Geralmente citam um desejo urgente de fugir de onde quer que o ataque esteja ocorrendo. Neste ponto, os autores citam a Agorafobia como a parenta mais próxima do Pânico (BALLONE, 2007).

Diferentemente do que ocorre nas fobias, onde uma pessoa teme a uma situação ou a um objeto específico, no pânico, o medo é direcionado ao que ocorre no corpo e as sensações ruins provenientes dele. Assim, são para essas reações que a atenção é direcionada, como deflagradores das crises de pânico. Na pessoa com pânico, o corpo é visto como uma fonte constante de ameaça, onde a pessoa faz constantes interpretações equivocadas e catastróficas de suas sensações corporais. Qualquer reação interna ou sentimento mais intenso, seja de alegria ou tristeza, tende a despertar ansiedade (BALLONE, 2007).

Segundo o autor supracitado, o Transtorno do Pânico habitualmente se inicia depois dos 20 anos, é igualmente prevalente entre homens e mulheres, portanto, em sua maioria, as pessoas que tem a doença são jovens ou adultos jovens, na faixa etária dos 20 aos 40 anos, e se encontram na plenitude da vida profissional. Diz ainda que pessoas que apresentam esse transtorno são em muitas vezes pessoas com tendência a preocupação excessiva com questões cotidianas, perfeccionistas, com necessidade de estar no controle das situações, e que frequentemente tendem a subestimar suas capacidades físicas. Com frequência costumam reprimir alguns ou todos seus sentimentos negativos e conflitos íntimos. Diante disso, Ballone afirma que “essamaneira da pessoaseracaba por predispor a situações de estresse acentuado e isso pode levar ao aumento intenso da atividade de determinadas regiões do cérebro, desencadeando assim um desequilíbrio bioquímico e consequentemente o aparecimento do Pânico” (Ballone. Síndrome do Pânico. Em: <http://www.psiqweb.med.br/>. Acesso em: 15 set 2009.)

Com relação a questões biológicas, Ballone traz alguns estudos que mostram que a Síndrome do Pânico está biologicamente associada a uma disfunção dos neurotransmissores a qual criaria um fator agravante na sensação de medo. De acordo com uma das teorias, o sistema de alerta normal do organismo, um conjunto de mecanismos físicos e mentais que permite que uma pessoa reaja à alguma ameaça ou se adapte a uma circunstância por exemplo,  é ativado desnecessariamente na crise de pânico, sem que haja um perigo real de fato.Através dos neurotransmissores, os neurônios se comunicam entre si e estas comunicações formam mensagens que irão determinar a execução de todas as atividades físicas e mentais de nosso organismo (ex: andar, pensar, memorizar, etc). Qualquer desequilíbrio na produção destes neurotransmissores pode levar algumas partes do cérebro a transmitir informações e comandos incorretos. Daí o organismo desencadearia uma reação de alerta indevidamente, como se houvesse realmente uma ameaça concreta.

Nesse sentido, acredita-se que seria isso o que ocorreria em um ataque de pânico: uma informação incorreta, decorrente de uma disfunção dos neurotransmissores, alertando e preparando o organismo para uma ameaça ou perigo que, na realidade, concretamente não existe. No caso do Transtorno do Pânico os neurotransmissores que se encontram em desequilíbrio são os mesmos envolvidos na depressão: a Serotonina e a Noradrenalina. Vem daí a ideia de aplicar-se ao transtorno do Pânico o mesmo tratamento medicamentoso da Depressão.

 

6 SÍNDROME DO PÂNICO E GESTALT-TERAPIA

Muitos estudos apontam que nossa atual condição sócio-economico-cultural contribui em muito para o aumento da incidência de pessoas que vivenciam transtornos de ansiedade. Estamos em um contexto onde o estresse, a insegurança, o medo e consequentemente o desgaste físico e mental, tornam-se uma constante no cotidiano de muitas pessoas. O medo tem sido um sentimento extremamente presente, especialmente para as pessoas que vivem nas grandes cidades. Dessa forma é natural que a dificuldade de lidar com ele surja como uma das principais expressões frente a situações do dia-a-dia. Sobre isso, Pinheiro (2004) diz: “Falando de uma forma Gestáltica: se o medo tem estado muito presente como fundo para as experiências humanas atuais é natural que ele tenda a se fazer figura. Especialmente se associado a isso, as pessoas já estiverem vivendo um nível de desgaste excessivo, como tem sido quase que um padrão em nosso momento atual” (p.2).

As pessoas acometidas pela Síndrome do Pânico acabam vivenciando várias sensações corporais, fazendo com que experimentem sentimentos intensos de medo, o que por sua vez, desencadeia novas sensações como calafrios, taquicardia, boca seca, tremores, dentre outros. Isso nos remete ao pensamento da Gestalt-terapia que percebe o homem enquanto organismo autorregulador, em busca de equilíbrio na sua relação com o mundo (RODRIGUES, 2000). Quando algo não vai bem em alguma parte do corpo, ele, em sua totalidade, é afetado, ou seja, se seu emocional não caminha de forma saudável, consequentemente o organismo em sua totalidade será afetado e se irá reconfigurar em uma nova totalidade. Podemos dizer que, assim como as demais doenças, a Síndrome do Pânico se constitui em um conjunto de sinais e sintomas de que algo no organismo não vai bem. Esse indivíduo acaba vivenciado situações onde corpo/mente são afetados, na medida em que fazem parte de uma mesma totalidade. Esta se configura como uma unidade complexa e indivisível, composta por vários sistemas que se interagem mutuamente e que buscam o constante equilíbrio para garantir um funcionamento harmonioso, de modo que o individuo em seus aspectos biológico, social e psicológico possa estar-no-mundo. Daí na Gestalt-terapia o homem ser compreendido enquanto ser biopsicossocial. Nesse sentido a Teoria Organísmica, diz que “a pessoa é una, integrada e consistente; o organismo é um sistema organizado, com o todo diferenciado em suas partes; o homem possui um impulso dominante de auto-regulação pelo qual é permanentemente motivado” (Rodrigues, 2000, p.107).

Freud caracterizava a ansiedade como uma Neurose de Angústia, acreditando que sua etiologia devia-se principalmente a uma má ou não utilização da energia da libido. Ou seja, se o indivíduo vivencia essa angustia de uma forma não satisfatória, ele acaba comprometendo todo o funcionamento do eu, transformando essa angústia em um sintoma. Assim, ao invés de vivenciá-la de forma produtiva e adaptativa, acabaria produzindo um sintoma para substituí-la. Na Gestalt-terapia vemos algo semelhante quando Perls (1942/2002) fala da importância de uma boa utilização da energia para o não aparecimento de um sintoma. A Gestalt-terapia acredita que essa energia quando não utilizada de forma a possibilitar um contato pleno consigo e com o mundo, fica contida, acumulada, ocorrendo o surgimento do sintoma e consequentemente o adoecimento psíquico. O indivíduo passa a ter um eu funcionando de forma restrita, não conseguindo administrar sua energia de modo funcional, onde muitas vezes dirigi-a demasiadamente às suas sensações internas, em detrimento da área externa.

Pensando nas pessoas com Síndrome do Pânico, podemos refletir que, estas não conseguem administrar sua energia de forma saudável e investem-na em grande parte nas sensações internas, “esquecendo” da área externa. Nesse sentido, é comum perceber que para essas pessoas o âmbito dos relacionamentos é um dos aspectos mais comprometidos, já que de forma geral gastam pouca energia nele, se detendo mais na remissão das sensações corporais desagradáveis e na fuga de situações que possam, por ventura, desencadeá-las. Assim, pessoas que sofrem com essa síndrome, acabam experimentando relações insatisfatórias consigo e com o mundo, o que colabora com o aumento de um mecanismo de defesa rígido, onde a troca nas relações é quase inexistente. Isso se deve, principalmente, ao fato de que, essas pessoas antecipam esse contato, já que criam seus a prioris devido à ansiedade, não conseguindo estabelecê-lo de modo genuíno. O contato torna-se limitado, e muitas vezes busca-se mais uma sobrevivência dos próprios medos e uma dependência do outro no enfrentamento de situações cotidianas (BALLONE, 2007). Desse modo, uma pessoa que se relaciona de forma cristalizada, acaba não vivenciando um contato satisfatório, produtivo e enriquecedor como propõe a Gestalt-terapia.

 É por esse motivo que a Gestalt-terapia busca, dentre outras coisas, proporcionar um espaço onde se possa experimentar um contato satisfatório com o meio em que está inserida e com ela própria. Na Gestalt-terapia o indivíduo é visto como ser relacional, em constante devir e troca criativa com o meio. Todo contato é potencialmente criativo, pois lida com o novo, daí as pessoas com pânico terem dificuldade em experienciar um contato genuíno. Sobre isso, Rodrigues (2000) diz que: “O contato só pode ser compreendido enquanto algo novo, como o episódio através do qual nascem as possibilidades. Se lidamos com coisas já conhecidas, não há contato, posto que já é algo com o qual tivemos contato antes – já faz parte de nosso acervo” (p. 65).

Se na Síndrome do pânico temos uma pessoa que se expressa de forma cristalizada, temendo o contato com o novo, com o desconhecido, esse modo de ser inevitavelmente influenciará na sua relação com o mundo. Ou seja, como a Gestalt-terapia considera que o homem se expressa holisticamente no mundo, significa que ele expressa por si tudo o que é, inclusive sua forma disfuncional de se relacionar. Daí a importância dessa pessoa entrar em contato com o medo e experienciá-lo de forma progressiva, até dar-se conta de que pode encará-lo e conviver com o mesmo, na medida em que é trabalhado no intuito de resignificá-lo.

A Gestalt-terapia, com sua postura acolhedora e empática, permite à pessoa uma tomada de consciência em relação a suas sensações corporais e percepções diante dos seus medos. Algumas técnicas são bastante utilizadas pelos gestalt-terapeutas nesse processo. Uma delas é a técnica da respiração, como já bem propunha Perls (1942/2002), onde se estimula a restituição da respiração abdominal e diafragmática através do processo de inspiração e respiração corretos. Uma característica comum nas pessoas com síndrome do pânico é a respiração torácica rápida e curta, como característica da sensação de hiperventilação proveniente da experiência ansiosa (BALLONE, 2005). Nesse sentido, o gestalt-terapeuta convida a pessoa para que preste atenção na sua respiração de forma a dar-se conta do que está acontecendo consigo no aqui e agora. Esse processo, enquanto técnica bem direcionada e objetivos bem definidos, auxilia na tomada de consciência de sua dinâmica corporal, de modo a permitir a familiarização com sensação antes temidas e/ou desconhecidas.

Outra técnica utilizada e bastante útil nesse processo, diz respeito à Cadeira Vazia. Nessa, a pessoa fica disposta à frente de uma cadeira vazia, e é convidada pelo terapeuta a dialogar com seus medos, estes “ocupando” seu lugar na cadeira vazia e ganhando “voz” pela própria pessoa. O terapeuta é peça fundamental nesse manejo, na medida em que atua como facilitador e condutor desse processo dialógico. Essa técnica permite que a própria pessoa ocupe o papel do medo e responde para ela mesma a partir de outro lugar, fazendo com que experimente novas sensações que lhe possibilitarão pensar sob um novo contexto, auxiliando na resignificação de sensações, sentimentos e percepções. A técnica da Cadeira Vazia foi amplamente utilizada por Perls em sua jornada. No livro Gestaltês (2007), podemos encontrar a seguinte definição:

“A cadeira vazia é uma estratégia técnica totalmente embasada na filosofia, nas concepções teóricas e metodológicas da abordagem. Mal compreendida e aplicada é apenas uma técnica. Com adequado manejo, é um potente instrumento terapêutico experiencial e pode se transformar num experimento que ajude o cliente a finalizar situações inacabadas antigas ou atuais, acabar com evitações, fazer contato com partes de si mesmo destorcidas , conflitos, discrepâncias corporais e verbais , acesso a pessoas inacessíveis, encontro com uma parte não desenvolvida e assim por diante” ( p.35).

Desse modo a Cadeira Vazia atua permite esse diálogo entre a pessoa e um outro, seja outra pessoa, parte dela mesma ou uma situação. Daí a importância do seu manejo em pacientes com pânico, visto poderem dispor seus medos e conflitos e entrando em com contato com sentimentos e emoções gerados a partir disso. Tudo acompanhado por intermédio do terapeuta que, fenomenologicamente propicia a awareness desse paciente. 

O gestal-terapeuta estimula essa pessoa para que, ao invés de fugir do seu medo, possa acolhê-lo, dando-se conta do seu conteúdo e das sensações e sentimentos despertados, através do processo de presentificação e conscientização. Ou seja, trazendo esse medo para onde a pessoa está, e através da terapia, é que se podem propiciar meios para que possa resignificá-lo. Podemos claramente relacionar essa ideia com a Teoria Paradoxal da Mudança encontrada na literatura da Gestalt-terapia. Beisser (in Fagan & Shepherd) (1980) trás a seguinte definição: “Eu chamo-lhe teoria paradoxal da mudança por motivos que se tornarão óbvios. Em poucas palavras, consiste nisso: a mudança ocorre quando uma pessoa se torna o que é, não quando tenta converter-se no que não é” (p.110).

A Gestalt-terapia acredita que o crescimento e a mudança ocorrem a partir do momento em que se torna cada vez mais o que é e não quando tenta ser o que não é. Para isso é necessário que sejam aceitos todos os pensamento, desejos, mesmos os mais desagradáveis e dolorosos, pois só assim se é capaz de conhecer, experienciar e a mudança ocorrer. Nesse sentido, faz parte do papel do gestalt-terapeuta possibilitar subsídios para que o cliente possa ser o que é, e a partir daí construir uma base sólida para caminhar sozinho. No entanto, para que isso aconteça é preciso que a mudança seja vista como ligada ao risco, ou seja, o risco de experimentar novas situações e papéis, para que possa chegar ao que é. A respeito disso Ribeiro (2006) nos fala que: Trabalhar paradoxalmente é colocar o cliente diante de suas possibilidades reais para, ao vivenciar suas contradições internas, descobrir que o risco é o cotidiano de sua existência e que a palavra ‘fácil’ não pertence ao vocabulário dos adultos, e sim ao das crianças. (p.149).

É com essa visão que podemos relacionar com a prática clínica da Gestalt-terapia, pois como já dito anteriormente, essa teoria preconiza a presentificação do vivido, oferecendo suporte e encorajando o cliente a entrar em contato com aquilo que o aterroriza, ao invés de boicotar ou tentar fugir dos seus sentimentos. Só através desse encontro dialógico, é que o paciente poderá compreender o que acontece no aqui e agora e poderá resignificá-lo.

A Gestalt-terapia nos fornece recursos extremamente úteis para lidar com a Síndrome do Pânico, especialmente quanto aos instrumentos técnicos que estimulam a ampliação do conhecimento e awareness de si e de sua postura diante do mundo. As pessoas que apresentam um quadro como este, normalmente são indivíduos que tendem a passar por cima de seus próprios limites. Costumam voltar-se para fora, para os outros ou para metas, negligenciando suas necessidades individuais, suas vontades, e seus limites, no aqui-e-agora.

 

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto nesse artigo, pude concluir que apesar de ser um estado árduo e de intenso sofrimento psíquico, a Síndrome do Pânico é passível de tratamento e superação. O homem moderno se depara constantemente com situações estressoras e ansiógenas, que podem atuar como fatores desencadeantes de um Transtorno de Ansiedade. Ao longo das leituras e da experiência com pacientes acometidos com esse tipo de doença, percebemos que essas pessoas encontram-se presas a expectativas e a um futuro que ainda estar por vir, em detrimento de seus reais desejos e necessidades presentes.  Tentam a todo custo controlar seus sentimentos e emoções ao invés de focá-los com atenção e experimenta-los de forma funcional, atentando para sua postura diante da vida.

A Gestalt-terapia, com seu aporte teórico e prático, torna-se ferramenta útil e valiosa na compreensão e tratamento dessa síndrome, na medida em que lança novos e importantes olhares acerca da relação homem/mundo e seu processo saúde/doença. Convida o psicoterapeuta a trabalhar sob um viés fenomenológico, no sentido de fornecer suporte na reconstrução da relação saudável do homem com o meio e equilíbrio do sujeito em sofrimento psíquico. Facilita o processo de conscientização e resgate de potencialidades e autonomia da pessoa com Síndrome do Pânico. O gestalt-terapeuta atua no sentido de estimular o enfrentamento dos medos no aqui-e-agora, proporcionando ferramentas técnicas que facilitem o processo de tomada de consciência, presentificação e resignificação, afim de que a pessoa com Sindrome do Pânico possa manejá-los de forma funcional, com vistas a estabelecer uma relação saudável consigo e com o mundo.

 

 

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Endereço para correspondência
Patrícia Bessa Silva

Endereço eletrônico: patybessa@ibest.com.br

 

Recebido em: 01/07/2012

Aprovado em: 08/1