A morte do pai e o declínio da função de professor.
The father's death and the decline of the function of teacher.
Antônio Eustáquio Ferreira
Denise Teles Freire Campos
Resumo
O presente artigo é uma reflexão acerca de alguns aspectos que
contribuíram para a “morte” do pai e o declínio da
função de professor. Analisamos os fatores que influenciaram as
transformações na constituição da noção
de pai em Freud, na construção do conceito de função
paterna em Lacan, e o reflexo disso no lugar ocupado pelo professor enquanto
operador simbólico da Lei. Explicitamos os efeitos produzidos nas relações
entre professores e estudantes nas instituições educacionais.
O trabalho propõe explicitar como o professor, enquanto operador simbólico
da Lei, ocupa o lugar do pai e também perde sua função.
Esta investigação é resultado de estudo bibliográfico
envolvendo a noção de pai, de castração, dos nomes-do-pai
e o conceito de função paterna. Finalizamos explicitando como
os fenômenos acima elencados foram enfraquecendo e confundindo o simbolismo
paterno e refletiram no declínio da função de professor.
Palavras chave: Noção de pai; castração
e função paterna.
ABSTRACT
This article is a reflection on some aspects that contributed to the "death"
of the father and the declining role of teacher. The factors that influenced
the changes in the constitution of the notion of father in Freud, in the construction
of the concept of the paternal function in Lacan, and the reflection of the
place occupied by the teacher as a symbolic operator of the Law It will explain
the effects on relationships between teachers and students in educational institutions.
It is proposed to explain how the teacher, while symbolic operator of the Law
takes the place of the father and also loses its function. This research is
the result of literature research involving the notion of father, castration,
the names of the parent-and the concept of the paternal function. We conclude
by explaining how the phenomena listed above were weakening and confusing the
symbolic father and was reflected in the declining role of teacher.
Key words: Notion of father; castration and the paternal function.
Introdução
Para investigarmos
a morte do pai e o declínio da função de professor percorreremos
parte do caminho pelo qual Freud constituiu a noção de pai. Para
tanto recorreremos a algumas de suas obras tais como: “Édipo”
Freud (1924/1996), “Totem e Tabu” Freud (1912/13/1996) e “Moisés
e Monoteísmo” Freud (1939/1996). Obviamente relacionando-as às
demais, nas quais ele aborda a mesma questão.Ou seja, a noção
de pai. Lacan (1995/2005) também fará parte desse percurso, e
neste caso, com a construção do conceito de função
paterna. As obras de Lacan serão “O Seminário - livro 4,
A relação de objeto” (1995) e “Nomes-do-Pai”
(2005).
A alternativa para analisar as palavras e fórmulas utilizadas por Freud
e Lacan como noção é balizada nas ideias de Dor (1991),
Lacan (1995/2005), Laplanche & Pontalis (2004) e Pereira (2008). De Dor
(1991), porque tratou da noção de pai no campo psicanalítico,
como ela interferiu no espaço conceitual da psicanálise. O referido
autor demonstrou como o pai é uma “entidade simbólica que
ordena uma função” (p. 14). Portanto, o modo preponderante
de existência simbólica dessa entidade o pai, autoriza-o universalmente
à estruturação dos sujeitos que com ele se relaciona independentemente
do sexo. Logo, aos seres de linguagem não resta saída, a não
ser se submeterem ao que lhes é determinado pela função
simbólica paterna que os forçam a uma experiência de sexualidade.
Já Lacan (1995) considerou como noções as palavras de:
fobia, objeto e fetiche, apenas para citar alguns exemplos. Lacan (2005) acreditava
ter sido positiva a questão de levar para seu seminário a noção
do plural dos Nomes-do-Pai, estudar a função dos nomes do pai.
A motivação de Lacan pode ser identificada quanto às questões
de suas reconstruções, de seu retorno a Freud e suas significativas
contribuições para a psicanálise. No caso de Laplanche
& Pontalis (2004), eles explicitaram que as obras de Freud foram se enriquecendo
porque ele se apoiou na psicologia, na psicopatologia e na neurofisiologia de
seu tempo. Porém, foi na língua alemã que ele encontrou
as palavras e fórmulas ideais para seu trabalho. Assim os autores buscaram
analisar os elementos utilizados por Freud identificando as noções,
ou seja, o conjunto de conceitos idealizados por Freud para ilustrar suas investigações.
Por fim, Pereira (2008) revelou que Freud não dedicou uma investigação
exclusiva acerca do tema do desamparo, cuja noção foi objeto de
investigação do primeiro. Portanto, Pereira (2008) também
buscou uma noção da palavra no pensamento freudiano. O autor justificou
sua opção pela alternativa da noção, asseverando
que Freud revisava suas obras e não raro “derrubava de uma só
vez o conjunto de seu sistema teórico anterior, por vezes longamente
elaborado.” (Pereira, 2008, p. 126). O psicanalista assinalou como exemplo,
a obra de Freud “Projeto” de 1895, que traz a ideia de localização
dos processos psíquicos como sendo na célula nervosa. Ao passo
que, quatro anos antes, em outra investigação Freud já
havia criticado essa possibilidade de identificação física
e cerebral desses processos.
A noção de pai na obra em Freud (1923/1996) se inicia pelo mito
de Édipo. Ele a exemplifica ilustrando o caso de uma criança do
sexo masculino que direcionou um investimento objetal pela mãe. A catexia
era em relação ao seio materno. Esse evento durava até
o momento em que os desejos sexuais do menino pela mãe se fortaleciam,
e a criança percebia o pai como obstáculo em relação
a esses desejos. A relação com o pai, que antes era de identificação,
passa agora a ser de ódio. Segundo Freud (1923/1996) seria a gênese
do complexo de Édipo. Seria o momento do surgimento, no menino, do desejo
de eliminar o pai e ocupar o seu lugar ao lado da mãe. Nesse momento
a relação do menino com o pai se transforma. Pois ele amará
e odiará, em um movimento idêntico, a mesma pessoa, ou seja, o
pai. Portanto o conjunto do complexo de Édipo positivo simples, num menino,
passa a conter dois elementos: a atitude ambivalente do menino para com o pai
e a relação objetal afetuosa com a mãe, segundo o pesquisador.
Entretanto, as transformações nas relações familiares
continuam. Com o fim do investimento objetal do menino pela mãe, o vazio
que fica poderá ser ocupado por dois eventos, segundo o autor. No primeiro
evento, o menino poderá se identificar com a mãe, no segundo,
fortalecer sua identificação com o pai. Este último resultado,
considerado pelo autor como o mais comum, possibilitaria a manutenção
da relação afetuosa do menino com a mãe. Esse desfecho
do complexo de Édipo solidificaria a forma como esse menino se situaria
em relação ao seu sexo biológico. Para o caso da menina,
o desfecho promoveria um fortalecimento de sua identificação com
a mãe, evento que consolidaria o modo de ser feminino da criança.
A castração, inserida no interior do complexo de Édipo,
tem a função de ordenar as pulsões. A castração
ocorre num momento em que a criança percebe a dessemelhança entre
os sexos e também a representação psíquica de tal
evento. Freud (1909/1996) exemplifica que o pequeno Hans dizia que em tudo haveria
algo do pênis. Seria a fase em que a criança se interessaria pelos
seus órgãos genitais. O interesse foi demonstrado pelo menino
quando manipulava seus órgãos genitais. Naquele momento ele percebia
que seus cuidadores não o apoiavam. A mensagem negativa vinha das mulheres,
segundo Freud (1923/1996) pois elas o ameaçavam buscando na figura do
pai ou do médico, parceiros que funcionavam como executores da mutilação
do órgão que tanto o menino valorizava. As mulheres também
redirecionavam a ameaça para outro membro, no caso, a mão do menino,
que era para que ele não manipulasse seu órgão genital.
No entanto a ameaça à castração seria maior pelo
fato de a criança urinar na cama e não poder ser higienizada,
pois seus cuidadores desconfiavam que o fato de urinar na cama pudesse ser prova
de que a criança estaria inadequadamente interessada em seu órgão
genital e ainda, que esse fato estaria ligado a uma excitação
física genital identificada à dos adultos, uma espécie
de ejaculação involuntária que ocorre durante o sono. Nesse
sentido, Freud (1923/1996) acreditava ser essa ameaça de castração
a responsável pelo desmantelamento da estrutura fálica da criança.
Com relação à eficácia da ameaça o autor
apontou uma diferença de funcionamento no menino. Ele, o menino, não
aceita terminantemente a ameaça, porque quem o ameaça, a mãe,
não é o modelo e sim seu objeto de desejo. Assim, há necessidade
de a mãe chamar o pai. Dessa forma, ela introduz o pai na relação.
O pai, que já ocupava as posições de rival e modelo, agora
entra na relação como magistrado castigador. Portanto, a mãe
introduz o pai como um “diplomata”, como um “embaixador”,
que entra na relação para a confirmação da autoridade
perante a “comunidade estrangeira mãe-filho”. (Dor, 1991,
p. 14).
Essa organização efetivada pelo complexo de Édipo ocupa
um ambiente simbólico. Trata-se de uma representação simbólica.
Esta representação seria uma porta de acesso à cultura.
Essa porta possibilitaria à criança se identificar com os valores
sociais, assimilar a proibição do incesto e se constituir como
sujeito de desejo.
Em “Totem e Tabu”, Freud (1912/13/1996) analisou os comportamentos
nos relacionamentos das tribos australianas, seus pensamentos e atitudes para
com reis, chefes, inimigos e comparou com as mesmas atitudes em relação
aos pais. O autor percebeu que o poder do pai morto ficou fortalecido. Dessa
forma, não havia necessidade de força para manter a lei, porque
ela já estava internalizada. O pai morto substituiu o líder opressor
e se transformou em um símbolo que teria relação com a
lei. Então, a função do pai seria simbólica. Portanto,
a existência de um pai não era garantia da efetivação
da lei.
Nesse sentido, na obra acima mencionada, o autor aponta a noção
de pai como àquele que introduz a rede simbólica, o que garante
o nome da lei. Nas duas obras de Freud, “Totem e Tabu” e “Édipo”,
o pai que surge fortalecido enquanto lei é o pai morto. Os filhos só
o reconhecem quando morto, ou seja, surge o pai quando ele, o tirano, morre.
Freud (1912/13/1996) revela que havia um pai aterrorizante e que desfrutava
de todas as mulheres. Segundo o autor seria um período da humanidade
quando esta era formada por grupos de mulheres dominadas por homens. Esses machos
líderes afastavam os filhos das mulheres, quando estes chegavam à
maturidade sexual. A penalidade para quem não obedecesse às regras
seria a castração e a morte.
Ainda segundo o autor, houve uma revolta de um grupo de filhos. Eles se uniram,
mataram o pai e fizeram um banquete com o corpo, consumindo suas partes. Assim,
acreditavam que, dessa forma, a força do pai também seria por
eles adquirida. No entanto o conflito persistia pois os filhos, concorrentes
entre si, ainda teriam o desejo de ocupar o lugar do pai. Porém, sozinhos
não poderiam empreender tal ação. Dessa forma, o grupo
se deparou com um limite que não foi imposto arbitrariamente mas que
foi resultado de uma proibição real aos seus desejos incestuosos.
Portanto deveriam desistir do lugar do pai e dos benefícios desse lugar,
principalmente em relação às mulheres, porque não
poderiam possuí-las. Dito de outra maneira, o casamento entre eles mesmos
bem como as relações sexuais da mesma forma estavam proibidos.
O motivo que levou os filhos a desistirem de ocupar o lugar do pai deixa-os
com um sentimento de abandono, com um sentimento de culpa pelo assassinato do
pai. Dessa culpa nascem dois tabus do sistema do totemismo, ou seja, dois desejos
correspondentes aos desejos reprimidos do complexo de Édipo, quais sejam:
o desejo de matar o pai e o desejo de possuir a mãe.
No sistema do totemismo, um animal ocupa o lugar do pai morto. Essa substituição
provoca um sentimento de culpa. Segundo o autor a substituição
seria uma tentativa de acalmar o sentimento de culpa. Assim os filhos passam
a tratar o substituto com respeito. A culpa também traz para a relação
com o substituto uma reconciliação com o pai. Essas características
irão influenciar a natureza da religião.
A religião totêmica surge do sentimento de culpa, mas também
como forma de abrandar esse sentimento e harmonizar a relação
com o pai, o que Freud (1912/13/1996) considerou como um adiamento de obediência.
O autor também revelou que o surgimento das demais religiões foram
experiências para tentar resolver o mesmo problema. Apesar da diversidade
cultural e métodos adotados a finalidade das religiões seria a
mesma.
O sentimento de culpa persiste no meio do clã. Nesse sentido, o novo
substituto do pai é tratado como se fosse membro da comunidade. Há
uma identificação com esse deus, por parte dos componentes do
clã que participam do ritual a ele endereçado. Freud (1912/13/1996)
fez nova comparação enfatizando que, segundo a psicanálise,
surge uma concepção de Deus que se torna o centro das atenções
e que controla a vida religiosa. Esse deus do totemismo, formatado à
semelhança do pai, torna-se o Deus pai glorificado. Ele representa o
sacrifício primitivo: como Deus e como vítima. Vale ressaltar
que antes o Totem era representado por um animal, agora os súditos resgatam
sua forma humana. Portanto, segundo o autor, os filhos restauram a forma humana
do pai e, com isso, podem sentir saudade desse pai. Todavia esse resgate ainda
traria complexidade na relação com a divindade em forma humana.
O lugar de autoridade, antes ocupado por um pai, agora substituído por
um deus, implica em uma organização na sociedade que passa a ser
patriarcal.
Freud (1912/13/1996) finaliza asseverando que, do complexo de Édipo,
surge a base religiosa. Essa ideia estaria de acordo com a descoberta da psicanálise
de que o complexo de Édipo é o centro geral das neuroses.
Na obra “Moisés e o monoteísmo” Freud (1939/1996)
o primeiro relato acerca do pai tem início com a narrativa do excerto
do livro de Otto Rank, publicado em 1909, cuja história foi sobre a glorificação
de heróis dos povos civilizados, um relato de como eles eram transformados
em lendas e em contos fabulosos. O herói, geralmente, era filho de um
rei e o histórico de sua gestação era repleto de complicações,
principalmente oriundas das mensagens dos oráculos acerca do perigo que
o nascimento deles traria para o pai. Assim sendo, deveria ser morto, por ordem
do pai ou de seu representante. Geralmente, esse herói era condenado
às “vontades” das águas, pois era colocado em um cesto
e deixado à deriva. No entanto, ele geralmente era salvo, sobrevivia,
crescia e após um período de aprendizado e descoberta da nobreza
do pai, conseguia se vingar e ainda era reconhecido.
O autor utilizou o mito de Sargão de Agade para ilustrar a trajetória
de um herói. Sargão teria sido abandonado no Eufrates, mas o “tirador
de água” “Akki” o teria encontrado. Fortalecido pelo
modo como foi criado por “Akki” e escolhido pela deusa “Istar”,
Sargão se transformou em um rei. Essa narrativa foi para explicitar que
heróis como Moisés e Édipo fizeram parte das histórias
de Rank. Em todos os casos os heróis foram personagens que enfrentaram
e venceram os pais.
Como nas histórias de Rank, no ambiente do lar ocorre um ‘romance
familiar’ da criança Freud (1939/1996). Para a criança,
existe um mundo povoado de personagens de contos de fadas, ou seja, de reis
e de rainhas. Esses personagens representam os pais. Num período da vida
da criança há uma supervalorização do pai. Em outro,
quando ela descobre que seus heróis são na verdade seus rivais,
a criança se afasta deles e se posiciona contra o pai. Desta forma as
duas famílias – a do conto de fadas e da realidade – serão
resultantes da família que surge nas fases da vida da criança.
Freud (1939/1996) em “Moisés e Monoteísmo” inicia
sua pesquisa sobre a morte de Moisés, investigando a origem de seu nome.
Conforme comentado anteriormente, a origem do nome de Moisés faz parte
da narrativa de Rank. Entretanto, o pesquisador revelou, explorando excerto
da obra de J. H. Breasted (1906), que o nome Moisés era egípcio
e não poderia ter ligação com a expressão: “porque
das águas o tenho tirado”, como foi apresentado. O autor demonstrou
que a palavra “mose” significa “criança” e é
abreviação de ”Amon-mose”. “Amon-mose”
significa “Amon-uma-criança”, ou “Ptah-mose”,
do mesmo modo significando “Ptah-uma-criança”, e estas ainda
seriam abreviações de “Amon-(deu)-uma-criança”,
ou “Ptah-(deu)-uma-criança”. Freud (1939/1996) acreditava
que o pai de Moisés incluiu ao nome do filho elementos dos nomes de deuses,
tais como: Amon ou Ptah. Portanto, a criança foi chamada de “Mose”,
sendo que o ‘s’ final foi acrescentado da “tradução
grega do Antigo Testamento” (Freud, 1936/1996, p. 5).
Na obra “Moisés e o monoteísmo” Freud (1939/1996),
o assassinato do pai é retomado como centro para investigação
da morte de Moisés. Moisés ocupou o lugar do pai e foi assassinado.
Importante ressaltar a questão do nome porque é a isso que o autor
intentava com seu artigo, isto é, a sua aplicação em psicanálise.
Na lenda de Moisés ocorreram alguns fatores diferenciados dos outros
heróis das histórias de Rank. Moisés saiu de uma família
humilde para ser encontrado e criado por uma família real. No entanto,
o autor revelou que a criação da lenda deve ser atribuída
aos judeus, uma vez que os egípcios não tinham motivo para criar
um herói feito Moisés. Nesse sentido, a referida lenda estaria
conectada a uma história de nascimento, à imagem do líder
do povo judeu. Entretanto, ficaria sem sentido criar uma história cujo
herói fosse um estrangeiro para os judeus. Porém, Moisés
foi colocado nas mesmas situações das figuras heroínas
anteriores, ou seja, apesar de ter sido abandonado e ficado à mercê
de perigos externos, foi encontrado e conseguiu sobreviver, transformando-se
em um líder.
O autor trabalhou no sentido de afirmar que Moisés era egípcio
e fazia parte da aristocracia. A lenda foi idealizada de modo invertido para
aproximar Moisés dos judeus. O psicanalista argumentou que haveria motivos
para que a história fosse inventada dessa forma. Talvez atender às
necessidades de um povo judeu por um egípcio, ou anunciar e disseminar
a religião de Akhenaten, mestre de Moisés. Assim sendo, Moisés
foi “apresentado” como egípcio, pois seria o educador e legislador
do povo de Israel, além de encarregado para impor-lhes a nova religião.
Nova religião, rigorosa e de um só Deus. Diferente da religião
do Egito, com várias divindades.
Com o fim do reinado de Akhenaten, Moisés guiou o povo para fora do Egito,
mas foi por ele sacrificado, pois utilizou um método mais rigoroso do
que o de seu mestre para impor-lhes a fé em seu Deus, qual seja, obrigou-os
a acreditar em um novo e único Deus.
O autor relatou que o povo, guiado por Moisés, encontrou-se com um grupo
semita. Da união do deus dos semitas, denominado de YHWH, um deus vulcânico,
e o deus mosaico, nasceu a religião hebraica e o nome de Deus Pai único.
Moisés também institui um ritual para ligação com
seu Deus, a circuncisão que, segundo Freud (1936/1996), seria o substituto
simbólico da castração que teria sido imposta pelo pai
primitivo, como um sinal de aceitação e submissão a esse
pai. Moisés tentou ganhar a simpatia dos judeus, enfatizando que eles
seriam os escolhidos. No entanto, Moisés foi assassinado. O motivo seria
a rejeição à nova religião. Todavia, segundo o autor,
houve um regresso do Deus pai na figura do Cristo. Uma oportunidade de universalização
da nova religião.
A instauração da lei foi valorizada com a morte do pai, pelos
filhos. O Cristianismo surge com a morte do Judaísmo. Nesse caso, a religião
do pai foi substituída pela religião do filho. A religião
do filho foi balizada em um sentimento de culpa desse filho, pelo assassinato
do progenitor. Dessa forma, não haveria mais necessidade do ritual da
circuncisão para manter a nova religião. Freud (1936/1996) assevera
que bastaria a manutenção das experiências do trauma, da
“tradição herdada” (Freud, 1936/1996, p. 63), para
estruturação do sujeito. Moisés fez o povo experimentar
a ideia de um deus único. Logo Moisés ocupou uma posição
de apresentador desse deus ao povo. Nesse sentido, a figura paterna teria a
mesma posição no Édipo, qual seja a de apresentar ao sujeito
outro lugar.
Esse lugar, ocupado pela figura paterna, teria origem na experiência religiosa
mosaica do Deus único. Segundo Freud (1936/1996), no poder real é
que estaria a força do pai primitivo. Já Lacan (1995) explicitou
que, ao contrário, na cultura ocidental a autoridade do pai estaria ligada
à experiência do Deus único, mas que esse Deus não
estaria presente. Portanto, o poder desse pai ausente estaria exatamente em
um vazio.
A noção de função paterna em Lacan
Lacan (1995) quer articular sua fala em torno da angústia do pequeno
Hans. No caso Hans, Freud (1909/1996) manteve o pai como agente de castração
do menino e não seu substituto: o cavalo. No entanto, o pequeno Hans
parece não ter experimentado o vazio para que o poder do pai fosse exercido
sobre a relação de Hans com seu objeto de desejo. Tal fato impossibilitaria
a localização do pai para que Hans o reconhecesse como o portador
da castração.
Lacan (1995) revelou que o combustível para o enfraquecimento da função
do pai real de Hans era o medo que Hans sentia do animal. Somam-se a esse evento
os fatos de seu pai ser um homem bondoso e tolerante e a mãe não
fazer valer a palavra do progenitor de Hans. Esses elementos contribuíam
para deixar Hans refém dos caprichos da mãe, segundo Lacan (1995).
O autor aborda a questão expondo como o sujeito entra no Édipo.
Para tanto, ele deve ser capturado por seu próprio engodo, ou seja, o
menino se insinua para a sua mãe, segundo o autor, mostra-se a ela como
um chamariz. Assim, ele deverá ser capturado por sua atuação
como isca. Dessa forma, ele poderá ser normatizado pelo Édipo.
Entretanto, essa primeira ação não é suficiente
para que a função do Édipo seja concluída. Esse
sujeito deve ser direcionado a uma escolha de objeto. Adiciona-se a esse evento
que a escolha de objeto deve ser heterossexual. Porém, mesmo sendo heterossexual,
ainda há possibilidade de mascaramento dessa forma de escolha, que pode
ocultar um arranjo homossexual. O ideal seria que a menina ou o menino, segundo
Lacan (1995), tenha como referência para a sua escolha objetal, após
passar pelo Édipo, a função do pai.
Seguindo esse raciocínio, Dor (1991) alerta que não há
como pensar o Édipo sem a função do pai. Portanto, a função
do pai seria conduzir o sujeito a uma dimensão significante pelo processo
do complexo de Édipo. Lacan (1995) pergunta: O que é ser um pai?
Ou, o que é um pai? (Lacan, 1995, p. 209). Dor (1991) responde, utilizando
as ideias de Lacan (1995), que o pai é uma metáfora, já
que não é um “objeto real.” E que a metáfora
é um significante “que vem no lugar de um outro significante.”
(Dor, 1991, p. 45). Assim, o sujeito se constitui por sua inscrição
no simbólico. Para tanto, há necessidade de o sujeito ter condições
de acesso ao mundo da linguagem. Lacan (1983) assinala que o sujeito ocupa o
mundo do simbólico, da linguagem e que tal circunstância é
dada pela fala.
Na mesma linha de pensamento, Françóia (2007) demonstrou que Lacan
(1998a) pretendia explicitar, através da produção de sua
obra “Função e Campo da Fala e da Linguagem em Psicanálise”,
os descaminhos que as obras freudianas “experimentavam” pelos seus
seguidores. Para tanto, segundo a autora, o psicanalista deveria se tornar o
Mestre das funções da fala. Logo, conforme assinalado anteriormente,
a fala definiria a situação de sujeito.
A porta de acesso do sujeito à dimensão significante é
o complexo de Édipo. Para que a lei seja internalizada e assim o integrar
à sexualidade ele, o sujeito, deve passar pelo Édipo. Essa lei
organizará a atuação desse sujeito no ambiente simbólico,
isto é, ordenará o exercício de sua sexualidade nesse mesmo
ambiente . Entretanto, para que ele obtenha o registro no ambiente simbólico,
a metáfora paterna será o mecanismo primordial para a autenticação
desse registro.
Lacan (1995) também examina a atuação do complexo de Édipo
na menina. Ao contrário do menino, a menina encontra o pênis real
no pai. Assim, ela não rejeita o objeto de quem tem o dom de realizar
seu desejo. Desta forma, segundo o autor, “pela relação
ao falo” (Lacan, 1995, p. 207), a menina entra no Édipo, mas de
um modo simplificado porque o falo deve ser deslocado do imaginário para
o real, o que o psicanalista denomina como “equivalência”.
O pai é o objeto de amor da menina. Nas palavras do autor é “o
objeto do sentimento que se dirige ao elemento de falta no objeto que é
o pai.” (Lacan, 1995, p. 207). Ele, o pai, transforma-se em dono do objeto
que dará a criança à menina. Mas haverá nova substituição
de objetos, ou seja, surgirá outro que fará o papel do pai e poderá
dar-lhe uma criança.
Voltando ao caso de Hans, Lacan (1995) explicita que Hans se refere aos objetos
que fazem “pipi”, conforme mencionado anteriormente, principalmente
os objetos dos adultos. Hans especula se seus pais têm um “faz pipi”.
Observando a mãe inicialmente, Hans imagina que o “faz pipi”
dela deveria ficar à mostra como o do leão, que ele havia visto.
Mas, segundo o autor, isso se transforma em um jogo imaginário de Hans.
Ele brinca de “fazer de conta” (Lacan, 1995, p. 210). Hans fica
equiparando os objetos e assim fica preso ao “plano imaginário”
(Lacan, 1995, p. 211). Entretanto, o jogo da isca continua, pois Hans não
tem o principal referencial para entrada no Édipo: o seu pai.
Sem o referencial, o personagem da trama fica perdido. Ele quer dar nome ao
objeto e não encontra meios para isso. Assim, o objeto fóbico
de Hans, o cavalo, morde porque substitui o pai. Seria um pedido de socorro
de Hans para que fosse submetido à castração. Hans descobre
a ligação do seu problema com a figura paterna, quando Freud faz
o papel de pai simbólico. Lacan (1995) explicita que o pai simbólico
é impensável. Segundo o autor poderíamos encontrar em “Totem
e Tabu” a resposta sobre a localização do pai. Há
uma necessidade de existência de um “verdadeiro pai, o pai singular,
o pai único”, que “esteja antes do surgimento da história”
(Lacan, 1995, p. 215), para que os pais existam. Ao mesmo tempo, é preciso
que este pai original esteja morto e que tenha sido assassinado pelos filhos.
Assim, esse pai original morto daria subsídios ao pai real para o exercício
da função.
Dor (1991) entra na discussão para assinalar que o investimento, pela
criança, no pai simbólico, transforma o papel do pai real em secundário.
Segundo o autor, se o Nome-do-Pai estiver presente no discurso da mãe,
fazendo com que a criança entenda que o desejo materno está direcionado
ao significante “pai”, ele será “presentificado como
instância mediadora na ausência do Pai real.” (Dor, 1991,
p. 57). No entanto a criança deve perceber, pelo discurso da mãe,
que não satisfaz o desejo materno enquanto objeto fálico. A dúvida
da criança em relação à alçada do pai, enquanto
possuidor do falo e alvo do desejo da mãe, poderá conduzi-la a
uma estrutura perversa, segundo Dor (1991). O psicanalista enfatiza que dessa
forma, a lei do pai não será reconhecida, senão para ser
contrariada, e ainda haverá um momento propício para que o “desafio
e a transgressão” se instalem. (Dor, 1991, p. 62).
Ao percorrer parte do caminho trilhado por Freud e Lacan, para construção
da noção de pai e da função paterna, percebemos
que não houve uma definição dos referidos conceitos. Nas
obras visitadas, verificamos que o pai para Freud em “Totem e Tabu”
é o pai morto que se fortaleceu enquanto lei. Com sua morte, não
houve necessidade de força para fazer valer a lei. O pai foi simbolizado.
Os filhos, ao assassinarem o tirano imaginando destituí-lo de uma posição
de poder, fortaleceram-no e o transformaram em pai. A lei ficaria internalizada
com esse crime. Nesse sentido, a função do pai, segundo Freud
(1913/12/1996), se tornou simbólica. Entretanto, com a morte do pai surgiu
um sentimento de culpa, pela identificação dos filhos a esse pai
morto. Assim, surge a lei.
Em “Moisés e Monoteísmo”, o autor demonstrou que o
pai foi aquele que ocupou o lugar de filho. Moisés foi um filho abandonado
que se transformou em líder e ocupou o lugar do pai. Proveniente de família
humilde que ascendeu a um lugar de líder, Moisés aplicou um regulamento
rígido, em nome de seu Deus pai único, idealizou um ritual –
a circuncisão – para obediência e submissão ao Pai
e sofreu as conseqüências, foi assassinado pelos “filhos”
seguidores.
Para o autor do “Édipo”, o pai é o obstáculo
à realização do desejo sexual na relação
entre mãe e filho. O pai para Freud (1924/1996) é aquele que deve
estar no discurso da mãe. É aquele que transmite a cultura. É
o sujeito que faz com que a criança renuncie a gozar-se através
da mãe.
Com Lacan (1995) o pai adquire uma série de funções articuladas.
Uma delas seria a de conduzir o sujeito a uma dimensão significante,
pelo complexo de Édipo. O complexo de Édipo só seria superado
pelo exercício da função paterna. Para o psicanalista francês,
a função paterna também introduziria a proibição
do incesto e daria acesso para o sujeito, ao mundo da cultura. Ela, a função
paterna, também permitiria no sujeito em constituição o
surgimento do desejo. A função paterna seria a que daria autenticidade
à inscrição do sujeito no ambiente simbólico, ou
seja, na presença do real, ela unificaria o imaginário e o simbólico.
Atualmente, as instituições educacionais mantêm uma relação
com seus estudantes, considerando-os clientes que pagam por serviços
educacionais. Destarte, o conhecimento é construído como um produto
para venda, para ser consumido. Nesse sentido, o produto comercializado é
valorizado em detrimento do conjunto de estratégias pedagógicas.
Portanto, as instituições funcionam como vitrines ilustradas e
bem “iluminadas”, com belas imagens de equipamentos tecnológicos
e de encontros virtuais, nos quais as relações são marcadamente
mais superficiais do que no ambiente físico. O lugar ocupado pelo professor
nesse ambiente é o de um substituto do pai, mais um dos nomes-do-pai
no sentido lacaniano, ele é, portanto, o operador simbólico da
Lei e, em alguns momentos, um “sujeito” virtual.
Vale ressaltar que não estamos procurando responsáveis pelos fenômenos
que ocorrem nos ambientes escolares, tais como, fracasso escolar, evasão,
violência etc. O que se percebe é o declínio da função
do professor. Esse declínio da função docente é
resultado do que ela representa para o estudante. É reflexo da falha
da função paterna. O sujeito não foi, digamos, “violentado”
pela castração. A falta dessa “violência” da
castração faz com que haja outra violência na relação
entre o aluno e o representante simbólico da lei: o professor.
O professor deveria funcionar como o embaixador da lei, funcionar como um diplomata
que tem como missão redirecionar as energias do aprendiz para a busca
do conhecimento. Mas ele, o aprendiz, dá indícios de que não
foi apresentado a esse “diplomata” na família. O pai, enquanto
operador simbólico da lei, não foi anunciado no discurso da mãe.
O estudante não experimentou o fenômeno de passar pela porta da
castração. Essa porta possibilitaria a esse sujeito se identificar
com os valores sociais, a assimilar a proibição do incesto e se
constituir como sujeito de desejo.
Nesse sentido, para mediar a busca do conhecimento, o professor teria, talvez,
um aproveitamento positivo de seu trabalho, além de um relacionamento
salutar com o estudante, caso esse estudante tivesse passado por essa porta.
Agora ele, o professor, o apresentaria ao mundo do conhecimento para uma troca
de experiências, mas, digamos, antes, o estudante deveria ter concluído,
com êxito, essa disciplina obrigatória: a da castração.
A falta do pai castrador vem mostrar que, se o pai é o obstáculo,
como Freud tencionava, não é somente porque ele impede que o investimento
amoroso, ou relativo ao prazer sexual da criança em relação
à mãe se realize, o que significaria uma união sexual ilícita,
mas antes – e fundamentalmente – porque o pai – enquanto terceiro
da relação – vem, por assim dizer, salvar a criança
do risco de tornar-se o objeto do capricho materno, numa confusão dual
e sem saída. Finalmente, a metáfora paterna é o que faz
com que, aí onde havia apenas o objeto, advenha o sujeito desejante.
Nessa medida, como interpretação da composição do
Édipo freudiano, ela tem uma função, de algum modo, normatizante
ou apaziguadora.
Porém, e em segundo lugar, parece restar aqui algo de impossível
de apreender nesta questão do pai como que a fazer eco ao dito popular
que sublinha que ele é incerto. É Lacan o primeiro a relembrá-lo
numa passagem do Mito Individual do Neurótico. Diz ele: “a assunção
da função do pai supõe uma relação simbólica
simples, onde o simbólico recobriria plenamente o real” (Lacan,
1978, p. 195).
A não coincidência fundamental entre o real e o simbólico
traduz um intervalo ou uma inadequação irredutível entre
esses dois registros. No fundo, o que está em causa é isto: as
palavras, ou a linguagem, ao substituírem-se à coisa, hipoteticamente
real primitivo e sem lei, deixam um rastro, na medida em que não há
um velamento completo entre os dois registros. Seria possível dizer que
esta primeira substituição não é mais do que a própria
metáfora primordial da condição humana.
Relativamente a ela, a metáfora paterna constitui uma espécie
de metonímia que em vez de suprimir o encontro fundamental entre o real
da coisa e o simbólico, da fala e da linguagem, o desloca e, de alguma
forma, o re-nomeia nesse espaço e nessa realidade particular onde o drama
subjetivo se desenrola: a família. É daí que o Nome-do-Pai,
que contém uma revelação interessante, retira a sua importância.
Pelo contrário, todo o pai (real) apresenta-se sempre, ou a maior parte
das vezes, como um pai de algum modo carente, humilhado, discordante relativamente
à sua função que seria simbólica.
É por isso que a questão do declínio da função
paterna acaba por desembocar quase inevitavelmente nos sintomas presentes na
adolescência. E esse é o sujeito “cliente” principal
das instituições educacionais. Lacan (1985) dirá mais tarde,
já na última fase do seu ensino que o pai é um sintoma.
Mas já na passagem extraída do Mito Individual do Neurótico,
Lacan falava do valor gerador de moléstia do Édipo. É como
se houvesse na questão paterna uma espécie de encruzilhada ou
de paradoxo fundamental: ao mesmo tempo em que nomeia e dá idéia,
o que permanecia sem nome no sujeito, ele mesmo, enquanto tal mantém-se
inominável; quer dizer: há algo impossível de nomear e,
portanto, real, na avaliação de Lacan (1987), a qual o real apresenta
dificuldade, na função paterna ela mesma.
Para dar conta do que permanece aí de inapreensível, de real,
Freud foi obrigado a inventar, para além do Édipo, um novo mito:
o Totem e Tabu. Tal invenção demonstra e Lacan (1985) não
deixa de sublinhar o fato, que o real pode ser mítico e mais forte que
o verdadeiro. O real da realidade ordinária, realidade em que o real
e o imaginário andam geralmente desordenados, é antes o que há
de impossível de apreender ao nível da própria função
paterna, na medida em que esta se refere ao real e não é forçosamente
o verdadeiro do real. Daí o desejo de o estudante querer manter sua situação,
ou seja, o prazer de fugir da realidade “dada” pela sala de aula
e a de quem nela ocupa lugar de autoridade: o professor.
Não ser o verdadeiro do real significa, pelo menos, duas coisas: em primeiro
lugar, que ele pode ser mítico, como vimos anteriormente, sem que, apesar
disso, para a estrutura seja menos importante que o dizer verdadeiro, mas também
que o próprio verdadeiro, em última análise, acaba por
revelar-se como um buraco, uma impressão vaga, impossível de tapar.
Quando buscamos o verdadeiro do pai, acabamos, inevitavelmente, por embrulhar-nos
e escorregar nesse buraco. É neste sentido que Lacan (1985) falava da
embrulhada do verdadeiro. O Real, dizia ele, encontra-se nas embrulhadas do
verdadeiro.
Impossível de apreender inteiramente, ele está condenado a multiplicar-se:
todos os nomes-do-pai (Édipo, Totem, Moisés... em Freud, Real,
Imaginário, Simbólico...) procuram dar conta desse resto por nomear,
mas nenhum deles é inteiramente capaz de fazê-lo. O real do pai
permanece irredutível. E é nessa medida, também, que o
real é mais forte, mais resolutivo que o verdadeiro, e que o sintoma
é, finalmente, um dos seus nomes.
Lacan (1987) propõe que a metáfora paterna é a responsável
pelo surgimento do sujeito desejante, onde havia apenas o objeto, tendo assim,
função tanto normatizante quanto apaziguadora. O autor alerta
também que o pai deve representar um valor simbólico pleno ao
exercer sua função. Conclui que o complexo de Édipo é
positivo, pois denuncia o mal-estar, e ainda, que a metáfora paterna
contribui para o deslocamento e renomeação do encontro entre o
real da coisa e o simbólico, da fala e da linguagem, e que ocorre num
espaço particular, ou seja, a família. Daí, talvez, um
motivo pelo qual os professores apontam a família como origem do fracasso
dos estudantes na escola.
A experiência que obtive com esta pesquisa proporcionou-me apresentar
as seguintes contribuições: a primeira seriam as conclusões
a que todo o estudo e a pesquisa me levaram, e a segunda, as recomendações.
A guisa de conclusão, após apresentar as razões de peso, possibilitadas pela pesquisa e pelos autores trabalhados, com relação à noção de pai em Freud e Lacan, relacionando-a ao declínio da função do professor, percebi que, hoje, na sociedade globalizada, o ideal paterno não opera do mesmo modo, é mais fraco.
Na convivência moderna temos o médico, o professor, o pediatra etc que, em suas funções, representam autoridades na vida de uma criança e de um jovem. Quando uma autoridade se multiplica, ela enfraquece. Então, qual é a função do pai? Quando a criança continua a perguntar – por quê? Por quê? – de certo modo, somente o pai pode dizer é assim, porque é assim. E, portanto, com a multiplicação dessas autoridades na vida dos sujeitos, a função paterna se enfraquece e declina.
Desta forma, define-se a função do pai no ser falante. O pai está na linguagem, é um significante, ilustra uma função lógica. É por estar morto como apego ao real, à etimologia do termo, que a ideia do patriarca, que se faz equivalente a um puro significante, está cada vez mais relegada a uma posição menos expressiva, passando a ênfase maior a recair sobre o pai simbólico. O pai é aquele que articula a lei. Ou ele falta como presença ou como presença está presente demais ou ainda, mesmo presente ele falha.
É preciso reconhecer no pai a castração; para isso, é preciso que ele reconheça a sua própria castração. Porém, o que é isso? É uma posição diante da falta do Outro. É de pai para filho que se transmite a castração, quando ele escolhe uma mulher, como objeto causa de desejo, e a transforma em mãe. “Um pai só tem direito ao respeito e ao amor, se o dito amor e o dito respeito estiver verticalmente orientado, isto é, feito de uma mulher, objeto pequeno ‘a’, que causa seu desejo” (Lacan, 1987). É enquanto esta mulher se torna mãe de seus filhos, que este pai é nomeado como função. Por conseqüência, essa mulher se ocupa de outros objetos pequenos e que são as crianças, junto a quem o pai, então, tem a função de intervir. É dessa forma, então, que se reconhece nesse pai a função da castração. Só dessa forma é que pode ocorrer a transmissão do desejo do pai para filho.
Neste início de século, constata-se uma crise do lugar do pai
e de sua função de nomeação. Neste declínio
da função paterna, estranhamente o social vem fazer suplência
a essa falha da nomeação paterna. Ser nomeado de alguma coisa,
eis o que coloca uma ordem que se encontra efetivamente em se substituir ao
nome do pai (Lacan, 1985).
Por outro lado, o pai talvez já combalido no tempo de Freud, agora não
dispõe de nenhum trono, mas está, pelo contrário, também
perdido no grande redemoinho do consumo, humilhado pela perda das prerrogativas
com as quais, de qualquer forma, sequer poderia arcar sufocado pelo imperativo
da igualdade e do diálogo compulsório entre ele e os filhos; e
é bem possível que, de vez em quando, ele se encontre com um dos
seus filhos deprimidos.
Nas instituições educacionais, as dificuldades de relacionamento se manifestam com os outros aprendizes, com os professores e diretores, e isso se configurou pela investigação realizada como efeito do declínio da função paterna. Atualmente, mesmo que o professor tenha bom domínio do conteúdo, consciência profissional, desejo real de levar os alunos à aprendizagem e formação didática, os resultados não são sempre positivos. É preciso remarcar que a relação professor e aluno é componente importante no aprendizado efetivo e, portanto, precisa ser compreendida na sua integridade.
Chego ao final desta pesquisa acreditando ter alcançado um nível de análise com resultados o mais completos possível. Entretanto, entendo também que o sentido de esgotar todas as possibilidades das análises das obras é, por mim, limitado.
A presente pesquisa e todos os autores estudados, em relação ao objeto a que me propus investigar, foram-me de grande valia, pois me levaram a perceber que o declínio da função paterna, pode ser citado, com segurança, como um dos responsáveis pelas dificuldades de relacionamento entre os jovens, na dita adolescência, e entre estes e seus professores, e que ainda podemos relacioná-lo ao declínio do professor.
Formulado esse entendimento, apresento como recomendações necessárias aos que lidam com a gestão do sistema nas instituições educacionais, aos professores e aos aprendizes, que fiquem sempre atentos para a ocorrência dos fatores citados e, ao sinal de que estão acontecendo, reforcem o diálogo, exercitem a paciência, se empenhem em estabelecer uma relação capaz de favorecer o crescimento conjunto, procurando por conhecer, suprir o crucial declínio do pai-limite, tornando mais significativas as cobranças por desempenho adequado de papéis e menor o peso das pressões sociais sobre todos.
Em seguida, aprendi, com a pesquisa, que a qualidade de uma instituição escolar depende do modo pelo qual ela enfoca o processo de condução das atividades que se desenvolvem nas salas de aula. É o lugar no qual se realiza o processo de ensino-aprendizagem, mas também é a oportunidade que temos para desenvolver e promover os valores humanos nos aprendizes. Tal qualidade depende, a meu ver, também da capacidade dos professores de estimular o esforço dos aprendizes. Poderíamos iniciar um projeto tentando responder a questões, tais como: Como proporcionar um equilíbrio no ambiente da instituição? Como conseguir a integração dos aprendizes na instituição? Como fomentar a disciplina? Como agir diante das atitudes dos aprendizes consideradas irregulares e que perturbam o direito dos outros? Reforço que, antes de responder tais questões, é preciso ter claro o que seria a missão da instituição.
Outra questão de grande monta é a visão de mundo que professor passa aos aprendizes. Percebi que esta fica enraizada nos estudantes mais que os conteúdos. A sala de aula é onde o facilitador tem oportunidade de propor discussões, despertar inquietações com relação à vida e formar opiniões. Aquilo que o professor demonstra ser, influenciará o estudante, mais que ensina. O facilitador, representante da lei, contribui para formar indivíduos que tenham condições de desenvolver habilidades intelectuais, morais, físicas e sociais, portanto, deve ser cauteloso quanto à sua postura em seu trabalho.
Esta pesquisa também me possibilitou a compreensão de que há um equívoco em acreditar que a solução dos problemas da educação estaria numa geração de supercomputadores, que com apenas um clique colocaria o estudante em contato com tudo que necessita saber, resolvendo assim as mazelas da educação global. O contato humano, a meu ver, é insubstituível.
Entendo que alunos e professores serão eternos aprendizes. O que é urgente é fazer com que o aluno perceba que a cada dia que passa sua educação dependerá de seu próprio interesse e de sua disposição para o aprendizado e constante atualização. O conhecimento teórico é importante para o ensino, mas a habilidade, o saber fazer é fundamental para que o aprendiz tenha competência para a resolução das situações-problema com as quais se deparará. Neste momento, o aprendiz demonstrará se houve ou não o aprendizado.
Não podemos prever o futuro de uma instituição educacional, nem tampouco a escola do futuro, mas poderemos problematizá-lo. Porventura a instituição educacional poderia ser um lugar onde se aprenderia pelo trabalho e não para o trabalho? Onde se estimularia o gosto pelo aprendizado? Onde a determinação perpassasse as competências e habilidades dos alunos? Essas transformações contribuiriam para se repensar a construção de uma instituição educacional futura ou um futuro da instituição. Talvez assim, o avanço tecnológico seria um aliado da educação e não um entrave nas relações humanas.
Aproveito ainda para alertar sobre mais um fator primordial, ou seja, mostrar para os estudantes que o papel do educador não é ser investigador dos atos condenáveis escolares, e sim, fazê-los compreender que seus relacionamentos serão mais harmoniosos quando melhor se conhecerem. Para isto, há que se desenvolver o autodidatismo, o autoconhecimento, o desejo de aprender mais, aprender sobre tudo. Este conhecimento, buscado e apreendido, será importante para que o aprendiz se reconheça como pessoa modificada.
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Antônio Eustáquio Ferreira
E - mail: bethcostaribeiro@yahoo.com.br
Recebido em:16/02/2012
Aprovado em:01/07/2012