ARTIGO

Awareness.

Décio Casarin



Comecemos por considerar o corpo como ocorrência biológica pura, antes de vir a formar-se ego e transformar-se em corpo egóico.

É evidente que o corpo biológico é um conteúdo mais que sua matéria: há inteligência que opera no corpo.

Vamos admitir duas instâncias de ação e funcionamento corporal:
1. Homeostase – reunindo as reações do tipo estímulo- resposta do padrão homeostático.
2. Inteligência – ação de criar novas capacidades corporais, tipo ação de natureza simbólica ou ação de informação.

Como unificar essa dualidade de fenômenos? Antes, vamos resumir que o corpo é:
1. Vida material – massa, peso e volume.
2. Vida simbólica – sem massa, peso ou volume – de natureza simbólica.

O corpo traz informação oriunda do código genético das células gametas, cuja fecundação lhe deu origem. Essa informação é o substrato da ordem natural que determinará o crescimento simbólico desse corpo, através da inteligência. Essa ordem, em cada corpo individual, é o “organismo”, e cada corpo é um corpo- organismo.

Simplificadamente, o corpo tem uma função reativa, que se relaciona às sensações de dor, prazer, medo, raiva – servindo às respostas imediatas da homeostase. E tem uma função mediata de criar recurso original que acrescenta capacidade nova, de relação com o meio ambiente. Essa criação só pode realizar-se com informação do “organismo”.

Mas, visto que o “organismo” só se atualiza a partir da informação “adormecida” no código genético – de que modo é esse potencial desperto ou ativado?

Será diretamente pelas respostas imediatas? Ou essas respostas são função do corpo e não do “organismo”?

Não terá de haver – além delas – uma atividade intermediária entre corpo e “organismo”? Algo que se origine de todas as variações internas no corpo, a cada momento atual? Algo capaz de detectar as diferenças de variações e conjugá-las numa tonalidade de informação para o “organismo”? Algo tipo uma qualidade cuja substância incite o “organismo” a fazer o corpo agir na inteligência e criar informação corporal?

A evidência fenomenológica revela que essa é a qualidade da awareness – um sentido do “organismo” no corpo.

Há, assim, duas categorias de sentidos no corpo:
1. Os sentidos do corpo _ imediaticidade
2. O sentido do “organismo” – mediação entre “organismo”e corpo: awareness.

Dando mais um passo, admitamos que no corpo-organismo foi surgindo a linguagem, o signo, e assim o ego: organismo acrescentou a si e ao corpo uma complexa edificação simbólica, que impregnou o corpo e passou a fazer a relação dele com o meio externo. Esse corpo, definitivamente, tomado pelo signo em toda sua estrutura e funções, deixou de ser biológico e tornou-se corpo egóico. Até as últimas células do corpo passaram a ser afetadas por implicações egóicas.

E o meio – ambiente, também invadido pelo signo, deixou praticamente de ser natural e tornou-se mídia: corpo-organismo-egóico, imerso na mídia, faz nosso ego atual. Ego que assumiu vida própria, sustentada no pensamento: na representação que nos dá a existência de pessoas. Pessoas assim, nesta existência, agora, por via da “internet” no pensamento, que desfia esta frase encaminhada ao leitor dela ...

Por hábito ou por excesso dessa profícua dissociação egóica, awareness, outro veículo, que é só de comunicação interna, tende a ser suprimido da experiência. Awareness é privada, não pode ser remetida ao exterior, como pode esta idéia; mas sua natureza é tal que pode ser “escutada” pelo “organismo” ou ego, no interior do mesmo leitor que não está nesta frase...

Awareness e pensamento são funções da mesma natureza, que veiculam informação à inteligência no corpo-organismo-ego da pessoa.

Esta inteligência trabalha com awareness no nível corpo e “organismo”; e trabalha com awareness e pensamento no nível ego. Vê-se que awareness permeia todos os níveis. Isso porque é através dela que toda atividade do corpo e ego é ultra-regulada pelo “organismo”. Esse é o permanente fator superior de ordem que sustenta a existência da pessoa: na falta dessa sustentação, desintegra-se a pessoa, e psicotiza ou morre.

O componente de homeostase e afetos, pensamentos pode ser acionado e até provocar uma crise, movido por awareness do “organismo” impondo reação corretiva ao corpo-ego.

Por outro lado, ego tem uma ampla autonomia relativa ao “organismo”; tal que pode bloquear o acesso da experiência à awareness, dissociando-se do “organismo” por tempo indeterminado. É o que fazemos através dos chamados “mecanismos de resistência” e tantos outros, em nossa vida diária comum. A questão é que o “organismo” não cede, e isso acarreta desordem interna no ego, levando ao sofrimento, à tensão e doenças corporais.

Seguem variações da definição de awareness, para mover seu significado em torno de facetas diferentes do fenômeno:

1. Awareness é função do organismo no corpo e ego. Revela-se como um sentimento inteligente.
2. Awareness é qualidade sentida no interior da pessoa, quando esta a sentir, o pensamento estando em silêncio.
3. Awareness é sentimento que provoca reação de sensações no corpo; e também provoca pensamento no ego.
4. Awareness é atividade do corpo, cujo conteúdo é da natureza do silêncio e também da natureza do pensamento.
5. Awareness é fator de orientação do corpo, cujo interior necessita de regulagem permanente, sem o que as reações se desorganizam.
6. Awareness é sentimento inteligente da presença ou de perturbação, ou bem estar, ou alegria interior, ou afeto, afeição – que provoca reação de pensamento curioso ou indagador.
7. Awareness é pensamento organísmico: celular, sanguíneo, ósseo, visceral, cutâneo, corporal, que permeia toda a interioridade do corpo-organismo.
8. Awareness – na experiência – é algo que se revela como uma qualidade sentida pela pessoa, sem forma recordável, e num movimento que dá sentido e permite compreensão inteligente da experiência em trânsito; e que ensina a pessoa a apreender em silêncio, e desenvolver sua sensibilidade.

Para finalizar, awareness é o fundamento essencial que dá legitimidade à gestalt- terapia. Porque qualquer experimento, ato ou jogo de gestalt- terapia sem substancialidade de awareness passa a ser tautologia ou bricolagem com aparência de gestalt- terapia.