ARTIGO
Escuta psicológica em Gestalt-Terapia: uma proposta de atuação clínica com um grupo de mulheres
Listening in psychology gestalt therapy: a proposal for
clinical practice with a group of women
Pedro Leite Machado
Elaine Martins Lima
Andréia da Silva Ferreira
Não
tomo consciência de mim mesmo senão por meio dos outros.
Deles recebo as palavras, as formas, a tonalidade que formam a primeira
imagem de mim mesmo. Só me torno consciente de mim mesmo,
revelando-me para o outro, por meio do outro e com a ajuda do outro.
(Bakhtin)
RESUMO
A Gestalt-terapia é uma modalidade terapêutica, que, dentre outros
objetivos, busca devolver ao homem a capacidade de se autogerir e buscar novas
diretrizes para sua vida. Assim, este artigo consiste em um relato da experiência
realizada com um grupo de nove mulheres, com idades variando entre 20 e 56 anos,
em sua maioria, com queixa de depressão e ansiedade. Os encontros foram
semanais, com duração de aproximadamente noventa minutos, e aconteceram
do período de agosto a novembro de 2009, em uma sala cedida por uma instituição
religiosa, no município de Cariacica/ES. Por meio de encontros vivenciais,
o grupo caracterizou-se pela reflexão sobre conceitos fundamentais da
Gestalt-terapia, tais como Existencialismo, Fenomenologia, Contato e Autorregulação
organísmica, como instrumentos mobilizadores de mudanças e para
a melhoria da qualidade de vida das integrantes. Neste relato de experiência,
pretende-se destacar a contribuição do trabalho em grupo na perspectiva
gestáltica, como alternativa psicoterapêutica. Por intermédio
do grupo, houve abertura de canais de escuta e acolhimento das necessidades
das pessoas, suas vontades e desejos, buscando a superação dos
modelos em vigor e a invenção de novas formas de ser, agir e estar
no mundo.
Palavras-chave: Gestalt-Terapia; Psicoterapia de grupo; Mulheres.
ABSTRACT
Gestalt therapy is a therapeutic modality, which, among other objectives, seeks
to return to man's ability to self-manage and seek new directions for your life.
Thus, this Article is an account of an experience with a group of nine women,
aged between 20 and 56 years, mostly with complaints of depression and anxiety.
The meetings were weekly, lasting approximately ninety minutes, and occurred
in the period from August to November 2009 in a room courtesy of a religious
institution in Cariacica / ES. Through experiential meetings, the group was
characterized by reflection on the fundamental concepts of Gestalt therapy,
such as Existentialism, Phenomenology, Contact and organismic self-regulation
as instruments of change and mobilizing to improve the quality of life of members.
In this experience report is intended to highlight the contribution of group
work in the Gestalt perspective, as an alternative to psychotherapy. Through
the group, was opening channels for listening and acceptance of people's needs,
their wants and desires, trying to overcome the existing formats and invention
of new ways of being, acting and being in the world.
Keywords: Gestalt Therapy; Group psychotherapy; Women.
Introdução
O viver em grupo tem se configurado para o ser humano como um espaço
produtor de vida, pois é no grupo que ele nasce, cresce e constitui sua
rede de relações sociais e afetivas. É a partir das relações
em grupo que o homem se desenvolve num constante aprendizado, desempenhando
papéis em sua rede social, tornando-se capaz de lidar com variadas situações
que vivenciará ao longo de sua vida. É nesta rede de relações
que o indivíduo vai convivendo e aprendendo, sendo afetado e afetando
outros ao seu redor, formando seus conceitos e seus valores, elaborando, assim,
diferentes formas de colocar-se no mundo e estabelecendo padrões de contato
com outras pessoas e com ele mesmo.
Sobre o desenvolvimento
humano, sabemos que também é nas relações com outras
pessoas que esse desenvolvimento pode acontecer de forma saudável ou
adoecida. Se a pessoa encontra-se num estado “adoecido”, resultante
das relações com outras pessoas, ela pode fazer o caminho rumo
ao restabelecimento da sua saúde, desenvolver novas maneiras saudáveis
de fazer contato, consigo mesma e com o mundo. E nisso a psicoterapia pode ajudar,
especialmente na modalidade de grupo.
Neste estudo,
visamos refletir sobre o atendimento psicológico em grupo, focando principalmente
algumas das propriedades desenvolvidas pelas relações estabelecidas
entre os seus membros, as quais conferem o caráter terapêutico
a esse tipo de atendimento.
O interesse
pelo tema surgiu durante a realização da especialização
em Gestalt-terapia clínica, constituindo uma oportunidade de desenvolver
novas habilidades no trabalho com grupos, além da possibilidade de podermos
contribuir para o bem-estar humano. O que se explora neste trabalho é
como se processa a melhoria emocional em pessoas atendidas em grupo, orientado
pela abordagem da Gestalt-terapia.
Psicoterapia de Grupos na Abordagem Gestáltica
A proposta da psicoterapia de grupo configurado a partir dos conceitos da Gestalt-terapia
é facilitar o contato dos participantes com as suas demandas, promover
o aprofundamento nas relações sociais e levá-los a experienciar
de forma mais autêntica o aqui-e-agora . A partir dessas premissas, o
que se busca nos encontros de grupo é que cada participante amplie sua
awareness e desenvolva suas potencialidades na troca de experiências,
permitindo à pessoa se ver como ser-no-mundo, o que resultará
numa vida mais autônoma e saudável.
Conforme relata
Ribeiro (1994), “O grupo terapêutico é como o rio procurando
o mar, como a flor procurando se transformar em fruto, como a criança
crescendo à procura de sua maturidade” (p. 10), ou seja, é
no exercício da relação de grupo que a pessoa redescobre
sua capacidade de movimentar-se na busca de novas reconfigurações
para sua vida, partindo de um encontro consigo mesmo para alcançar autonomia
para fazer novas escolhas. De acordo com o autor, “O grupo é um
treinamento constante de como estar junto, sem perder a própria identidade,
e como se separar, sem perder a coesão” (RIBEIRO,1994, p. 121),
pois possibilita exercitar a integração das partes no todo e vice-versa,
na busca da totalidade a partir da consciência e do contato.
O grupo é uma realidade maior e diferente da soma dos indivíduos que o compõem. Tem tudo o que eles têm e transforma esse conteúdo em um continente de imensas e vastas possibilidades. O grupo é um fenômeno cuja essência reside no seu poder de transformação, no seu poder de escutar, de sentir, de se posicionar, de se arriscar a compreender o processo de significação do viver e do responsabilizar-se (RIBEIRO, 1994, p. 10).
Nessa perspectiva,
entendemos que o processo grupal é um momento de encontro e se constitui
num forte aliado para favorecer o processo de mudanças, de apropriação
do si mesmo e da tomada de decisões que favoreçam a promoção
da saúde e qualidade de vida.
No grupo, cada um de seus membros tem a oportunidade rara de ver o mundo e a si mesmo com os olhos dos outros, de se ouvir com os ouvidos do outro, de se tocar com as mãos do outro, de se descobrir imensamente limitado e potencialmente divino, sagrado, mulher e homem, de carne e osso (RIBEIRO, 1994, p. 11).
Os princípios
teóricos da Gestalt-terapia adotados na concepção e realização
deste trabalho foram o existencialismo, a fenomenologia, a teoria do contato,
a teoria organísmica, as quais possibilitaram trabalhar no sentido de
favorecer as pessoas a capacidade de entrar em contato consigo mesmas e adotar
novas posturas no mundo do qual fazem parte.
O Grupo na Perspectiva Existencial
A filosofia de base utilizada pela Gestalt-terapia é o existencialismo,
já que coloca sua ênfase no “homem-em-relação,
na sua forma de estar no mundo, na radical escolha da sua existência no
tempo, sem escamotear a dor, o conflito, a contradição, o impasse,
o vazio, a culpa, a angústia, a morte, na incessante busca de se achar
e de se transcender” (TELLEGEN, 1984, p. 41). Dessa forma, a perspectiva
existencial valoriza o homem em sua relação com o mundo, com as
escolhas e as angústias inerentes a esta relação que é
a própria vida.
De acordo com
Burow & Scherpp (1985), o existencialismo centra-se nos problemas do homem,
nas suas angústias e preocupações, emoções
interiores e satisfações. Sendo assim, compreende-se o indivíduo
a partir de sua singularidade, de seu manifestar-se subjetivo, ou seja, compreender
é buscar a existência, a subjetividade. Dessa forma, a compreensão
existencialista é dinâmica, ou seja, as pessoas estão sempre
se refazendo e descobrindo a si mesmas, uma vez que há sempre novas possibilidades
a serem exploradas.
Nesse sentido,
a Gestalt-terapia é influenciada pelo movimento existencialista, vendo
o homem como um ser particularizado no seu modo de ser e de agir, concebendo-o
como único no universo e individualizando-se com o encontro verdadeiro
entre sua subjetividade e sua singularidade. O Existencialismo compreende o
ser humano como ser concreto, individual e relacional, ou seja, sempre ser-no-mundo
e ser-com-os-outros.
Sobre isso,
comenta Ribeiro (1985) que outro pressuposto do existencialismo refere-se à
consideração de que o homem só poderá ser compreendido
por ele mesmo por meio de uma experiência direta do seu ser-no-mundo,
mesmo que ele tenha perdido essa aptidão, ele ainda é o mais fiel
intérprete de si mesmo. Essa compreensão do modo de existir que
evidencia esse ser-no-mundo, colocando-o diretamente em contato com a existência,
chama-se fenômeno. Portanto, na relação psicoterapêutica,
deve-se buscar um encontro existencial, em que, numa relação de
cumplicidade, almeja-se compreender, experienciar, fortalecer e singularizar,
ou seja, busca-se existir.
Conforme Ribeiro
(ibid), a visão existencialista traz a ideia da intencionalidade para
os atos humanos, até mesmo para a consciência. Sendo assim, a consciência
sempre está dirigida para alguma coisa. Na prática, essa intencionalidade
mobiliza o sujeito da conscientização à ação.
Em congruência com o Humanismo, a filosofia existencialista, obedece à
crença de que o homem é um ser de autorresponsabilidade, de relação
e permanentemente mutante.
A partir dessa
compreensão, Tellegen (1984) comenta que se tornar indivíduo significa
a realização na plenitude, abandonando o que há de estranho
em si mesmo, buscando o eu real. Isso não quer dizer ignorar o mundo,
mas conviver com ele na individualidade consciente. O homem passa a encontrar
em si, e não nos outros, as razões do seu agir, deixando de lado
a superficialidade, os hábitos, as opiniões.
Para Cardella
(2002), tanto para a Gestalt-terapia quanto para o existencialismo, o homem
é o centro de sua própria liberdade e libertação,
detentor do poder sobre si mesmo, ainda que no momento tenha perdido essa aptidão
para autogovernar-se. O homem é um ser em projeto, sendo capaz de fazer
opções e escolher o que pretende ser, sendo livre e responsável
para escolher. Assim, a partir do existencialismo, a Gestalt-terapia norteia
a prática do psicólogo, apontando para um encontro existencial,
no qual o se autorresponsabilizar e o se autogovernar são guias presentes
nesta caminhada rumo à autonomia pessoal.
O grupo facilita
à pessoa vivenciar o verdadeiro significado da sua existência.
Em grupo, as pessoas se conectam umas às outras, relatam e descobrem
novas histórias, sentem suas dores e as dos outros, experienciam sentimentos,
como angústia, raiva, decepção, medo, tristeza, alegria,
amor e compaixão, mas também buscam compreender esses sentimentos,
procuram explicações que justifiquem seu ajustamento interno.
A Fenomenologia no Grupo
Segundo Yontef (1998):
Fenomenologia é uma busca de entendimento, baseada no que é óbvio ou revelado pela situação, e não na interpretação do observador. Os fenomenólogos referem-se a isto como “dado”. A fenomenologia trabalha entrando experiencialmente na situação e permitindo que a awareness sensorial descubra o que é óbvio/dado. Isso exige disciplina, especialmente perceber o que é presente, o que É, sem excluir nenhum dado a priori (p. 218).
Bicudo (1999),
apud Moreira (2007), refere-se à Fenomenologia como colaboradora na busca
do sentido e atribuição dos significados aos fenômenos,
tornando-se um excelente modo de captar a realidade do grupo, pela possibilidade
de trabalhar o real como ele é vivido no cotidiano.
A Fenomenologia
pode ser entendida como uma filosofia, um processo, uma técnica e um
modo de ver o mundo, em que é necessária uma leitura, uma descrição
e uma explicação da realidade, enquanto fenômeno a ser observado.
O fenômeno,
de acordo com Ribeiro (1994),
[...] é aquilo que aparece, é o aparente da coisa. É aquilo com que me encontro, aquilo que vem ao meu encontro, que se oferece ao desvendamento. Do ponto de vista do encontro da pessoa com a realidade em função do pensar e do fazer, o encontro pode ser simples enquanto esbarra na coisa em si, na aparência do aparente. Poderá ir além da aparência tentando colher nela seu mistério, seu lado oculto, o em si das coisas, onde, de fato, a relação ocorre. (RIBEIRO, 1994, p. 47)
Para Ribeiro
(1985), o fenômeno não pode ser visto separado da realidade e das
experiências do sujeito, o que faz com que seja necessário retornarmos
pela intuição, na consciência, a origem do sentido do que
é. Para o psicoterapeuta, encontrar o sentido do que está sendo
dito, do fenômeno que emerge no processo terapêutico, significa
reduzir o fenômeno, encontrando o cliente através dele mesmo, percebendo
sua essência e familiarizando-se com ela.
Ainda segundo
Ribeiro (ibid), o olhar de um investigador é direcionado pelas suas motivações
internas, pois um objeto é sempre um objeto para uma consciência,
sendo sempre um objeto a partir da preferência de um observador. É
justamente por essa interferência externa do ponto de vista do observador
que a fenomenologia propõe que o psicoterapeuta favoreça que o
cliente entre em contato com ele mesmo no momento presente, trazendo-o para
o aqui-e-agora, propiciando que ele se torne mais “aware”, mais
consciente de suas sensações e sentimentos para que o próprio
cliente possa ser observador de si mesmo.
Sobre esse
processo de autoconhecimento, Fahah (2009) relata:
Nesse processo de autoconhecimento, de olhar para si mesmo é que o cliente pode vir a conhecer a sua própria essência, as suas sensações de maneira mais genuína e com clareza das interferências externas. Cada ser humano é único e dessa forma cada um experimenta o mundo de maneira própria e singular. Dessa maneira, o melhor observador de cada um é si mesmo, pois só o próprio indivíduo é quem vai poder saber ao certo o que experimentou, e assim pode descrever, através da fala ou expressão corporal, o que sentiu (p. 9).
Conforme Cardella
(2002), o processo psicoterapêutico fará o fenômeno vir à
luz, ficar claro. Com isso, pode-se chegar ao modo como só o sujeito
está no mundo, percebendo sua essência, fazendo com que ele tome
posse do que o define como ser-no-mundo. Ao fazer isso, o psicoterapeuta não
apresenta qualquer juízo, voltando-se às coisas como elas são,
saindo da aparência e chegando à essência. Assim, é
possibilitada uma redução fenomenológica que evidencia
o ser-no-mundo, o ser-em-situação, colocando o sujeito em contato
com sua existência.
O fenômeno,
segundo Ribeiro (1985), é tudo aquilo que chega à consciência,
se tornando uma significação. O mundo, então, é
um conjunto de significações para a consciência que nós
vemos a partir de nosso horizonte, por isso é intencional. Conceitos
e coisas passam a existir mais ou menos fortes no indivíduo, na medida
em que sua intenção o afeta. A intencionalidade gera relação
entre sujeito e objeto, entre pensamento e ser, entre homem e mundo. Nesse sentido,
configura-se o campo fenomenológico, no qual estão as totalidades
de experiências das quais as pessoas tomam consciência no momento
da ação.
A partir desses
conceitos, a experiência com o grupo foi orientada por uma metodologia
de natureza qualitativa de base fenomenológica, cuja essência é
a descrição da realidade observada e experienciada. Na prática,
escutamos, observamos e relatamos os fenômenos produzidos no ambiente
de grupo.
O Contato no Processo Grupal
A Gestalt-terapia concebe o homem como um ser em relação consigo
mesmo e com o mundo. O contato é a matéria-prima da relação
psicoterapêutica e sua natureza define a qualidade do processo. Ribeiro
(1995) diz que “O universo do contato é o universo da totalidade.
Na razão em que ocorre totalidade, ocorre o contato pleno. Sendo assim,
totalidade, consciência e contato se transformam no tripé da mudança”
(p.17). Baseada nessa premissa, a psicoterapia de grupo cada vez tem sido mais
utilizada como instrumento pelos profissionais que se orientam teoricamente
nessa abordagem.
Para Cardoso
(2009), “Quanto mais a pessoa se conecta com sua experiência presente,
maior sua possibilidade de estabelecer um contato pleno” (p. 126). Esse
conceito é fundamental no trabalho com grupos, pelo fato destes se constituírem
num campo em que a pessoa se defronta com a diversidade nos mais variados aspectos,
estabelece relações, experimenta o inesperado e revê seu
próprio sistema de referências.
De acordo com
Polster (2001), o contato é um dos processos fundamentais, além
da formação de gestalt e da awareness, que serve ao processo de
autorregulação organísmica e leva ao ajustamento criativo.
A pessoa precisa aproximar-se ou retrair-se na fronteira de contato a fim de
satisfazer suas necessidades.
O modo como uma pessoa faz contato consigo e com o mundo expressa igualmente o grau de individuação, maturidade e auto-entrega com que vive, em um dado momento, porque o contato é a expressão experienciada e visível da realidade interna de si mesmo. Tudo na natureza é contato e sem contato tudo perde sentido, agoniza e morre. (RIBEIRO, 1995, p.15)
Perls, Heferline
e Goodman (1997) sustentam que todo organismo vive em função da
manutenção do diferente, sendo pela assimilação
desse diferente que o organismo cresce e se desenvolve. O contato é justamente
essa troca com o meio, na chamada fronteira-de-contato . O contato possibilita
e favorece a mudança. Nesse processo de troca, o novo que circunda essa
fronteira é introjetado pelo organismo a partir do processo de assimilação,
que se dá pelo ajustamento criativo de cada indivíduo.
Segundo Polster
(2001), a função que sintetiza a necessidade de união e
de separação é o contato. Por meio desse contato as pessoas
podem encontrar o mundo externo de uma maneira nutritiva. O contato só
pode acontecer quando existem dois seres separados. O contato é o reconhecimento
do outro, é lidar com o outro que não é o eu, é
lidar com o novo, com o estranho. O contato é todo tipo de relação
viva que se estabelece na fronteira, na interação entre o organismo
e o ambiente. Ao fazer contato, a pessoa tem a possibilidade de entrar em contato
consigo mesma assumindo a condição de observador e observado.
Assim, essa situação promove a autoavaliação, que
por sua vez pode produzir mudanças que resultarão em um novo modo
de ser e estar no mundo.
A Compreensão do Grupo pela Teoria Organísmica
Podemos compreender o movimento produzido pelo grupo por intermédio da
Teoria Organísmica de Kurt Goldstein. Segundo Ribeiro (1994), “A
idéia central da obra de Goldstein é que o organismo deve ser
tratado como um todo e não como uma soma de partes e que o organismo
deve ser visto como algo que age como um todo” (p. 71).
Nessa perspectiva
o organismo é visto como “um todo” integrado. Quando é
feita qualquer mudança em uma das suas partes, inevitavelmente ocorrerá
alteração nas demais. A
partir desta análise, entendemos que processo do grupo deve ser visto
como um todo, onde suas partes estão interligadas e relacionadas de tal
maneira, que toda alteração realizada em uma das suas partes,
resultará em alteração nas demais.
A Gestalt-terapia
compara o grupo psicoterapêutico a um organismo. Ribeiro (1994) considera
que “[...] transportando esse conceito para o grupo, diremos que, sendo
o grupo um corpo, também ele deve ser visto como um todo, como algo que
age como um todo e deve ser tratado como um todo” (p.71). Para o autor,
por essa possibilidade de ver o grupo como um todo, é possível
tratá-lo como um organismo que apresenta as mesmas características
de qualquer outro organismo, como já foi mencionado acima. Pode-se dizer
que o grupo vai buscar sua totalidade e sua autorregulação.
O organismo
é motivado pelo seu impulso de autorregulação e só
ele é capaz de saber quais são suas reais necessidades e qual
a melhor forma de satisfazer-se. Essa característica é chamada
de sabedoria organísmica e é de fundamental importância
para a organização do organismo enquanto sistema. Segundo Golstein
(1939), apud Ribeiro (1994), o organismo possui uma sabedoria própria
e sua tendência é autorregular-se se baseando em dois princípios
básicos: “o de satisfazer suas necessidades por falta e o de crescer,
buscando sua nutrição de uma maneira organizada interna e externamente”
(p. 72).
Segundo Lima
(2009), Kurt Goldstein tratou da autorregulação como uma das características
fundamentais do funcionamento de qualquer organismo. Ele definia a autorregulação
organísmica como uma forma de o organismo interagir com o mundo, segundo
a qual o organismo pode se atualizar, respeitando a sua natureza do melhor modo
possível.
Segundo as
palavras do próprio Goldstein (1995), apud Lima (2009), “Esta tendência
a atualizar sua natureza e a si mesmo é o impulso básico, o único
impulso pela qual a vida do organismo é determinada” (p. 86). Para
que a autorregulação aconteça, é fundamental que
o organismo possa ter respostas novas para as situações pelas
quais ele passa na sua permanente interação com o meio ambiente.
Nessa perspectiva, acredita-se que os indivíduos se autorregulem dando
prioridade para a execução de ações que visem à
satisfação das suas necessidades emergentes.
Goldstein definia a autorregulação organísmica como uma forma de o organismo interagir com o mundo, segundo a qual o organismo pode se atualizar, respeitando a sua natureza, do melhor modo possível. Este lidar com o meio pode ocorrer tanto através de reações de aceitação e adaptação a este quanto também por intermédio de ações de rejeição e fuga do mesmo. Quando a continuidade do sistema é ameaçada pelo contato com o meio, a retirada do contato é uma tentativa de adaptação do organismo.
Assim, a doença
surge quando o organismo não está em equilíbrio, havendo
uma necessidade de se autorregular para restabelecer o equilíbrio e consequentemente
o estado saudável. Esta noção de fuga e de resistência
como respostas, também de equilibração, é claramente
levada para o campo conceitual da Gestalt- terapia.
Segundo Lima
(2009), a Gestalt-terapia compartilha com a Teoria organísmica de Goldstein
a ideia da tentativa de repetição de padrões de comportamentos
já conhecidos. A não mudança e não exposição
a situações novas é uma tentativa dos indivíduos
de não lidar com a ansiedade gerada pelo inesperado. Quando há
uma cristalização deste padrão, a Gestalt-terapia vai entendê-la
como um padrão neurótico de comportamento, padrão este
que vai levando ao empobrecimento das experiências do sujeito, a um repertório
repetitivo e limitado de comportamentos que não propiciam a mudança.
Ribeiro (1994)
define o neurótico como alguém que tem dificuldade de se manter
no ponto de sabedoria, que é o estado de pré-confiança
criativa (postura consciente, awareness). Ou o indivíduo se lança
à realidade sem prestar atenção a ela, ou permite que ela
o invada como se fizesse parte dele. Esse conceito nos faz entender que o neurótico
bloqueia constantemente seu fluxo de conscientização ou de contato
com sua experiência no aqui-e-agora. Ele reluta em se envolver e se entregar
completamente à experiência presente, tampouco se desliga das memórias
do passado e de expectativas de futuro.
A partir destas
reflexões, concebemos um modelo de encontro vivencial em grupo, com a
proposta de orientar os participantes sobre suas questões produtoras
de adoecimento. Buscamos compreender como os conceitos de Contato e da teoria
Organísmica podem se constituir em instrumentos mobilizadores de mudanças
existenciais nas pessoas com queixas emocionais.
Resultados e Discussão
Esta experiência ocorreu em uma comunidade no município de Cariacica,
estado do Espírito Santo, sendo os encontros realizados em sala disponibilizada
por uma instituição religiosa.
A realização
desta atividade prática faz parte do curso de Especialização
em Psicologia Clínica: Gestalt-terapia, na UNIVIX – Faculdade Brasileira
em Vitória/ES.
A composição
do grupo se fez por adesão espontânea, após terem sido feitos
convites aos frequentadores de uma instituição religiosa. Entre
as pessoas que buscaram informações sobre a proposta de atendimento,
foram selecionadas, a partir de entrevistas preliminares, nove mulheres com
idades entre 20 e 56 anos, com histórico de crises de ansiedade, crises
depressivas, distúrbios alimentares, transtorno de pânico, apatia,
dificuldade no relacionamento conjugal e interpessoal. Nas entrevistas, as candidatas
tiveram a oportunidade de relatar suas queixas, preocupações e
dúvidas a respeito do trabalho que estava para se iniciar. Nessa oportunidade,
observamos uma entrega muito grande, desde o primeiro contato, revelando a necessidade
de apoio por parte dessas pessoas que buscavam ajuda.
Com a finalidade
de preservar a identidade das participantes, respeitando os preceitos contidos
no Código de Ética do Psicólogo (2005), as mesmas são
identificadas com nomes fictícios (flores) e alguns dados pessoais.
Nome
Fictício |
Idade |
Estado Civil |
Copo-de-leite |
31 |
Casada |
Girassol |
45 |
Separada |
Tulipa |
29 |
Casada |
Rosa
|
38 |
Casada |
Margarida |
56 |
Casada |
Orquídea |
20 |
Casada |
Violeta |
44 |
Casada |
Lírio |
32 |
Casada |
Crisântemo |
48 |
Casada |
Foram realizados
dez encontros vivenciais em grupo, com duração aproximada de 90
minutos, com frequência semanal, compreendendo o período de agosto
a novembro de 2009. Nesses encontros foram utilizados experimentos da Gestalt-terapia,
como: expressão gráfica, uso da fantasia, música e metáforas,
que possibilitaram o contato com conteúdos emocionais. As reflexões
sobre o tema escolhido a cada encontro visavam a que o grupo ampliasse seu nível
de consciência e trocasse experiências sobre seus comportamentos,
atitudes e sentimentos, possibilitando um maior contato entre seus membros,
promovendo um estar no mundo de uma forma mais satisfatória.
Para a realização
dos encontros, foi importante a construção de um ambiente acolhedor,
onde todos pudessem se expressar, trocar, escutar, sentir, se responsabilizar,
aprender a lidar com as diferenças, com suas limitações,
a desenvolver a consciência de si, buscar uma lógica interna e
conviver da melhor forma possível.
No primeiro
encontro do grupo, recebemos as participantes e nos apresentamos como profissionais
de psicologia, apresentando também a proposta de atendimento, cujo objetivo
era trabalhar em dez encontros temas que possibilitassem às participantes
lidarem de forma mais consciente com os sintomas do adoecimento mental e buscassem,
a partir de um maior contato consigo mesmas, adotar um estilo de vida mais saudável
e uma maior autonomia.
Elaboramos
juntamente com as participantes um contrato de funcionamento do grupo, contendo
algumas regras, datas de execução, horário de início
e a duração de cada encontro. Enfatizamos o compromisso, a pontualidade
e a participação como fatores determinantes para o sucesso do
trabalho que estava iniciando. Aproveitamos também para tirar dúvidas
a respeito desta modalidade de atendimento psicológico.
Nesse momento
inicial, realizamos uma dinâmica de apresentação, na qual
cada participante, por meio do desenho de uma flor, à sua escolha, se
apresentou, indicando suas características. O propósito dessa
apresentação foi fazer com que elas trouxessem relatos de forma
indireta, permitindo assim um maior conforto e desprendimento diante do grupo
que iniciava. Além disso, as participantes eram incentivadas a discutir
suas expectativas e preocupações diante do novo contexto em que
estavam inseridas. A apresentação possibilitou uma escuta fenomenológica
inicial do grupo, em que observamos como elas estavam se vendo, seus anseios
e o aqui-e-agora, os quais podem ser ilustrados pelos relatos a seguir.
“Não sou muito segura do que quero, não gosto muito de aparecer. Não sou muito firme, gosto de conquistar as pessoas e o que quero, gosto de pensar e fazer. Estou plantada num canto, tomando sol, água e tudo para crescer e ficar bonita, mas não estou cuidando disso.” (Margarida)
“Estou sempre pendente, buscando luz (algo mais). Estou meio pesada (meu interior), gosto de mim, me encanto comigo, mas preciso de luz e afirmação. Preciso de afirmação dentro do meu ser, da minha casa, do meu trabalho. Parece que meu marido é meu sol.” (Girassol)
“Quero chamar atenção, mas não me sinto assim. Me sinto bonita, mas tem hora que me sinto caidinha, feia, como se não estivesse sendo vista. Quero ser cuidada, num local de destaque. Estou meio torta e sem vigor. Quero atenção e zelo dos meus familiares.” (Rosa)
“Sou sensível, tímida, apaixonada pela vida, às vezes triste. É minha filha que me levanta quando estou caída.” (Orquídea)
“Me sinto só, num canto. O canto é ruim, estou sozinha.” (Lírio)
Em cada encontro
era feito inicialmente o resgate da semana pelas participantes e colocadas situações
da vida de cada uma que as inquietavam. A partir dos relatos do grupo, eram
elaborados experimentos, com o devido acordo, para que assim pudessem ser potencializadas
algumas questões importantes, permitindo que as participantes elaborassem
uma compreensão melhor de si e do seu mundo. Os experimentos utilizados
nos encontros surtiram efeito na forma com que elas passaram a lidar com os
seus problemas, pois constantemente relatavam estar se lembrando das lições
aprendidas nos encontros, entre eles o tema “presentificar”, desenvolvido
com a leitura do livro “O Presente Precioso”, de Spencer Johnson,
como observado nas seguintes falas:
“Estou com vergonha de mim, por perder tanto tempo com preocupações futuras e não ter vivido meu presente precioso.” (Crisântemo)
“Não posso ficar prisioneira do meu passado, senão não vou conseguir viver o meu presente.” (Girassol)
“Eu preciso viver meu presente e ser amada pelas pessoas que convivo.” (Copo-de-leite)
“Não vale a pena ficar no passado, reclamando o que não foi feito, eu tenho que viver o meu presente.” (Margarida)
“Se a vida não tem sido do jeito que sonhei, eu posso ser feliz com que eu tenho no meu presente.” (Tulipa)
Como regra
do grupo, os assuntos eram tratados de forma confidencial. Observamos nos encontros
inicias que as participantes estavam muito dispostas a relatar suas queixas
pessoais, mostrando as questões que as levaram a fazer parte do grupo
psicoterapêutico. Porém, à medida que as participantes desenvolveram
respeito e confiança mútua, começaram a assumir riscos
nos temas examinados e na interação estabelecida. Começaram
a apresentar-se com mais detalhes, relatando mais informações
do seu dia a dia, sobre os relacionamentos com as pessoas em geral e principalmente
com a família.
Foram discutidos,
naquele espaço, assuntos de relacionamento no casamento, vida afetiva,
preocupação com filhos, atitudes pessoais e outros.
“Minha maior dificuldade é esquecer o que passou. Queria tirar isso da minha cabeça. Coisas que me fizeram sofrer.” (Copo-de-leite)
“São 23 anos de uma relação que não é boa, mas dependo de muita coisa. Sou viúva de um marido vivo. Sei que não é bom para mim, mas não tenho como sair disso.” (Girassol)
“Estou levando uma vida de aparência no meu casamento, só pela parte financeira e pela minha filha. Sou o para-raio dele, tudo tem que ficar comigo.” (Orquídea)
“Meu casamento. Sinto-me presa e sinto vontade de me libertar.” (Lírio)
Nas avaliações
feitas durante os encontros, a fala das clientes confirma a validade dos mesmos
em relação aos objetivos propostos. As pessoas se sentem aliviadas
pelo acolhimento que lhes é dado, pela interação e compartilhamento
experienciado, o que em geral tem motivado a continuação do tratamento
que vieram procurar.
“Cheguei apreensiva e temerosa pelos segredos da minha vida. Depois da entrevista e dos primeiros encontros, ganhei confiança. Fiquei assustada por ver que pessoas no grupo possuem dificuldades maiores que as minhas. Eu não tenho o hábito de compartilhar minhas questões, mas estou entendendo que isso não me faz bem. Aprendi sobre o presente precioso, deixei de me culpar pelas coisas e estou assumindo minhas responsabilidades. Sinto que hoje estou diferente. Amargura é a palavra que me descreve no primeiro encontro. Hoje a palavra que me descreve é harmonia.” (Crisântemo)
“Quando comecei estava muito frágil. À medida que fui participando dos encontros, sinto que estou mantendo meu equilíbrio. Estou conseguindo lidar melhor com minhas questões. Ainda sinto ansiedade e insegurança, mas já me sinto mais tranquila. Não estou tão dependente das outras pessoas. A palavra que me descreve no início é insegurança. Hoje a palavra é confiança [um pouco].” (Girassol)
“Aprendi a deixar a culpa e me ver responsável pela vida.” (Lírio)
Durante todo
o processo a escuta fenomenológica foi fundamental, pois encorajou a
expressão dos sentimentos, sendo estes claros ou não, positivos
ou negativos e, ao mesmo tempo, estimulou a confiança e a espontaneidade,
incentivando comentários sobre as sensações relativas que
cada uma sentia.
Vale ressaltar
que, após os primeiros encontros do grupo, observamos que algumas participantes
interromperam o trabalho. Isso se deve, talvez, por não conseguirem lidar
adequadamente com determinadas situações, ou mesmo por não
se adaptarem a este modelo psicoterápico.
Analisando
esse comportamento de resistência, Lima (2009) relata: “[...] a
não mudança e não exposição a situações
novas é uma tentativa dos indivíduos de não lidar com a
ansiedade gerada pelo inesperado” (p. 87). Ribeiro (1994) define como
um mecanismo de defesa, no qual o organismo encontra seu equilíbrio provisório,
sendo “uma tentativa de um ajustamento criativo para fugir de uma dor
maior” (p. 118).
A cada encontro
orientávamos as participantes no aqui-e-agora, pedindo que prestassem
atenção naquele momento e percebessem como estavam se sentindo,
quais sensações estavam presentes e, após isso, compartilhassem
com o grupo o que havia sido observado. No início desse aprendizado,
observamos que as participantes respondiam sem o devido cuidado, relatando coisas
desconexas ou tendo dificuldade em identificar o seu próprio “eu”.
Isso talvez por não estarem acostumadas a prestar atenção
a seus sentimentos e sensações e muito menos a falar sobre eles,
compartilhando-os com outras pessoas.
Na continuidade
do processo grupal, investimos nas atividades e experimentos que potencializassem
a percepção das sensações, o que possibilitou uma
ampliação do nível de consciência e mobilização
de ação.
“Desejo sabedoria e dou em troca minha ansiedade. Com sabedoria vou conduzir minha vida pelos caminhos certos. Para isso estou disposta a ter bom humor e dedicação.” (Girassol).
“Desejo alegria, dou em troca cansaço mental, para isso estou disposta a me dedicar.” (Copo-de-leite).
“Desejo adquirir paciência e dou em troca minha tristeza. Para isso estou disposta a saber ouvir.” (Margarida).
“Quero trocar minha incerteza pela convicção. Estou disposta a usá-la com amor e dedicação.” (Crisântemo).
Também
observamos a disposição e o investimento de algumas participantes
em relação à assiduidade e pontualidade no grupo. Esse
dado foi muito importante, pois esse investimento repercutiu no processo, sendo
visíveis os progressos, tanto no comportamento como na fala das participantes.
“Como um vaso rachado eu comecei a catar os pedacinhos e colar, hoje sinto que estou mais inteira, que juntei algumas fendas me compondo inteira.” (Girassol).
“Na entrevista inicial estava muito triste, com meu coração cheio de sentimentos ruins, como a culpa, culpa de ter feito uma escolha errada do pai da minha filha. E depois dos primeiros encontros aprendi a diferença de culpa para escolhas, responsabilidade. O tempo que estive aqui foi um tempo para mim e quero manter estes momentos meus.” (Crisântemo).
“Comecei estes encontros em busca de direção, cheguei com mágoas do meu marido, indecisão e depressão, mas a cada semana fui dando direção a minha vida, deixando ela mais colorida. Hoje procuro viver um dia de cada vez, tentando esquecer o que já passou e não ter tanta ansiedade e impaciência com meu dia de amanhã.” (Copo-de-leite).
“Esses encontros trouxeram para mim exemplos para que eu pudesse escolher mudar. Mudar a direção do meu olhar, olhar para cima, mesmo com os pés no chão, olhar para cima.” (Margarida).
A partir dos
encontros do grupo, observamos os seguintes avanços: as participantes
puderam desenvolver melhor comunicação em grupo, relatam mais
suas questões, demonstraram estar se exercitando cognitivamente e despertando
o interesse por mudanças; buscavam a superação dos incômodos
pessoais e passaram a acreditar na capacidade da ajuda encontrada no grupo.
O trabalho
realizado no grupo se constituiu numa experiência nova para essas mulheres,
pois oportunizou o aprendizado, o acolhimento, a escuta e a união na
busca dos seus objetivos. Com o passar do tempo, notamos que o grupo foi se
autorregulando, se ajustando a seu potencial criativo, restabelecendo novas
formas de convivência e respeitando a singularidade do outro. Desse modo,
as participantes tiveram a oportunidade de exercitar outros modos de olhar o
mundo e a si próprias, experimentar novos sentimentos, procurando aprender
com os sintomas. Com isso, foram levadas a buscar uma maneira mais funcional
de agir no mundo, restabelecendo assim a saúde.
As participantes
do grupo puderam perceber a importância do contato com elas mesmas e com
o outro, estabelecer prioridades e responsabilidades diante da vida, além
de permitir melhor expressão de seus sentimentos. A partir dos novos
vínculos, puderam compartilhar histórias, trocar experiências,
resultando num agir com mais autonomia, o que ocorreu devido a um melhor equilíbrio
entre o organismo e o meio.
De um modo
geral, o processo do grupo possibilitou que estas pessoas fizessem reflexões
sobre os temas abordados, conhecessem melhor o trabalho do psicólogo,
compreendessem melhor seu funcionamento psicológico, entendessem as psicopatologias
que as afetavam e o processo de adoecimento pelos quais passavam, e assim se
organizassem melhor diante da vida, elaborando um contato mais pleno consigo
mesmas e se adaptando no sentido de alcançar formas mais saudáveis
de estar no mundo.
Considerações Finais
Esta experiência no grupo permitiu o desenvolvimento e ampliação
do nosso olhar diante das pessoas que ali buscaram socorro e acolhimento. Mesmo
sendo desafiante, devido à brevidade de tempo para execução
deste trabalho, com o passar do tempo e a interação com as pessoas
envolvidas, percebemos a possibilidade concreta de explorar outras direções
no campo da psicoterapia gestáltica.
Inseridos nesse
novo cenário, nos permitimos entrar em contato com outras realidades
do campo de atuação da psicologia. Para nós, que somos
psicólogos com uma visão de “clínica ampliada”,
a experiência de trabalhar com esse grupo de mulheres se constituiu não
apenas num processo de aprendizado, mas também em um meio que possibilitou
apontar necessidades e novos caminhos a serem trilhados pelos profissionais
da psicologia que buscam a inserção em outros espaços de
atuação profissional.
Outro ponto
importante foi o desenvolvimento de atividades em coterapia no grupo, o que
possibilitou a troca de experiências a partir da união de dois
profissionais com modos de “manejo” distintos, resultando em novos
caminhos, numa visão de complementaridade e de maior abrangência.
Durante estes
encontros de grupo, acolhemos, observamos e ouvimos as pessoas desde o contato
inicial, no qual cada uma trazia suas mágoas, frustrações
e desesperanças. Acompanhamo-las no percurso dos seus processos, em que
experienciaram novas oportunidades e maneiras de administrar e até solucionar
suas queixas, até o momento em que com suas “próprias pernas”
começaram a ensaiar a retomada dos passos.
No período
em que estivemos em contato com as participantes do grupo, nos familiarizamos
com alguns quadros, como: transtorno alimentar, transtorno de ansiedade, depressão
e crises conjugais. Com isso, percebemos novas demandas, como a mudança
de foco nos encontros, necessidade de atendimentos individuais e ampliação
da oferta de atendimento em grupo.
Esse processo
produziu em nós afetação, compromisso, criatividade e flexibilidade,
o que resultou no amadurecimento, crescimento e troca de experiências
entre as partes envolvidas. Com erros e acertos, entre desafios e ajudas da
nossa supervisora, desenvolvemos nossa proposta, o qual enriqueceu enormemente
nossa vida acadêmica. Os aprendizados adquiridos serão levados
por todo o nosso percurso profissional, e a cada novo grupo desenvolvido aprenderemos
mais com a prática, já que a vida é um enriquecimento de
saber constante.
Para nós, Psicólogos, foi uma oportunidade ímpar de poder desenvolver nossas habilidades profissionais, bem como explorar novas possibilidades de cuidado com o ser humano e, assim, afetar e ser afetados pelas experiências vividas. Este foi para nós um espaço de encontros, descobertas e aprendizado, os quais certamente se constituíram em mais um elo na corrente da nossa existência e permitirão um novo olhar sobre o outro e sobre nós mesmos.
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Endereço para correspondência
Pedro Leite Machado
E-mail: psi.pedroleite@gmail.com
Recebido em: 13/01/2011
Aprovado em: 06/02/2011