ARTIGO

 

 


A psicoterapia com a criança, por um fio

 


Psychotherapy with children, hung by a thin thread

 


Luciana Soares

 

Endereço para correspondência

 


RESUMO

Os riscos e os desafios atuais da psicoterapia com a criança são examinados neste texto, que propõe uma reflexão fundamentada na abordagem gestáltica. A autora apresenta a Gestalt-terapia com crianças como dispositivo de promoção de ética, apontando a perspectiva antropológica como o caminho para intervenção terapêutica diante dos novos modos de subjetivação no mundo contemporâneo. O cuidar, no contexto terapêutico por intermédio do diálogo genuíno entre cliente e terapeuta, é apresentado como ferramenta e propósito do trabalho terapêutico.

Palavras-chave: Psicoterapia com crianças; Abordagem gestáltica; Ética; Diálogo.


Abstract

The risks and challenges of the psychotherapy with children are examined in this paper using the gestaltic approach. The author emphasizes the ethic arm of gestalt-therapy, showing the anthropologic perspective as the way to the therapeutic mediation towards the new means of subjection in the contemporary world. Taking care in psychotherapy by means of the genuine dialogue between client and therapist is shown as being the tool and the aim of the therapeutic work.

Keywords: Psychotherapy with children; Gestaltic approach; Ethics; Dialogue.



Temos pensado no quanto a psicoterapia com crianças vive por um fio. Há vários modos de se pensar isso e aqui apresentamos alguns dos que permeiam nossas reflexões.

Por um fio...

Pode parecer estranho, já que há tanta demanda por psicoterapia para crianças.

Está por um fio quando vemos tantas crianças com indicação específica para terapia individual e, que assim deveriam ser atendidas, mas serem conduzidas juntamente com seus pais e irmãos para terapia familiar, como se tudo que se passa com elas fosse exclusivamente da ordem do sistema familiar. Como cada criança tem sido escutada em sua demanda?

Está por um fio se considerarmos o crescente encaminhamento de casos oriundos de determinações judiciais. A terapia tem sido imposta como pena, sentença de justiça a ser cumprida segundo vários ‘deveria-ismos’: tem que ser por um determinado período mínimo; tem que dar resultados, tem que ser emitido laudo ou parecer psicológico, etc.

A psicoterapia da criança está por um fio, por um fiapo, quando é para dar conta daquilo que família, escola, médico e justiça não dão. Quanto poder dirigido ao psicoterapeuta! Há risco também em acreditarmos que temos este poder.

A Gestalt-terapia com crianças está por um fio se nela pensarmos como sendo meramente um conjunto de técnicas a serem aplicadas nas sessões com a criança. Não é isso que faz da Gestalt-terapia uma terapia vivencial. Violet Oaklander, em cujo conhecido texto ‘Descobrindo Crianças’ apresenta uma série de propostas em artes para trabalho expressivo e de conscientização com crianças, também faz a ressalva de que a condução do trabalho terapêutico não está necessariamente na técnica utilizada pelo terapeuta, mas muito mais em sua sensibilidade para a relação com seu pequeno cliente, como vemos a seguir: “Às vezes não surge nada para se trabalhar, mas a criança teve ao menos a oportunidade de se expressar, de fazer uma afirmação sobre si mesma.” (Oaklander, 1980, p.101)

A Gestalt-terapia com uma criança está por um fio se ficarmos fechados num pensamento e linguagem que não levam em conta o ser-no-mundo em seu pleno processo de produção de sentidos; isso ocorre quando tentamos encaixar a criança que está ali diante de nós naquilo que se pensa sobre ela.

A psicoterapia com a criança fica um frágil fio se pensamos em infância e criança como sendo a mesma coisa, tratando uma experiência única como se fosse um genérico.

Uma criança pode agir, falar, sentir, perceber, pensar, ter suas necessidades e desejos sem que isso corresponda unicamente aos ditames da infância de seu tempo e de sua cultura, ou até mesmo de sua família. É preciso também lembrar que criança sempre houve, mas infância, não. Clarice Cohn, antropóloga, afirma a urgência de pensarmos em infância como um conceito intrinsecamente ligado à cultura onde a criança está inserida. Em sua próprias palavras: “Em outras culturas e sociedades, a idéia de infância pode não existir, ou ser formulada de outros modos. O que é ser criança, ou quando acaba a infância, pode ser pensado de maneira muito diversa em diferentes contextos socioculturais, e uma antropologia da criança deve ser capaz de apreender essas diferenças.” (Cohn, 2005, p.22)

Está também por um fio a terapia com a criança quando se pensa em infância como um tempo puramente encantado, de alegrias, sonhos e proteção. Segundo este parâmetro, é a este paraíso que a terapia deve devolver a criança. Em nossa prática clínica indagamo-nos como podemos devolver alguém a um lugar que nunca existiu? Isso não é a própria negação do que é vivido no tempo da infância e da particular vivência de cada um? Ainda citando Cohn, “... a concepção da pessoa humana e de sua construção pode ser imprescindível para se entender como se compreende e vivencia o período de vida em que se é criança.” (Cohn, 2005, p. 22)

Claro que presenciamos novas subjetividades emergindo com características semelhantes, como fenômeno da pós-modernidade: crianças que brincam menos com o corpo e mais com a máquina; crianças expostas a mais informações do que podem lidar; crianças em múltiplas e inusitadas configurações familiares; crianças empoderadas precocemente, e seus pais sem referências claras e buscando em manuais o segredo do sucesso na educação dos filhos. Assim falamos da infância na contemporaneidade, ressalvando que não é recomendável naturalizá-la nem relativizá-la excessivamente.

Em Gestalt-terapia é preferível falar da psicoterapia com a criança. Da criança que faz parte deste contexto de infância, mas que está ali sozinha diante do terapeuta. Ela tem sua percepção própria, sua maneira de falar, agir, de explorar o mundo, de elaborar suas experiências formulando sentidos e produzindo os registros de seu vivido.

Nesta perspectiva, a psicoterapia com a criança está por muitos fios: nos fios da curiosidade, nos fios dos cuidados, nos fios do poder, nos fios da amorosidade, nos fios da confiança, nos fios da reciprocidade. O cruzamento destes fios tece a rede de sustentação da Gestalt-terapia com a criança: o delicado, suportivo e transformador fio da ética.

O fio da ética costura todo o processo terapêutico, e borda também, dando-lhe toque finamente artístico.

Ao falarmos em ética, não nos referimos àquela normativa; esta é um código de condutas profissionais, previamente estabelecido para dar unidade à nossa categoria. Evidentemente é imprescindível, mas é apenas uma compilação de normas. Segundo Olinto Pegoraro,

“Não são a ética; são parte da ética, mas só em segundo plano.” (p.27) Este mesmo autor nos fala sobre ética: “A ética não é inventada por um sábio ou por um santo; ela se origina na relação viva entre um eu e um tu ou entre duas pessoas. Portanto, a ética é relacional. Surge do convívio das pessoas e das comunidades. A reciprocidade interpessoal estabelece a eticidade de nossos comportamentos e ações. ... Somos éticos em relação a alguém, e não porque obedecemos a normas.” (Pegoraro, 2005, p.26)

Trazemos aqui a noção de ética como pluralidade, possibilidades ainda não surgidas, e que nem por isso, reduz-se apenas a algo sedutoramente desejável. Pegoraro também define ética como não sendo liberdade absoluta, mas sim como “orientação da liberdade” (Pegoraro, 2005, p.26). O desenvolvimento do senso de ética tanto amplia recursos pessoais quanto restringe, ao trazer consigo noção de potência e de impotência, através do inevitável contato com o outro, o encontro com a diferença, que também produz desconforto.

Em todo percurso existencial, desde criança o ser se defronta com o ter que aprender a suportar conviver com diálogos abortados, fios de diálogos que se perdem. Para Juliano, a relação terapêutica possibilita ao cliente revisitar suas histórias em companhia acolhedora do interlocutor escolhido que é o terapeuta, retomando fios de histórias de diálogos perdidos.

“Terapeuta e cliente, parceiros, começam a tecer juntos, refazendo uma história a partir dos fios que foram levados para a terapia. Dessa tecelagem surge uma trama que contém histórias dispersas, reorganizadas de um modo diferente. Dessa tecelagem conjunta resulta uma nova e rica tapeçaria, que pode apreciada de diferentes perspectivas.” (Juliano, 1999, p. 81)

Em muitas situações o terapeuta e a criança chocam-se contra muralhas intransponíveis – pais que não colaboram, dificuldades de aprendizagem que levam à reprovação escolar, divórcio, morte na família, por exemplo - e, a partir daí, o que se pode fazer é criar novos caminhos e continuar caminhando.

Nesta reflexão sobre a Gestalt-terapia com crianças propomos a ótica da gênese da ética. Esta, entendida como sinal de saúde, já que consideramos a pluralidade, o encontro na diferença, a busca do ‘em comum’ como genuíno sinal de permissão para a criatividade e formulação de recursos. Evidentemente que na abordagem gestáltica o terapeuta precisa ter clareza de seu papel de facilitador do fluir ético na relação ao intervir junto à criança em prol do resgate de sua própria voz. Assim, entendemos que a criança, ao ter assegurada a possibilidade de estar com o outro em sua singularidade, pode manifestar-se eticamente na relação terapêutica e estará em pleno processo de auto regulação organísmica.

Consideramos a gênese da noção de ética como diretamente implicada no processo de transformação, pois ao vivenciar a experiência da disponibilidade para conhecer, criar com alguém o que não existia antes, o ser abre-se ao conhecer-se e criar-se. A mudança dá sinais no ser total. E, em se tratando de crianças, isso é corporalmente visível em sua expressão facial, postura física, movimentos, por mais sutis que sejam.

Cohn, ao pesquisar sobre a importância de estudarmos a criança por seu próprio ponto de vista e experiência, propõe uma nova abordagem à antropologia da criança. Entende a autora que nos escritos até recentemente via-se uma criança a partir da perspectiva do adulto, o que a faz pensar que “... precisamos nos desvencilhar das imagens preconcebidas e abordar esse universo e essa realidade tentando entender o que há neles, e não o que esperamos que nos ofereçam. Precisamos nos fazer capazes de entender a criança e seu mundo a partir do seu próprio ponto de vista.” (Cohn, 2005, p.8)

Assim, pensamos a Gestalt-terapia como uma antropologia da criança, já que em nosso ofício investimos na restauração de sua habilidade em falar-se e de produzir suas histórias, afirmando tanto sua potência quanto sua impotência, revelando-se em produções que nem sempre têm um final feliz, mas têm um permanente desenrolar de possibilidades. Ao focalizarmos a terapia com a criança por um olhar antropológico, colocamos as classificações psiquiátricas em plano secundário e, a atitude ética vem para plano figural na relação.

Em Soares vemos a psicoterapia com a criança sob a ótica do desenvolvimento; agregamos esta reflexão à ideia de uma antropologia gestáltica, já que naquele trabalho encontramos “A psicoterapia entendida como desenvolvimento visa um desdobramento de perspectivas existenciais orientado por um olhar permanentemente lançado ao campo relacional. Significa perceber-se parte de um todo e um todo que se parte e, num re-arranjo de partes, fazer surgir novos sentidos, novas direções.” (Soares, 2005, p.5)

Se a Gestalt-terapia é uma terapia relacional e do contato, necessariamente estamos ambos, cliente e terapeuta, presentes na relação em nossa plena condição existencial e antropológica. De acordo com Fonseca, a Gestalt-terapia “... é uma forma muito particular de antropologia. De criação e de conhecimento humano. Poderia chamar-se de solidariedade. Não aquela solidariedade altruísta e piedosa, mas a solidariedade daquele que se fascina, envolvido, na criação de si próprio e de seu próprio mundo.” (Fonseca, 2005, p.11)

Em nossa prática clínica focalizamos a produção de sentido da criança por sua própria experiência; focalizamos também numa família produtora de sentidos, significados e relações, intermediando a criança e a cultura em que todos estão inseridos. Família esta que vem em busca de ajuda mesmo sem muita clareza do que quer.

Este momento de esvaziamento de afetos, de poder e de função dos pais no mundo contemporâneo confunde-se com o momento da crise particular naquela específica família que nos procura trazendo sua criança. A impossibilidade de sozinhos fazerem contato com este vazio abre espaço para a produção de sofrimento e sintomas na criança. Esta vai assim preenchendo as lacunas das trocas intersubjetivas, tentando amenizar o desconforto dos diálogos abortados, tentando autorregular-se e regular as relações familiares adotando múltiplas manifestações como a tirania, somatizações e o consumismo, para citar apenas alguns.

Este quadro impõe-se como desafio para nós gestalt-terapeutas: intervir junto à criança em sua singular necessidade de compreensão e cuidados, sem vitimizá-la e, concomitantemente, intervir junto aos pais em sua necessidade de compreensão e cuidados, sem desqualificá-los como cuidadores principais. Voltamos a Soares para ilustrar nossa perspectiva de que na clínica com crianças pais ou cuidadores principais são incluídos e convidados a participar de um processo que é fundamentalmente constituído pelo desenvolvimento de parcerias:

“Sendo chamados a perceber sua importância no projeto maior de desenvolvimento das parcerias no contexto existencial da criança, os pais ou cuidadores principais podem situar-se diante da escolha de estabelecer parceria com o próprio terapeuta... este tem se revelado um caminho que tem podido assegurar à criança uma oportunidade de desenvolver-se simultaneamente ao desenvolvimento de suas parcerias fundamentais. Com isso não pretendo afirmar que todos estejam simultaneamente aptos a firmar parcerias atendendo às necessidades pessoais e mútuas, mas sim que temos que lidar com as limitações de cada um, acreditando que sempre algum desenvolvimento pode ser esperado. O possível para aquele grupo, naquele dado momento existencial, afinal interrupções e obstáculos fazem parte de todo processo de desenvolvimento.” (Soares, 2005, p.4)

Penso que nós, gestalt-terapeutas que atendem crianças, encontramo-nos como o equilibrista no fio do arame (de fato, somos muitas vezes artistas de circo...), diante de um presente desafiador e um futuro mais ainda.

Em sua raiz etimológica, DESAFIO significa, segundo Cunha (1989), perder o fio, no sentido daquilo que é afiado, remetendo à perda de fé e confiança. Bons caminhos para nossa reflexão.

Então...

É desafiador contribuir para que os pais restaurem confiança em si mesmos, revalorizando sua cultura familiar, mesmo que a configuração familiar original tenha mudado.

É desafiador manter o fio da firmeza da intervenção gestáltica, fio este que insiste em perder-se num mundo repleto de mensagens de que ‘vale tudo’. Posicionados numa abordagem baseada na compreensão e respeito às diferenças, muitas vezes temos que trazer o corte afiado do dado de realidade, por mais paradoxal que pareça isso. Diante de uma clínica repleta de situações-limite, a atitude firme do terapeuta tem sido mais um recurso de intervenção junto a crianças e a seus pais.

É desafiador tentar contribuir para a compreensão dos pais acerca do movimento da criança em seus caminhos de auto-regulação organísmica e em manter sua voz no diálogo familiar.

É desafiador ser parceiro de uma criança que precisa sobreviver à própria infância. De fato, muitas vezes é para isso que serve a terapia da criança: como suporte à etapa infância. E isso não faz da terapia com a criança uma tarefa menos importante.

É desafiador apoiarmo-nos no contato e na awareness, insistindo na perspectiva gestáltica num tempo de tantas cobranças por resultados e medicamentos de controle. Quantas crianças já chegam até nós fazendo uso de medicação psiquiátrica para amenizar atitudes descritas como incongruentes ou intoleráveis, como a dificuldade para adormecer à noite, ou pelo medo de ficar sozinho, ou ainda por qualquer sinal de agitação ou de dificuldade de concentração...

É desafiador dialogar com a criança a partir de sua própria fala ou expressão; na perspectiva da antropologia gestáltica, partimos de como ela fala de si mesma a cada momento. Sem falar da criança ou pela criança evitamos reduzir a relação a uma perspectiva exclusivamente adultocêntrica. Tantas vezes notamos que a criança fala pelos adultos... Nessa mesma direção Oaklander afirma: “Às vezes a criança funciona com ideias que não lhe pertencem, que não são dela. Com muita frequência as crianças crescem acreditando no que ouvem acerca de si próprias, engolindo toda informação falsa a seu respeito.” (Oaklander, 1980, p.74)

A proposta gestáltica de diálogo inclui a apresentação da percepção do terapeuta, sem, contudo, impor esta percepção à criança ou a seus pais – o terapeuta como um observador-participante do campo das relações em que a criança está inserida. Segundo Fonseca, “Os gestalt-terapeutas são, decididamente, ativos e, talvez pudéssemos dizer, intensivos, antropólogos experimentais fenomenológico-existenciais.” (Fonseca, 2005, p.13) Por outro lado, a perspectiva gestáltica de intervenção inclui igualmente o cauteloso e respeitoso silêncio, como vemos em Oaklander: “O terapeuta deve mover-se junto com a criança no sentido de saber quando falar e quando permanecer em silêncio.” (Oaklander, 1980, p.77)

Por outro lado, é também desafiador permanecer acreditando na criatividade como caminho para a saúde, mesmo que a criança venha explorando tão pouco seu potencial de ação e de criação. Diante das telinhas de movimento frenético, não é preciso ser competente ou criativo - só resta ser repetitivo e competitivo. Torna-se, portanto, um grande desafio sermos parceiros de uma criança em sua abstinência de TV, computador ou vídeo-game no tempo em que ela fica conosco durante o atendimento. De fato, isso hoje representa para a criança um grande desafio de reinvenção, uma oportunidade de experimentar seu vir-a-ser em parceria com o outro que está ali disponível para ela naquele momento exato. Ilustramos com Fonseca: “Gestalt-terapeutas, terapeutas fenomenológico-existenciais, são antropólogos porque decidiram e praticam dedicar-se a ser parceiros, efetivos e imediatos, das pessoas, nos processos de suas invenções vivenciais e experimentais de si, nos momentos críticos de suas atualizações existenciais.” (Fonseca, 2005, p.11)

É desafiador nos dias de hoje sermos parceiros em seu percurso rumo a restaurar sua capacidade de escuta, espera e tolerância, assim como em seu percurso de buscar no outro a garantia de ser escutado, aguardado e tolerado.

É desafiador ser ético no mundo contemporâneo. Não acreditamos que seja possível separar ética de cuidados consigo, com o outro, com as relações de que fazemos parte. Boff nos fala sobre o cuidar: “O ser humano é fundamentalmente um ser de cuidado mais do que um ser de razão e de vontade.” (Boff, 2000, p.105) Mais adiante acrescenta: “O cuidado é uma relação amorosa que descobre o mundo como valor.” (Boff, 2000, p.107) E mais: “A pessoa se sente envolvida afetivamente e ligada estreitamente ao destino do outro e de tudo o que for objeto de cuidado. Por isso, o cuidado provoca preocupação e faz surgir o sentimento de responsabilidade.” (p.108) Nesta perspectiva, como psicoterapeutas refletimos permanentemente como estamos colaborando para que uma criança cuide melhor de si, do outro e das relações, enfim, uma criança mais ética, e para pais mais éticos também e, assim, melhores cuidadores. Já que vislumbramos o crescente aumento no número de idosos nas famílias urge fomentar a reflexão sobre os cuidadores do futuro: crescerá o número de cuidadores assim como cresce o número de idosos?

É desafiador estarmos abertos ao que não conhecemos e sempre dispostos a conhecer, não tendo verdades prontas, mas apoiados na crença de que há um mínimo em comum em nossa condição humana: a singularidade de cada processo. De acordo com Fonseca, a abertura do terapeuta ao outro se dá por sua disposição a “Conhecer o humano e seu mundo,... mas através da vivência da sua invenção, da sua criação.” (Fonseca, 2005, p.11)

É desafiador acreditar que, no encontro entre diferentes surge a possibilidade do diálogo genuíno e, com ele, são tecidas histórias que estavam há muito tempo esperando por sair e serem contadas. Pelo fio dos desdobramentos dos diálogos criam-se também novas histórias.

É desafiador escolher uma abordagem que é muito mais ética do que técnica. Com uma metodologia tecida em fios de esperança que não é a da espera passiva, mas a que brota da força de renovação a cada relação.

E é justamente aí na renovação, na reinvenção diária, que reside a vitalidade de nossa escolha como terapeutas e cuidadores. Assim mantemos a fé e o fio.

 

REFERÊNCIAS

BOFF, L. Ethos mundial – um consenso mínimo entre os humanos. Brasília: Letraviva, 2000.

COHN, C. Antropologia da criança. Coleção Ciências Sociais Passo – a – passo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

CUNHA, A. G. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

FONSECA, A. H. L. Ensaios em Gestalt-terapia. Maceió: Pedang, 2005.

JULIANO, J. C. A arte de restaurar de histórias... O diálogo criativo no caminho pessoal. São Paulo: Summus, 1999.

OAKLANDER, V. Descobrindo crianças – a abordagem gestáltica com crianças e adolescentes. São Paulo: Summus, 1980.

PEGORARO, O. A. Introdução à Ética Contemporânea. Rio de Janeiro: Uapê, 2005.

SOARES, L. L. M. Um convite para pensar sobre desenvolvimento em Gestalt-terapia. IGT na Rede, vol. 2, nº 3, 2005.

 


Endereço para correspondência

Luciana Soares
Email: lucianasoares@infolink.com.br

 


Recebido em: 06/12/2010.
Aprovado em: 17/06/2011.