A Gestalt-Terapia diante do amor nas relações afetivas heterossexuais
Gestalt therapy in the face of love in heterosexual love relationships
Margarida Florencio Dantas
RESUMO
De início, estudar o amor pode parecer algo fácil, mas existe uma certa complexidade implícita no entendimento do sentimento em questão visto que os indivíduos sentem o amor de diferentes formas. O amor romântico e o amor erótico são umas das formas de vivenciar o amor em relações heterossexuais, onde o amor romântico representa à serenidade, o respeito, aquilo que é sublime. Enquanto o amor erótico representa as práticas sexuais, ou seja, o que é pudico, impróprio, imoral, cultural e socialmente falando. Tais formas de vivenciar o amor serão cobradas aos indivíduos de acordo com os papéis sociais por eles desempenhados na sociedade em que vivem. O presente artigo expõe um estudo bibliográfico sobre as influencias culturais na vivência amorosa de homens e mulheres e como a abordagem gestáltica entende como a atitude mais saudável a escolha pela maneira que mais se adequa a forma de ser de cada indivíduo.
Palavras-chave: Amor; Homens; Mulheres; Papel social; Gestalt-terapia.
ABSTRACT
Initially, studying love may seem easy, but there is some complexity in understanding
the implicit feeling concerned, once the individuals feel the love in different
ways. Romantic love and erotic love are some of the ways of experiencing love
in the heterosexual relationships, where the romantic love represents the serenity,
respect, something that is sublime. However, the erotic love represents the
sexual practices, which means what is modest, forbidden, immoral, culturally
and socially speaking. Such ways of experiencing the love will be charged to
individuals according to the social roles they played in their society. This
article presents a bibliographical study on the cultural influences in the experiences
of loving men and women and how the Gestalt approach considers as the healthiest
choice by the way that best suits the way of being of each individual.
Keywords: Love; Man; Woman; social roles; Gestalt-therapy.
Introdução
De acordo com Ginger (1995), Gestalt é uma palavra alemã, cujo
termo mais correto é Gestaltung, palavra esta que, no conceito de Ginger
(1995,p. 13), “implica em um processo de dar forma, uma formação”.
Fadiman e Frager (1979, p. 129) consideram como sentido geral da palavra Gestalt
“uma organização específica de partes que constitui
um todo particular” e citam como o principio mais importante, a proposta
de que “uma análise das partes não significa uma compreensão
do todo, uma vez que o todo representa as interações e interdependência
das partes”.
Na concepção
de Rodrigues (2000), a gestalt-terapia tem uma visão holística
de homem, isso quer dizer que considera o homem como um todo. Nesta ótica
holística, o indivíduo é percebido como um conjunto de
partes, de acontecimentos. Estas partes integram o presente, momento atual da
vida do indivíduo; o passado, momentos que marcaram a vida deste indivíduo,
o que proporciona a tal indivíduo aprendizagem a partir da experiência
vivida; e o futuro, representado pelas aspirações deste indivíduo.
Entretanto,
de acordo com o conceito de holismo para a Gestalt, o todo é diferente
da soma de suas partes. O todo é a relação destas partes
com cada fenômeno vivenciado pelo indivíduo. O referido autor compreende
a interação de partes como a possibilidade de cada indivíduo
perceber o fenômeno apresentado, o fato, o acontecimento, de maneira única,
ou seja, o resultado da relação entre o fenômeno e as partes
que integram o indivíduo será diferente em cada indivíduo.
Para Rodrigues
(2000) o indivíduo, na perspectiva gestáltica, é capaz
de perceber a saída mais satisfatória para enfrentar as adversidades
diárias, tal indivíduo pode escolher como se comportar diante
de todas as situações apresentadas ao mesmo.
Em contra partida,
Perls (1977) acredita que cada grupo cultural, cada sociedade, cria conceitos
e imagens de comportamento social ideal, onde é dever do indivíduo
funcionar dentro desta estrutura de referências para obter uma aceitação
social. Tal criação de conceitos e imagens de comportamento social
ideal impede o indivíduo de agir, diante das situações
diárias, da forma que melhor satisfaz este indivíduo. Perls (1977,
p. 21) critica a criação acima referida, pois “quanto mais
o indivíduo aceita conceitos prontos, menos capaz tal indivíduo
é de usar os seus sentidos e intuição”.
Um destes conceitos
prontos criados pela sociedade patriarcal para induzir o indivíduo à
forma de comportamento social ideal é a maneira como homens e mulheres
se relacionam amorosamente na heterossexualidade. De início, estudar
o amor pode parecer algo fácil, mas existe uma certa complexidade implícita
no entendimento do sentimento em questão. A própria definição
do amor é questionável, visto que os indivíduos sentem
o amor de diferentes formas.
Costa (1998)
define o amor como uma crença que pode ser mantida, alterada, dispensada,
melhorada, piorada ou abolida. Esta percepção do amor como uma
crença emocional permite a quem ama uma liberdade para perceber e se
relacionar com o amor de uma maneira própria, o que possibilita aperfeiçoar
as convicções amorosas sem a preocupação de atingir
a perfeição em tais convicções, mas com o objetivo
de melhorar a qualidade das relações amorosas.
Erick From
(apud Cardella, 1994) conceitua o amor não como uma relação
com uma pessoa específica, mas como uma atitude, uma orientação
de caráter, que determina a relação de alguém para
com o mundo como um todo e não para com um ‘objeto’ de amor.
De acordo com
Schettini Filho (2000), nas relações interpessoais, a grande conquista
é o amor pelo outro e não o amor do outro. Visto que buscar o
amor do outro dá idéia de querer possuí-lo, dominá-lo.
Já buscar o amor pelo outro, sem que deste outro seja cobrado nada, há
um respeito à liberdade do outro.
O autor acima
citado afirma que dessa maneira a relação estabelecida entre quem
ama e quem é amado é uma relação de afeto, onde
quem ama tem sempre presente em si o ser amado, se entrega a este ser conscientemente
e respeita a aceitação ou rejeição que tal entrega
pode provocar.
Schettini Filho
(2000) ressalta que quem ama, mesmo com a constante presença em si do
ser amado, continua a ter sua individualidade, o que faz agradar o outro sem
desagradar a si próprio. Para tal autor o amor não pede refúgio
na fantasia e negação dos defeitos de quem se ama. Ao contrário,
o amor possibilita uma aceitação do outro, um estar disponível
ao outro.
Cardella (1994),
sobre esta disposição ao outro, diz ser o amor a polaridade oposta
do egocentrismo e do sofrimento de natureza emocional. E cabe neste estado de
disposição ao outro a imposição de limites entre
si e o outro. A autora supracitada destaca que estar disponível ao outro
e, ao mesmo tempo, impor limites na relação entre si e o outro,
implica uma satisfação mútua, tal satisfação
está diretamente ligada com as formas de manifestação de
amor vivenciadas por quem ama e quem é amado.
Assim, homens e mulheres experimentam constantemente as manifestações de amor em suas relações amorosas, tais manifestações assumem a forma de amor romântico e amor erótico.
O encontro das diferenças na heterossexuailidade
A maneira como homens e mulheres vivenciam as relações amorosas
na heterossexualidade recebe forte influência da sociedade patriarcal,
influência esta vinda através da educação dada a
homens e mulheres e imposta pela sociedade, a qual educava os homens para serem
vorazes e ativos no âmbito sexual e as mulheres para serem recatadas e
passivas diante das práticas sexuais.
De acordo com
Rocha Coutinho (1994), no período colonial, existia uma organização
patriarcal dupla com relação aos laços matrimoniais. Ou
seja, o casamento servia para fazer alianças política e econômica
entre as famílias patriarcais. A autora em questão afirma que
em tais casamentos imperavam a hierarquização e desigualdade de
gênero, onde as mulheres eram dominadas pelos homens. A sociedade patriarcal
funcionava com os homens no domínio público, que englobava a economia,
a política e o lazer. A masculinidade estava associada ao poder e a virilidade,
esta exercida com concubinas e escravas. Enquanto as mulheres ficavam no domínio
privado, responsáveis pela criação dos filhos, gestão
da casa e cuidado com doentes e idosos. A mulher de respeito devia ser ingênua
e permanecer distante das práticas sexuais, as quais eram destinadas
apenas à procriação e realizadas somente depois do casamento.
Boff e Muraro
(2000), com relação as diferenças do masculino e do feminino
no corpo e na maneira de ser, acreditam que tanto o homem como a mulher projetam,
ao seu modo, a existência. Ou seja, têm suas maneiras de construir
as relações, de integrar as rupturas existenciais e sociais e
de elaborar um horizonte próprio. Assim, os referidos autores defendem
que atitudes como trabalho, agressão e transformação são
maneiras de ser atribuídas aos homens, mas também encontradas
nas mulheres, enquanto cuidado, coexistência e comunhão com a realidade
são maneiras de ser atribuídas às mulheres, mas que também
fazem parte dos comportamentos masculinos.
Na concepção
de Koss (2000), na idade média a maneira de ser do indivíduo era
uma resposta aos papeis que este indivíduo desempenhava diante da sociedade
vigente e dos familiares. Como o homem era visto com capacidade para o trabalho,
foi confiado a ele o papel de provedor e protetor do lar, o qual era responsável
pelo sustento da família, cabendo à mulher servi-lo, honrá-lo
e merecê-lo. Ela, por sua vez, era responsável pelos cuidados domésticos
e criação dos filhos. Nessa forma de estruturação
familiar a mulher ocupa um lugar de submissão em relação
ao homem, submissão esta que se estendia até o âmbito sexual.
Dessa forma, era esperado da mulher que a mesma fosse recatada e contesse seus
impulsos sexuais. Já os homens eram incentivados a dar vazão ao
desejo sexual. Eles vivenciavam experiências sexuais antes do casamento
para provar sua virilidade e era cobrado deles a continuidade da linhagem, ou
seja, filhos. Para Koss (2000), tais comportamentos marcam a vivência
do amor cortês, o qual era dedicado às damas “pura”,
virgens; e do amor profano, vivenciado pelos homens quando estes satisfaziam
seus desejos sexuais com as mulheres ditas como promíscuas pela sociedade
vigente. Nesse sentido, as práticas sexuais tomaram significados não
apenas como parte na construção de uma hierarquia de homens e
mulheres, mas como uma interpretação da natureza de cada indivíduo,
onde está presente nas relações heterossexuais o amor e
o poder.
Strey (2002)
afirma que a hierarquia entre homens e mulheres é um rótulo criado
por teorias normativas explícitas ou implícitas. Os indivíduos
na função de pertencerem a uma determinada raça, classe
social ou gênero, perdem a possibilidade de vivenciar a experiência
humana em sua plenitude. Segundo a autora supra citada “pessoa”
é um ser em relação com outro ser, considerando um ponto
de ação, que representa sua intencionalidade e a atuação
e um ponto de vista representado pela cognição e percepção.
Assim Strey (2002)
compreende a existência pessoal como originalmente e continuamente uma
existência compartilhada.
De acordo com
Anton (2000), a hierarquia existente nas relações entre homens
e mulheres representa uma significativa dificuldade na concretização
de uma relação de amor. A grande responsável por tal dificuldade
é a inferioridade sexual, presente na relação entre homens
e mulheres. Essa inferioridade diretamente ligada à dificuldade de construir
um bom vínculo na relação dual diminui a responsabilidade
e alivia o peso sentidos pelo indivíduo no momento da escolha do sexo
oposto, visto que um vínculo harmoniosos é construído na
relação entre o casal e não apenas na escolha do cônjuge.
Para Anton (2002) a escolha certa do indivíduo diante das relações
amorosas não acontece por acaso. A adoção de posturas e
as opções feitas ao longo da vida sofrem marcantes influências
de fatores internos, dos quais o indivíduo não tem consciência.
Cabe, então, ao indivíduo se definir perante os estímulos
apresentados e integrar os estímulos de ordem externa com os de ordem
interna. A partir da identificação com cada estímulo e
da maneira como tais estímulos se apresentam ao indivíduo, este
indivíduo escolhe seus meios de se relacionar com os estímulos.
A autora em questão considera a relação de uma pessoa com outra dependentes das relações que ambas estabelecem com seus self. Visto que é a partir da integração entre o organismo, ser humano em sua individualidade, e o meio, sociedade na qual este ser humano está inserido, que homens e mulheres se relacionam e buscam uma satisfação pessoal e uma aceitação social. Entretanto, é necessário que haja um harmonia entre tal satisfação pessoal e aceitação social. É esta harmonia que é buscada por homens e mulheres em suas formas de amar nas relações duais.
A
descaracterização do amor romântico e a popularização
do amor erótico
De acordo com Giddens (1993), na idade média, época da sociedade
patriarcal, os ideais do amor romântico faziam parte mais das vivencias
amorosas das mulheres do que das relações amorosas dos homens,
embora estes homens tenham sofrido, igualmente às mulheres, as influências
de tais ideais de amor. Esta diferença na forma de amar, como o ideal
implícito pela sociedade, acompanha os indivíduos até os
dias de hoje, em que vivemos uma igualdade no que diz respeito aos direitos
de homens e mulheres.
Mas apesar
da sociedade continuar cobrando atitudes diferentes dos indivíduos, atitudes
estas que se relacionam com seus papéis sociais, a igualdade dos direitos
femininos e masculinos marca a transformação das vivências
amorosas, o que permite a intimidade do casal, a relação sexual,
ser uma negociação transacional de vínculos pessoais independente
do casamento.
Entretanto
a mudança na maneira de agir causa ainda um certo desconforto tanto para
homens como para mulheres. Isso porque os papéis sociais de provedor
e protetor do lar para o homem e cuidadora da casa e dos filhos para a mulher
continuam fortemente introjetados. A mulher aparece mais segura e decida com
relação às práticas sexuais e ao mesmo tempo insegura
sobre o que o homem pensa dessa atitude moderna, já o homem aparece mais
receptivo a essa segurança feminina e igualmente inseguro sobre a fidelidade
e lealdade dessa mulher. Mas mesmo com as inseguranças, a valorização
da vida sexual pelo casal moderno centraliza as relações amorosas
de homens e mulheres no prazer e desconstroe a relação baseada
no poder e nas vantagens, representadas pelos dotes da mulher e pelo sobrenome
do homem.
Para Giddens
(1993) o amor romântico ou confluente é considerado “eterno”,
pois, do ponto de vista social, não existem pendências em tais
relacionamentos. O casal se completa e atinge o equilíbrio. Em contrapartida
não existe uma intimidade entre o casal que possibilite a ampliação
do conhecimento mútuo e profundo sobre o outro. Já o amor erótico
considera a igualdade na doação e no recebimento emocional, a
relação é desejada e não obrigada, prometida. O
amor erótico desconstroe as categorias “para sempre” e “único”
dos ideais do amor romântico e se desenvolve até o ponto em que
se desenvolve a intimidade, até o ponto em que cada parceiro está
disposto e preparado para manifestar preocupações e necessidades
em relação ao outro e está vulnerável a este outro
na mesma medida. Giddens (1993) considera o amor erótico essencial para
o relacionamento puro, uma vez que o que mantém este relacionamento puro
é a aceitação, por parte de cada um dos parceiros, de que
cada um destes parceiros obtenha da relação benefícios
suficientes que justifique a continuação desta relação.
Cardella (1994),
sobre o fato de o amor erótico objetar apenas o bem estar dos parceiros
evolvidos na relação amorosa, caracteriza este amor erótico
como:
"Uma fusão de dois seres integrados, maduros e independentes, que não se unem com o propósito de satisfazer apenas necessidades e desejos, nem de serem amados, mas sim, de amar e compartilhar o amor que sentem." (p.28)
Com tal afirmação,
a referida autora apresenta o amor erótico como um amor que permite e
apóia o crescimento de ambos os parceiros envolvidos na relação,
o que possibilita tanto ao homem quanto à mulher a realização
como indivíduo singular.
De acordo com
Cardella (1994), esta realização como indivíduo singular
é possível no amor erótico quando os indivíduos,
homem e mulher, realizam o processo de integração das polaridades.
Tal processo ocorre quando os indivíduos integram à sua personalidade
os aspectos da personalidade do sexo oposto já existentes, porém,
projetados.
Assim, o homem se torna capaz de vivenciar os aspectos positivos que projetava na mulher, como a aceitação e expressão dos sentimentos e das necessidades, a receptividade, sensibilidade, afetividade, vulnerabilidade, suavidade, intuição, compreensão interiorização. Enquanto a mulher se torna capaz de experimentar seus aspectos positivos, os quais projetava no homem, como independência, atividade, estabelecimento de metas, aspirações, segurança, racionalidade, concentração e determinação.
Dessa forma
a relação dual se torna compartilhada pelos indivíduos
inseridos nela e bem mais prazerosa para tais indivíduos.
Para Cardella
(1994) o amor romântico está relacionado com a idealização
do ser amado, esta idealização mascara a verdadeira identidade
do ser idealizado, exclui a sinceridade e a aceitação do ser amado,
como ele é, pelo outro. Tal idealização constrói
uma imagem perfeita, porém falsa, do ser amado. Em contrapartida, no
amor erótico a sinceridade e aceitação do ser amado sem
máscaras é que transforma a relação amorosa em um
relacionamento puro, seguro, intenso.
Cardella (1994) afirma que o amor romântico representava, na época da idade média, a paixão entre o casal, enquanto o amor erótico visava apenas o sexo. Entretanto, é no amor erótico, através da capacidade de entrega ao outro, que o verdadeiro sentimento de paixão é sentido pelos parceiros nas relações amorosas heterossexuais. No amor erótico tal paixão é sentida tanto pela mulher quanto pelo homem, pois, há um envolvimento significativo entre o casal que permite a fortificação da relação e dos sentimentos presentes nesta relação. Já no amor romântico, a paixão é um sentimento voltado para a mulher, visto que é esta mulher que demonstra algum sentimento na relação amorosa do casal, enquanto o homem se preocupa em proteger e prover o sustento da família.
A Gestalt-Terapia e as relações amorosas entre homens
e mulheres
A análise
deste estudo sobre as relações amorosas entre homens e mulheres
teve por base a Gestalt-terapia, abordagem da psicologia da linha fenomenológica.
Para Rodrigues (2000) a Gestalt-terapia entende o ser humano como um ser individualizado,
capaz de encontrar a saída mais satisfatória para as dificuldades
que são apresentadas a este indivíduo, e não existem saídas
certas e/ou erradas, visto que depende de como a dificuldade se apresenta ao
indivíduo e de como este indivíduo reage a tal dificuldade. Ou
seja, o indivíduo, chamado pelo referido autor de percebedor, deposita
na situação apresentada ao mesmo, chamada de fenômeno pelo
autor em questão, seus conteúdos pessoais, o que possibilita ao
fenômeno se apresentar de uma maneira única a cada indivíduo
e cada indivíduo se apresentar de uma maneira única a cada fenômeno.
Assim, Rodrigues
(2000) afirma que quando o indivíduo, o percebedor, descreve algo que
observa, não é exatamente o objeto observado que está sendo
descrito, mas sim a relação que este percebedor estabeleceu com
o objeto observado.
Ao relacionar
o conteúdo acima exposto com as formas de vivenciar as relações
amorosas heterossexuais, se percebe que, tanto na idade média quanto
nos tempos atuais, existem pessoas adeptas do amor romântico e do amor
erótico. Isso significa que os indivíduos escolhem a maneira que
mais os satisfaz para se relacionar com o sexo oposto. Entretanto, o indivíduo
pode se perceber em conflito entre os valores patriarcais, fortemente introjetados,
e o desejo de buscar a satisfação das necessidades sexuais e ir
de encontro aos valores acima referidos.
De acordo com
os Pôster (2001), no momento em que se instala o conflito supracitado
o indivíduo se percebe insatisfeito. Os autores em questão afirmam
que, diante de tal insatisfação, o gestalt-terapeuta faz uso de
experiências que aumente o senso de “eu” do indivíduo,
que cristaliza suas introjeções, com o objetivo de desfazer tais
introjeções. Ou seja, o gestalt-terapeuta permite aos homens e
mulheres a ampliação do auoconhecimento por parte destes seres
humanos, o que possibilita a estes seres diferenciar os valores patriarcais
introjetados das necessidades sexuais sentidas pelos indivíduos e facilita
a satisfação das necessidades dos mesmos.
Uma possibilidade
de intervenção nesse caso seria o gestalt-terapeuta pedir que
o indivíduo forme frases pra si mesmo e para o terapeuta, inicialmente
com o pronome eu, e depois com o pronome você, tal intervenção
visa fazer com que o indivíduo entre em contato com o que são
conteúdos seus e o que são conteúdos introjetados.
Os Polster
(2001) afirmam que ao desfazer a introjeção, o gestalt-terapeuta
deve objetivar que o indivíduo estabeleça dentro de si um senso
de escolhas e estabeleça o poder, que tal indivíduo tem, para
diferenciar os conteúdos que fazem parte da personalidade deste indivíduo
e os conteúdos que são introjetados por tais indivíduos.
Assim, o indivíduo é capaz de reagir, de maneira única
e satisfatória, a um determinado fenômeno.
Kiyan (2001)
explica que a gestalt-terapia compreende o homem e a mulher como seres integrados
e organizados. Tal integração e organização permitem
que qualquer coisa que ocorra com uma parte destes indivíduos afete o
todo. Entretanto, este homem e esta mulher integrados e organizados possuem
necessidades a serem satisfeitas a todo momento, necessidades estas que podem
ser fisiológicas ou psíquicas. Quando o indivíduo identifica
uma dessas necessidades e tenta satisfazê-las, tal indivíduo está
em busca da auto-regulação organísmica, ou seja, procura
readquirir o equilíbrio, fisiológico e psíquico, que tinha
antes da necessidade surgir.
De acordo com
Kiyan (2001), esta necessidade é a figura que emerge, é o que
chama a atenção do indivíduo para uma solução
num dado momento. E o fundo é todo o resto do indivíduo que não
demonstra necessidade de atenção. No momento em que a necessidade
é satisfeita, passa a ser fundo e dar lugar a outra necessidade que vai
emergir. Kiyan (2001) classifica o processo estabelecido na dinâmica figura/fundo,
para obter satisfação de necessidades, de ciclo de contato. E
denomina ajustamento criativo as maneiras possíveis entre o indivíduo
e o meio de satisfazer as necessidades emergentes.
Para os Ginger
(1995) tal ciclo de contato acontece na fronteira de contato entre o indivíduo
e o meio. Entretanto, os autores supracitados afirmam que este ciclo de contato
pode ser interrompido devido ao aparecimento de resistências em diversos
momentos do ciclo. Tais resistências impedem o indivíduo de responder
as suas necessidades da maneira mais satisfatória para o mesmo, pelo
fato de possibilitar o ajustamento criativo do indivíduo diante da satisfação
das necessidades de tal indivíduo.
Os Polster
(2001, p. 183) ressaltam que é “no momento em que o poder da necessidade
e a força da resistência são aproximadamente iguais, que
o impasse acontece”. Ou seja, quando o indivíduo está em
conflito entre a satisfação de uma necessidade e uma resistência
que impede tal satisfação. Nesse momento de impasse, o papel do
gestalt-terapeuta é possibilitar ao indivíduo conflituoso o contato
com o conflito, através da awareness, a qual, de acordo com Rodrigues
(2000), tem como objetivo fazer o indivíduo descobrir o mecanismo pelo
qual tal indivíduo aliena parte do seu self, o que evita a consciência
deste indivíduo sobre si e o meio. Na concepção dos Ginger
(1995), um indivíduo saudável é aquele que se ajusta criativamente
para satisfazer suas necessidades.
Nas relações
amorosas, o ciclo de contato, realizado pelo indivíduo, acontece quando
este indivíduo, por exemplo, se percebe com necessidades sexuais e satisfaz
tais necessidades do modo que considere melhor, o qual se ajusta criativamente
com a necessidade emergente e fica auto-regulado, equilibrado consigo mesmo.
Entretanto, este indivíduo pode resistir a satisfazer suas necessidades
sexuais e passar a vivenciar um impasse entre a satisfação das
necessidades sexuais e a resistência em obter tal satisfação.
Neste momento,
tal indivíduo pode fazer uso de mecanismos de defesa, os quais eliminam
o impasse e possibilita a satisfação. Um mecanismo de defesa possível
para satisfazer a necessidade sexual é a retroflexão, a qual é
definida pelos Polster (2001) como a ação onde o indivíduo
faz com ele mesmo aquilo que gostaria de fazer com o outro. Assim, este indivíduo
pode se masturbar, para satisfazer as suas necessidades sexuais e respeitar,
ao mesmo tempo, a resistência em obter esta satisfação através
de uma relação a dois.
Tal maneira
de lidar com o conflito só não é considerada uma saída
saudável se for um comportamento cristalizado. No caso de tal comportamento
se tornar cristalizado, ou seja, a única saída, na concepção
do indivíduo, para a resolução do conflito, o gestalt-terapeuta
deve estar atento e inerver com o objetivo de fazer com que o sujeito que cristalizou
o comportamento entre em contato com esta cristalização e tenha
uma awareness, a qual é uma ampliação da consciência,
que possibilita ao indivíduo a visualização de outros meios
que permitem a satisfação das necessidades deste indivíduo,
isto é, o ajustamento criativo.
Este indivíduo,
no momento que satisfaz suas necessidades, desloca estas necessidades, que estão
como figura, para o fundo. Assim, Kiyan (2001) afirma que as necessidades, sentidas
pelo indivíduo, e não satisfeitas, passam a ser situações
inacabadas, as quais, de acordo com os Ginger (1995, p.125), são “dificuldades
de ajustamento entre o indivíduo e seu meio”. Estas situações
inacabadas são transferidas para o fundo, mas, por estarem inacabadas,
tais situações voltarão sempre, na tentativa de serem resolvidas.
E como cada indivíduo reage de maneira única a um fenômeno,
os mecanismos de defesa utilizados dependem do funcionamento do self do indivíduo.
Por exemplo, as mulheres solteiras das sociedades patriarcais, por terem obrigação,
perante a sociedade vigente, de conter os impulsos sociais, liberavam as energias
não gastas em trabalhos domésticos, quando ajudavam as mães
com os afazeres domésticos e criação dos irmãos
e irmãs menores, mas tais mulheres continuavam insatisfeitas, pois, a
situação continuava inacabada até o momento em que tais
mulheres permitiam que os impulsos sexuais retomassem seu curso e alcançassem
a inteireza. Ou seja, de acordo com os Polster (2001), a satisfação
só ocorre quando o indivíduo consegue satisfazer a necessidade
que está como figura e transformar esta necessidade em fundo.
Para tanto,
tal indivíduo, com a ajuda do gestalt-terapeuta, precisa ter consciência
da necessidade emergente e da resistência que impede a satisfação
de tal necessidade, isto é, o indivíduo precisa entrar em contato
consigo mesmo e ter uma awareness. Entretanto, por o gestalt-terapeuta trabalhar
na linha fenomenológico-existencial, as intervenções acima
citadas são possibilidades que podem emergir do encontro cliente-terapeuta,
nada é uma obrigatoriedade de acontecimentos.
O processo
estabelecido na dinâmica figura/fundo pode ser relacionado com a teoria
paradoxal da mudança, teoria esta que se inclui nos conceitos da gestalt-terapia.
Na concepção de Beisser (in Fagan e Shepherd 1980, p.110), a teoria
paradoxal da mudança consiste no fato de que “a mudança
ocorre quando a pessoa se torna o que é, não quando tenta converter-se
no que não é”. O autor acima referido acredita que tal mudança
não acontece de forma coerciva, e sim quando o indivíduo, que
muda, dedica tempo e esforço para ser o que é e não o que
os outros querem que este indivíduo seja.
De acordo com
Fagan e Shepherd (1980), o conflito, em que se encontra o indivíduo que
busca mudanças, envolve o que tal indivíduo “deveria ser”
e o que este indivíduo pensa que “é”. Neste momento,
o gestalt-terapeuta age não de forma a transformar o indivíduo,
pois o profissional acima referido rejeita o papel de “transformador”,
mas encoraja tal indivíduo a ser o que é, visto que, o gestalt-terapeuta
acredita que a mudança ocorre quando o indivíduo abandona o que
gostaria de ser e tenta assumir o que é.
Assim, na concepção
de Fagan e Shepherd (1980), o gestalt-terapeuta faz com que o indivíduo
conflituoso entre em contato com sua maneira de ser e identifique os fragmentos
alienados, o que permite ao indivíduo integrar tais fragmentos alienados
à sua personalidade e identificar estes fragmentos alienados como material
introjetado, o que permite a este indivíduo ignorar o que gostaria de
ser (para agradar a sociedade) e ser como é. Uma possibilidade de intervenção
nesse caso seria o gestalt-terapeuta pedir para o indivíduo investir
totalmente nos seus papeis, o que tal indivíduo gostaria de ser e como
o mesmo é, um de cada vez. Por tais papeis representarem conflitos para
o indivíduo, este mudará de papéis com rapidez, nesse momento
o gestalt-terapeuta pede que o indivíduo seja o que é neste momento
e possibilita a tal indivíduo uma experienciação de ser
como é.
Ao relacionar
a teoria paradoxal da mudança com as vivências amorosas heterossexual
de homens e mulheres, se percebe o quanto estes indivíduos agem da maneira
que gostariam de ser e não da maneira que são, por buscarem uma
aceitação social. Se nas sociedades modernas atuais existem indivíduos
que abdicam a maneira que são, por valorizarem a maneira que gostariam
de ser em prol do respeito social, nas sociedades patriarcais, tais comportamentos
eram exigidos e não uma opção.
Cardella (1994)
ressalta que o amor erótico é, atualmente, mais vivenciado do
que o amor romântico por possibilitar aos parceiros a liberdade de buscar
a própria satisfação e de poder ser quem realmente é.
Diante desta liberdade, os indivíduos se permitem compartilhar o amor
que sentem pelo outro, numa relação heterossexual, sem medo, vergonha
ou pudor.
Diante do que foi exposto é possível uma relação da Gestalt-Terapia com a forma de amor erótica, visto que esta possibilita aos indivíduos envolvidos maior liberdade na relação, enquanto o amor romântico é uma atitude cobrada da sociedade, repleta de obrigações, deveres e pouco prazer nas relações, no sentido de plenitude. Entretanto, o estudo possibilitou concluir que mesmo o amor romântico, se for vivenciado de forma assumida e satisfatória, pode ser muito prazeroso para o casal. O ideal é estar de acordo com as próprias convicções e não se deixar levar por imposições sociais e a partir disso viver livremente o amor, seja de maneira romântica e/ou erótica.
REFERENCIAS
ANTON, I. L. C. A Escolha do Cônjuge: um entendimento sistêmico e psicodinâmico. Porto Alegre; Artes Médicas, 2000.
CARDELLA, B. H. P. O Amor na Relação Terapêutica: uma visão gestáltica. São Paulo: Summus editorial, 1994.
FAGAN, J.; SHERPHERD, I. L. Gestalt-terapia: teorias, técnicas e aplicações. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.
GIDDENS, A. A Transformação da Intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. São Paulo: UNESP, 1993.
GINGER, S.; GINGER, A. Gestalt: uma terapia de contato. 3ª ed. São Paulo: Summus, 1995.
KIYAN, A. M. M.. E a Gestalt Emerge: vida e obra de Frederick Perls. São Paulo: Altana, 2001.
POLSTER, E.; POLSTER, M. Gestalt-terapia Integrada. São Paulo: Summus, 2001.
ROCHA COUTINHO, M. L. Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas relações familiares. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
RODRIGUES, H. E. Introdução à Gestalt-terapia: conversando sobre os fundamentos da abordagem gestáltica. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
STREY, M. N.; et al. Gênero e Questões Culturais: a vida de mulheres e homens na cultura. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2002.
Endereço para correspondência
Margarida Florencio Dantas
E-mail: margamdantas@hotmail.com
Recebido em:
09/06/2010
Aprovado em: 17/06/2011