ARTIGO
Postura Gestáltica na Prática Clínica
Gestalt stance in Clinical Practice
Hilber Matias Cunha
Resumo
O objetivo deste artigo é propor uma reflexão acerca da postura
gestáltica na prática clínica. Na medida em que não
há uma forma definida e acabada de prática gestáltica,
é lícito que todos nós que “militamos” nesta
abordagem busquemos uma postura própria no exercício desta prática
terapêutica. Nesta busca o artigo identifica o acolhimento, o olhar fenomenológico
e a troca reflexiva como momentos ou movimentos chave de uma postura gestáltica.
Assim, no seu desenrolar, o artigo propõe uma divisão desta postura
em três momentos que, embora seja meramente didática, ajuda o leitor
a compor uma visão aproximada de como o autor busca exercitar esta prática
terapêutica.
Palavras-chave: Gestalt; Dor; Acolhimento; Campo; Olhar fenomenológico,
Fluidez.
Abstract
The objective of this article is to propose a reflection about the gestalt posture
as a clinical practice. Since there is no a defined and finished form as a single
way of gestalt practice, is fair to all of us, who serve in this cause, to search
for an own posture to perform this therapeutic practice. In this search, the
article identifies the welcoming, the phenomenological look and reflexive exchange
as a key moments or key movements of a gestalt posture. In order to develop
these ideas, the article proposes a tree moments division to this posture, that
even being only for didactic meters; will help the reader to build a close view
about how the author tries to perform this therapeutic practice.
KeyWords: Gestalt; Pain; Host; Field; Phenomenological look; Fluidity.
Postura Gestáltica na Prática Clínica
Escrever sobre este tema
é algo que ao mesmo tempo incomoda e estimula. O incômodo se dá
na medida em que, desde o primeiro contato com a Gestalt, tenho escutado que
não existe uma forma definida e acabada de prática gestáltica.
Então, como ser um gestalt-terapeuta? O que é preciso para que
eu possa me afirmar como tal?
Por outro lado é muito estimulante pensar numa prática que está aberta e quando me refiro a uma prática terapêutica com esta característica, penso na possibilidade de desenvolver uma postura própria de exercer esta prática.
E aqui chego ao meu dilema. Qual o limite entre a minha postura pessoal e o
exercício da prática gestáltica? Existe esse limite? Será
a prática da gestalt como as gestalten individuais, onde cada um elege
as suas de acordo com o momento que está vivendo? Será preciso
escolher entre as praias do sol nascente ou do poente? E as montanhas do meio
do caminho, que atenção devemos dar a elas? E ainda, quem vai
dizer se o que estou fazendo é gestalt-terapia? E esse veredicto é
fato ou opinião? Para quem?
Até o momento, me ative às dúvidas; dúvidas que
têm me assaltado sempre quando penso neste tema como agora em que tento
escrever este artigo, mas que não me incomodam em nada no dia a dia da
minha curta vivência como “gestalt-terapeuta”, pois para mim
é certo que se na hora do atendimento fico com minhas dúvidas,
então não estou com meu paciente, e aí com certeza não
estarei fazendo gestalt-terapia.
Ora, vocês podem pensar estar lendo um louco furioso ou um leviano inconsequente.
Mas desde já advirto não se tratar nem de um caso nem de outro.
Trata-se na verdade de como me sinto em relação a este tema, ou
seja, preciso pensar sobre a gestalt-terapia enquanto prática terapêutica
e como praticá-la a partir de um referencial próprio, e aí
os questionamentos são tão inevitáveis quanto intermináveis;
ao mesmo tempo em que não posso me permitir viver estes questionamentos
pelas razões explicitadas acima.
Nos primeiros rascunhos que escrevi deste artigo, me peguei em afirmações
assertivas sobre o que é ser um GT (Gestalt-Terapeuta) ou sobre como
praticar a gestalt-terapia, como proceder e se comportar. A ideia da gestalt-terapia
como uma dança cuja coreografia se constrói no encontro dos parceiros
é a que mais me agrada e a que busco. Mas até mesmo quando penso
na questão da dança, me vem à cabeça a ideia de
que existem posturas e condutas que são “esperadas” dos parceiros
que formam o par.
Quando recebo um paciente, acredito receber alguém que vem, não
para uma dança livre, mas para uma dança na qual ele vem com uma
expectativa, seja ela de ser conduzido ou até mesmo de conduzir. Uma
dança na qual a música será a demanda que ele traz e o
ritmo a sua forma possível de lidar com essa demanda, com aquilo que
o fez buscar um processo terapêutico e que quase sempre é uma dor,
que o incomoda, o interrompe, o mobiliza, mas que acima de tudo é uma
dor que dói, que machuca e do que de alguma forma ele quer se livrar.
Ele não está preocupado com o papel que cada um terá na
dança, nem mesmo se ele está ali para dançar; tudo que
ele quer é ser ouvido, poder dividir aquilo que o fere e aí chegamos
ao primeiro momento do que considero uma postura gestáltica na prática
clínica. O acolhimento.
Ao receber esse ser humano que me chega em busca de ajuda, minha primeira preocupação
é recebê-lo ouvindo sua queixa, para que se sinta ouvido em sua
queixa, sugestão — ‘sua queixa’ repetido — pode
ser alterada respeitando sua dor e suas dúvidas para que se sinta respeitado
em sua dor e sua dúvida idem ‘sua dor’, tratando-o como um
ser humano único e irrepetível para que perceba que pode se sentir
como tal.
Pode parecer que me refiro a obviedades, mas se pensar em gestalt é pensar
no “aqui e agora”, então pensar em gestalt é pensar
em relação, ou indo um pouco além, é pensar na relação
que está acontecendo ali naquele momento. Segundo Perls, a terapia gestáltica
é, então, uma terapia, “aqui e agora”, em que pedimos
ao paciente para voltar toda a sua atenção ao que está
fazendo no momento, no decorrer da sessão — justamente aqui e agora.
(A abordagem Gestáltica, cap. IV)
Uma relação, qualquer relação, não surge
simplesmente, ela é fruto do que é construído a partir
da interação entre pessoas, daquilo que duas ou mais pessoas elegem
trazer para o campo onde esta relação acontece. Mas será
tão simples assim?
Acredito que simples, talvez; fácil, nunca. E aqui voltamos ao acolhimento.
Acolher é cuidar e certa vez meu professor Marcelo Pinheiro disse em
sala de aula que nós psicólogos somos profissionais da relação
e como tal nos cabe cuidar desta “coisa” (a relação)
que é o objeto da nossa profissão.
Quando é colocado que acolher é cuidar, acredito que o que se
busca é pontuar que o acolhimento é um processo contínuo
e não apenas um momento inicial; é se fazer permanentemente presente,
curioso, inteiro nesta relação que vem sendo construída
a cada encontro, e que como terapeutas temos uma obrigação profissional
com a qualidade do que está sendo construído, estando atento para
possíveis desvios, reforçando os compromissos, pontuando cada
passo, ressaltando as vitórias, mas acima de tudo estando disponível
para ir ao encontro daquele ser humano.
O acolhimento, acredito, faz parte de todas as abordagens terapêuticas
e práticas clínicas, mas a forma deste acolhimento me leva a pensar
no que considero ser o segundo momento de uma postura gestáltica na prática
clínica. O olhar fenomenológico.
No momento em que recebemos e acolhemos um paciente, poder olhá-lo como
esse ser único e irrepetível é mais, muito mais que do
que simplesmente “saber” que cada pessoa é uma pessoa; é
preciso estar aberto a receber e acolher esta pessoa que se apresenta, tal qual
ela se apresenta.
Adotar uma postura fenomenológica é estar aberto a olhar para
essa pessoa realmente como um ser único e irrepetível, sem pré-conceitos,
sem reduzi-lo a diagnósticos ou tratados tipológicos, tranquilizadores
para terapeutas e pacientes, mas imobilizantes em sua forma imutável.
Exercer uma postura fenomenológica é um exercício permanente
de estar aberto às possibilidades que se apresentam ali, de estar aberto
e curioso para conhecer como é para o outro estar naquele lugar em que
ele se encontra e que é dele, ao contrário de “saber”
a priori como se sente este ser humano neste lugar tão comum que “todo
mundo conhece”.
Cada ser humano é um construto de milhões de situações
e acontecimentos que nos atingem. Lewin em sua Teoria de Campo afirma que:
“Em seu espaço de vida, o indivíduo experimenta forças que podem ser representada,s esquematicamente, por vetores, que terão um ponto de aplicação, uma direção e uma intensidade. Essas forças são experimentadas como tensões, que apresentadas como necessidades, buscam ao equilíbrio através de sua satisfação. (Lewin – Teoria de Campo em Ciências Social 1965)
Ora, quando penso em conceitos como espaço, e forças com direções
e intensidades próprias, imediatamente sobressai para mim a individualidade
em seu sentido mais unicista, tornando absolutamente inviável pensar
o paciente a partir de um referencial de causa e efeito pré-estabelecido.
Conforme mencionado acima cada ser humano é um construto de milhões
de situações e acontecimentos diferentes, que ocorrem em espaços
distintos e em momentos próprios, dando formas únicas a cada um
de nós dos bilhões de habitantes deste mundo que andamos pelas
cidades ou campos movidos por interesses próprios, absolutamente individuais,
sentindo, lidando e reagindo de forma totalmente pessoal até mesmo a
fatos que são comuns a todos ou a um determinado grupo.
Para agir fenomenologicamente não basta apenas sair à rua e se
dar conta de que ninguém se encaixa em uma forma, mas aceitar sem a prioris
as inúmeras possibilidades de forma que cada um é.
Na prática clínica, adotar uma postura fenomenológica é,
no meu entender, estar disponível para, de uma forma não pré-conceitual,
ir ao encontro do paciente sem perguntar o porquê de ele estar ali ou
como ele chegou até ali, mas ir até ele genuinamente curioso em
conhecer que lugar é esse, entender como é para ele estar ali
e o que tudo isso conta sobre este paciente.
Quando conseguimos ir até “esse lugar” e começamos
a checar com ele se o lugar é realmente esse e como é estar ali,
estamos então entrando no terceiro momento que eu de forma licenciosa
vou chamar de momento reflexivo. Me ocorre denominá-lo desta forma pois
é o momento em que passamos a refletir para o paciente a imagem que estamos
vendo dele.
Na prática gestáltica essa reflexão se dá na forma
de uma checagem, pois se fenomenologicamente não trabalhamos com a prioris,
entendemos que a imagem que refletimos para o paciente é um construto
do terapeuta e por isso não necessariamente reflete o significado do
paciente para aquele momento.
Quando checamos o que percebemos proporcionamos ao paciente a possibilidade
de refletir para nós o quanto conseguimos ou não nos aproximar
dele, e é essa troca que permitirá excluir no decorrer do processo
terapêutico ir conhecendo aquela pessoa que se apresenta, tal qual ela
se apresenta.
Em termos terapêuticos, essa troca reflexiva é a própria
terapia, pois uma vez que checamos com o paciente aquilo que vemos e damos a
ele a oportunidade de refletir de volta, estamos levando este paciente a entrar
em contato com os seus próprios significados e também com a sua
forma de significar os momentos da sua vida, abrindo espaço para que
ele se aproprie do que realmente é seu e re-signifique aquilo que não
pode dar conta e possa se desfazer do que não lhe pertence.
É importante ressaltar que a divisão em três momentos conforme
proposta é apenas didática, pois na realidade de uma terapia não
existe uma ordem cronológica. De uma forma processual os três momentos
se perpassam a todo instante. Para viver a troca reflexiva, preciso ser acolhedor
e ter um olhar fenomenológico e, sendo acolhedor, preciso ter um olhar
fenomenológico para que a troca reflexiva seja feita o mais próxima
possível do paciente e para ter um olhar fenomenológico é
preciso estar disponível para acolher aquele ser humano tal qual se apresenta
e trocar o que percebo dele a partir daquilo que para ele é possível
mostrar.
Os três momentos compõem um único processo contínuo
e ininterrupto, que, assim como na dança, ganha mais fluidez, mais flexibilidade
quanto mais os parceiros se dispõe a trocar, percebendo a si e ao outro,
e se responsabilizando pelo que escolhem dar e receber nesta troca.
Referências
LEWIN, K. Teoria de Campo em Ciência Social. 1965.
JULIANO, Jean Clark. A Arte de restaurar histórias: libertando
o diálogo. 1999.
FONSECA, Afonso H Lisboa. Gestalt Terapeutas, antropólogos experimentais
fenomenológico-existenciais. 2006
PERLS, Fritz. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia.
1973
Hilber
Matias Cunha
E-mail: hilbercunha@yahoo.com.br
Recebido em:
23/04/2010.
Aprovado em: 04/11/2010.