ARTIGO
Reflexões sobre o hospital geral: um olhar psi e histórico
Reflections on the general hospital: a historical look and psychological
Helena Pinheiro Jucá-Vasconcelos
Resumo
O presente
artigo aborda alguns aspectos históricos na formação do
hospital e da entrada do psicólogo no hospital geral. É discutida
a dimensão afetiva da equipe, já que no ambiente hospitalar podem
emergir dificuldades emocionais ao se lidar com os pacientes. Por fim, é
proposta uma reflexão sobre as possibilidades de trabalho do gestalt-terapeuta
no ambiente hospitalar.
Palavras-chave: Psicologia
hospitalar; intervenção psicológica; equipe multidisciplinar.
Abstract
This article deals with some historical aspects in the formation of hospitals and the entry of psychologists in general hospitals. It also aims at discussing the affective dimension of teams within the framework of emotional difficulties from working with patients in hospital environment. Finally, a reflection concerning the potencial of Gestalt therapists in hospital environment is presented.
Keywords: Hospital Psychology; psychological intervention; interdisciplinary team.
O hospital, tal como o conhecemos, é uma instituição relativamente nova. Na Idade Média, criou-se essa instituição que inicialmente era de caridade com o objetivo de abrigar, alimentar e dar assistência aos pobres, miseráveis, mendigos, desabrigados e doentes. O termo “hospital” se relacionava ao significado em latim da palavra: hospedagem, hospedaria, hospitalidade. Não era uma instituição médica, mas, sim, religiosa (Amarante, 2007).
Já no século XVII, com a criação do Hospital Geral,
que não tinha finalidade meramente filantrópica, definiu-se um
novo “lugar social” que inicialmente na sociedade ocidental não
era para os enfermos, e sim para o louco e a loucura. A internação
era decidida por autoridades reais e judiciárias, sendo que o diretor
da instituição tinha o poder absoluto sobre os clientes da instituição
e também sobre toda a população. Com isso, o Hospital Geral
passou a desenvolver papéis mais sociais e políticos, em comparação
ao hospital caritativo. Sob a influência da revolução francesa,
os médicos entraram no hospital para democratizar o espaço, libertando
os internos alojados por conta do poder autoritário do Antigo Regime.
Também foram criadas novas instituições de abrigo, tal
como orfanatos, reformatórios, casas de correção, escolas
normais, centros de reabilitação e reformatórios. Toda
essa situação social favoreceu que o hospital fosse perdendo cada
vez mais o papel caritativo e de controle social e fosse ganhando a função
de tratar dos doentes (Amarante, 2007).
Para Foucault (1979) a constituição do hospital como instituição
médica, tendo como finalidade intervir sobre a doença e o doente,
se deu a partir século XVIII. Inicialmente o hospital era coordenado
por instituições religiosas que objetivavam principalmente abrigar
pobres em fase terminal, para assisti-los material e espiritualmente. Somente
neste século, foi observado que o hospital não era um espaço
que proporcionava a cura dos doentes, tal como se almejava. Era um local de
internamento de doentes, de loucos, de devassos e de prostitutas, servindo como
uma ferramenta de exclusão, esperando com isso auxiliá-los e transformá-los
no âmbito religioso, sem a expectativa de intervenção médica.
Começa-se, então, a se descrever funcionalmente os hospitais,
encontrando relações entre fenômenos patológicos
e a forma que se distribuíam espacialmente os doentes. Primeiramente
procurou-se anular os efeitos negativos do hospital, tal como a desordem econômico-social
e a possibilidade de contaminar a cidade. Para o autor, o primeiro hospital
a participar da reforma foi o marítimo, já que era alvo de desordem
econômica por conta do alto número de tráficos de mercadorias.
Procurou-se também alojar pessoas desembarcadas para que não contaminassem
as pessoas locais de doenças epidêmicas.
Nesta época, o hospital militar precisou se reorganizar, pois o preço
do homem se tornou mais caro. Isto, porque, até meados do século
XVII, havia uma grande facilidade de recrutar homens para o exército,
uma vez que não necessitavam de qualquer formação prévia
e a mão-de-obra era barata. Entretanto, com o surgimento do fuzil, tornou-se
necessário o treinamento do militar para o manuseio da arma e, com isso,
o custo do material humano se elevou. Por questões econômicas,
os países passam a não querer que o soldado morra por doenças.
Assim, o hospital militar se transforma em uma ferramenta técnica e militar
relevante. Para não perder seus homens, sentiam necessidade de vigiá-los,
tentar curá-los e de saber como discriminar se estavam ou não
doentes. Surgiu, portanto, uma nova tecnologia de organização
administrativa e política do ambiente do hospital militar, a qual se
baseava no poder da disciplina. Com ela, estabeleceu-se uma forma de distribuição
espacial dos homens que favoreceu a maior eficácia possível e
o conhecimento sobre o corpo humano para maior controle. Nessa dinâmica,
procurava-se vigiar constantemente os indivíduos, necessitando de um
registro contínuo para não perder os detalhes, surgindo os prontuários.
Essa é a explicação de Foucault para a entrada do médico
no hospital, uma vez que a tecnologia possibilitou a medicalização
do hospital, numa época em que o saber médico também se
transformou. A prática médica se desloca para a intervenção
no meio e não mais à doença propriamente dita, assim, no
hospital passam a mudar o ambiente com finalidade terapêutica (Foucault,
1979).
Neste contexto:
“o hospital tornou-se, a um só tempo, espaço de exame (como um laboratório de pesquisas que permitiu um novo contato empírico com as doenças e os doentes), espaço de tratamento (enquadramento das doenças e doentes, disciplina do corpo terapêutico e das tecnologias terapêuticas) e espaço de reprodução do saber médico (hospital-escola, residência médica, local privilegiado de ensino e aprendizagem)” (Amarante, 2007: 26).
Nesta mesma época, os médicos alienistas adentraram os asilos ou hospícios procurando estabelecer o domínio sobre a loucura a partir da racionalidade médica. Através da observação e categorização da loucura, fundou-se a prática que orientou o nascimento da psiquiatria como parte do estudo da medicina (Ferreira, 2001).
Pereira (2001) expõe a história de Kraepelin e o coloca como um
dos responsáveis pela fundamentação da moderna disciplina
psiquiátrica, em sua vertente nosológica e nosográfica.
Kraepelin, segundo Pereira (op.cit) ligava a psiquiatria às ciências
naturais, necessitando, portanto, descrever e classificar as doenças
mentais seguindo o método de observação e descrição
criteriosa dos fenômenos clínicos. Tal método favoreceria
a delimitação da “história natural” da doença
com o início, a evolução e o desfecho da patologia. Para
Kraepelin, as mesmas doenças devem ter semelhanças entre as histórias
naturais e desfechos clínicos.
Ceccarelli (2003) afirma que o saber sobre o sofrimento psíquico do ser
humano não existia até o final do século XIX. O foco estava
na doença, e em sua sintomatologia, procurava-se conhecer para fazer
classificações. A autora ressalta que:
“Em certa medida, o discurso psiquiátrico contemporâneo, que aparece na segunda metade do século XIX, guarda, em sua origem, esta mesma tradição. Os grandes psicopatólogos do século passado, dentre os quais Havellock-Ellis e Krafft-Ebing, tinham por preocupação classificar e etiquetar as organizações psíquicas que escapavam às referências de normalidade da época, o que aumentou consideravelmente a nosografia psiquiátrica. A Psicopatologia Geral de Jaspers continua, sob certos aspectos, esta mesma tradição ao deixar claro, já na introdução, que seu objetivo é "o fenômeno psíquico realmente consciente" (Ceccarelli, 2003)
Sob esse prisma estabelece-se a entrada do psicólogo nos hospitais psiquiátricos, espaço que inicialmente fora ocupado por psiquiatras.
Somente na década de 1950 houve a inserção da psicologia
no hospital geral. A princípio, o trabalho no hospital se assemelhava
ao do consultório quanto à postura, teoria e local (Romano, 1999
apud Lamosa, 1987). Essa entrada foi propiciada principalmente em como se estabeleceu
e se organizou o saber médico, vendo o ser humano de forma fragmentada,
ou seja, buscando a compreensão só do orgânico, sem interface
com o psicológico ou emocional. Ferreira (1998: 11, apud Pitta, 1990)
afirma que:
“A objetivação diagnóstica, oriunda do tecnicismo, acabou por coisificar o próprio sujeito. Desta forma, o processo subjetivo e o lugar do sujeito frente às ameaças, ao sofrimento e à dor do adoecimento, tornam-se invisíveis ante o olhar frio do diagnosticador e das intervenções nos órgãos do corpo. No desamparo frente ao horror da doença e da morte, o homem entrega seu corpo ao corpo técnico como refúgio para sua angústia”.
A compreensão histórica auxilia a entender como se dá a organização hospitalar atual. Em um ambiente hospitalar espera-se que os pacientes cheguem com questões orgânicas para se tratar: doenças crônicas ou agudas, ferimentos, etc. A equipe médica está apta, inicialmente, a decifrar sinais e sintomas e transformá-los em algum diagnóstico que levará ao tratamento correspondente. Generalizando, poderíamos dizer que o que se deseja do hospital seria tal diagnóstico e tratamento. Entretanto, o profissional se depara com o problema que nem sempre se encontram casos tão lineares como os esperados. Há um enredamento que não se pode decifrar a partir de manuais. Os pacientes, além das queixas orgânicas, se referem a dores que muitas vezes não podem ser explicadas como algo biológico; e, ainda, concomitantemente aos problemas biológicos estão os psíquicos, apontando para a complexidade do ser humano.
Martins (1998), professor de medicina, critica a formação médica.
O autor coloca que a universidade compartimenta o ser humano em disciplinas.
A estrutura curricular é fragmentada tanto ao se estudar os conhecimentos
básicos, quanto ao apreender a clínica e os recursos terapêuticos.
Segundo o autor, para que haja integração é necessário
superar a fragmentação da formação médica.
Perls (2002) também critica o estudo da medicina por dividir o conhecimento,
propondo, então, uma mudança dos métodos educacionais da
medicina. Enfatiza em seu texto que o corpo, a mente e a alma são alguns
dos aspectos do homem, que é um organismo vivo. Contesta a crença
de que há uma divisão do organismo entre corpo e alma, acreditando
ser uma visão artificial própria da concepção isolacionista
do organismo. E, repreende também a teoria do paralelismo psicofísico
em que acredita que corpo e mente tem suas atividades separadas, porém
paralelas entre si. Aponta que essa teoria não explica como se dá
a inter-relação entre as funções psíquicas
e orgânicas, sendo também para ele uma concepção
dualista. Perls enfatiza que corpo e alma significam partes de uma mesma coisa,
propondo uma visão holística do organismo.
Historicamente pode-se observar que com o progresso das áreas da saúde,
foram criadas novas especialidades e novas sub-especialidades. Isto acabou induzindo
a uma compreensão fragmentada do corpo humano, reduzindo-o a um conjunto
de órgãos e sistemas. O enfermo passou a ser visto fragmentado
e pelo nome de sua doença ou problema de saúde. Pensando em melhorar
esta situação, alguns estudiosos começaram a propor as
atuações interdisciplinares, na expectativa de que, somando os
saberes de diferentes especialidades, seria possível compreender o enfermo
integralmente (Santos e Sebastiani, 2003).
Ressalto, entretanto, que o importante não é condenar o modelo
biomédico, mas advertir que sempre estamos sob a influência do
bio-psico-espiritual-social-cultural, e que o problema é tentar lidar
com o paciente a partir unicamente do modelo biomédico, excluindo todos
os outros aspectos.
Mattos (2004) compreende que o projeto terapêutico surge do diálogo
entre profissionais de saúde e pacientes, não sendo entendido
como pura aplicação dos conhecimentos médicos. Nessa perspectiva,
o que o usuário dos serviços de saúde traz é valorizado,
quais sejam: seu sofrimento, suas expectativas, seus temores, seus desejos e
suas questões. Nessa perspectiva, os profissionais somam esses conhecimentos
aos deles. Para o autor, ao se buscar a prática da integralidade, é
primordial que as ações em saúde no SUS sejam intersubjetivas,
favorecendo a dimensão dialógica, que vejam o paciente como sujeito
e não objeto.
Não se pode esquecer que os serviços públicos de saúde
do Brasil, em sua maioria, estão superlotados de pacientes e com escassez
de mão de obra. Portanto, é necessário ir com cautela com
as críticas, uma vez que muitas vezes os profissionais também
são vítimas de um sistema que impossibilita o trabalho, tal como
se idealiza.
Como foi dito anteriormente, quando um paciente chega a um hospital geral, demanda
à equipe de saúde que desvende seu sintoma, acreditando que o
saber da medicina poderá nomear sua doença. O médico procurará
decodificar o sintoma e irá propor um tratamento correspondente ao paciente.
Sarno e Fernandes (2004) apontam que essas particularidades da clínica
médica podem contribuir para alguns acreditarem na impossibilidade de
um trabalho de exploração psíquica. Entretanto, as autoras
afirmam que existe entrada deste saber no hospital, justamente porque o trabalho
psi possibilita trabalhar integralmente a pessoa por propor ouvir também
os aspectos psíquicos. O saber médico decodifica o sintoma do
paciente, mas nem sempre é possível converter os códigos
dados pelo paciente — os sintomas — em linguagem inteligível
— a doença. Assim, surge a demanda para os psicólogos, que
procurarão compreender o corpo do sujeito através de como este
significa seu sintoma, inclusive em como pode usar o sintoma para satisfazer-se
em aspectos que lhe são insuportáveis (Sarno e Fernandes, 2004).
Até porque o processo de adaptação do paciente à
doença pode levá-lo a uma regressão emocional, podendo
“reativar conflitos emocionais anteriores não resolvidos”
(Penna, 1997: 197).
Outra questão importante a ser abordada é que normalmente as faculdades
da área de saúde não levam em consideração
sentimentos da equipe em relação ao paciente. Compartimentando
também o futuro profissional, como se aspectos afetivos não permeassem
o cuidado.
Um estudo que aborda de forma interessante a dimensão afetiva do profissional
é a pesquisa qualitativo-descritiva de Kebbe, Ferreira e Rossi (2004).
Os autores apontam para o fato de que a equipe de saúde que trata de
pacientes diagnosticados como Fora de Possibilidades Terapêuticas (FPT)
pode apresentar sentimentos, comportamentos e mecanismos de defesa que demonstram
o sofrimento psíquico do profissional.
Com isso, percebe-se que o ambiente hospitalar propicia a emergência de
sentimentos que mobilizam também a equipe. Acontecimentos inexplicáveis
e muitas vezes até revoltantes acontecem, como, por exemplo, bebês
com câncer, crianças vítimas de violência, pessoas
com doenças incuráveis e até mesmo sem um diagnóstico
claro. Podendo remeter ao medo de cada um que algo parecido possa acontecer
consigo ou com seus familiares e amigos, fazendo com que o profissional lance
mão de mecanismos de defesa para lidar com a dor.
Frente a essas dificuldades, Angerami-Camon (2003) comenta sobre a expectativa
da equipe médica frente ao paciente, chegando a tracejar uma “trajetória
hospitalar” que se espera que ele percorra: da entrada até a ida
aos setores específicos de tratamento e de intervenção.
Cada trajetória diferente irá corresponder a um comportamento
da equipe, podendo surgir conflitos na interação entre paciente
e equipe. O autor afirma que em um hospital acredita-se que o paciente “adequado”
será aquele que não questionará o tratamento e as normas
impostas pela equipe. Contudo, aquele que não for submisso às
regras terapêuticas, podendo até mesmo aceitar a própria
morte, poderá ser alvo de ira da instituição.
Percebemos, então, que o trabalho em uma instituição hospitalar
leva a equipe a se deparar com questões que abalam, de certa forma, o
modelo de ensino tradicional da medicina. Ao se dividir o ser humano em “partes”,
pode contribuir para que não sejam encontradas as queixas do paciente
no manual de prática clínica. Pode-se, assim, produzir confusão
e até dúvidas da veracidade do sintoma apresentado pelo indivíduo
ou até mesmo do conhecimento do médico iniciante. Já foi
relatado em outro artigo sobre a dificuldade de uma equipe em lidar com pacientes
caracterizados como Fora de Possibilidades Terapêuticas (FPT) pelos médicos
que acreditam que “não têm o que fazer” com tais pacientes.
A hipótese que fizemos foi que a angústia do médico nestas
situações pode fazê-lo ignorar o trabalho possível
a partir da dimensão subjetiva diante do luto (Palmeira e Jucá-Vasconcelos,
2008).
Talvez a mobilização da equipe frente à morte possa ter
relação com o que Freud (1913/1999) colocou sobre o tabu, já
que a morte é enigmática. Freud (1913/1999) relata que o tabu
são proibições impostas de forma violenta de uma geração
a outra. Acrescenta ser proibições e restrições
que não podem ser abordadas, produzindo conflito de ambivalência,
onde se deseja inconscientemente completar o ato proibido e, ao mesmo tempo,
sente-se medo de que isso aconteça. Isso porque, tendo uma origem misteriosa,
é proibido tocar no tabu, há uma fobia de contato. Quem o viola,
também se transforma em tabu, possuindo o poder de despertar nos outros
os desejos proibidos e a ambivalência, sendo, portanto, contagioso. Assim
sendo, podemos pensar que o que se passa com o paciente pode mobilizar afetivamente
o profissional que o atende, fazendo com que este não consiga, por exemplo,
escutar o paciente quando este o coloca de frente a algo inaceitável
para o profissional: por exemplo, quando o paciente diz não aguentar
mais a situação em que vive e desejar morrer.
As situações no ambiente hospitalar, portanto, tendem a mobilizar
a equipe que pode usar formas disfuncionais de entrar em contato. Contato, para
Gestal-terapia, é uma “função que sintetiza a necessidade
de união e de separação” (Polster e Polster, 2001:
111). Polster e Polster (2001) apresentam sete formas de contato: olhar, ouvir,
tocar, falar, mover-se, cheirar e provar. Cada uma dessas configurações
tem uma função e são necessárias para que o contato
seja alcançado. Quando há um desequilíbrio dessas formas,
o contato ou é bloqueado, ou é evitado.
A Gestalt-terapia tem como fundamento principal ver a resistência como
uma forma de contato, não se procura, por conta disso, retirá-la
da pessoa sem que se compreenda sua função. É necessário
saber como se deu sua criação e se ainda é necessária
no aqui e agora. Perls (1977), sobre isso, enfatiza a importância em se
trabalhar como se dá a autointerrupção em vez dos porquês.
Polster e Polster (2001) observam que normalmente a resistência é
vista como uma força intrapessoal que dificulta a ação
para um objetivo específico, sendo um comportamento não natural
da pessoa. Nesta perspectiva buscaria remover a resistência já
que a percebe como sabotadora, como se essa força não fizesse
parte do organismo. Entretanto, os autores a percebem com cautela, já
que acreditam que a resistência é uma forma criativa de administrar
o que é difícil no meio. Propõem que se focalize na resistência,
pensando que ela possibilita o crescimento e faz parte da identidade da pessoa.
Com o surgimento de uma resistência forma-se uma nova pessoa, forma-se
uma nova natureza individual. Os autores afirmam “sua assim chamada resistência
não é menos parte dele do que o impulso a que ele pode estar resistindo”
( Polster e Polster, 2001: 72).
O trabalho na psicoterapia é integrar as polaridades, entretanto, Polster
e Polster (2001: 79) salientam que “é necessária muita perseverança
e criatividade na manutenção da integração e do
contato entre características dolorosamente antagônicas”.
Os autores ainda explicam:
“Não existe uma medida precisa a fim de identificar os limites da capacidade de um indivíduo para assimilar ou expressar sentimentos que tenham possibilidades explosivas, mas existe uma precaução básica. Esta precaução é constituída por um sólido respeito pela autorregulação do indivíduo — sem forçá-lo ou seduzi-lo a comportamentos que ele mesmo não tenha estabelecido de modo amplo” (Polster e Polster, 2001: 83).
Assim, em um ambiente hospitalar é preciso respeitar as dificuldades emocionais da equipe, sem preconceitos ou críticas para então buscar compreendê-las de forma que possam integrar as polaridades. É comum haver critica à equipe médica por coisificarem ou tratarem as situações objetivamente, no entanto, o que a Gestalt-terapia traz como importante é a possibilidade de ver tais reações como formas criativas de lidar com a dor, são disfunções de contato.
Polster e Polster (2001) apresentam cinco formas de interação
resistente: introjeção, projeção, retroflexão,
deflexão e confluência.
Introjeção é forma genérica de interagir com os
outros, a partir do que foi “engolido”, porém sem ter sido
digerido. No princípio tal mecanismo é necessário, por
exemplo, quando uma criança precisa confiar nos seus pais e no que afirmam
sobre o mundo para ela. No entanto, para que a introjeção seja
favorável à pessoa é necessário que o ambiente,
além de estar de acordo com o aqui e agora, seja satisfatório,
o que é difícil de ocorrer. Até mesmo porque a introjeção,
à princípio, não respeita a experiência no aqui e
agora. Para desfazer a introjeção é preciso aumentar a
percepção de “eu” e “eles” e das escolhas
da pessoa. A dificuldade em elaborar o material introjetado segundo Polster
e Polster (2001) se deve ao fato de estarem presentes aspectos como a impaciência
na hora de assimilar o material introjetado, a preguiça em trabalhar
arduamente nesse processo e a ambição de querer muito resultado
com pouco tempo e esforço. A particularidade e a urgência no trabalho
hospitalar propiciam que introjeções sejam lançadas à
mão no relacionamento com os pacientes, e o trabalho do psicólogo
seria o de ajudar a questionar essas introjeções que não
estejam sendo funcionais.
A projeção é uma capacidade do ser humano em compreender
o outro, em ser empático. No entanto, seu excesso está relacionado
à não aceitação de seus próprios sentimentos
e comportamentos por não se achar adequado, tendo como base, portanto,
a introjeção básica de que não “deveria”
agir ou sentir dessa maneira. Por conta disso, partes de si são entregues
às outras pessoas (Polster e Polster, 2001). O trabalho nesse caso no
ambiente hospitalar é fazer com que a equipe se apodere de suas partes
projetadas nos pacientes para que as integre a si.
Por sua vez,
a retroflexão se refere a uma função hermafrodita já
que se procura fazer a si o que gostaria de fazer ao outro, ou faz para si o
que gostaria que alguém fizesse a si. Ela pode ser um mecanismo positivo,
uma vez que possibilita a autocorreção, impossibilitando que certos
comportamentos danosos aconteçam. Mas pode ser rígida quando se
tornam estagnados os comportamentos, sem espontaneidade, atemporal e sem sabedoria.
O uso recorrente desta função pode levar ao bloqueio dos impulsos
para o mundo, estando presa às polaridades paralisadas. Há, portanto,
a cisão do eu, o que dificulta o contato com o outro. O foco nesses casos
é propiciar a autoconsciência, na quebra da imobilidade e na recuperação
da energia viva do organismo para que se possa restabelecer o contato com o
mundo externo (Polster e Polster, 2001). Assim, o profissional de saúde
pode se dar conta das suas necessidades e não confundir com as dos pacientes,
possibilitando que o doente também seja visto.
Ao se evitar o contato real com outra pessoa, através de rodeios, prolixidade, polidez, falta de energia e contato ocular há o contato deflexivo. A pessoa que se utiliza dessa forma de contato sente que não consegue alcançar o desejado, e se frustra por isso. O trabalho nesses casos é ajudar na focalização no contato. A deflexão é útil em momentos em que é preciso se afastar da realidade para conseguir lidar com ela. Entretanto, a dependência nessa forma de interação ou a falta de discernimento quando ela é necessária pode trazer problemas à pessoa, uma vez que dificulta a concretização das expectativas (Polster e Polster, 2001). Essa forma de interação é vista no hospital quando, por exemplo, fala-se com linguajar técnico e prolixo de forma que não haja compreensão do que esteja sendo dito. Ou mesmo quando se fala de eventos traumáticos, como falecimento de pacientes, sem qualquer energia ou contato ocular com os familiares. Uma intervenção possível seria solicitar que se resuma em uma palavra ou uma frase o que se deseja falar sem termos técnicos, ou mesmo trabalhar a dor do profissional frente à perda e ao luto antes de ele dar a notícia. Essas intervenções têm caráter pedagógico, uma vez que possibilita o aprendizado do profissional em ser mais aware do seu estado emocional.
A confluência é perseguida por aqueles que desejam “reduzir
as diferenças para moderar a experiência perturbadora da novidade
e da alteridade” (Polster e Polster, 2001: 105). Tenta-se diminuir as
diferenças criando um relacionamento frágil, pois em contato com
as exigências do ambiente pode haver o rompimento da relação
ou desentendimentos (Polster e Polster, 2001). No hospital o que se observa
é que às vezes a equipe tende a ver certos grupos de pacientes
como homogêneos, assim acabam tendo como pressuposto que a relação
se dará de forma muito semelhante. Acaba havendo uma cobrança
subentendida do que se espera desses grupos, podendo haver a exigência
de reagir de forma parecida. O não cumprimento dessas “normas”
pode levar a sentimentos de culpa ou de ressentimento pelas partes. O contato,
a diferenciação e a articulação são necessárias
para sair ou não entrar nessa dinâmica.
Concomitantemente a isso tudo há também os sintomas, físicos
ou não, que se relacionam à história do paciente, tendo
o sintoma como a forma possível de lidar com os problemas emocionais
e psíquicos. Entretanto, esse conhecimento de que os sintomas e a doença
fazem parte de um organismo criativo, que pode produzir esses fenômenos
para lidar com situações difíceis. A psicanálise
traz como repertório a visão do ganho secundário da doença
e do sintoma, o que nos ajuda a ouvir de forma diferenciada a queixa do paciente.
Quando a equipe não conta com o psicólogo em sua equipe pode perder
essa visão diferenciada sobre o indivíduo, podendo até
ficar com sentimentos de raiva. Para exemplificar, podem-se citar os casos de
pacientes internadas com anorexia nervosa, cujos cuidadores relataram estar
furiosos porque acreditavam que seria “só mudar a percepção
corporal” para curá-las, já que “elas só não
querem comer”. Não se observa, nesses casos, a história
singular daquela pessoa que através do sintoma fala de si mesma.
Para se falar melhor sobre sintoma psíquico cito Freud (1917) que o conceitua
como ações prejudiciais ou sem utilidade ao sujeito que pode produzir
queixa de desprazer ou sofrimento. Quanto mais se formam sintomas, mais se consome
a energia mental, podendo ocasionar um extremo empobrecimento da pessoa e, consequentemente,
a paralisação da mesma em suas atividades essenciais. O autor
explica que “os sintomas neuróticos são resultado de um
conflito, e que este surge em virtude de um novo método de satisfazer
a libido” (p. 419). O sintoma representa o acordo formado entre as duas
forças em luta. Ele cria um substituto da satisfação frustrada,
ao retornar ao passado e tentar reviver a satisfação infantil,
o que pela censura se transforma em sensação de sofrimento associada
a elementos da origem precipitante da enfermidade. Mais adiante Freud afirma
“um sintoma, tal qual um sonho, representa algo como já tendo sido
satisfeito: uma satisfação à maneira infantil” (p.428).
E ainda acrescenta “por meio da análise, conforme sabem, partindo
dos sintomas chegamos ao conhecimento das experiências infantis, às
quais a libido está fixada e das quais se formam os sintomas” (p.
428). Nesse texto, Freud comenta sobre a possibilidade do médico se sentir
ofendido caso acredite que pacientes possam criar histórias que não
sejam reais materialmente. Afirma que é imperativo igualar a realidade
à fantasia quanto ao seu valor, já que “no mundo das neuroses,
a realidade psíquica é a realidade decisiva” (itálico
do autor, p. 430).
Para a Gestalt-terapia, no entanto, o sintoma é uma forma criativa do
organismo de se adaptar na busca de equilíbrio entre as demandas do meio
e as necessidades prioritárias para o funcionamento do organismo. Ambas
as visões, tanto da psicanálise quanto da Gestal-terapia, trazem
em perspectiva que deve haver um entendimento do sintoma a partir do próprio
sujeito que o produz.
Partindo desse pressuposto, Szpirko (2000) aborda em seu trabalho que o paciente
dá seu próprio significado ao risco de saúde que ele corre,
ele associa ideias a partir da doença, e essas associações
podem não estar de acordo com o que o médico poderia prever. O
autor cita casos em que pacientes com doenças crônicas não
agem de acordo com a prescrição médica, fazendo com que
clínicos possam ficar em dúvida entre ter uma atitude ativa ou
passiva frente ao comportamento do paciente. Assim, os problemas relacionais
podem ser encontrados na relação médico-paciente a partir
da comunicação de uma doença crônica, já que
o paciente pode ou não seguir a prescrição médica
por conta do que entende ser a doença.
Neste trabalho procurei advertir sobre os aspectos históricos da criação
do hospital geral e psiquiátrico e suas repercussões sobre a entrada
do psicólogo no hospital geral. Foram abordadas questões importantes
encontradas na prática clínica de psicólogos em hospitais,
tais como a mobilização da equipe frente às situações
vividas no hospital, seus mecanismos de defesa, inclusive quando há sintomas
psíquicos simultaneamente aos físicos em pacientes internados
em hospital geral. Gostaria de enfatizar a importância em continuar pesquisando,
trabalhando e repensando a práxis do psicólogo no ambiente hospitalar
para propiciar a desejada visão integrada do ser humano, inclusive dos
profissionais.
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Helena Pinheiro Jucá-Vasconcelos
E-mail: psi.helena@gmail.com
Recebido em: 05/03/2010.
Aprovado em: 03/11/2010.