ARTIGO


O corpo como gente saudável e mensageiro dos conflitos psíquicos em um perspectiva gestaltica


The body as healthful agent and messenger of the psychic conflicts in a gestalt perspective


Crístian Sumaia Abboud van der Broocke ; Marina Guimarães de Macedo
ITGT - Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia




RESUMO
Este artigo consistiu em uma contribuição para a atuação do gestalt-terapeuta. Foi descrito a importância de entrar em contato com o corpo-cliente e o corpo-psicoterapeuta, teve também como objetivo ampliar os conteúdos do cliente. Ter abordado o corpo significou reconhecer o funcionamento integrado mente/corpo, mediante o exercício do contato e da awareness, resgatando o funcionamento saudável do cliente. Foi fundamental para a ação do gestalt-terapeuta valorizar o corpo do cliente como instrumento e forma de acesso ao eu verdadeiro em suas relações. O psicoterapeuta necessitou estar atento ao discurso do cliente, identificando o que ele fala como fala, o que quer e como seu corpo evidencia suas emoções uma vez que o contato e o reconhecimento do mundo são feitos por intermédio do corpo. Na prática clínica do gestalt-terapeuta estavam presentes a vivência corporal concreta, individual e original do cliente.

Palavras-chave: contato, corpo, gestalt-terapia.



ABSTRACT

This article consisted in a contribution for the gestalt-therapist performance, describing the importance of getting in touch with the body/client and the body/psychotherapist, had also the aim of expanding the client´s contents. Having addressed the body meant recognizing the integrated mind/body functioning, by means of the exercise of contact and of perception, restoring the healthy funtioning of the client. It was basic to the gestalt-therapist action to value the client´s body as an instrument and a way to access the true self in his/her relationships. The psychotherapist needed to be aware of the client´s talk, indentifying what he/she says, how he/she says it, what he/she wants and how his/her body shwos its emotions since the contact and the recognition of the world are mabe by means of the body. In the clinic parctice of the gestalt-therapist, the client´s individual and original concrete corporal mode of life was present.

Key-words: contact, body, gestalt-therapist.



O corpo é um tema pouco debatido e estudado no âmbito da psicologia clínica/ processo psicoterápico. O objetivo deste artigo consiste em contribuir para a ampliação da atuação do gestalt-terapeuta junto ao cliente, inspirando-o a desenvolver a prática de entrar em contato com o corpo-cliente e o corpo-psicoterapeuta, com o intuito de enriquecer o tratamento do cliente em sua busca de auto-conhecimento.

Procurou-se também ampliar os conteúdos do cliente, ajudando-o em sua jornada psicoterapêutica que se efetua entre descobertas e frustrações, na vivência do aqui-agora, tendo como instrumento o corpo, pois é no corpo que se dá o contato e o reconhecimento do mundo. O objetivo deste trabalho é mostrar que se vivencia também em psicoterapia um corpo animado, tanto o do psicoterapeuta quanto o do cliente. Trata-se de um corpo vivo, dotado de sentimentos e emoções que exprimem a sua existência, que está em constante relação com o mundo.

Yontef (1998), afirma que a gestalt-terapia fundamenta-se em uma perspectiva filosófica, com uma visão holística de homem, o que remete a idéia de união, de integração. De acordo com essa concepção, mente e corpo não podem ser considerados como instâncias distintas, pois o corpo revela a experiência vivida e/ou o modo de ser-no-mundo.

Essa abordagem, ainda segundo Yontef, insere-se no paradigma holístico, que busca redescobrir o potencial interno do ser humano, não focalizando isoladamente sua fala, sua história ou seu corpo, mas lidando com todas as informações disponíveis, na relação psicoterapêutica. Para Yontef (1998), holismo quer dizer totalidade, e gestalt tem o significado de configuração, de totalidade. Essa perspectiva possibilita ao psicoterapeuta perceber o cliente como um todo integrado, consistente e coerente, pois o concebe como um organismo inserido em um campo e capaz de auto-regular-se.

Referindo-se a visão de totalidade do ser, incluindo o corpo, Merleau-Ponty (1908-1961) afirma:

A tradição cartesiana habituou-nos a desprender-nos do objeto: a atitude reflexiva purifica simultaneamente a noção comum do corpo e da alma, definindo o corpo como uma soma de partes sem interior, e a alma como um ser inteiramente presente em si mesmo, sem distância. Essas definições correlativas estabelecem a clareza em nós e fora de nós: transparência de um objeto sem dobras, transparência de um sujeito que é apenas aquilo que pensa ser... (p. 268).


A experiência do corpo próprio proposto por Merleau-Ponty (1908-1961), opõe-se ao movimento reflexivo definido pela tradição cartesiana que destaca o objeto do sujeito e o sujeito do objeto, impossibilitando a apreensão da experiência do corpo ou o corpo em realidade.
Merleau-Ponty (1908-1961) revela como se dá o reconhecimento do próprio corpo: meu corpo é reconhecível pelo fato de me dar sensações duplas: quando toco minha mão direita com a mão esquerda, o objeto mão direita tem esta singular propriedade de sentir, ele também (...). Quando pressiono minhas mãos uma contra a outra, não se trata então de duas sensações que sentiria em conjunto, como se percebem dois objetos justapostos, mas de uma organização ambígua em que as duas mãos podem alternar-se na função de “tocante” e de “tocada” (p.137).

O corpo não é só um objeto, é também o acesso que permite a relação com o mundo. Pela mesma razão, a consciência que se tem dele não é só um pensamento o corpo apreendido como idéia é também um corpo vivido, experienciado e sentido. O corpo próprio distingue-se dos outros corpos físicos, pois é um todo. Como totalidade, o corpo é espaço e tempo, e é a própria expressão do ser-no-mundo, pois é como ser-no-mundo que o corpo dele participa e se comunica.

O corpo é envolvido por uma totalidade transformadora. Por meio do corpo, o ser humano está presente no mundo e, sobretudo, em relação com o outro. Podem-se imaginar situações com o outro, mas sua presença real diante dele só se efetiva com a sua presença corporal.

Angerami-Camon (2003), outro estudioso do assunto, define o corpo próprio:

Pelo corpo, o ser humano está presente no mundo e, principalmente ao outro. (...) Enquanto totalidade físico-orgânica tem apenas uma presença natural. Como corpo próprio, possui presença intencional e pode se manifestar como ser-no-mundo, inclusive criando seu próprio habitat e dando-lhe características segundo a concepção humana (p.52).

O corpo da pessoa materializa-se no mundo e representa a própria pessoa, constituindo assim suas características corporais, como se o corpo representasse a existência interna.
A esse respeito, Merleau-Ponty (1961) assinala:

Pode-se dizer que o corpo é a forma escondida do ‘ser próprio’ ou, reciprocamente, que a existência pessoal é a retomada e a manifestação de um dado ser em situação. Portanto, se dizemos que a cada momento o corpo exprime a existência, é no sentido em que a fala exprime o pensamento (...) É dessa maneira que o corpo exprime a existência total, não que ele seja seu acompanhamento exterior, mas porque a existência se realiza nele (p.229).


Para o psicoterapeuta, é necessário prestar atenção ao corpo, pois é ele que se revela para investigação, por meio da leitura fenomenológica.

O corpo é uma característica básica da existência peculiar a todos os seres vivos. No tocante a qualidade da existência, o corpo humano iguala-se ao dos animais, sendo o único aspecto que abrange a todos.

Para complementar a idéia de extensão, Angerami-Camon (2003), cita Sartre que apresenta o corpo em três dimensões ontológicas - o corpo em relação para si, no mundo e com o outro:

Na primeira, trata de um “corpo para mim”, de uma forma de ser que permite enunciar que eu existo em meu corpo. O corpo, então, é sempre o “transcendido”. O corpo que “eu existo” é o que “eu continuamente transcendo para novas combinações de complexos”. (...) Na segunda, o corpo é para o outro, (...) uma corporeidade radicalmente diferente para mim. (...) Na terceira dimensão, eu existo para mim como conhecido pelo outro em forma de corpo. O meu corpo é definido pelo outro de quem sou objeto para, em alternância, torná-lo objeto do meu olhar enquanto sujeito (Sartre, 2001, apud Angerami-Camon, 2003, p.58).

Conforme Angerami-Camon (2003), Sartre considera o corpo um objeto afetivo. Esta é a grande diferenciação do corpo de qualquer outro objeto, uma vez que as coisas exteriores são apenas representadas. Por exemplo, quando o indivíduo diz que o pé o incomoda, não quer simplesmente dizer que ele é uma causa de dor, como um prego que fere, e nem o último objeto do mundo exterior. Pode existir uma dor do sentido íntimo, uma consciência de dor por si mesma, que não ocupa um lugar externo e que só se ligaria ao pé por uma terminação causal e no sistema da experiência.

O corpo compreende uma relação com aquilo que o cliente apreende como dor, raiva, alegria, satisfação, prazer. Trata-se de uma dor emocional que também é construída nas relações, ao lidar com o mundo.
Merleau-Ponty (1961) também descreve o corpo como um objeto afetivo e propõe: o corpo surpreende-se a si mesmo do exterior prestes a exercer uma função de conhecimento, ele tenta tocar-se tocando, ele esboça “um tipo de reflexão”, e bastaria isso para distingui-lo dos objetos, dos quais posso dizer que “tocam” meu corpo, mas apenas quando ele está inerte, e, portanto sem que eles o surpreendam em sua função exploradora (p.137).

Desse modo, percebe-se o corpo como um objeto muito especial, com a capacidade de auto-percepção, pois o corpo é o próprio eu. O corpo é uma unidade expressiva que só quando assumida se pode aprender a conhecer. Então, reaprende-se a sentir o próprio corpo, com esse outro saber que se tem dele. É um saber pré-reflexivo, sentido, vivido.

Quando reflete sobre si mesma, a pessoa torna-se um corpo em idéias. O corpo reflexivo é o corpo que se pensa ter.

O mundo vivido é descrito pelo plano das idéias, sem, no entanto, distanciar a não ruptura entre o vivido e o pensado. Para Angerami-Camon (2003), à medida que se efetivam os processos de auto-reflexão, ou seja, quando o pensamento passa a ser objeto do próprio pensamento. Aquilo que é, que se percebe e que se sente é a totalidade existencial - um enfeixamento das inúmeras possibilidades do corpo.

O corpo pré-reflexivo é o berço do sentido, é o vivido, é a dor de cada um, bem como sua alegria, sua satisfação e seu prazer; é o que cada indivíduo sente. Tratou-se do vivido antes de ser nomeado a coisa mesma do sujeito humano, pois a pessoa é corpo, pensamento e sensação.

Merleau-Ponty (1961) esclarece o corpo sentido, vivido, não sendo descrito pelas ciências biológicas, mas sim a própria dimensão do sujeito humano que traduz a sua presença no mundo.

O corpo é a pessoa; é o corpo que se manifesta nos diferentes aspectos da vida e nas diversas condições em que a própria reação emocional aparece pelo expressionismo corporal. As manifestações emocionais têm reações corpóreas diante de situação de dor ou de alívio de acordo com o que a pessoa está passando.

Angerami-Camon (2003), declara que a emoção nos faz humanos, e pela própria circuncisão de humanidade de seus constitutivos, ela não se repete: nos surpreende a cada momento de nossa existência, sendo também o intangível que me permite transcender a minha própria realidade corpórea (...). A emoção é o nosso psiquismo se manifestando; podendo afirmar que é o nosso corpo que o exprime (...). Somos o nosso psiquismo em nossa realidade corporal. A nossa totalidade corpórea é a nossa subjetividade. A minha estrutura corporal é o meu constitutivo senso-perceptivo. Somos essa unidade indivisível denominada condição humana (pp. 85 - 86).

O ser humano é seu corpo em sua forma singular e peculiar. A sua condição existencial, incluindo sua historicidade, está ligada à sua totalidade corpórea e se manifesta e se impõe como singularidade existencial.

“Sentimentos, emoções e sensações são formas de estar no mundo. Nós percebemos o mundo através das emoções”, pondera Alejandro Spangenberg (comunicação pessoal, 2006).

Merleau-Ponty (1908-1961) visualiza o corpo estando no mundo como o coração no organismo. É por meio do corpo que o indivíduo se relaciona com o mundo e com os seus determinantes em todas as suas especificidades; é ele que mantém o mundo como espetáculo visível continuamente em vida, formando com ele um sistema, e é esse referencial que o psicoterapeuta busca.

Para o psicoterapeuta, o corpo é talvez o único recurso da pessoa no desvelamento de sua existência no mundo, não só se revelando na psicoterapia, no desenvolvimento da consciência e do grau de sintonia ou desarmonia do cliente com seu corpo, mas também uma propriedade que todo ser humano possui.

Importantes definições sobre o corpo são fundamentadas pela tradição cartesiana, Merleau-Ponty (1908-1961), Angerami-Camon (2003) e Sartre que contribuem para uma compreensão do seu significado. Outras definições e teorias fundamentam o processo psicoterapêutico na abordagem gestáltica. O corpo pode ser tratado como fenômeno e para tal investigação a fenomenologia é uma fundamentação básica.

O método fenomenológico, segundo Angerami (2003), enfatiza o esclarecimento da relação do indivíduo, coloca o psicoterapeuta contemplativamente diante dos fenômenos, para que eles se revelem à sua consciência, à medida que são observados, sem julgamentos apriorísticos, tentando apenas interrogar os fenômenos, descrevê-los e compreendê-los da forma que eles se mostram.

A fenomenologia fundamenta o método de acesso e investigação do homem vivenciando uma experiência única, com a dinamicidade e o sentido que isso implica em sua existência, pois é a atitude fenomenológica que possibilita ao psicoterapeuta seguir as manifestações dessa experiência.

O método fenomenológico propõe o conhecimento da relação ser-no-mundo. É um conhecimento que parte da experiência vivida pelo indivíduo com seu conseqüente significado.

Segundo Yontef (1998), estar aqui-agora significa permitir que o processo se desenrole e evolua por si mesmo. Viver no presente, é por si só, curativo. Quando assim se vive, a experiência ocorre para gratificar e atender às necessidades no campo do qual se faz parte. Torna-se relevante na prática clínica intervenções feitas pelo psicoterapeuta, com o objetivo integrar a vivência corpórea com a consciente.

Foram apresentados fragmentos de sessões, a fim de ilustrar a prática clínica da psicoterapia que evidenciou a integração da existência vivida do cliente, verbal e corporalmente.

O corpo é o agente saudável e também um mensageiro dos conflitos psíquicos e merece a total atenção do psicoterapeuta. Assim, abordar o corpo gestalticamente implica o reconhecimento do funcionamento integrado corpo/mente e uma ação psicoterapêutica coerente com esse conhecimento, sendo fundamental que o psicoterapeuta esteja atento à vivência corporal concreta, individual e original experimentada pelo ser humano nas suas relações, que abrangem a si, ao outro e ao ambiente.

Um cliente identifica a angústia que sentiu, percebendo em seu corpo, a dimensão deste sentimento e o psicoterapeuta pontua 3 :

Cl: “Hoje quase não vim para a terapia, eu não quero fazer nada! Aliás, meu ânimo está péssimo, é como se meu corpo só quisesse dormir, e quero ficar o tempo todo no meu quarto”.
T: Interessante, você me dá notícias que seu corpo está ruim, está desanimada, e que você pensou em não vir hoje. Preste atenção que energia é essa que fez você conseguir estar aqui-agora.
Cl: “Aqui consigo refletir sobre a minha vida, que está de pernas para o ar, uma bagunça”.


Segundo Yontef (1998), a gestalt-terapia é um modo de agir, de conceber a realidade com base nas necessidades do indivíduo. O psicoterapeuta deve estar atento ao discurso verbal e não-verbal do cliente, o que ele fala, como fala, o que quer e como seu corpo demonstra. Nesse sentido, o corpo auxilia o trabalho psicoterapêutico.

O gestalt-terapeuta valoriza o corpo do cliente como instrumento e forma de acesso ao eu verdadeiro nas suas relações, não perdendo de vista o todo, o contexto envolvido em cada figura emergente, seja um fato relatado, seja uma sensação experienciada. É nesse universo que se estabelece a relação entre psicoterapeuta e cliente.

Outro cliente experiencia e o psicoterapeuta acompanha:

Cl: “Não agüento mais a minha mãe, ela não me deixa respirar, daí vem tudo de novo, acho que vou passar mal, sinto que vou desmaiar, minhas pernas bambeiam”.
T: Está acontecendo aqui agora na sessão? Preste atenção no seu corpo.
Cl: “Não, aqui me sinto ouvida”.

Um corpo que é ao mesmo tempo vivido e relacional possui uma dimensão organísmica, sensual e expressiva, a forma de como se vive essa corporeidade.

Um exemplo de sessão é revelador para o cliente sendo acompanhado pelo psicoterapeuta:

Cl: “Meu desejo pela minha mulher acabou, não sinto nada mais por ela, acho que tudo que sentia por ela também acabou”.
T: Quero que você entre em contato com o que está acontecendo agora com seu corpo e sua sexualidade.
Cl: Me sinto ansioso, quando presto atenção no meu corpo.
T: Ansioso como?
Cl: “Realmente, estou preferindo fugir a admitir que estou com problemas, pois as ultimas vezes tive ejaculação precoce”.

A gestalt-terapia tem instrumentos que auxiliam sua prática e que visam a integração da totalidade do cliente, o contato, suas fronteiras e funções configuram pensamento-corpo (sentido/sensação) - ação.

O contato, para a prática clínica dessa abordagem, é de fundamental importância, pois ocorre quando um ser está em relação, o que coloca a noção do contato no cerne da própria natureza humana. O contato acontece então em uma tríplice relação: a pessoa com ela mesma, com o outro e com o que ocorre ao seu redor. Na relação do corpo pré-reflexivo, com o mundo, o contato promove uma reconfiguração da percepção do eu no mundo.

Ribeiro (1994) destaca: “Somos necessariamente um ser de relação e tal fato coloca a noção de contato sendo um fator fundamental da própria natureza humana. Sendo seres de relação nascemos para estar em contato” (p.27).

Segundo Ribeiro (1994), o indivíduo nasce para estar em contato, e este é um processo que permite a relação acontecer, e em duplo aspecto, tanto aproximando as pessoas como as separando umas das outras. Esse movimento é fundamental na atitude do psicoterapeuta para favorecer o encontro com o cliente, pois permite ao cliente exercer novas possibilidades, agregando novos valores, estabelecendo limites, e conseqüentemente não perdendo a sua identidade.

O encontro não ocorre entre idênticos. É a diferença que permite o encontro, pois possibilita o reconhecimento da identidade de si e do outro.
Ribeiro (1994) define, o meu corpo é nosso campo geográfico: esse campo se abre às emoções, aos fatos com o outro, apenas e só na razão que nossas fronteiras forem tocadas pela abertura do outro. Quando digo que o contato se dá nas fronteiras em que o indivíduo experiencia o “eu” em relação ao que é “não-eu”, quero dizer que existe um lugar para onde ambas as energias fluem, tornando possível uma troca nutritiva (p.29).

Para Polster e Polster (2001), também estudiosos do assunto, o contato envolve não só um senso do próprio eu, mas também um senso daquilo que a pessoa encontra na fronteira, ou seja, o que o outro revela na relação, aquilo que surge na fronteira de contato e até se funde com ela. A capacidade de discriminar o universo entre eu e não-eu chama-se limite de contato, isto é até onde o eu consegue separar e juntar o que sou eu e o que não sou eu.

Não só as sessões psicoterápicas são momentos de contato, como também a vida, o cotidiano em que as pessoas se inserem. O psicoterapeuta e o cliente podem observar seu funcionamento e suas funções de contato e como eles delimitam o ato criativo e espontâneo de viver e estar vivo com o outro.

Nesse sentido, todo fenômeno corporal que aparece deve ser valorizado pelo psicoterapeuta: formas de falar, estilos de vestir, de andar, de arrumar o cabelo, pequenos gestos, certas expressões, postura, sutileza, tensão muscular, pois são informações a respeito da forma de atuação da pessoa no mundo.

É necessário que o Gestalt-terapeuta precavenha-se de qualquer interpretação ou julgamento que o impeça de ver o fenômeno como ele apresenta. O cliente deve seguir, ele mesmo, a pista que aparece espontaneamente, tendo em vista a ampliação do contato e compreensão de seu ser-no-mundo. Não se trata de falar do corpo, mas, na verdade, de sentir o corpo, em busca da awareness, da completude, do sentido, do significado.

Segundo Yontef (1998), awareness é um dos principais conceitos utilizados pela Gestalt-terapia. Trata-se de uma potência emocional e emocionada perante a vida, a qual constitui uma parte da dimensão do contato. “Awareness é uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato vigilante com o evento mais importante do campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensório motor, emocional, cognitivo e energético” (p.215).

Estar em contato com a Gestalt emergente é sinal de saúde. O funcionamento saudável requer que se mantenha contato com elementos figurais e que haja suporte para tal contato.

Desse modo, pontuações realizadas pelo psicoterapeuta de imagens, de sensações, de palavras e de sons promovem uma súbita tomada de consciência do cliente. Uma tensão muscular, uma palpitação podem ser indicativos de que se está próximo a algo que supera a capacidade habitual de lidar com o ambiente. Assim, o psicoterapeuta pode ilustrar o ser de possibilidade do indivíduo, criando formas de levar o cliente a alcançar awareness corporal/racional, buscando flexibilidade do funcionamento saudável corpo-cliente.

Explicitação clínica do contato psicoterapeuta-cliente:

Cl: “Me sinto mais relaxada agora. Quando comecei a me ouvir, estava com um sentimento forte de largar”.
T: “Largar o quê”?
Cl: “Minha necessidade de ser durona”.
T: “Como assim”?
Cl: “É, senti que estava deixando algo entrar e não escolhi impedi-lo. Era uma sensação muito agradável: soltar deixar entrar”.
T: “O que está deixando entrar”?
Cl: “Eu mesma. Minha excitação. Eu estou atenta a algo acontecendo no meu peito e no meu estômago, e tentei entrar em contato com isso. Escolhi largar bem pouca coisa e agora estou me sentindo muito próxima da terra e relaxada. Vou ter de deixar esta parte de mim vir para fora”.
T: Que parte é essa?
Cl: “A parte que eu simplesmente nunca deixei sair. Posso ver que tenho de assumir a responsabilidade de me deixar viver uma vida diferente, viver diferentemente. Aprender a partir dos meus próprios impulsos”.

As palavras de Nascimento (1999) são esclarecedoras: “O homem vai se revelando e, como ele é seu corpo, dá dicas ao psicoterapeuta de intenções e inibições presentes. O desnudar a alma humana passa por (re)descobrir este corpo que é, ao mesmo tempo, fruto e sede das experiências de contato” (p. 36).

A integração com o meio promove a mudança qualitativa. É importante apreender a experiência do mundo tal como ele aparece, pois a pessoa está no mundo por meio do corpo e percebe o mundo também com o corpo. Dessa forma, percebe-se inserido no mundo, fazendo contato.

Interação verbal e não-verbal pontuada pelo psicoterapeuta em relação ao cliente:

Cl: “Está vendo? Coisa da minha cabeça é igual aquele ditado cabeça desocupada é espaço para o mal. Tá vendo? É coisa da minha cabeça!”.
T: “Coisa da sua cabeça, como assim da sua cabeça”?
Cl: “É que eu fico pensando demais, incuco com as coisas, igual como foi com aquela coisa!”.
T: “Coisa, que coisa, o que é isso”?
Cl: “Com aquele fato”.
T: “Você falando assim ‘coisa’ eu fico imaginando um bicho (uma coisa), um objeto”.
Cl: (Risos) “Parece que é mesmo”.
T: “Tenta ver qual o nome possível para dar a essa ‘coisa’”.
Cl: “Ah, tem o nó na garganta, o mal estar que eu sentia. Fico pensando o quanto eu já melhorei, já tinha tempo que eu não sentia o nó na garganta”.

Segundo Nascimento (1999) “Quando ocorre uma mudança qualitativa do contato, o contato pode levar a awareness. Constituem-se processos vitalizadores no sentido de ampliar a consciência de si mesmo, de um reconhecimento de possibilidades e de aceitação de limitações” (p. 36).

O bom contato exige conscientização. Se não se estabelece contato, o comportamento será aleatório ou persistentemente inadequado. O mundo muda a cada momento e a pessoa precisa de flexibilidade. Fica impossível acompanhar a singularidade de cada Gestalt, em razão de pré-concepções e de rigidez, um comportamento muito comum em clientes que buscam psicoterapia.

Polster e Polster (2001) pontuam que: “a flexibilidade é essencial para a capacidade de contato porque qualquer coisa que permaneça num foco nítido e imutável por tempo demais acaba morrendo, como um pé que fica entorpecido quando você se senta tempo demais sobre ele” (p.175). É isso que o gestalt-terapeuta busca junto com o cliente, ter clareza de suas necessidades, tornando-se disponível para o contato.
O psicoterapeuta confirma o cliente e busca ampliar seu contato:

Cl: “De novo, estou muito gripada, mal sarei da primeira vez”.
T: “Concordo com você, anda gripada mesmo. Tenta verificar neste momento da sua vida o que está acontecendo”.
Cl: “É, faz um tempo que estou de dieta, não consigo parar de emagrecer, e ainda acho que estou gorda, quase não estou me alimentando e o meu corpo está cada vez mais fraco”.

O corpo-cliente, ao movimentar-se, ao perceber-se, entrando em contato com características pessoais, ampliando as suas possibilidades. Polster e Polster (2001) pontuam que a recuperação do movimento por parte do cliente tem um grande papel para desfazer sua fixidez. A fixidez é o oposto da flexibilidade e deve ser evitada para a busca de saúde que engloba a sua totalidade.

O contato é pré-condição para awareness. Para que o contato aconteça no processo o psicoterapeuta deve estar desprovido de pré-conceitos, ou seja, estar disponível para as possibilidades, o que lhe permite estar atento a todos os aspectos pertinentes ao campo permitindo o surgimento da Gestalt emergente trazido pelo cliente.

Yontef (1998) destaca que ter awareness é também ser responsável. Na Gestalt-terapia, o termo responsabilidade é utilizado de dois modos. Em primeiro lugar, o indivíduo é responsável pelo que está acontecendo com ele. Assumir responsabilidades significa, em parte, encarar a existência, conforme ela se dá. Outro significado de responsabilidade, relacionado ao primeiro, refere-se à capacidade de responder pelos atos, impulsos e sentimentos, quer dizer, identificar-se com eles, aceitando tudo o que faz como suas próprias escolhas.

Segundo Yontef (1998), os significados de responsabilidade são distintos. Por meio do corpo, dão notícia das experiências de que se tem clareza e também das que não se tem, seja por estar zangado, feliz, emocionado, teimoso, irresponsável, isto é os significados evidenciam-se por meio de sensações e tantos outros sentimentos.

Em Gestalt-terapia, é fundamental enfatizar a importância do contato no aqui-agora. Estar no presente, no agora, possibilita a emergência de outros aspectos do comportamento saudável, garantindo a fluidez do processo figura-fundo, em todos os seus aspectos, propiciando awareness, isso é experienciar-se corporalmente com sensações de beleza, fluidez, tranqüilidade e paz.

Ribeiro (1999) descreve: A estrutura do organismo é explicada pela relação de figura e fundo. A figura é aquilo que arrasta primeiro nossa atenção, que se oferece primeiro à nossa observação. O fundo é contínuo, permanente, permite à figura destacar-se. Sendo a figura a principal atividade do organismo. Os membros do corpo são figuras que se salientam em um fundo contínuo que se revela como um todo, o corpo (p.122).

O processo de diferenciação figura-fundo retrata também o processo pelo qual se entra em contato com as necessidades.

Por meio do corpo, existe a possibilidade de redescobrir o impacto que uma pessoa pode ter sobre a outra, e a capacidade para que o contato ocorra depende da disponibilidade do cliente para que tal situação ocorra.

O psicoterapeuta presentifica o aqui-agora com o cliente:

Cl: “Minha mãe está tão difícil, ela hoje teve a coragem de me comparar de novo com meu irmão, o loiro de olhos azuis, lindo e educado, e eu um moreno, baixo, comum, e sem educação”.
T: “Compreendo sua queixa, sua indignação, quando você me dá noticias do demérito com sua aparência. Agora quero que você observe o seu movimento na cadeira, o que seu corpo está fazendo agora, tente senti-lo”.
Cl: “Eu cada vez que sou comparado fico assim, menor, meu corpo encolhe, meus braços se cruzam e eu fico pequeno, cada vez menor”.

Segundo Polster e Polster (2001) identificando suas seleções, suas escolhas, o cliente entra em contato com as conseqüências de suas ações e sentimentos bem como o impacto das dos outros desencadeando emoções que repercutem em seu funcionamento saudável. Construí assim, níveis de prioridades de acordo com a situação e o motivo.

A psicoterapia dedica-se a elaborar repetidamente as atitudes da pessoa de entrar em contato, e de todas as suas formas, até que o tema tenha aparecido sob inúmeros disfarces elaborados pelo cliente. Dessa forma, há possibilidade do cliente dar conta de outros temas, ampliando o seu contato e abrindo novos caminhos, como apontam Polster & Polster (2001).
Psicoterapeuta amplia o contato do cliente:

Cl: “Não passei bem não. Na sexta-feira acordei com dor de cabeça, no final de semana passei raiva demais, aí vem tudo, estou sentindo tudo”.
T: “Está sentindo tudo, o quê”?
Cl: “O nó na garganta que não sentia mais...”.

Ao entrar em contato, também com seu corpo o cliente renova e clareia o seu contexto, além de possibilitar uma reelaboração de determinados aspectos de sua natureza, se assim sentir necessidade, resgatando a sua capacidade de perceber-se, aprofundando suas vivências.

O corpo sinaliza para o cliente o que é emergente, o que é preferencial. Deve-se lembrar que não se trata, apenas, de uma percepção tempo e espaço, mas de algo existencial, e que a própria natureza do desejo está em causa.

Contato, experiência e mudança são possíveis no presente também por meio da vivência corpórea. Pode-se dar conta de situações que aconteceram no passado, ou que se referem ao futuro, no contato com o que está acontecendo agora.

Apresentação de uma situação de angústia e o psicoterapeuta acompanhando o cliente:

Cl: “A dor. Dor. Tristeza. Tanta tristeza! E não sabendo (chorando) se é minha tristeza ou dela, (gemia angustiada), mas lembrando de como pode ser muito, muito, mas muito doloroso perder alguém”.
T: “Você esta agora se lembrando de alguém”?
Cl: “Eu suponho... não é que esse evento seja tanto assim, porém me dou conta que ele deparou todos os outros que foram”.

De acordo com Hycner (1995), cada pessoa experiencia situações de forma única, e este é um dos maiores desafios para o psicoterapeuta que trabalha com a abordagem dialógica, pois ela se concentra na experiência do cliente. A tarefa do psicoterapeuta consiste em descobrir e entender o significado de um evento para cada cliente em particular.

O psicoterapeuta é solicitado a responder à vasta extensão das experiências humanas, e para isso, são requeridas abertura e flexibilidade em sua postura, pois, em cada caso, os significados individuais e únicos do cliente serão inevitavelmente moldados por suas formas diferentes de ser-no-mundo.

Exemplo reafirmando formas diferentes de ser-no-mundo e do trabalho psicoterapeuta-cliente:

Cl: “Engordei dois quilos, meu pai não dá sossego, olhou para mim e me chamou de gorda, que independente do que eu faça estou feia! Vou enlouquecer, estou com 59 quilos! Parece que estou gorda?”.
T: “Como você está se sentindo”?
Cl: “Eu como mais e mais, me sinto fraca, não dou conta de parar, meu corpo fica fragilizado, pois não dou conta de ouvir meu pai e não me impactar com o que estou ouvindo, principalmente dele”.

Para Hycner e Jacobs (1997), existem duas grandes formas usadas para descrever a natureza da relação psicoterápica: o papel da relação e a característica da relação. O papel refere-se à importância da relação como um fator de cura, e característica de uma relação, à gama de comportamentos considerados válidos e permissíveis pelo psicoterapeuta e a estrutura da relação cliente-psicoterapeuta.

Segundo os autores citados (1997), uma boa relação psicoterápica deve conter aceitação, disponibilidade de escuta, disponibilidade para o encontro (o estar presente com o cliente), confirmação, inclusão, comunicação genuína, que desempenham um papel importante na relação como fator de cura.

Na abordagem fenomenológica, segundo Hycner e Jacobs (1997), o psicoterapeuta suspende temporariamente seus preconceitos sobre experiências relevantes e situações, e a aceitação dizem respeito à arte de também escutar. Trata-se da disponibilidade do psicoterapeuta em manter interesse na história do cliente, do que ele traz para o consultório e como ele o faz. Por meio dessa postura o psicoterapeuta possibilita uma possível abertura de auto-aceitação do cliente, permitindo assim aprofundar sua própria awareness.

Percebe-se que alguns clientes que aceitam a si mesmos não sentem necessidade de julgar ou de condenar sua experiência, tornando-se mais conscientes do que são com uma qualidade de vida melhor. Para os mesmos autores (1997), “uma pessoa está presente quando não tenta influenciar a outra a vê-la somente de acordo com sua auto-imagem” (p.77). A afirmação dos autores, evidencia a importância da presença e também da suspensão de pré-concepções por parte do psicoterapeuta.

O psicoterapeuta deve estar disposto a permitir que o cliente o comova e o mobilize. O gestalt-terapeuta também tende a usar sua gama completa de emoções e comportamentos disponíveis, e tanto o contato visual quanto o movimento falam a respeito da presença do psicoterapeuta-cliente.
Hycner e Jacobs (1997) assinalam: “Com a ‘presença’ e com uma comunicação genuína e sem reservas, o papel do terapeuta é alcançar grande amplitude; (...) espera que o terapeuta influencie o cliente ao estar presente e ao comunicar-se de forma genuína. A arte está em equilibrar a presença do terapeuta em relação a necessidade do cliente” (p.80).

A presença do psicoterapeuta na relação com o cliente não significa o simples estar junto fisicamente, embora essa relação seja a preliminar para o sentido de presença.

Por comunicação sem reservas e genuína, entende-se que o psicoterapeuta precisa estabelecer com o cliente uma comunicação franca, pontuando-o que pôde ser considerado pelo cliente como crescimento, ou melhor, entendimento de determinada situação.

O autor sustenta que a verdadeira aceitação significa o acolhimento das potencialidades do cliente assim como do que ele é nesse momento. Se o psicoterapeuta não for capaz de reconhecer sua potencialidade de aceitar e confirmar, não haverá o processo psicoterápico (Carls Rogers 1980, apud Friedman, 1985, p.9).

A confirmação é um ato de amor pelo qual o psicoterapeuta reconhece o cliente como alguém que existe em sua forma peculiar e tem o direito de fazê-lo. Confirmar o cliente como ele é, e convidá-lo a permitir-se a liberdade de revelar e ser quem quer ou que quer que seja, significa que o psicoterapeuta também tem de conceder a si mesmo a liberdade de ser e de responder como a própria pessoa que é (Sidney Jourard 1968 , apud Friedman, 1985, p.10).

A confirmação existencial do cliente no seu todo em uma outra situação tem uma representação específica no domínio da cura. A confirmação entre o psicoterapeuta e cliente, que torna o relacionamento uma possibilidade de cura no sentido mais pleno do termo, envolve a confirmação, mas de um tipo muito especial. Quando o encontro é o fator decisivo, a confirmação muda seu significado e sua dinâmica. Tudo é mudado no encontro verdadeiro (Martin Buber 1969, apud Friedman, 1985, p.11).

Segundo Friedman (1985), o psicoterapeuta deve confirmar o cliente no que ele é. Assim, a confirmação não significa que tome sua aparência no momento como pessoa que se quer confirmar, mas considerar a totalidade do cliente, em sua existência dinâmica, em sua potencialidade.

Uma das grandes necessidades existenciais do ser humano é ser confirmada, ser compreendido por outro ser humano. Confirmar o outro significa fazer o esforço de voltar-se para a outra pessoa e afirmar sua existência única e separada. Significa também reconhecer o vínculo humano comum da relação com outras pessoas.

Assim, entende-se que, para que ocorra um relacionamento psicoterápico de cura e de ajuda, é preciso que se aceite o cliente como ele é, o que não significa que o psicoterapeuta concorde com tudo que ele faça. Não se trata de julgar o cliente, mas de propiciar uma forma facilitadora do encontro genuíno, favorecendo a melhora do cliente. O objetivo da psicoterapia consiste em ajudar o cliente a crescer, desafiando-o e encorajando-o a tentar novos projetos, que sejam de sua escolha e possíveis de sua realização.

Encontro vivido do cliente com o psicoterapeuta:

Cl: “Estou sentindo meu corpo cada vez mais frio, sem força”.
T: “Realmente, faz sentido para mim, pois há algumas sessões venho percebendo suas mãos geladas e suadas ao [cumprimentá-la], e você me diz que seu corpo está com a mesma temperatura. Verifique o que seu corpo está te dizendo sobre tudo isso”.
Cl: “Não sei o que anda acontecendo comigo, só sei que ando me afastando e me isolando de tudo e todos”.

A inclusão na psicoterapia como outro fator relevante: “O psicoterapeuta deve sentir o outro lado, lado do paciente na relação, como um toque corporal, para saber como o cliente se sente” (Buber 1969, apud Hycner & Jacobs, 1997, p.173).

Quando há uma ressonância positiva entre a atitude do psicoterapeuta e a existência do cliente, este se sente profundamente compreendido; assim, sua confiança no psicoterapeuta aumenta, e ele começa a aceitar sentimentos seus ainda desconhecidos ou vulneráveis.

As intervenções do psicoterapeuta também contribuem para aumentar a confiança do cliente, ajudando-o, dessa forma, a revelar-se mais abertamente.

Conforme Hycner (1995), para que o psicoterapeuta possa entrar no mundo do cliente, deve estar presente, não de uma forma amigável, mas disposto a afetivamente contribuir com seu próprio self para o encontro. A presença é um reconhecimento do fascínio do desafio e da permeabilidade da existência humana. Ela é a awareness, e a categorização e a rotulação interferem na revelação genuína daquilo que é mais real e essencial no ser humano.

Hycner (1995), destaca que o psicoterapeuta deve estar completamente disponível para a outra pessoa em um dado momento, sem a interferência de considerações ou reservas. Trata-se da consciência que se dirige completamente ao processo de existir da outra pessoa, o que requer que o psicoterapeuta esteja atento à experiência do cliente, mas, simultaneamente, esteja atento à sua própria existência.

Ainda de acordo com Hycner (1995), para que o psicoterapeuta esteja completamente atento e presente, componente essencial da psicoterapia, a sua atitude é a de estar disponível, proporcionando um verdadeiro ambiente terapêutico, que só acontece quando o psicoterapeuta revela autenticidade, capacidade de não pré-julgar o cliente, de ir além do óbvio dito por ele, de focalizar a alma, de rastrear as suas experiências, de entrar no mundo do cliente.

Para esse autor (1995), o desafio do psicoterapeuta consiste em estar atento e responder com atitudes de confirmação e, participar da dança terapêutica, na qual a flexibilidade do aqui-agora e figura-fundo devem estar presentes como atitude psicoterápica.

A presença e as perspectivas do psicoterapeuta são essenciais para uma boa escuta do problema, traduzindo de forma adequada a mensagem do corpo para que ocorra uma maior integração corpo-cliente.

O cliente, bem como as demais pessoas que não fazem psicoterapia, tem a ilusão de controle sobre as situações, o que o indivíduo valoriza muito, mas o corpo revela-se para adequar e acabar perturbando essa ilusão, a do controle completo sobre as coisas.

Em psicoterapia, o corpo fala pelo cliente: pelo mal-estar e pela dor pela manifestação de algumas alegrias e satisfações. São formas de expressão corporal que significam as vivências do cliente, resgatando-as em sua consciência mediante o diálogo e a awareness. Como descreve Hycner (1995) o corpo fala primeiro através de um mal-estar generalizado, em seguida fala com a dor.

Explicitação de uma forma peculiar de contato desenvolvido na relação psicoterapeuta-cliente:

Cl: “Não tenho certeza... Habitualmente, meus sonhos são claros, as sensações visuais, as sensações físicas, mas dessa vez havia uma espécie de névoa mortal por cima de tudo”.
T: “Você pode se ver”?
Cl: “Não, não reconheci ninguém. Eu olhava para os dois homens no alto da montanha e a mulher na areia movediça afundava... Eu estava em outro lugar”.
T: “Onde você está”?
Cl: “Não sei, mas...” (choro).
T: “O que te vem agora junto com esse choro”?
Cl: “Uma parte de mim quer viver...”.

O corpo está falando, mas não está sendo ouvido pelo cliente. Como diz Hycner (1995), o cliente precisa aprender a ouvir, ver e se dar conta de seu ser em sua totalidade e não em apenas sua mente consciente.

Hycner (1995), assinala que o cliente e também as demais pessoas dos tempos atuais, têm ignorado seu corpo como mensageiro. A maioria preocupa-se muito com a cabeça, o pensar, e por isso deixa de ouvir o corpo, tornando-se dissociado e alienado do próprio corpo, e conseqüentemente, tendo dificuldade de entrar em contato com mensagens vindas do corpo, além do que, o corpo não dispõe de um vocabulário tão sofisticado quanto o dado pelo discurso.

Todo problema relatado pelo cliente mostra, para o psicoterapeuta atento, uma resposta, que se baseia na tarefa de integração do cliente e até mesmo com o problema relatado por ele.

Normalmente, os clientes que buscam a psicoterapia, são pessoas que não ouvem as mensagens do corpo com a mesma intensidade que ouvem seus pensamentos, e não percebem o que ele está tentando dizer com aquele sentimento. O psicoterapeuta é o ouvinte da mensagem do problema, decifrando-a passo a passo com o cliente, por meio de questionamentos, intervenções e leitura fenomenológica, promovendo a evolução da escuta do cliente, e buscando integrar seu corpo (sentimento/sensações), com seus pensamentos e, conseqüentemente, suas ações.

Compreende-se, então, que a linguagem verbal e não-verbal busca integração, não devendo ser interpretados aleatoriamente pelo psicoterapeuta, mas sim com o cliente, possibilitando a apreensão do sentido do seu corpo e de sua fala, visando resgatar uma existência autêntica, identificada no corpo como agente saudável que é quando integrado com os outros aspectos cognitivos e motor.

Considerações finais

A experiência corporal é considerada pelo psicoterapeuta Gestáltico como a principal fonte de conhecimento do ser humano, utilizando-a como ponto de partida do seu trabalho clínico.

Tendo uma forma peculiar de conceber o homem, a Gestalt-terapia fundamenta-se em uma perspectiva filosófica holística, que considera o corpo com base na experiência vivida e não na perspectiva cartesiana, que tem uma visão de causa e efeito, que separa fenômenos físicos e mentais.

O cliente como um todo é a sua expressão. Não há como dicotomizá-lo, seja separando mente-corpo, sujeito-objeto, seja valorizando mais um aspecto que outro. A postura fenomenológica visa resgatar o homem em seus significados, prestando especial atenção ao seu corpo, que é o visível do invisível, que é o tocável do intocável e que se mostra como mensageiro de sua existência.

A abordagem gestáltica está atenta à vivência corporal, concreta e individual, experienciada pelo ser humano nas suas relações consigo mesmo, com o outro e com o mundo.

Considerar o cliente como um todo, por sua vez, possibilita inseri-lo em um todo maior, que inclui o mundo físico e o social, o que leva o psicoterapeuta a tentar facilitar o contato do cliente não só consigo mesmo, mas com os outros e com a situação (campo), a fim de que as necessidades e possibilidades de satisfação possam ser percebidas e trabalhadas.

Percebe-se que o corpo é a casa do contato, e estabelece os limites do contato, subjetiva e objetivamente. Sem o conhecimento e contato com corpo, pouco se pôde fazer para a ampliação do contato fosse nutritiva e transformadora. O corpo é objeto e sujeito imediato do contato. De uma maneira simples, inferiu-se que as leis que regem o corpo são leis cuja compreensão indica processos que proporcionam um contato de maior qualidade.

Como reitera Ribeiro (1997), o corpo é o santuário onde habitamos uma oração visível saudando o universo. Obra de arte, a mais fina, imagem e semelhança de Deus, o corpo é uma projeção da arte interior de cada um de nós. O corpo é a pessoa, é o retrato de mim mesmo, da minha história, por isso só pode ser falado por mim. Se o outro me toca ou eu toco o outro, devo fazê-lo com a reverência própria de quem entra num santuário à procura do sagrado (p.14).

O corpo é o cliente, o cliente é o corpo; o corpo é o psicoterapeuta, e o psicoterapeuta é o corpo. O corpo sentido, visto, olhado, tocado, pensado, o corpo está presente em tudo. O corpo é percebido em todas as suas dimensões, onde quer que esteja, o que quer que faça, isto é, como um todo.

O psicoterapeuta da abordagem gestáltica baseou-se no aprendizado do uso dos seus próprios sentidos e do cliente para que este pudesse explorar por si mesmo e aprender a encontrar as soluções dos seus problemas. Tratou-se de buscar junto ao cliente o processo de ele tornar-se aware daquilo que ele estava fazendo, e como estava fazendo, em vez de apenas falar a respeito dele, mas de trabalhar com ele. O trabalho referiu-se à experimentação e à concepção fenomenológico-existencial do cliente, incluindo exercícios de contato e awareness, que não teve a mera função de fazer o cliente perceber algo, mas de se tornar aware. O grande objetivo do psicoterapeuta e do cliente consistiu em aprender a usar o processo de awareness, para alcançar um funcionamento mais saudável.

Demonstrou-se, nos trechos dos casos clínicos apresentados, a importância de o cliente e o psicoterapeuta integrarem-se ao corpo vivido e a seus sentimentos, pensamentos e ações, confirmando o alcance da totalidade do ser no trabalho com o corpo.

Trabalhou-se o corpo como um desafio motivador constante para o gestalt-terapeuta, bem como um dos caminhos seguidos, pois por meio desta atividade o homem libertou-se para a vida integrando suas essências corpo/mente/alma. Concretizou-se a efetividade de se trabalhar com o corpo, e isso possibilitou o processo do cliente, promovendo o auto- conhecimento integrativo tanto para o psicoterapeuta quanto para o cliente.

REFERÊNCIAS


Angerami-Camon, V. A. (2003). Psicoterapia e subjetivação: uma análise de fenomenologia, emoção e percepção. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.

Friedman, M (1985) The Healig Dialogue in Psychotherapy (Chapter 12) A confirmação da terapia. New York: Jason Aronson.

Hycner, R. (1995). De pessoa a pessoa: psicoterapia dialógica/ Tradução de Elisa Plass e Maria Portella. São Paulo: Summus.

Hycner, R. Jacob, Lynner (1997). Relação e cura em Gestalt-terapia/ Tradução de Elisa Plass e Maria Portella. São Paulo: Summus.

Merleau-Ponty, M. (1908-1961). Fenomenologia da percepção/ Tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. (2ª ed.) São Paulo: Martins Fontes.

Nascimento, F. M. (1999). Corpo e Gestalt-terapia: uma reflexão sobre o corpo na abordagem gestáltica. Trabalho apresentado no I Congresso Brasileiro/III Encontro Paranaense de Psicoterapias Corporais, Curitiba, Paraná.

Polster, E. & Polster, M. (2001). Gestalt-terapia integrada/ Tradução de Sônia Augusto. São Paulo: Summus.

Ribeiro, J. P. (1994). Gestalt-terapia – o processo grupal. São Paulo: Summus.

Ribeiro, J. P. (1999). Gestalt-terapia: de curta duração. São Paulo: Summus.

Yontef, G. M. (1998). Processo, dialógico e awareness. São Paulo: Summus.


1 Psicóloga, Gestalt-terapeuta pelo Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT).

2 Psicóloga, Gestalt-terapeuta e especializando em Terapia de criança, casal e família: A Abordagem Gestáltica dos Sistemas Íntimos, também pelo Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT).

3 CL, identifica o cliente e T, o terapeuta.