SEÇÃO ABERTA

Pensamento verbal

Verbal thinking

Décio Casarin (In memoriam)


RESUMO

Pensamento verbal componente do Pensamento Total, composto de Pensamento corporal, Pensamento intuitivo e Pensamento Verbal. Awareness e formação de gestalten constituem o Pensamento intuitivo, base de sentido do Pensamento Verbal. O Pensamento Verbal é composto da forma material (significante) e da associação de sentido com este (significado ou conteúdo).O significado é a pessoa que produz, desde suas vísceras e corpo.

Palavras-chave: intuição; sentido; imaginação; imagem sensorial; awareness sensorial básica; awareness suprema; escuta do significante.



ABSTRACT

Verbal thought is part of Total thought, this composed of firstly Intuitive thought, then Corporal thought and finally Verbal thought, as a creation of corporal/intuitive intelligence carried by awareness in contact with environment. Verbal thought has a material part, formalized in "significante", and a meaning part, formalized in "significado", this a personal production that links the awareness of "sentido" whith the words of language.

Keywords: ausentes no original do autor.



O pensamento verbal, na verdade, é uma fala interna. Assim acontece mesmo quando estamos pensando sem falar exteriormente. Mobilizamos órgãos da fala, numa escuta sub-vocal, interna.

Estruturalmente, transcorre em articulação de componentes assim materializados numa sucessão linear que vai pronunciando os fonemas (como que sinais das letras sonoras...), e daí formando palavras e frases do raciocínio.

Podemos dizer que essa matéria de composição do pensamento verbal, com suas combinações, dispõe de um caráter dominante da forma material que tem o poder de dominar o conteúdo, e, aqui, denominá-la significante, enquanto que o conteúdo será o significado. Este, num grau inevitável, estará submetido ao determinismo da instrumentalidade do significante ou dessa forma material que se faz significar, junto à pessoa.

Todavia, o significante foi criação nossa, da humanidade, não veio como imposição ou propriedade natural. Não veio a nós, enfim, como qualidade original e própria, tal como veio a awareness, que o antecede na existência e criação da linguagem. Awareness é faculdade inteligente, que foi indispensável fonte de criação da linguagem verbal, pela comunidade falante dos nossos antepassados. Antes de pensar com significante, tivemos e temos um pensar inteligente, o qual ocorre e se consuma através da formação de gestalten e vinculação do sentido que relaciona as expressões da Vida, assim dizendo das coisas, seres e acontecimentos, uns com os outros.

Fritz Perls teve uma intuição oportuna, quando afirmou (GT. Verbatim) este pensamento: “Awareness is the only basis of knowledge, communication and so on” (Awareness é a única base do conhecimento, da comunicação e o que mais for). Perceba-se que é uma frase radical, o que implica uma total responsabilidade autoral do pensamento enunciado. E o que mais importa para nós, neste momento de raciocínio, é que o pensamento verbal é conhecimento, cuja base obrigatória, então, é awareness. Perceba-se, desde já, que awareness é atividade inteligente que, de modo algum, estará limitada à captura sensorial ou apenas à ação seletiva, mas ainda estática, da formação figura-fundo; e compreenda-se que a inteligibilidade criada em nossa relação de Contato com (digamos novamente), as expressões da Vida, é faculdade da awareness.

Fritz Perls ainda disse (Gt. Verbatim), “A intuição é a Inteligência do organismo”. O saber e poder regulador da Vida em nosso corpo, nosso ser, Fritz Perls colocava no conceito de “organismo”. Aqui, na relação de fato com a experiência, a intuição está na frente, está na ação. Awareness é a atividade inteligente da intuição. Awareness, em seu grau supremo de desenvolvimento ao longo da Vida – quando esta nos chega à instância inteligente de seres falantes em linguagem verbal – é o poder e fator de auto-correção da linguagem verbal na pessoa, cada uma, em particular, selecionando e dando sentido ao significante aplicado na fala ou na escuta, de modo que este tenha pertinência, de acordo com a experiência que a pessoa está vivendo no estado presente da linguagem ao vivo. É awareness, pois, como veículo e atividade do pensamento da intuição – esta como força criadora, primordial, que antecede a linguagem – assim, a base indispensável para a linguagem verbal acontecer com sentido, ao invés de vazia ou perdida em delírio sem base de realidade da experiência. Mas não é apenas o componente preliminar da awareness sensorial que cria tal potência; é, sim, a propriedade primordial da awareness de captar a relação de sentido entre todas as diversidades que vem à nossa experiência, às nossas imaginações e fantasias. É awareness que confere a primeira e última inteligibilidade ao que experimentamos, para daí criarmos pensamento verbal com sentido, ao invés de disparatado. Awareness pensa pensamento com formação de gestalten, guiadas por sentido, e formação de representação apenas subjetiva, interna, analógica, que estará subjacente à representação verbal, que é externa, abstrativa; e awareness opera nesse viés para que a representação verbal, enfim, possa existir com sentido para a pessoa. A representação verbal é externa tanto na origem do significante, cuja forma e materialidade foi inventada por nossos antepassados, cuja existência penetra em nós desde fora, dos outros falantes, quando apreendemos a falar,sendo que tal exterioridade ainda permanece quando pensamos, silenciosos, nessa sub-vocalização da fala interna indispensável ao pensar verbal.

A intuição pensa sem objeto, em sua faculdade intrínseca, movendo-se por formações de gestalten guiadas por sentido, algo que antecede a forma, antecede, pois, a formalização do objeto, o qual já implica em fragmentação dissociativa, como acontece na sucessão linear das idéias materializadas em palavras, na frase falada ou escrita, ou seja, no raciocínio verbal. Este, na verdade, já é passado comprometido com a memória de estrutura da linguagem verbal, depois que a awareness deu o sentido do presente que passou na experiência, deu a base subjacente ou o pré-significado que faz nascer o significante com sentido ou o significado atual da reaplicação de palavras. Estas, enfim, são as mesmas, num léxico limitado, que cabe num dicionário completo, cujas réplicas são aplicadas em novas combinações de idéias, atualizadas pelo sentido brindado por ação da awareness junto à experiência de sentido.

Significado, portanto, é vivência da pessoa, criação dela, associação de sentido para o significante que ela escuta ou fala, conotação particular que ela dá ao significante, descontada a parte de imposição formal do significante, na obrigatória associação de idéias da linguagem a partir deste, o significante, condição que, enfim, é uma garantia semântica para a linguagem ter uma coerência no uso de toda a comunidade falante. Mesmo a transgressão do significado, numa criação estética, por exemplo, tipo um poema, não pode escapar dessa margem de garantia constituída na ordem lógica da linguagem. Escutemos este significante:

Aragem,
Rosa, na janela,
Vaso à mesa,
Deitada no sofá,
Ela, cor de mulher,
Em par azul, neste jardim da vida,
Partida,
Espinhosa dor nesta saudade,
Ah! qual a verdade entre ser e não ser
Desta imagem?...

O significante, aí, sozinho no papel, não resolve a ambigüidade do sentido (rosa, flor ou mulher?), que mobiliza o sujeito da pessoa, via awareness, a vasculhar sentido e despertar no ego um senso estético entre as malhas da linguagem, consentido pela coerência que não destrói uma ordem semântica, destruição que ocorreria num discurso disparatado, sem nexos de sentido.

O pensamento verbal só funciona ao vivo, ativo em alguém, à parte de estar guardado num arquivo, quando será informação, caso tenha sentido. Para tanto, desde o autor ao receptor, só funciona se estiver em harmonia complementar e criativa com o pensamento da intuição, que é o pensamento da awareness. Esta, desde sua base primitiva, sensorial,até esta awareness depurada que penetra o pensamento verbal, sob a guia do sentido, é suporte do pensamento verbal que o faz depender do corpo, suas vísceras, sua sensibilidade interna, dependendo dos órgãos da fala e dos sentidos corporais externos. Ampliando a compreensão, chegamos a entender que o pensamento verbal é um componente dependente e inseparável do pensamento total, denominação que poderemos considerar como uma tríade composta de pensamento corporal, pensamento intuitivo, pensamento verbal. O pensamento intuitivo será o componente que pensa pelo viés do sentido, formação de gestalten e representação interna, esta do tipo analógico, por imagens internas que não se transmitem para fora, não formam signo externo. È o pensamento que também pensam os animais desenvolvidos, capazes de criar tarefas complexas, inteligentes, por associação de sentido. A partir daí esses animais poderão formar signos primitivos, numa comunicação externa. Suas imagens serão de acordo e nos limites de sua particularidade sensorial e seus signos nos limites de expressão e associações de sentido. O pensamento humano faz forma analógica externa, que já é signo não verbal, como, por exemplo, um desenho, um gesto significativo, a expressão de sentido no movimento corporal, numa coreografia de dança.

Pensamento verbal é imaginação. Visando a compreender o fenômeno de Contato em sua relação com a linguagem, será muito útil entender essa faceta do pensamento verbal, em sua forma e matéria que vimos denominando significante. Este é uma imagem, geralmente sonora ou visual, sem nenhuma relação direta com o que representa, fazendo do pensamento verbal uma imaginação encerrada numa forma, numa imagem abstrata, visto que as palavras são forma artificial e convencional da linguagem, que sugerem algo ausente nelas e sem indício na imagem do significante, podendo levar a total desconexão com o que se pretende enunciar através delas (exceção a palavras onomatopaicas). O pensamento analógico externo tem indício direto do que está para mostrar ou comunicar, como a fotografia, a imagem do gesto, da imitação a algo. Ao passo que a imagem do pensamento verbal exige um aprendizado cultural para ser interpretada e entendida, forçando a pessoa a fazer uma operação indireta de recorrer à memória da linguagem, às associações de idéias que esclareçam o que está para representar num acordo sensato com a experiência. Mas, por outro lado, essa condição do pensamento verbal não é uma precariedade, servindo como potência inesgotável de informação e crescimento da linguagem, capacidade de apreensão e contato humano. E tudo isso é criado e operado pelo fenômeno de Contato. Neste temos a ação simultânea de, vamos dizer, duas “extremidades” evolutivas do fenômeno da awareness: A awareness sensorial básica, junto ao corpo ou à experiência desde os sentidos corporais, e a awareness suprema, feita pensamento que vasculha o sentido das palavras, na escuta e fala do significante pela pessoa. Faz sentido?...

 

FIM:


BIBLIOGRAFIA:

A Estrutura Ausente, Umberto Eco, Editora Perspectiva.
A Assinatura das Coisas, Lucia Santaella, Imago.
A Teoria Geral dos Signos, Lucia Santaella, Editora Pioneira.
Contato, Décio Casarin, Editora Revinter.
Curso de Lingüística Geral, Ferdinand de Saussure, Editora Cultrix.
Dicionário de Semiótica, A. J. Greimas/J. Courtés, Cultrix.


Recebido em: 01 / 12 / 2007.
Aprovado em: artigo cujo processo de avaliação pela revista não foi concluído.

Este texto, recebido em dezembro de 2007, não pôde ser avaliado a tempo de ser publicado na Revista IGT na Rede n°8, tendo sido guardado para a edição subseqüente. No entanto, e lamentavelmente, o autor faleceu antes que o processo de avaliação fosse concluído. Dessa forma, o texto não recebeu qualquer alteração ou ajuste para adaptação a normas estabelecidas, em respeito e homenagem ao autor.