ARTIGO

O papel da criatividade nas relações conjugais: os limites do “eu” e os limites do “nós”.

The function of the creativity in the relationship: the limits of "me" and the limits of "us".

Teresinha Mello da Silveira


RESUMO

As constantes queixas de desgaste e monotonia no relacionamento conjugal levaram a autora a reflexões sobre o papel da criatividade na convivência, os recursos criativos de que se lança mão na vida a dois e a forma como a utilização desses recursos interfere na conjugalidade e na vida pessoal de cada cônjuge. A prática clínica e as fontes bibliográficas utilizadas demonstram que o emprego da criatividade no relacionamento eleva o grau de prazer e satisfação na vida em comum e permite transformações saudáveis, tanto no vínculo conjugal, quanto em cada um dos cônjuges. Observa-se também que as histórias pessoais e as fantasias sobre o casamento conduzem a concepções que podem servir de estímulo para criar ou de bloqueio ao progresso da relação.

Palavras-chave: criatividade, vida conjugal.


ABSTRACT

The constant complaints of consuming and monotony in the matrimonial relationship had taken the author to reflections about the function of the creativity in the intimacy, the creative resources that we use in the matrimonial life and how the use of these resources interferes in the matrimonial life and in the personal life of each spouse. The clinic experience and the references used shows that the use of the creativity in the relationship raises the pleasure and satisfaction in the commom life and allows healthful transformations, as much in the matrimonial bond, as in each one of the spouses. It is also observed that personal histories and the fancies about the marriage leads to conceptions that can stimulates a blockage in the progress of the relationship.

Keywords: creativity, matrimonial relationship.


O amor é inventivo e anula os postulados da lógica. Ele tem sua lógica própria, tão válida quanto a outra. E os amantes se entendem sob o signo do absurdo — não tão absurdo assim, como parece aos não-amorosos.

Carlos Drummond de Andrade


Quanto mais os casais procuram o atendimento psicoterápico, mais fica evidente a importância da criatividade, nos moldes propalados por Zinker (1979), para um relacionamento mais sadio. Sendo a vida conjugal dotada de aspectos que beneficiam o surgimento de situações inacabadas, há de se imaginar o quanto no setting terapêutico surgem as distorções e repetições de histórias antigas, por vezes de outras gerações, obstruindo o fluxo criador próprio das uniões construtivas.

A criatividade, como fator de saúde e mudança, pode permear a vida conjugal e os relacionamentos saudáveis, favorecendo uma melhor utilização do potencial criativo do indivíduo. Este trabalho tratará das transformações que ocorrem na relação amorosa quando os casais se servem dos recursos criativos inerentes a todo ser humano.

Partindo da psicanálise observa-se que no início do século passado Freud (1908 [1907]) dizia que a brincadeira e a expressão livre são a base da criatividade. Ele explica que os poetas assemelham-se às crianças, que brincam com tudo em que podem pôr as mãos. O trabalho criativo é divertido, exploratório, e assim também podem ser as relações amorosas.

Kernberg (1995), psicanalista que se dedica ao estudo das uniões afetivas, por sua vez, afirma que o desejo infantil de fazer, de ser a razão, de explorar as coisas, evolui para paixões mais profundas. O impulso criador, segundo Kernberg, liga-se ao desejo erótico, que inclui amores muito antigos. A inspiração criativa, presente em todas as pessoas, pode manifestar-se de maneira mais intensa em uma ou outra área da vida, e pela diversidade dos empreendimentos, verifica-se o estilo ou o toque pessoal do indivíduo.

O movimento humanista, ou movimento do potencial humano, sustenta que todo homem é potencialmente criativo e que, na sua interação com o mundo, pode desenvolver-se ou não. No âmbito da relação a dois, os humanistas abrem a possibilidade de observar o que acontece com o indivíduo no intercâmbio com o meio ambiente e como se dá esse processo. A concepção holística de Kurt Goldstein (1995) amplia essa idéia. Baseado na noção de figura e fundo da psicologia da Gestalt, Goldstein afirma que o homem é uma totalidade, um organismo total em constante interação com o meio. Não é possível pensar o homem separado do ambiente, e, em constante interação, ambos se modificam: organismo e meio. Goldstein afirma que o homem é participante ativo da rede de interações da qual faz parte, e nela age segundo prioridades, hierarquizando seus desejos e necessidades. Logo, o homem potencial age criativamente no meio ambiente, modifica-o e dele obtém os recursos para transformar-se.

 

O casal criativo

Não existe uma criatividade pura. A expressão criativa se faz em relação. Um pintor interage com seus pincéis, sua tela, sua técnica e com sua imaginação. Ao escrever uma poesia ou ao compor uma música, o artista está conectado com diversas dimensões dele mesmo e do mundo. É no seio do relacionamento que ocorrem as mudanças, e é possível vê-las quando, no livre jogo das opções, o indivíduo arrisca-se, em meio a repetição de situações bastante conhecidas, a surpreender-se a si mesmo e aos outros com uma resposta nova, adequada e criativa. A atividade criadora ainda favorece a solução de conflitos que surgem de tempos a tempos clamando por uma resposta inovadora. Resulta daí a saúde e a renovação.

O espaço conjugal é uma totalidade com necessidades emergentes que pedem resolução pela utilização dos recursos criativos. O músico Nachmanovitch (1990) declara, ao falar sobre improvisação na vida, que “pessoas muito criativas podem usar [suas] capacidades em campos de atividade absolutamente convencionais” (p. 165); a imaginação criadora é poderosa até em situações de impasse.

Delimitado por uma fronteira, quando duas pessoas se casam, constroem uma nova totalidade. A fronteira do “nós” ou da conjugalidade estabelecerá os limites do que é vivido em comum.

Como já expliquei em um outro trabalho (SILVEIRA, 2005), Zinker (1994) desenvolve estudos com casais e famílias com base na interconexão entre a teoria sistêmica herdada de Ludwig von Bertallanfy, Gregory Bateson e Don Jackson — que considera o casal um sistema ou ainda um subsistema do sistema família no qual os membros da família influenciam-se mutuamente —, a teoria de campo de Kurt Lewin — que considera o comportamento humano função das interações do indivíduo num dado lugar e num determinado espaço de tempo — e a psicologia da Gestalt de Koffka, Wertheimer e Köhler, estes últimos mais especificamente no que diz respeito à noção de figura e fundo e à afirmação de que o todo é mais do que a soma das partes. O casal, para Zinker, é um todo complexo, determinado por múltiplos fatores e para compreendê-los temos que estabelecer fronteiras.

Os ajustamentos criativos na vida do casal ocorrem na fronteira da conjugalidade. Se não houver obstáculos na fronteira, ocasionados por situações inacabadas, faz-se o contato com o novo, e, desse modo, a descoberta e a transformação se realizam (POLSTER & POLSTER, 2001).

Conforme Polster & Polster (idem), o contato é definido pela função de união e separação de partes diferentes. É através do encontro de pessoas ou de partes que surge a mudança. O processo de mudança exige capacidade de fazer contato. Zinker alerta para o fato de que o contato sadio ocorre tanto entre os membros do casal quanto das famílias. O terapeuta favorece com seus recursos, que também devem ser criativos, a eclosão da criatividade no par. Para isso, há que pôr em evidência as evitações de temas conflituosos, os bloqueios, as resistências, chegar às situações inacabadas e encontrar, quando possível, novas formas de contato.

A variedade de modelos e a instabilidade das uniões afetivas do mundo contemporâneo pedem que as fronteiras conjugais sejam flexíveis. As fronteiras dão o contorno necessário para compreender o casal como um sistema, os membros do casal como subsistemas e são elas que permitem o contato com outras pessoas ou com outros casais. Além disso, dependendo da fluidez e da permeabilidade da fronteira do “nós”, os membros do par se unem como par e separam-se em unidades individuais. Aliás, o bom funcionamento do casal depende em grande parte de como os parceiros conseguem fazer encontros saudáveis na fronteira do “eu” e na fronteira do “nós”. É necessário que prevaleça um ritmo harmonioso de união e separação, o qual favoreça, de um lado, a intimidade e, de outro, a individualidade (CIORNAI, 1995). Como as fronteiras não são estáticas — pelo contrário, estão em constante movimento —, é preciso boa percepção da realidade para avaliar a possibilidade de contato a cada momento. Desse modo, o emprego da criatividade é fundamental também para experimentar novos contatos.

 

Aquilo que costumamos chamar de criatividade envolve fatores como inteligência, capacidade de perceber a ligação entre fatos até então desconexos, capacidade de romper com idéias ultrapassadas, destemor, vigor, alegria e até mesmo uma certa capacidade de escandalizar (NACHMANOVITCH, 1990, p. 165).

 

O exame desses fatores presentes na fronteira de contato permite entender o que Perls (1951) chamou de ajustamento criativo. O ajustamento criativo no relacionamento conjugal implica flexibilidade na fronteira para experimentar novos contatos. Para experimentar, é preciso ter auto-suporte. O auto-suporte orienta o indivíduo na escolha da atitude mais adequada em determinada situação, a fim de que essa mesma situação seja recriada e ressignificada.

Quando duas pessoas resolvem se casar acontecem coisas interessantes. Os sonhos de casamento levam o indivíduo a buscar unidade com o par. Histórias diferentes se misturam, e surge então uma nova totalidade, uma estrutura, um fluir de comunicação. Esse é o primeiro sinal de criação na vida em comum. As pessoas que se escolhem passam a funcionar num estilo diferente, com linguagem própria, seguindo um ao outro. Os limites pessoais são ultrapassados É de se esperar que surja uma aliança, um entrelaçamento que é a base para uma nova configuração. Personalidades diferentes, com diferentes habilidades para viver o mundo, unem-se para construir algo maior, e assim vão compor uma nova fronteira, a fronteira da conjugalidade.

O diálogo franco, a comunicação clara, o apoio mútuo, o conforto nas dificuldades, o humor, as opiniões, os acordos, os momentos de carinho, a intensidade da vida íntima, as críticas, as oposições, a vivência das ambivalências, dos conflitos, são ao mesmo tempo razão e resultado de uma vida a dois criativa.

No casamento criativo, as múltiplas possibilidades de intercâmbio levam ao crescimento da relação, favorecendo o enriquecimento de cada membro do par. Evidentemente, o casal não vive todo o tempo de modo harmonioso, mas os momentos de discordância são experimentados como impulsos para a criação. Logo, ouvir, perceber, sentir, entender, contribui para o autoconhecimento, para o conhecimento do outro e para o relacionamento. A vida conjugal pode, assim, ser permeada por encontros genuínos em que o contato, a empatia, o ambiente facilitador e uma boa instrumentalização dos limites tornam a vida mais plena. No entanto, é preciso lembrar que uma vida mais plena é uma conquista. Exige uma disciplina horizontal, a consideração mútua, a consciência de si e do outro e a disposição de ceder, de ser delicado e cuidadoso com a relação. Para tudo isso, é preciso confiar.

A propósito, Winnicott (1958, 1965, 1979) discute amplamente a questão do espaço potencial como um espaço de confiança, onde são alicerçadas as relações afetivas, as experimentações, as criações e as ilusões. Assim, o fluir ou não no espaço potencial embasa os relacionamentos futuros e as possibilidades criativas na vida de relação. O espírito exploratório, que floresce na variedade, e a livre expressão assim desenvolvidos permitirão que mais tarde o indivíduo se torne capaz de experimentar novidades, fazer novas associações e criar novos elos.

De fato, confiar no outro envolve riscos. Em primeiro lugar, é preciso confiar em si mesmo. A relação conjugal, entretanto, pede aos parceiros que abram mão de algum controle em favor da relação. Para viver um pouco de descontrole, há que ter autonomia, que decorre de experiências favoráveis no espaço potencial.

A vida compartilhada própria das pessoas que se amam é construída mediante nova linguagem, novas regras que definem as peculiaridades de um casal. Na vida conjugal existe um ritmo de autonomia e dependência mútua que, mesmo sem comunicação explícita, favorece o “viver com”, de um lado, e a vivência da individualidade, do outro. Num momento, surge o indivíduo com suas questões pessoais, únicas, particulares; noutro, surge o par, e desaparecem as fronteiras entre o “eu” e o “não-eu”. Uma relação criativa inclui, por conseguinte, movimento. Pelo e por amor, expande-se, transcende-se, cria-se, transforma-se e retorna-se renovado; o criar, assim, é prazer que liberta e expande as fronteiras do eu.

Do ponto de vista artístico, o criar é a fronteira tênue entre o sonho e a realidade. No relacionamento conjugal, a oscilação entre serem dois e ser um, entre estar presente ou ausente, entre estar próximo ou distante, entre o que é real ou imaginado e a tensão decorrente da atração e do medo favorecem tanto a intimidade como as necessárias desilusões que permitem a passagem da paixão de seres indiferenciados para a relação a dois mais diferenciada, própria de relacionamentos mais duradouros. Desse ponto de vista, o amor está comprometido com o ato de criar e vice-versa. Nessa dança, o vínculo amoroso ultrapassa os limites da individualidade, chega ao desconhecido; aprende-se, então, o que é perder e adquire-se consciência do fluxo de união e separação.

 

Obstáculos à criatividade na vida conjugal

Vários obstáculos, entretanto, interpõem-se entre o casal, impedindo uma vida em comum mais vibrante. Tratar-se-á aqui das limitações impostas pelas contingências da vida que bloqueiam ou dificultam a criatividade na relação conjugal.

Qualquer escolha, consciente ou não, implica aceitar os limites inerentes a ela. Dessa maneira, o casamento impõe limites que, dependendo da forma como são encarados, podem restringir e empobrecer a vida a dois e tornar a fronteira de contato rígida, impedindo intercâmbios com o ambiente. Mas as restrições podem abrir caminho para o criar. Os limites formados pelo conjunto de regras escolhidas, que determinam o espaço conjugal, podem ser a razão para aumentar a força, libertar a criação, permitir maior profundidade no relacionamento e assim revigorar cada um dos parceiros individualmente. Dessa maneira, superar os limites implica vivê-los de forma criativa. Afinal, é uma contingência da vida que alguns limites sejam estritos para que outros estejam livres para variar com maior intensidade. Nesse movimento rítmico de contenção e expansão, transcende-se os próprios limites.

Os erros e fracassos na vida do casal podem ser poderosas barreiras à criatividade. A pessoa criativa deve saber lidar com erros, transformando-os. Pessoas que se frustram demais com o fato de nem sempre acertarem, e que conseqüentemente não aceitam o erro dos outros, tanto se fecham numa idéia inatingível de perfeição, que deixam de ver o que é perfeito a cada momento. O indivíduo criativo deve ver o erro como estímulo para sucessivos ensaios que poderão cada vez mais aperfeiçoar os seus encontros. Os erros são acidentes essenciais que podem tornar-se vantagens. Algumas importantes descobertas científicas tiveram origem em erros. Não admitindo os erros, os casais se fecham em fronteiras rígidas que certamente levarão ao desgaste da relação conjugal. Nunca se soube de pessoas ou casais que tivessem mudado sem experimentar erros, e na maioria das vezes é por meio deles que se mobilizam os recursos internos para as necessárias mudanças no relacionamento.

O excesso de julgamento e os rótulos, que afastam enfim o casal do respeito mútuo, fundamental para o bom uso do potencial criativo, podem distanciar também um parceiro que em princípio se dispôs como um artista a compartilhar e contribuir com sua parcela de criatividade.

Por outro lado, a forma com que os parceiros consideram as críticas está essencialmente ligada ao fato de errar e julgar. Nesse sentido, é importante observar o ângulo de quem critica e de quem recebe a crítica. Há pessoas que não admitem serem criticadas. Julgam-se todo o tempo certas; e agem e reagem conforme determinado padrão preestabelecido e, conseqüentemente, com um mínimo de abertura para o novo, ou seja, para aquilo que o outro tem para oferecer. Essas pessoas mostram-se rígidas no relacionamento e persistem em comportamentos que, em algumas situações, deixaram de ser funcionais. Tais atitudes impedem o desabrochar do relacionamento a dois quando o outro membro do par submete-se a regras impostas ou omite-se por não se sentir acolhido, criando um mundo isolado do convívio conjugal.

Viver junto implica constante revisão. As críticas de parte a parte funcionam como feedback num relacionamento satisfatório. A pessoa criativa sabe tirar vantagens das críticas em favor de um viver mais prazeroso. Por outro lado, a maneira pela qual a crítica é feita pode interpor-se na relação e promover paralisações ou brigas desnecessárias. Alguns tipos de críticas humilham o criticado como se ele estivesse diante de autoridades que pudessem esmagá-lo com seu conhecimento e poder. Essas críticas são difíceis de absorver, e muito comumente levam o indivíduo a experimentar uma sensação de fracasso que lhe dificulta arriscar ou propor desafios em outras situações. A constância dessas formas de críticas podem provocar um enorme bloqueio na criatividade de pessoas mais inibidas.

Para que favoreça a criatividade, a crítica precisa ser paralela ao ato de criar. Assim, a crítica construtiva funciona como um feedback contínuo que facilita a ação. O julgamento crítico, dessa maneira, realimenta o desenvolvimento contínuo em vez de impedi-lo. Oferece a oportunidade de a pessoa que cria parar, rever e aprimorar a sua criação.

A vida de um casal criativo não é superficial; relações criativas são profundas, e nelas a sensibilidade está presente na maior parte do tempo. A convivência do casal implica ainda experimentar dores, mortes, perdas, separações e todos os tipos de crise. Todas essas experiências tornam-se bem mais difíceis quando os membros do par não se valem dos seus respectivos recursos criativos. Além disso, o cotidiano leva o casal a habituar-se com um mesmo estilo de vida e mantém o par escravo do mundo conhecido, impossibilitando descobertas.

Outro aspecto por considerar é a impossibilidade de descontrole e de entrega. A criação envolve esses dois elementos. A experiência leva as pessoas a perceberem que é necessário abrir mão de certo grau de controle para que o novo surja. O que é forçado, o que é obrigado obstrui o fluir e cria uma armadura. Entregar-se é tornar possível a descoberta da novidade, é a possibilidade de transformar o que não é consciente em consciente pela intuição. O interessante nesse ponto é que, ao casar-se, o par tenta adaptar-se a regras e normas que a princípio são necessárias; contudo, só quando as regras são incorporadas à fronteira do “nós” é que se torna possível aceitá-las com naturalidade. Um regime de casamento rígido predeterminado traz respostas prontas, externas ao sujeito, as quais não favorecem o surgimento da criatividade no momento necessário. Entregar-se é renunciar a qualquer idéia pré-formada, deixar-se viver o vazio (1), conviver com a confusão e a ambigüidade e mergulhar na desesperança e no medo para emergir mais autêntico e fortalecido.

Vários bloqueios surgem quando a vida a dois governa-se por valores externos não assimilados pelo casal. Nessas circunstâncias, o excesso de controle mantém os membros do par sempre iguais, e os indícios de artificialidade se fazem presentes. Não é possível impor à vida conjugal flexibilidade, fluidez, leveza, elementos que nascem somente quando se definem os termos da fronteira do “nós”. É preciso, ademais, perceber de que maneira essas características atuam ou não no relacionamento, a fim de que a rápida seqüência de acontecimentos da vida a dois possa ser utilizada para promover mudanças criativas. Se não houver interferência no curso normal dos recursos criativos inerentes a qualquer relação, ela passará por muitos momentos de transformação. Enfim, qualquer esforço para agir criativamente esbarra em resistências que podem diminuir o ritmo com que se faz a mudança ou, quando muito intensas, podem paralisar suprimir a capacidade de ação.

Foram visto até aqui os elementos necessários para uma análise dos fatores que contribuem para a utilização da criatividade no relacionamento do casal. Na complexidade da vida conjugal atuam um grande número de variáveis que, pela forma como interagem, podem oferecer os mais diversos matizes à vida em comum enquanto tornam cada membro do par individualmente mais criativo. É claro que muitas vezes os parceiros conjugais não obtêm êxito ao lidar com tantas dimensões da conjugalidade e constata-se, então, a força da destrutividade.

Contudo apesar da importância de verificar o tanto de destrutividade existente no sistema casal, este não é o tema deste trabalho.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GOLDSTEIN, KURT. (1995). The Organism. Zone Book, New York.

KERNBERG, O. F. (1995). Psicopatologia das relações amorosas. Porto Alegre, Artes Médicas.

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SILVEIRA, T. M. Caminhando na corda bamba. Gestalt-terapia de casal e família. Disponível em <http://www.igt.psc.br/revistas/seer/ojs/viewissue.php?id=4>, acesso em agosto 2007.

WINNICOTT, D. W. (1958). Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978.

______ (1965). A família e o desenvolvimento individual. São Paulo, Martins Fontes, 1993.

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ZINKER, J. M. (1979). El proceso creativo en la terapia guestáltica. Buenos Aires, Paidós.

______ (1994). In search of good form: Gestalt-therapy with couples and families. San Francisco, Jossey-Bass Publishers.


(1) Adota-se aqui a compreensão das religiões orientais, segundo a qual o vazio é o espaço entre um pensamento e outro, o espaço do não-pensar. Wilson van Dusen (Wu-wei, não-mente e o vazio fértil. In: Isto é Gestalt. São Paulo, Summus, 1977) explica que os taoístas e os zen-budistas usam o vazio com o fim de encontrar soluções criativas para os seus problemas.