ARTIGO

Pacientes Fora de Possibilidades Terapêuticas Atuais: uma abordagem estratégica.

Monica Aparecida de Oliveira Pinheiro

Monografia apresentada como exigência para obtenção do título de Graduação em Psicologia, sob a orientação do mestre Celso Lugão da Veiga.


RESUMO

O presente trabalho consiste numa dissertação teórica, a qual se fará através de um trabalho de pesquisa bibliográfica sobre pacientes fora de possibilidades terapêuticas atuais tendo como abordagem terapêutica a psicoterapia estratégica. Abordar-se-á mais especificamente o trabalho com pacientes portadores de câncer, em estágio avançado da doença.

O trabalho se estenderá também aos familiares por se considerar serem estes de grande relevância já que também sofrem o impacto da possibilidade da perda de um ente querido com as conseqüentes influências psicológicas e emocionais decorrentes do processo de luto.

A equipe multidisciplinar também será tema de discussão na presente dissertação, considerando o impacto emocional produzido pelo trabalho com pacientes fora de possibilidades terapêuticas atuais, onde estes profissionais se encontram permanentemente em contato com as vivências da doença e da morte. Serão também abordados os modos de relação que se estabelecem entre profissionais de saúde, pacientes e seus familiares, tratando assim, dos diversos aspectos que envolvem as vivências do adoecer, tratamento e hospitalização de pacientes oncológicos fora de possibilidades terapêuticas atuais.



INTRODUÇÃO

A escolha pela temática sobre os pacientes fora de possibilidades terapêuticas atuais se fez por despertar grande interesse e motivação para o estudo e aprofundamento de conhecimentos nesta área de atuação.

Outro fator que mobilizou a execução deste trabalho foi o desejo de a partir de uma maior compreensão, e assim, tendo mais recursos e ferramentas eficazes para a intervenção com os pacientes e seus familiares, proporcionar-lhes meios para lidarem com a presença da possibilidade da morte, mobilizando os próprios recursos interiores que possuem, de forma a reduzir a sua angústia e sofrimento, amenizando o impacto causado pela doença, e melhorando a qualidade de vida destas pessoas.

Esta temática pode então ser considerada de grande interesse para todos aqueles que trabalham nesta área, além de possuir grande relevância social já que grande número de pessoas se encontra na situação de pacientes fora de possibilidades terapêuticas atuais, e assim, sendo grande a demanda de profissionais capacitados para uma atuação mais qualificada e humana junto a estes pacientes.

O trabalho tem como objetivo a produção de conhecimento, e conseqüentemente, proporcionar meios para uma intervenção mais qualificada e eficaz junto aos pacientes fora de possibilidades terapêuticas atuais e seus familiares, contribuindo desta forma com todos aqueles que se dedicam ao trabalho com estes pacientes.

Considerando-se os aspectos supracitados, o capítulo 1 trata dos fundamentos teóricos da psicoterapia estratégica, citando alguns modelos de intervenção. O capítulo 2 faz uma descrição das manifestações psíquicas do paciente hospitalizado. O capítulo 3 traça algumas considerações a respeito da confirmação do diagnóstico do câncer e dos aspectos psicológicos associados à doença e ao luto, tratando inclusive do conceito de morte na infância. O capítulo 4 aborda o relacionamento que se estabelece entre o paciente, seus familiares e a equipe de saúde e dos ruídos que podem surgir na comunicação entre eles. O capítulo 5 disserta sobre o pesar, incluindo os profissionais de saúde, que se encontram em constante contato com a vivência da morte. O capítulo 6 explana sobre a hipnose no tratamento dos pacientes oncológicos e como ela pode auxiliar no controle do câncer e da dor. Finalizando, seguem a conclusão e a referência bibliográfica deste trabalho.



Capítulo 1 - Psicoterapia Estratégica: Referenciais Teóricos e Modos de Intervenção Junto ao Cliente

O terapeuta estratégico pode adotar diversos referenciais epistemológicos para trabalhar com o seu cliente, desde que tenha conhecimento teórico e saiba como utilizar as técnicas. Isto fornece a ele mais recursos, variedades de intervenções a serem utilizadas a fim de auxiliar o seu paciente, tornando o processo terapêutico mais efetivo, produzindo os efeitos desejados em menor tempo.

Na terapia estratégica podem ocorrer atendimentos individuais, familiares e de casal, assim como podem ser atendidas pessoas de diferentes faixas etárias. Mesmo em atendimentos individuais, o terapeuta pode fazer o genograma, a fim de se ter um conhecimento do contexto familiar daquele cliente e convocar a família ou parte dela a fim de ser atendida em uma ou mais sessões familiares, caso avalie ser necessário.

Como cada cliente tem as suas idiossincrasias e é único, e a terapia deve ser feita especificamente para aquele cliente. Repetir sempre as mesmas intervenções com os diferentes clientes, certamente resultará no fracasso terapêutico com alguns deles, já que uns responderão e outros não a uma mesma intervenção.

Desta forma, quando o terapeuta tem variados recursos técnicos, ele possui maior flexibilidade, e caso o cliente não responda a uma intervenção, por exemplo da Gestalt, ele pode utilizar alguma outra técnica de Psicodrama ou da Programação Neurolinguística, que será enfatizada neste trabalho.

1.1 O Modelo SCORE

O modelo SCORE é uma técnica fundamentada na PNL (Programação Neurolinguística), cujos teóricos são Richard Bandler e John Grinder. Quando se utiliza este modelo, o terapeuta analisa cinco aspectos:

S = sintomas
C = causas
O = objetivos
R = recursos
E = efeitos

Sintomas
São as queixas que o cliente traz para o terapeuta a fim de que sejam trabalhadas, e também as percepções do terapeuta, que pode identificar sintomas não percebidos pelo próprio cliente. Este pode trazer como queixas ansiedade, insegurança e tristeza. O terapeuta então, traça estratégias a fim de solucionar o problema, ou se for o caso de algo que não possa ser mudado como a amputação de um braço em decorrência do câncer ósseo, fornecer meios que permitam ao cliente lidar com esta situação com o mínimo de sofrimento psíquico.

Causas
São as crenças que o cliente tem e também as do terapeuta relativas aos fatores que podem ter originado os sintomas, e que estão contribuindo para a sua manutenção. Podem ser consideradas como causas da ansiedade a vivência da doença, o tratamento (que é bastante invasivo no caso do câncer) e o medo da morte. Também se inclui nas crenças do terapeuta as técnicas, teorias e sistemas que serão por ele utilizados como forma de tratamento, a partir do que ele acredita ser a causa dos sintomas e os meios mais eficazes para o seu tratamento.

Objetivos (outcome)

Referem-se às metas que se deseja alcançar com o processo terapêutico. Estas, devem ser sempre estabelecidas numa relação de co-responsabilidade entre terapeuta e cliente, cada um assumindo responsabilidades a fim de se alcançar os objetivos propostos.

Os objetivos devem ser estabelecidos na forma positiva. Ao invés de “Eu não quero ficar ansiosa”, estabelecer como meta “Eu desejo ficar calma...” Quando você pega um táxi, o que você diz para o motorista? “Eu não quero ir para Copacabana” ou “ Eu quero ir para Barra da Tijuca” ?

Na terapia, cliente e terapeuta precisam saber aonde querem ir:

 

 
Recursos
 
Estado atual
Estado desejado
 
Obstáculos
 

 

 

Outra consideração importante é que os objetivos devem ser bem especificados pelo cliente. No exemplo supracitado é preciso definir o que é ficar calma (um dos objetivos), assim como o que é estar ansiosa.

Estado Atual
Estado Desejado

Ansiosa: está sem paciência, agredindo verbalmente os familiares.

Insegura: não consegue colocar a própria vontade, fazendo o que os médicos e familiares pedem, mesmo contrariada.

Triste: chora diversas vezes

Calma: tratar os familiares de forma mais educada, polida.

Segura: poder expressar a sua opinião, respeitando a própria vontade e fazendo o que deseja.

Alegre: sentir-se mais aliviada, poder sorrir

 



Recursos
Aquilo que o cliente traz consigo e pode auxiliá-lo. São os potenciais do cliente, os recursos que ele tem e utiliza como benefício, meio de lidar com a situação.

É interessante que um determinado sintoma pode funcionar como recurso. Um paciente oncológico, com medo de passar mal e ninguém perceber, pode utilizar como recurso dormir com a luz acesa. Neste caso, o terapeuta, se avaliar que é necessário intervir, deverá fazê-lo com muito cuidado, pois ao deixar de utilizar este recurso o paciente pode não mais conseguir dormir (ou acordar várias vezes durante a noite), se ainda tiver a crença de que pode passar mal e não ser socorrido, ou desenvolver um outro recurso que seja prejudicial a ele como beber para dormir. Caso não traga prejuízos ao paciente, não há necessidade do terapeuta intervir (afinal, o que há de mal em dormir com a luz acesa? A não ser que o sono esteja sendo prejudicado e conseqüentemente a saúde do cliente) [1].

Efeitos
São as conseqüências decorrentes de se atingir os objetivos. É preciso que sejam analisados e discutidos os efeitos da mudança na vida do próprio cliente e daqueles que lhe estão próximos como os familiares, respeitando-se a ecologia. O sistema de vida da pessoa é visto como um ecossistema, os vários aspectos estão interligados e a alteração em um deles pode trazer interferências em outro(s). O fato de uma esposa submissa, que tem dificuldades de se colocar, começar a fazê-lo e não mais atender aos pedidos do marido prontamente, pode trazer como conseqüência desta mudança o marido pensar que ela não gosta mais dele, por achar que ela não está lhe dando atenção, advindo problemas na relação conjugal. É importante que o terapeuta esteja atento a estes fatores.


1.2 O Modelo VAKOG

Este modelo é também fundamentado na PNL e toma como foco de observação, análise e trabalho, as modalidades da percepção. Algumas pessoas utilizam preferencialmente o canal visual, outras usam mais o canal auditivo. Baseadas nestes canais constroem os seus mapas, a sua representação do mundo. O terapeuta, conhecendo a modalidade preferencial do cliente, isto é, a sua representação interna da realidade (VAKOG), poderá intervir mais efetivamente, auxiliando-o. Para alguém que é visual, é melhor utilizar expressões como: “Esclareça um pouco mais para mim esta questão”, ou “Você consegue visualizar outras alternativas, que sejam melhores, para lidar com esta situação?”. Desta forma, o terapeuta fala a linguagem do cliente, e intervém mais eficazmente, pois esta é a representação de mundo do cliente, produzindo efeito maior do que se dissesse: “Você consegue perceber outras alternativas, que sejam melhores para lidar com esta situação?”, que seria mais indicada para um cinestésico.

As iniciais de VAKOG representam as cinco modalidades de percepção:
V = visão
A = audição
K = cinestesia
O = olfato
G = gustação

Dependendo do canal preferencialmente utilizado pelo cliente, este é classificado em visual, auditivo, cinestésico, olfativo ou gustativo. O uso dos predicados (adjetivos, advérbios e verbos), será diferente conforme a modalidade preferencialmente utilizada.

O visual utiliza predicados como: olhar, imagem, foco, imaginação, insight, cena, branco, visualizar, perspectiva, luminosidade, reflexo, esclarecer, examinar, olho, foco, antever, ilusão, ilustrar, observar, revelar, prever, ver, mostrar, pesquisar, visão, obscuro, escuro, colorir,...

As frases típicas são aquelas que envolvem expressões visuais como:

Vejo ou veja o que você quer dizer.
Temos os mesmos pontos de vista.
Vemos da mesma forma ou com os mesmos olhos.
Mostre-me o que quer dizer com isso.
Depois, você vai olhar para trás e rir.
Isso vai lançar uma luz sobre o assunto.
Isso dá um colorido diferente a questão ou ao seu ponto de vista.
Sem sombra de dúvida.
Tenho uma visão um tanto obscura a esse respeito.
O futuro parece brilhante.
A solução explodiu diante de meus olhos.
Com os olhos da mente.
Isto é um colírio para meus olhos.
Como você vê isso?
Veja bem o que você vai dizer.

O auditivo utiliza predicados como: dizer, falar, ouvir, sotaque, ritmo, alto, tom, ressoar, som, monótono, surdo, tocar, perguntar, audível, claro, discutir, proclamar, comentar, escutar, gritar, perder a voz, vocal, silêncio, dissonante, harmonioso, agudo, silencioso, mudo, barulhento,...

As frases típicas são aquelas que envolvem expressões auditivas como:
Estar na mesma sintonia.
Viver em harmonia.
Isto é grego para mim.
Fazer ouvidos de pescador.
Isso é música para meus ouvidos.
Palavra por palavra.
Segure sua língua.
Outra maneira de falar.
Em alto e bom som.
Como isso soa para você?
Escute o que vou dizer.
Qual a sua opinião sobre o que estou falando?

O cinestésico utiliza predicados como: contato, manusear, tocar, empurrar, esfregar, sólido, quente, frio, áspero, macio, duro, mole, agarrar, pressão, sentir, sensitivo, estresse, tangível, tensão, concreto, suave, pegar, sofrer, pesado, apreender, equilibrar, refrescante, prazeroso,...

As frases típicas são aquelas que envolvem expressões cinestésicas, sensações corporais como:
Vou entrar em contato com você.
Consegui captar a idéia.
Posso sentir nos ossos.
Ele tem um coração quente.
Ele é uma pessoa fria.
Ela é casca grossa.
Segure-se.
Isto tem uma base sólida.
Uma discussão acalorada.
Pôr o dedo na ferida.
Como você se sente em relação ao assunto.

O olfativo utiliza predicados como: cheiroso, aromático, fresco, defumado, passado.

As frases típicas são aquelas que envolvem expressões aromáticas como:
Isso cheira mal.

O gustativo utiliza predicados como: azedo, saboroso, amargo, salgado, suculento, doce.

As frases típicas são aquelas que envolvam expressões gustativas como:
Um comentário ácido.
Uma pessoa doce.
Uma pessoa amarga.
Uma pessoa sem sal

As modalidades possuem submodalidades, as quais estão representadas no quadro abaixo.

Modalidades Submodalidades
Visão

Bidimensional / tridimensional

longe / perto

grande / pequeno

brilhante / opaco


associado / dissociado

Audição

mono / estéreo

alto / baixo

grave / agudo

claro / confuso

Cinestésico

forte / fraco

localização (acima, abaixo, na frente, atrás, ...)

movimento (rápido, lento, uniforme, ...)

Olfato

agradável / desagradável

forte / fraco

Gustação

Acre

Doce

Amargo

Ácido


É importante salientar que o que cada pessoa possui as suas particularidades, as suas idiossincrasias e o que para uma pessoa é considerado um bom volume para se escutar música, para uma outra pessoa pode ser considerado alto, desagradável. Tome-se com exemplo uma mãe pedindo para o seu filho adolescente abaixar o volume do som. Um outro exemplo, é a temperatura do ambiente, que pode estar agradável para uma pessoa, e a outra pede para diminuir o ar condicionado porque está sentindo frio.


Observação do Processo Visual em PNL
Quando observamos o olhar de uma pessoa, este pode nos dar algumas informações sobre qual modalidade esta pessoa está utilizando. Quando o cliente olha para cima e para a esquerda, isto indica que ele está construindo uma imagem mental naquele instante. Quando ele olha para o lado e para direita, ele está utilizando o seu visual, lembrando de alguma música, alguma frase que lhe disseram. Quando seu olhar está voltado para baixo e para esquerda, isto indica que ele está usando o canal cinestésico, podendo estar sob o efeito de uma forte carga emocional. Desta forma, o terapeuta também pode analisar, além das expressões e palavras, o olhar a fim de saber a modalidade perceptiva que está sendo utilizada pelo cliente. Para melhor compreensão, o quadro abaixo mostra as posições dos olhos e as modalidades a elas relacionadas:

Vc

 

Ac

 

K


Vl

 

Al

 

Di



Vc = Visual construindo
Ac = Auditivo construindo
K = Sensação
Vl = Visual lembrando
Al = Auditivo lembrando
Di = Diálogo interno

Exercício para Ajudar a Calibrar Visual, Auditivo, Olfativo e Cinestésico:

Bem, agora vamos fazer um pequeno exercício.
Escolha um objeto que você gosta (flores, fruta, bombom, pedaço de torta,...) Imagine este objeto
Pense, em que local onde você poderia estar recebendo de presente este objeto? (buquê de flores, uma fruta, caixa de bombom, pedaço de torta,...)
Sente-se numa posição confortável e feche os olhos.
Imagine-se então neste lugar. Procure perceber as pessoas, os objetos presentes neste ambiente. Observe as cores deste local, se ele é claro, escuro.
Perceba também os sons deste ambiente, talvez o som de um pássaro, da água do mar, do vento. Sinta o cheiro deste ambiente, se é forte, fraco, agradável.
Imagine-se agora recebendo este objeto quer você escolheu.
Observe bem a cor deste objeto (fruta, caixa de bombom, pedaço de torta, ...)
Você pode ver diferenças de cores / tonalidades entre as flores? Olhe bem. (nesta fruta, entre os bombons, pedaço de torta,...).
Agora toque este objeto, sinta-o com suas mãos. (a fruta, o bombom, o pedaço de torta, ...) . Perceba a consistência a maciez.
(Caso o cliente tenha escolhido algo comestível, pode-se pedir para que ele sinta o gosto deste objeto, se é doce, salgado ou ácido)
Agora, abra os seus olhos.

Avaliação
Descreva-me tudo que você percebeu desde o momento em que mandei fechar os olhos até agora. (Aqui também devem ser observados os predicados utilizados na descrição.)

Descreveu espontaneamente? Em que ordem? (na ordem sugerida?)
Percepção auditiva? Percepção visual? Percepção cinestésica?
Descreveu por solicitação?
Percepção auditiva? Percepção visual? Percepção cinestésica?


1.3 Categorias Intrapsíquicas

Este é um modelo de avaliação, cujo teórico responsável é J. Zeig. O autor utilizou, entre outras coisas, o VAKOG da Programação Neurolingüística na construção deste modelo. O quadro que segue (BAUER, S., 1998, p.91), serve como orientação para o conhecimento e trabalho com estas categorias, consistindo em mais um recurso técnico que pode ser utilizado pelo terapeuta.



CATEGORIAS INTRAPSÍQUICAS


A) Fazendo Uso da Percepção e da Atenção

CATEGORIAS INTRAPSÍQUICAS
A) Fazendo Uso da Percepção e da Atenção
( ) Interno: voltado para dentro, preocupado com seus próprios problemas, sentimentos, sensações, não olha para fora;

( ) Externo: observa tudo à sua volta, quer estar bem ao olhar o outro, sabe sobre os outros.

( ) Focalizado: olhar sempre fixado a uma só coisa;

( ) Difuso: desloca o olhar o tempo todo.

( ) Visual: observa, usando palavras como: “Eu vejo, observo , olho,...”Usa os seguintes predicados: olhar, imagem, foco, imaginação, insight, cena, branco, visualizar, perspectiva, luminosidade (brilho, apagado), reflexo, esclarecer, examinar, olho, foco, antever, ilusão, ilustrar, observar, revelar, prever, ver, mostrar, pesquisar, visão, olhar, obscuro, escuro, colorir,...

( ) Auditivo: presta atenção a música e aos sons que desagradam. Fala: “Isto soa, ouça aqui, ...”Usa os seguintes predicados: dizer, falar, ouvir, sotaque, ritmo, alto, tom, ressoar, som, monótono, surdo, tocar, perguntar, audível, claro, discutir, proclamar, comentar, escutar, gritar, perder a voz, vocal, silêncio, dissonante, harmonioso, agudo, silencioso, mudo, barulhento, ...

( ) Cinestésico: corporal, tátil. Fala de sensações: “Eu sinto, eu percebo, ...”Usa os seguintes predicados: contato, manusear, tocar, empurrar, esfregar, sólido, quente, frio, áspero, macio, duro, mole, agarrar, pressão, sentir, sensitivo, estresse, tangível, tensão, concreto, suave, pegar, sofrer, pesado, apreender, equilibrar, refrescante, prazeroso, ...


 

B) Processo de Elaboração
( ) Linear: metódico, segue uma seqüência linear, organizado, faz as coisas em seqüência lógica (1,2,3, ...)

( ) Mosaico: elaboração diversificada, vai ao meio, volta ao princípio, depois vai ao final. Entremeia coisas num determinado assunto.

( ) Ampliador: positivo (exagera para o lado positivo); “... A hipnose é uma grande experiência, fantástica ” negativo: (exagera para o lado negativo); “ ... este seu problema ... que lhe traz tanta dor ... pode ser enfocado de uma maneira sublime ... )

( ) Redutor: qualifica de forma redutiva, menos emoção. Olha um elefante e vê um rato. Faz-se um transe mais circunspecto: “... E você pode reparar em certas coisas que te interessam ...”

Desequilíbrio: Observar qual das categorias acima está mais desequilibrada.Utilize-a, levando-o ao equilíbrio.

 

C) Categorias Interpessoais – Sociais
Estrutura familiar:

( ) Filho mais Velho: protetor, dominante.

( ) Filho do Meio: rebelde, adaptativo, artístico, comunicativo.

( ) Filho mais Novo: requer proteção, obediente, conciliador.

Região:

( ) Urbano: vive o presente, linguagem urbana.

( ) Rural: orientado para o futuro, plantas, animais, tempo.

( ) Intrapunitivo: minha culpa.

( ) Extrapunitivo: a culpa é do outro.

( ) Absorvente: lua, aqueles que imitam, sugam energia, conhecimento. Pensamento.

( ) Radiante: sol, doador.

( ) Audaciosos: aventureiro, impulsivo, curioso, explorador, vai à luta.

( ) Autoprotetor. necessita ir devagar, ponderado, cauteloso.

( ) Em estresse: agitado, gosta de muitas novidades: esportes, dança, música.

( ) Em homeostase: calmo, gosta de comodidade, faz uma coisa de cada vez.

( ) Dominante (one up): domina, comanda

( ) Submisso (one down): submisso, prefere ser comandado




1.4 O Pacing e o Leading

Milton Erickson, sempre dava o passo do tamanho que o cliente podia acompanhar, sempre respeitando seu tempo e as suas habilidades. Caso desse um passo maior que o cliente podia dar, logo voltava, dando um passo do tamanho que ele pudesse acompanhar. O pacing é você ir acompanhando o cliente, o que pode ser feito através do espelhamento (ou modelagem). Caso o cliente esteja com as pernas cruzadas, o terapeuta poderá cruzar também as suas, estabelecendo um melhor rapport com ele.

O Pacing pode ser feito a nível verbal, com o terapeuta utilizando palavras e expressões que foram utilizadas pelo cliente, ou não verbal, falando ou respirando no mesmo ritmo do cliente, e ainda espelhando a posição do cliente, cruzando os braços caso este esteja com os braços nesta mesma posição.

O terapeuta também pode fazer o espelhamento cruzado, que consiste em modular o cliente sem fazer os mesmos gestos ou adotar as mesmas posições. Em um espelhamento cruzado, o terapeuta pode espelhar a respiração de um cliente, falando ou fazendo algum movimento no mesmo ritmo de sua respiração.

Pouco a pouco, ele pode ir fazendo com que o cliente o siga (leading). Caso ele descruze as pernas ou se incline um pouco para frente e o cliente o seguir, fazendo o mesmo, ou algo semelhante, o leading foi estabelecido. O terapeuta, então poderá guiar o cliente e fazer intervenções mais eficazes, às quais o cliente responderá, pois estará responsivo ao terapeuta. Caso o cliente esteja bastante ansioso, respirando de forma acelerada o terapeuta pode começar a falar mais pausadamente e o cliente diminuirá o ritmo de sua respiração. Isto trará mudanças na fisiologia do cliente, fazendo com que ele vá relaxando.

1.5 O Diamante de Erickson

O Diamante de Erickson é um metamodelo de psicoterapia, que nos propõe alguns modos de construir uma terapia específica para cada cliente, respeitando as suas idiossincrasias e especificidades. Sofia Bauer (2000, p.99) nos apresenta o metamodelo adaptado por Jeffrey Zeig, que será também abordado neste trabalho. Inicialmente faremos uma representação gráfica do Diamante, fazendo a seguir a discussão de seus pontos


Objetivo

Embrulhar para Presente


Processamento



Posição do Terapeuta
Para J. Zeig, a posição do terapeuta pode influenciar mais do que as técnicas no resultado do tratamento (Bauer, op. cit. p. 105). Cada terapeuta tem uma maneira, um estilo pessoal de trabalhar. Isto porque cada um tem um tipo de lente, coração, músculos e chapéu. Para melhor compreensão destes aspectos, observe as considerações abaixo.

Lente
Refere-se à percepção do terapeuta. Como o terapeuta percebe o mundo, a si mesmo, o seu paciente e os sintomas que ele traz.

Coração
Representam as emoções do terapeuta. Que tipos de emoções o terapeuta traz consigo? Como estabelece relações afetivas com seus familiares, amigos e clientes?

Músculos
Simbolizam a força, os recursos que o terapeuta tem (referenciais epistemológicos, técnicas, padrões de ação).

Chapéu
Está relacionado às relações sociais do terapeuta. As experiências sociais por que passou, o conhecimento das diversas culturas, como reaje e lida com as diversas situações que podem surgir numa relação interpessoal.

Posição do Cliente
Idem a do terapeuta, entretanto, relacionadas ao cliente

Objetivo
O objetivo se refere ao outcome, ao que se define como meta. A terapia pode ter vários objetivos. Na terapia ericksoniana, há alguns objetivos genéricos que são os dois Rs - responsividade e recursos. Incluem oferecer novas informações e recusos ao paciente, que antes não estavam à sua disposição. Cabe ressaltar os três Ms da terapia de Milton Erickson - motivar, metaforizar e mover.

Embrulhar para Presente (Gift Wrapping)
Este método de empacotar, de embrulhar para presente, pode se dar através das várias técnicas disponíveis ao terapeuta (uma metáfora, uma confrontação de crenças disfuncionais, ressignificação, interpretação...).

Tailoring
O terapeuta deve avaliar e decidir como fazer a terapia sob medida para o cliente levando em consideração sua história de vida, as categorias intrapsíquicas em que se enquadra e outros aspectos.

Processamento
O terapeuta deve responder à seguinte pergunta: “Como vou dar e apresentar a terapia sob medida e embrulhada para presente?” (Bauer, op. cit, p. 105) A partir de então ele formulará o processo terapêutico, escolhendo as intervenções a serem feitas e como serem feitas a fim de se alcançar o(s) objetivo(s) proposto(s)

1.6 Os Cinco Níveis Lógicos

O terapeuta estratégico pode fazer uma avaliação através do padrão dos níveis lógicos para distinguir em que níveis estão as questões trazidas pelo cliente. Uma vez que isto seja determinado isto, ele faz uso de suas habilidades de modelagem de PNL para determinar mais especificamente que experiência subjetiva precisa de ajuste.

Os cinco níveis lógicos se classificam em:

Nível Lógico de Identidade
Está associado ao Sistema Nervoso Autônomo e Psiconeuroimunológico. Refere-se às crenças a respeito de si mesmo. As intervenções do terapeuta neste nível lógico afetam o autoconceito e a auto-estima do cliente. Nele está a resposta à pergunta "QUEM SOU EU?".

Nível Lógico de Crenças e Valores
Está associado ao Sistema Nervoso Autônomo e Psiconeuroimunológico. Refere-se a autopercepção, às crenças a respeito do mundo. Intervenções neste nível afetam a motivação e a permissão ao afetar as razões porque fazemos isto. Responde à pergunta "POR QUE EU FAÇO ISTO?”.

Nível Lógico de Estratégias
Está associado ao Sistema Nervoso Cortical. Refere-se às habilidades, às estratégias utilizadas para realizar algo. Intervenções do terapeuta neste nível lógico afetam as ações comportamentais através de um mapa mental, uma habilidade ou uma estratégia. Responde à pergunta "COMO EU FAÇO ISTO?”.

Nível Lógico de Comportamento
Está associado ao Sistema Nervoso Comportamental. Refere-se ao comportamento. Intervenções do terapeuta neste nível Os esforços de comunicar-se ou mudar neste nível afetam as ações específicas empreendidas dentro do ambiente. Responde à pergunta "O QUE EU FAÇO?”.

Nível Lógico de Ambiente
Está associado ao Sistema Nervoso Periférico. Refere-se ao ambiente. Intervenções do terapeuta neste nível afetam os limites externos dentro dos quais a pessoa tem que viver e reagir. Responde às perguntas "ONDE e/ou QUANDO e/ou COM QUEM EU FAÇO ISTO?”.

Os níveis lógicos podem ser “descobertos” pelos padrões de linguagem do paciente. Então, observando o quadro que segue, se um paciente estiver falando sobre a sua doença, usará as seguintes expressões, dependendo do nível lógico que o paciente estiver focalizando:

NÍVEL LÓGICO AFIRMAÇÃO
Identidade "Eu sou doente."
Crenças e Valores "Câncer é uma doença fatal."
Estratégias “Como direi para minha família que estou com câncer "
Comportamento "Seguirei o tratamento fielmente."
Ambiente "No hospital, não posso receber visitas a todo momento, como gostaria ."



Assim, a PNL e demais referenciais teóricos a serem utilizados pelo terapeuta em muito pode contribuir para o paciente fora de possibilidades terapêuticas atuais, que se encontra em contato com a vivência de doença, tratamento e hospitalização, muitas vezes passando por processos psíquicos como a despersonalização ou perda da identidade e regressão. Ocorre também a estruturação de defesas psíquicas por parte destes pacientes e seus familiares como recursos, a fim de conseguirem lidar com esta situação que mobiliza intensas emoções naqueles que passam por estas vivências.


Capítulo 2 - O Paciente Hospitalizado

O paciente, ao ser hospitalizado, sofre uma ruptura na sua história e na sua forma habitual de vida, vivenciando um momento caracterizado por um estado de crise, o qual é agravado pelo processo de hospitalização, na medida em que este interfere diretamente sobre o estado emocional daquele ser.

A angustia desencadeada pela doença e pelo confronto com a possibilidade da morte iminente, faz com que o ser possa se tornar psicologicamente mais frágil, podendo resultar como conseqüência depressão e outras desordens psíquicas. Soma-se a isto alguns fatores que envolvem a internação e o contexto hospitalar: o paciente é retirado do meio sociocultural em que vive, sendo afastado daqueles que ama e que geram a ele conforto e segurança. O sentimento de solidão e desamparo é freqüente neste momento.

O ambiente estressante, completamente estranho, cuja rotina difere da que está habituado, e cheias de normas a seguir, restringe a liberdade do paciente, que fica limitado a um corredor de enfermaria, e em casos mais graves, a um leito hospitalar.

O paciente também tem sua autonomia limitada pelo tratamento e pelas condutas terapêuticas invasivas que lhe são prescritas, na maioria das vezes, sem que ele tenha participado da decisão médica. Muitas vezes, nem mesmo lhe é informado como serão os exames a que será submetido, acentuando o medo, a insegurança e a ansiedade geradas pelo adoecer.

No contexto hospitalar o paciente também participa direta ou indiretamente do sofrimento alheio, além de ficar sujeito a experiências auditivas e olfativas assustadoras e traumáticas, sendo exposto a estímulos como gritos de dor (física e psíquica), cheiros de éter, excrementos e secreções de seu próprio corpo e de outros pacientes.

Principalmente no caso de doenças como o câncer que provocam acentuado emagrecimento, e cujo tratamento quimioterápico produz como um dos efeitos a queda de cabelo; o paciente pode apresentar uma alteração da sua imagem corporal e conseqüentemente de sua identidade. Saliente-se que em alguns casos há necessidade de se fazer cirurgias, com o paciente sentindo-se muitas vezes mutilado. Tudo isto interfere no psiquismo do paciente, podendo acarretar diminuição da auto-estima em decorrência da modificação da autoimagem.

O trabalho do psicólogo no hospital é bastante diverso e requer deste profissional a habilidade para realizar os atendimentos em macas, no leito hospitalar e nas enfermarias de diferentes especialidades, como é o caso de um hospital geral. Este trabalho, freqüentemente, é realizado sem a menor privacidade para o paciente, já que nas enfermarias isto nem sempre é possível, sendo a arquitetura hospitalar normalmente organizada de forma a que os leitos sejam dispostos um próximo ao outro, havendo poucos hospitais que disponham de um quarto no qual fique um único paciente.

Além da falta de privacidade, o atendimento é muitas vezes realizado conjuntamente com procedimentos terapêuticos e rotinas hospitalares, sofrendo interrupções. Isto requer uma reformulação do profissional de psicologia, no tocante a sua forma de atuação, já que o ambiente físico em que será realizado o atendimento pressupõe privacidade, tranqüilidade e silêncio. Para pacientes com dificuldades de expor suas emoções, com caracteríticas esquizóides ou paranóides, este tipo de ambiente pode oferecer dificuldades ao atendimento, servindo como um obstáculo para que o paciente possa falar livremente.

A atuação psicoterápica voltada a pacientes hospitalares requer uma intervenção imediata em relação à dor do paciente, com um grau de alívio tão rápido quanto possível [Angerami-Camon (org), 2000, p.130]. Neste sentido técnicas que produzem efeitos rápidos e eficazes, como hipnose, exercícios respiratórios e mesmo massagens como shiatsu podem ser utilizadas em benefício ao paciente trazendo alívio para as tensões.

As enfermarias individuais podem facilitar o trabalho do psicólogo pela privacidade e tranqüilidade que proporcionam, entretanto, são quase sempre espaços iatrogênicos, desencadeando sentimentos de solidão, desamparo e depressão. As enfermarias coletivas podem garantir aos pacientes a troca, o relacionamento interpessoal e a vivência comparativa da situação de doença e tratamento.

O trabalho do psicólogo deve também envolver a família dos pacientes e enfatizar a crise diante da morte e da perda, mobilizando recursos que lhes permitam lidar da melhor forma possível com a situação em que se encontram. “Nessa medida, a atuação deve se direcionar em um nível de apoio, atenção, compreensão, suporte ao tratamento, clarificação dos sentimentos, esclarecimentos sobre a doença e fortalecimento dos vínculos pessoais e familiares.” (Angerami-Camon op. cit., p.136). A formação de grupos também pode ser benéfica no sentido de permitir um espaço de reflexão e a expressão de sentimentos daqueles que se encontram sob um processo de luto.

A atuação do psicólogo deve levar em consideração alguns aspectos como:

· Avaliação do grau de comprometimento emocional causado pela doença, tratamento e internação;
· Favorecer a expressão de emoções e sentimentos por parte do paciente;
· Fazer com que a doença e o tratamento sejam compreendidos pelo paciente e favorecendo a sua participação ativa no processo;
· Atuar em relação à humanização do tratamento, minimizando as práticas agressivas, através do preparo para exames, cirurgias e incentivo às visitas;
· Fornecer apoio psicológico aos familiares dos pacientes favorecendo a participação familiar no processo da doença;
· Estimular a interdisciplinaridade e a troca de informações entre os diversos profissionais (Angerami-Camon op. cit., p.152)

Acrescente-se a importância do profissional de psicologia conotar positivamente a situação. Isto pode parecer estranho e o leitor pode se perguntar: o que há de positivo na doença? Como exemplo podemos intervir no discurso de que está sendo difícil suportar todo este sofrimento, dizendo que esta pessoa está demonstrando uma força interior enorme, uma grande capacidade para lidar com as situações adversas que talvez ela própria desconhecesse.

2.1 Manifestações Psíquicas e Comportamentais do Paciente Hospitalizado

2.1.1 Culpa
Observa-se nas manifestações de depressão reativa e na Depressão Maior, sendo importante distinguir-se se o paciente atribui a culpa à causalidade interna ou externa, ou seja, se coloca sobre si a culpa pelo fato de estar doente ou sobre o mundo. É importante também estar atento ao tempo que esta está perdurando e se é de natureza mórbida ou reparadora.

2.1.2 Negação
Mecanismo de defesa que caracteriza-se pela não inclusão, negação de afetos ameaçadores ao indivíduo. É importante avaliar a magnitude e a utilidade deste mecanismo frente à crise do adoecer. Caso o paciente se recuse a fazer o tratamento por achar que não está doente, está sendo prejudicial. No entanto, se durante a fase de exames, o paciente se mostra esperançoso, acreditando que os exames não constatarão nenhuma anomalia grave, serve para protegê-lo, amenizando o impacto emocional e dando-lhe tempo de se preparar caso o câncer seja constatado, funcionando de forma benéfica.

2.1.3 Raiva
Manifestação psíquica que visa proteger o indivíduo da situação tida como ameaçadora e invasiva imposta pela hospitalização e tratamento, em que o paciente se relaciona de forma ativa com o outro, porém desorganizada.

2.1.4 Fantasias
Demonstram a capacidade criativa do indivíduo, indicando formas de trabalho mental. Podem estar estruturadas com dados da realidade ou não, com comprometimento do juízo de realidade. No indivíduo hospitalizado podem estar relacionadas à expectativa diante do desconhecido como exames e outros procedimentos, em que o paciente projeta no futuro e estabelece formas de reagir e lidar, administrando a ansiedade.

As fantasias consideradas mórbidas também estão relacionadas ao adoecer, entretanto caracterizam-se por estarem as elaborações associadas ao processo de doença, internação e tratamento sempre com características destrutivas e/ou ameaçadoras.

2.1.5 Frustração
Reação normal diante das perdas. No paciente hospitalizado decorre do tratamento e projetos de vida comprometidos pela perda da saúde e pelas recidivas da doença.

Pode estar associada a estados depressivos ou à fase de luto da revolta. Neste caso o paciente mostra uma postura ativa, mobilizada pela raiva.

2.1.6 Impotência
Condição frente à impossibilidade de reação à situação vivenciada pela pessoa (no caso de doença e hospitalização). É acompanhada de auto-estima rebaixada e sentimento de menos-valia. Assim como a fantasia, pode haver discrepância em relação aos dados da realidade, ou seja, entre a impotência e a magnitude do evento.

2.1.7 Insegurança
Sensação de perda de referências, como as familiares, podendo estar presente em estados ansiosos, relacionados à situação de doença e hospitalização ou oriunda de processos neuróticos, onde não haja fundamentos reais para a insegurança.

2.1.8 Fracasso
Aponta a insatisfação, sendo esta dirigida a si próprio, com rebaixamento da auto-estima e sentimentos de menos valia, podendo indicar estado depressivo.

2.1.9 Regressão
Caracteriza o aspecto comportamental de retorno a uma forma de se relacionar com o meio, relacionado à maturidade emocional. É importante observar se esta é circunstancial a algum evento ou procedimento terapêutico ou se indica comprometimento das funções psíquicas. O paciente adota uma postura infantil frente à sua doença, tornando-se dependente e exigindo bastante atenção, convertendo-se, sua enfermidade, no centro das atenções.

2.1.10 Dependência
Indica busca de fortalecimento do ego através de uma identificação projetiva com um outro (equipe de profissionais, família, alguém muito querido e em quem confia) considerado potente, o qual o paciente julga capaz de resolver as situações adversas da doença e tratamento, delegando-lhe esta função, assumindo uma postura passiva, não reflexiva e sem implicação com a situação que está vivenciando.

2.1.11 Conformismo
Comportamento caracterizado pela passsividade, falta de questionamento e resignação frente à doença e hospitalização, podendo ser seguido de depressão. Esta aparente adaptação pode estar mascarando dúvidas, medos e fantasias mórbidas, gerando desconforto psíquico.

2.1.12 Projeção
Mecanismo de defesa do eu, onde o paciente coloca (projeta) no outro conteúdos internos próprios que não consegue integrar na consciência e reconhecer como seu.

2.1.13 Isolamento
Forma de retirada, retraimento do indivíduo, do convívio social. A hospitalização pode acabar favorecendo o isolamento por condutas de tratamento como internações em Unidade de Isolamento e UTI. As seqüelas em nível de esquema corporal que ocasionam a exclusão do paciente do convívio social, assumindo a condição de doente, aquele que está próximo da morte, prejudicando as trocas afetivas.

2.1.14 Desamparo
Caracteriza-se pela perda de referenciais significativos na vida do indivíduo, como rotina de vida, hábitos pessoais, perda da autonomia, necessitando, o paciente, se reorganizar e ajustar o seu modo de vida à situação de doença. A rotina hospitalar, com horários rígidos e distanciamento de vínculos significativos para o paciente, pode ocasionar um quadro de depressão reativa de natureza ambiental no paciente.

2.1.15 Pânico
Estado psicológico onde prevalece respostas impulsivas frente à situação ameaçadora, com utilização de mecanismos de defesa insatisfatórios para administração da angústia, podendo chegar a um comportamento de fuga hospitalar, frente ao descontrole sobre a situação de hospitalização e tratamento. Deve-se avaliar a necessidade de recursos, sejam estes medicamentosos ou não para diminuição da ansiedade que o paciente apresenta.

2.1.16 Desconfiança
Manifestação psíquica relacionada à tentativa de manter o controle ativo frente à situação ameaçadora. Pode relacionar-se à situação nova, desconhecida e nunca experienciada, como é comum nas internações hospitalares.

2.1.17 Despessoalização
Manifestação psíquica decorrente da hospitalização, que implica perda de referenciais, e no qual o paciente é destituído de sua condição de pessoa, com suas particularidades e singularidades. Ele é destituído de seus objetos pessoais, de seus hábitos, tendo que se ajustar às regras do hospital. A intensidade da manifestação pode variar de acordo com a idade, tempo de internação e flexibilidade da instituição hospitalar. Pode levar ao rebaixamento da auto-estima, adaptação exagerada ao ambiente, além de ansiedade e insegurança.

2.1.18 Esperança
Caracteriza-se pela permanência de projeto de vida e expectativas frente a esta. É importante observar a relação entre esperança e viabilidade de concretização do projeto, e a reação frente a possibilidade de não-realização do desejo; estando também atento se a esperança é acompanhada por dados de realidade ou se estes são suplantados em favor do alívio que isto causa ao paciente e familiares, o que pode levar a uma frustração pela impossibilidade de realização do projeto.

2.1.19 Ambigüidade
Caracterizada pelo duplo sentido ou conflito de opção, onde a interpretação dada apresenta duplo significado, gerando dúvida, incerteza e angústia. A comunicação que se estabelece na internação freqüentemente apresenta tal característica. A situação de tratamento também é geradora de ansiedade. Como exemplo podemos citar a mastectomia, onde a paciente encontra-se frente a um dilema de opção entre a retirada da mama e a evolução do câncer. Nos dois casos as perdas subjacentes à opção são angustiantes, podendo gerar sentimento de ambigüidade.

2.1.20 Hospitalismo Positivo
Ocorre quando há adaptação à internação e à rotina hospitalar, substituindo aspectos carentes do indivíduo, de maneira a reforçar a sua auto-estima nos vínculos estabelecidos com a equipe de profissionais em detrimento dos vínculos familiares e dos grupos sociais nos quais está inserido.

É importante observar que em virtude da situação sócio econômica de nosso país, o hospital pode representar um “serviço de hotelaria”, oferecendo alimentação, local para dormir em condições melhores do que muitos pacientes estão acostumados a ter, além da atenção e cuidados que levam o paciente a preferir ficar hospitalizado.

2.1.21 Hospitalismo Negativo
Esta manifestação tem em seu bojo a questão do desamparo, atingindo de forma aguda a estrutura da personalidade, podendo contribuir para a manutenção de estados depressivos. É importante ressaltar que o longo período de permanência no hospital ou as freqüentes internações agravam o hospitalismo, podendo o paciente desenvolver atitude de rejeição hospitalar.

2.1.22 Estresse Psicorgânico
Decorrente de exigência física ou psicológica com alteração em ambas as esferas do indivíduo, comumente observado no pós-operatório e pós quimioterapia, entre outros, assim como em alterações do ciclo circadiano e perdas abruptas sofridas pelo paciente.

2.1.23 Agitação psicomotora
Comportamento onde há ocorrência de movimentos involuntários e fora do controle do indivíduo, podendo ser resultantes de alterações orgânicas ou psíquicas, indicando alterações psicopatológicas ou neurológicas.

2.1.24 Agressividade
Manifestação da pulsão agressiva que pode ser autodirigida (com comportamentos de automutilação, autodepreciação) ou heterodirigida, podendo a agressão ser física ou verbal.

2.1.25 Medo Real
Emoção ligada a um evento do mundo interno que afeta a auto-estima, ou ao mundo externo, estando o medo sujeito ao Juízo de Realidade. A vivência da possibilidade da morte é um exemplo de medo que ocorre na hospitalização, sendo importante identificar os mecanismos adaptativos utilizados pelo paciente, se há paralisação ou movimento de autopreservação.

2.1.26 Medo Fantasmático
Difere do medo real por não estar sujeito ao Juízo de Realidade, não havendo identificação clara do objeto ameaçador, sendo este indiferenciado, desencadeando mecanismos primitivos de enfrentamento, sendo a ansiedade de característica psicótica, intensa e confusional.

2.1.27 Comportamento Fóbico
Caracteriza-se por um comportamento de evitação ou fuga da situação, objeto ou ser ameaçador que desencadeia ansiedade incontrolável e temor intenso. De acordo com Helmchen (1979), o temor é reconhecido intelectualmente como “impróprio, exagerado, não fundamentado e se acompanha de resistência interna que se lhe opõe. A consciência (insight) do caráter mórbido pode ser total, parcial ou temporária. As fobias podem induzir a determinados atos, as chamadas condutas de fuga”.

2.1.28 Sensação de Punição
Pode ocorrer relacionada a doença, percebida como um castigo, havendo a prevalência de auto-referência, susceptível de elaboração em caso de depressão reativa ou, em caso de Depressão Maior, estando relacionada a uma forma específica de auto-referência não susceptível à intelectualização e a dados de realidade.

2.1.29 Sensação de Abandono
Característica do desamparo, podendo ser esta real, por distanciamento de familiares ou da equipe de saúde, em razão da dificuldade de comunicação e troca afetiva com o paciente, afetando a auto-estima e a aderência ao tratamento.

2.1.30 Limitação de atividades
Pode ser ocasionada pela doença ou tratamento, havendo déficit de locomoção, postural e de comunicação, podendo levar a uma passividade frente à hospitalização, ao tratamento e à vida.

2.1.31 Conflitos Quanto à Privacidade
Alteração na condição de intimidade, podendo ser devido à despessoalização decorrente da internação ou relacionada à história de vida, com perda da sensação de particularidade e acompanhada de sensação de invasão.

2.1.32 Privação da Liberdade
Ocorre em decorrência da hospitalização e a imersão em regras e rotinas as quais o indivíduo necessita seguir e não pode transpor sem estar sujeito a sanções da instituição.

2.1.33 Perda da Autonomia
A vivência da situação de doença, hospitalização e tratamento acarretam a perda do controle sobre o destino da pessoa, perda esta que pode ser percebida como total ou parcial. Isto pode ser acentuado pela postura, muitas vezes adotada pela equipe de saúde, de não incluir o paciente na tomada de decisões em relação aos procedimentos que serão adotados durante o tratamento, tornando-se o paciente uma figura passiva.

Além disto há, entre outros fatores que contribuem para a perda da autonomia: o fato do paciente não escolher o horário de alimentação, sendo este previamente determinado pela instituição hospitalar. É importante que se tenha bem nítida a compreensão dos limites e possibilidades impostos pelo adoecer, a forma de elaboração da doença pelo paciente e a flexibilidade da equipe de saúde e família, que devem estimular no paciente a autonomia e a condição de agente de sua própria vida.

2.1.34 Esquema Corporal Modificado
Alteração concreta no corpo do indivíduo, na qual está implicada a consciência corporal e a representação psíquica do corpo. Pode ocorrer nas cirurgias mutilatórias e ostomias. A perda dos cabelos, devido à quimioterapia, o inchaço e o aumento de peso provocados pelos esteróides, embora os pacientes soubessem que era este o tratamento necessário para o combate ao câncer e preservação da saúde, são muito lastimados pelos que passam por este processo.

É importante observar e intervir na elaboração do luto decorrente da perda ou alteração ocasionada pela doença e tratamento, auxiliando na reconstrução do corpo modificado, avaliando sua influência na auto-estima e viabilizando o retorno da vida diária. (Angerami-Camon, op.cit., p.43-50)

2.2 Conflitos na Área da Sexualidade
Podem ser pregressos ou posteriores à situação de hospitalização, doença e tratamento. Relacionam-se a questão da identidade sexual, para a condição de ser e estar no mundo, busca de prazer e vínculos significativos com o parceiro afetivo-sexual e amoroso.

O paciente colonstomizado (retirada do intestino) pode achar que sua companheira sentirá nojo por estar bem visível no saco de coleta os seus excrementos, dificultando o relacionamento afetivo-sexual. Averil Stedeford (op. cit, p.62) relata em seu livro, o seguinte caso:

Jean e Ken tiveram de enfrentar este problema. Jean descobriu que, quando Ken começou a não coordenar os movimentos, ela cuidou dele como se fosse um enorme bebê. Mostrou-se-lhe de um modo maternal ou como de uma enfermeira, em vez de como esposa. A mãe dele também agia da mesma maneira; sentava-se ao lado de sua cama e segurava a sua mão. Dentro de si mesmo, ele ainda sentia-se um homem. Sua face com barba e sua voz eram de um homem, e ele queria saber por que não obtinha mais as reações que estava acostumado a obter de sua esposa. Isto fez com que ele ficasse muito deprimido, mas nada disse achando que devia agradecer o cuidado de quem estava recebendo. Quando me encontrei com Ken e Jean, ele pôde falar sobre isto e ela compreendeu, porque se deu conta que estava desempenhando, em parte, o papel de enfermeira, a fim de ficar emocionalmente isolada. Foi a sua maneira de lutar contra a mágoa pela perda do marido como ele era. Mas não o tinha perdido tão completamente como pensava. Jean havia parado de despir-se no quarto onde ele podia vê-la, pensando que isto só lhe causaria frustração, pois o lembrava de que ele não podia mais manter relações como estava acostumado. Ken, nessa ocasião, presumiu que ele tinha deixado de amá-lo e nunca perguntou porque ela tinha mudado sua maneira de ser. Quando este mal-entendido se tornou claro, ela voltou a dar-lhe o seu ‘show’ todas as manhãs e noites, para o mútuo prazer. O reconhecimento de que cada um ainda queria e admirava o outro, foi importante para a auto-estima de ambos.
A mulher mastectomizada pode considerar-se menos mulher por não ter mais o seio, zona erógena e objeto de prazer sexual para ela e seu parceiro, achando que será menos atraente pare ele, e que será rejeitada. Pode sentir culpa caso o parceiro permaneça ao seu lado, achando que ele merecia estar com “uma mulher completa” e que ao seu lado está sendo privado de prazeres sexuais, além de sobrecarregado por ter de cuidar dela.

Maguire et al (1978 apud Angerami-Camon op. cit) fizeram o acompanhamento de mulheres mastectomizadas e sob controle de doenças benignas no seio, acompanhando-as por pelo menos um ano após procedimento cirúrgico. A pesquisa mostrou que vinte e cinco por cento das mulheres sofreram de ansiedade e angústia, numa intensidade variando de moderada à grave, necessitando de acompanhamento psiquiátrico, incluindo-se três que estavam gravemente deprimidas e tentaram suicídio.

Foram também avaliadas as dificuldades sexuais daquelas que tinham uma vida sexual regular e agradável antes da cirurgia. Trinta e três por cento desenvolveram problemas sexuais e quase um terço dos casais não mais mantiveram relações sexuais após a mastectomia.

Estas reações podem estar relacionadas em alguns casos com o conhecimento de que a cirurgia foi realizada devido a um câncer, mas em sua maioria estão diretamente relacionadas ao efeito mutilador da cirurgia. As pacientes apresentam dificuldades de se olharem no espelho e certificavam-se de que seus maridos também não viram as suas cicatrizes. A mastectomia torna-se mais difícil para aquelas que possuem um casamento instável e sentem-se inseguras, considerando que precisam manter-se sexualmente atrativas para ter a afeição de seus maridos.

Alguns casais se ajustam muito bem a experiência da operação. Para estas pacientes é importante a ajuda da equipe de saúde e principalmente de seus maridos. Estes devem auxiliá-las a olhar a cicatriz, assim como compartilharem a sua preocupação em relação à reconstrução da mama e envolvê-las em atenção e carinhos, e reiniciarem a vida sexual logo após a operação. Isto faz com que se sintam amadas, atraentes e desejadas por seus maridos, favorecendo uma boa autoimagem e preservando a auto-estima. Desta forma, sentem-se mulheres exatamente como as outras. Quando o parceiro age naturalmente, mostrando que a ama e a deseja e que a mastectomia não faz diferença para ele, ela reage melhor pois se para ele está tudo é mais fácil estar tudo bem para ela.

O processo de hospitalização, desta forma, pode trazer diversas conseqüências para o paciente, e a equipe de saúde deve estar atenta não só aos aspectos orgânicos, mas também aos psicológicos apresentados pelo paciente, acionando, quando necessário, o psicólogo a fim de que faça uma avaliação e intervenha, a fim de auxiliar o paciente.

A situação torna-se mais crítica quando a internação se faz em decorrência de uma doença mais grave, como é o caso do câncer. Há uma grande preocupação e angústia por parte do paciente, dos seus familiares e amigos diante do diagnóstico, pois este implica em tratamento prolongado, invasivo e na possibilidade da morte daquele que desenvolveu a doença.
Capítulo 3

Descobrindo-se Frente a Possibilidade da Morte: Algumas Considerações a Respeito.

A possibilidade da morte, de não mais existir, é ignorada pelas pessoas, permanecendo a nível inconsciente até que se torne bem presente como no caso de doenças como a AIDS e o câncer. O fato de não falarmos a respeito da morte, sendo este um tema tabu em nossa sociedade, e de não nos darmos conta de que isto ocorrerá conosco em algum momento, é uma defesa, um recurso para não entrarmos em contato com tão dolorosa realidade.

O diagnóstico de câncer pode trazer para aquele que o recebe um sentimento de impotência diante da doença além da sensação de a que a morte é iminente. A representação social do câncer, envolve as crenças de que esta é uma doença incurável, de que é o início do fim, que a morte logo virá. Soma-se ao medo da morte, o medo do próprio tratamento, que pode ser percebido como doloroso, sofrido e cuja eficácia é questionada, podendo não produzir a cura, apenas retardando o partir.

O câncer, então, pode trazer ao paciente e familiares uma grande carga de ansiedade, relacionados não só à gravidade da doença, mas ao ajustamento que ela requer pelo tratamento invasivo, traumático, além das limitações que pode provocar no paciente (caso o tumor esteja nos ossos, acarretará dores e dificuldades de locomoção).

Geralmente, no caso de um paciente muito ansioso, para quem o tratamento com ansiolíticos produz pouco efeito, a história fornecida contém antecedentes de insegurança oriundos de experiências traumáticas de separação ou perda que o deixaram em constante vigília por se sentirem ameaçados. Isto por si só gera ansiedade, sendo esta acentuada diante de uma doença tão ameaçadora como o câncer.

Esses pacientes podem ter suportado previamente experiências dolorosas como a perda de um ente querido utilizando como recurso a negação ou outras defesas, ao invés de encarar a realidade e elaborar o luto e os sentimentos que ele invoca.

Os efeitos calmantes da morfina e diamorfina podem reduzir as crises de temor nos pacientes que utilizam esta medicação para a dor. Uma pequena dose de diazepan ou clobazam pode auxiliar, embora haja pacientes que prefiram manter-se lúcidos e lutar contra o medo com seus próprios recursos ou ajuda de um amigo.

A ameaça de separação dos entes queridos produz grande ansiedade – a angústia da separação - e estimula no paciente o impulso de apegar-se a eles. Embora os adultos sejam menos dependentes do que as crianças, formam vínculos muito fortes, e em períodos de crise desejam estar em contato constante com aqueles que amam. A presença de um parente ou de alguém que ama, traz tranqüilidade ao paciente. Desta forma, tanto pacientes quanto parentes ficam mais tranqüilos do que se estivessem separados.
O medo relacionado ao processo de morrer, de como se dará a morte, causa muito mais sofrimento do que a morte propriamente dita. Caso tenha em suas lembranças a morte de alguém próximo que tenha se dado em circunstâncias dolorosas ou assustadoras, pode acreditar que a sua morte se dará em circunstâncias semelhantes.

Principalmente no caso de doenças como o câncer, em que se vê o sofrimento que a doença e o tratamento trazem, o temor pode ser intensificado por achar que passará pelas mesmas dificuldades e sofrimentos das outras pessoas que desenvolveram a doença.

Cabe ao terapeuta fornecer uma escuta e intervir na crença de que padecerá os mesmos sofrimentos, mostrando que ele é uma outra pessoa, e que cada pessoa reage de uma forma diferente ao tratamento e que mesmo pessoas com o mesmo tipo de distúrbio, a evolução do quadro se dá de forma diferente. Há relatos de pessoas que mesmo tendo ocorrido metástase do tumor, ficaram completamente restabelecidas do câncer.

Outro medo que pode surgir nos pacientes oncológicos é o da dor que o câncer pode provocar. Alguns pacientes ficam surpresos ao saber que uma grande porcentagem dos pacientes oncológicos em estado avançado não experimentam nenhum tipo de sofrimento. No caso de pacientes que sentem muita dor, a qual não é tratada satisfatoriamente, ou não tem respondido ao tratamento analgésico, mesmo que a dor tenha sido controlada por algum tempo, podem associar a aproximação da morte a uma piora da dor. Eles temem que o sofrimento seja tão insuportável que percam o controle. Apesar de preferirem continuar conscientes, a maioria opta por se livrar da dor e aceitam utilizar drogas que possam torná-los sonolentos ou um pouco confusos.

Além disto, o paciente pode ficar com receio de perder controle sobre a sua própria vida. A sensação da perda do controle pode ser decorrente do afastamento, da perda, do trabalho em função da doença. Uma mãe ou pai pode ficar sem condições de cuidar de seus filhos, e as demais atividades com as quais estava habituado, vão se perdendo.

Neste momento é importante o apoio e a compreensão de amigos e familiares, a fim de que preservem a sua auto-estima. Deve-se permitir e mesmo incentivar ao paciente tomar decisão por si mesmo, para que mantenha a sua autonomia e senso de poder. Mesmo quando a doença impõe várias restrições, o paciente pode escolher o que comer, o que vestir, quando tomar banho, o programa de TV que quer assistir. Há inúmeras possibilidades de escolha.

Mais assustador e constrangedor para o paciente é perder o controle das funções corporais e mentais. Sentem-se envergonhados por urinarem ou evacuarem na cama e necessitarem ser limpos e trocados por alguém. Os mais independentes são os maiores afetados, sentindo-se totalmente impotentes. Sofrimento ainda maior é a sensação de insanidade iminente. A demência precoce e as alucinações assustam o paciente que teme ficar louco.

Ocorre ainda no paciente o medo da morte súbita. Isto ocorre geralmente nos primeiros estágios da doença, mesmo que o médico diga que o câncer foi detectado na fase inicial e há grandes possibilidades de cura. Isto está relacionado a um estado de ansiedade do paciente e pode provocar insônia difícil de ser tratada com sedativos. O paciente pode pensar que morrerá à noite, quando há poucas pessoas por perto e a piora pode não ser notada. Desta forma poderá passar a noite acordado e dormir durante o dia.

O paciente cujo câncer provoca deformações, odores ruins ou mudanças marcantes na aparência pode se recusar a ver os familiares e amigos, tornando-se solitário e depressivo. Pode estar querendo poupar os parentes do sofrimento de vê-los no estado em que se encontram, preferindo ser lembrado como era. No caso de parentes que o visitam regularmente e a mudança se dá de forma gradual, a recusa ocorre com menor freqüência. Aqueles que há muito tempo não vêem o paciente precisam ser preparados para a mudança.

Alguns pacientes pensam que em conseqüência das mudanças serão rejeitados pôr familiares e amigos. Desta maneira, preferem tomar a iniciativa, recusando-se a vê-los. Caso os parentes estejam em condições e preparados para a visita, o paciente deve ser auxiliado a compreender que é amado e querido. Ele geralmente concorda que se fosse o parente que estivesse passando por esta situação, ele jamais iria querer afastar-se. Também beneficia a reafirmação de que poderão eventualmente lembrar-se do paciente em boas condições físicas. (Stedeford, op. cit., p.75)

Conversar com o paciente sobre estes temores, tecendo conotações positivas, e reforçando o seu ânimo e a sua auto-estima, ressignificando as suas crenças, muitas vezes infundadas, e fazer exercícios de relaxamento pode diminuir a ansiedade e auxiliar bastante.

3.1 A Criança e a Morte

A concepção da morte na criança, inicia-se pela consideração da morte do outro para evoluir para a concepção de sua própria morte. Relativizando a morte do outro como “você está ausente”, indica que esta relação é principalmente perceptiva e a ausência significa “não aqui e não agora”, pois a criança, conforme a idade, não consegue distinguir entre distância espacial e temporal (...) Neste sentido, a ausência para crianças não tem limites, pois pressupõe recursos para assimilar o conceito de futuro e de tempo, impossibilitando a distinção entre separações a curto, médio ou longo prazo e, muito menos, separações irreversíveis. [Camon-Angerami (org), 1998, p.78]

Segundo A Gesel (1985 apud Angerami-Camon op.cit., p.89), “A criança não entende a idéia de morte, preocupando-se apenas com a separação”. A criança poderá sentir saudades, mas não atribuirá à morte seu caráter definitivo A vivência da situação de doença e morte, poderá afetar o seu desenvolvimento no tocante à autonomia, que é a principal característica do período. Elas podem tornar-se apáticas, passivas. Além disso, por esta fase se caracterizar pelo egocentrismo, podem acreditar que a doença e a hospitalização foram causadas por elas próprias”.. Como resultado podem ocorrer sentimentos de culpa.

Wasserman (1992 apud Angerami-Camon op.cit., p.90) cita que a doença neste período pode afetar o controle motor e a competência social da criança, pois ocorreriam menos oportunidades de ela ter “interação com os seus pares e aprovação social” (ibid). Os pais, ou os responsáveis pela criança podem, a fim de preservá-la, acabar limitando suas atividades, tornando-se esta criança medrosa, apegada e dependente dos adultos . Podem também se ressentirem por “não serem capazes como as outras crianças”.

Segundo A. Gesel (1985 apud Angerami-Camon op.cit., p.91) a criança, aos seis anos, desenvolve uma nova consciência da morte, reagindo afetivamente à idéia de morte e relacionando-a à idéia de doença e hospitalização. Entretanto, ainda não acredita que morrerá.

Aos sete anos, a criança desenvolve a noção de causa e efeito, podendo avaliar as conseqüências do fato e passa a se preocupar, segundo Gesel com caixões, funerais e cemitérios.

Segundo Wasserman (1992 apud Angerami-Camon op. cit., p.92) “por volta dos seis ou sete anos, a permanência da morte é entendida, mas não pode ser vista como a conseqüência da cessação biológica”.

Aos nove anos, a criança, já adentrou a fase de operações concretas e em função do desenvolvimento da noção de constância do eu e do objeto, a concepção de morte aparece como um fenômeno biológico permanente, o qual lhe provoca reações de angústia e luto.

Para Ajuriaguerra e Marcelli (1991 apud Angerami-Camon op. cit., p.94) a noção de morte para a criança “se organiza em torno de dois pontos essenciais, a percepção da ausência e, posteriormente, a integração da permanência desta ausência”. Isto já propõe um “desafio intelectual” (Kastenbaun e Aisenberg, 1983 apud angerami-Camon ibid). Assim, mesmo quando se trata de crianças, ao contrário do que normalmente se pensa, elas possuem sensibilidade e capacidade para a percepção da morte. A vivência da doença, o tratamento a que são submetidas, e as mudanças em seu corpo, que são por estas crianças percebidas e as fazem refletir sobre o que está acontecendo, determinariam uma antecipação dos conceitos sobre a morte e elaboração deste processo, podendo o conceito de morte ser elaborado antes mesmo do conceito de vida.

Segundo Ajuriaguerra e Marcelli (1991 apud Angerami-Camon op. cit., p.95) a experiência da doença traz como conseqüência psicoafetiva a regressão, com a criança retornando a uma fase anterior de desenvolvimento e mostrando-se mais dependente; e acrescenta que o sofrimento pode estar vinculado a um sentimento de culpa, como se ela tivesse causado a situação de doença.

A criança enferma pode apresentar sentimentos de culpa por fantasias agressivas e sentimentos de raiva em relação a seus pais e irmãos, e pela desestruturação familiar provocada pela doença. Ela pode vivenciar a doença e a iminência da morte como castigo. Isto pode ser reforçado pelas constantes hospitalizações, condutas terapêuticas dolorosas e limitações que lhe são impostas pela doença.

Manifestações de ansiedade podem ser apresentadas pela criança em decorrência de sentimentos de culpa, modificações de sua autoimagem (causadas por amputações, emagrecimento, deformações) e condutas terapêuticas invasivas, agressivas, e longos períodos de internação, que lhe são traumáticos.

Pode também advir como conseqüência a depressão, que se manifesta através de apatia, isolamento, tristeza e hipoatividade. Também é afetado o esquema corporal da criança, proporcionalmente à duração, gravidade e limites impostos pela doença.

A criança doente hospitalizada possui grande sensibilidade e capacidade de observação. Assim, capta as situações que ocorrem ao seu redor, as reações daqueles que lhe estão próximos, sendo prejudicial a tentativa de os adultos tentarem lhe ocultar os fatos. A falta de respostas aos seus questionamentos, acabam gerando mais dor e conflito para este pequenino ser.

Quando ela percebe o silêncio do adulto, acaba também se calando. Percebe que o perguntar e o entristecer-se podem causar desconforto aos pais, decepcioná-los. Assim, não expressa os seus medos, sua dor e desejos com medo de ser abandonada.

O adulto omite, e até mesmo mente para a criança, como se negando a situação e a dor, pudesse anulá-la, mas acaba, ao contrário, acentuando o seu sofrimento.

Certa manhã, ao chegar à enfermaria, a equipe de psicologia hospitalar foi chamada pela equipe médica que relatou que durante a noite, enquanto tentavam, sem sucesso, salvar um bebê grave, recém-internado, perceberam um movimento na enfermaria ao lado da sala de emergência e constataram que por uma fresta dos lençóis pendurados um grupo de seis crianças agachadas inspecionavam o trabalho da equipe médica. Descobertos, correram para seus leitos e lá permaneceram, mais uma vez sem explicações sobre o que de fato estava ocorrendo.

Nesse dia, no grupo de crianças, abriu-se espaço para o ocorrido. A.. N., mais uma vez como porta-voz do grupo, expressou sua frustração e indignação pela falta de explicações e principalmente por terem levado uma ‘grande bronca’ pelo que estavam fazendo. A psicóloga que dirigia o grupo abriu espaço para discussão das fantasias e dos temores das crianças, mas estas questionavam a conduta ambivalente da equipe.

Novas discussões com a equipe resistente não evitaram que após uma semana, com a piora clínica de A. N., ao necessitar ser encaminhada à sala de emergência, esta apresentasse uma grave reação de descontrole, beirando ao pânico, negando-se a entrar na sala tão temida. A equipe, diante das intensas reações da criança, ‘improvisou uma sala contígua e, infelizmente, aprendeu, através do sofrimento de A. N., a necessidade de rever as suas atitudes. (Angerami-Camon op. cit., p.86)

Ocultar a verdade, silenciar, não responder às questões da criança, prejudica o processo de elaboração da doença e do luto, permanecendo a criança na fase de negação da morte, sem passar para as posteriores etapas de elaboração do luto, até a aceitação [2]

Falar abertamente com a criança, caso seu coleguinha de enfermaria morra, e não dizer que ele foi transferido ou recebeu alta, é o procedimento mais adequado e terapêutico. “Reações de descontrole e pânico podem freqüentemente ser observada em crianças internadas onde os profissionais de saúde assumem a postura de ocultar a morte ou piora clínica dos pacientes. Em geral cria-se um emaranhado de mentiras sem retorno, com o agravamento das capacidades cognitivas de todos os seus integrantes” (Angerami-Camon op. cit., p.85). As crianças podem ficar confusas e desenvolver um profundo sentimento de abandono, solidão e desesperança.

Raimboldt (1979 apud Angerami-Camon op. cit., p.85) refere que a elaboração do luto só ocorrerá se houver uma desindentificação e desinvestimento de energia, a serviço da introjeção do objeto perdido. Este processo se daria através de lembranças, atos, palavras e possibilidade de expressão, liberando energia para o estabelecimento de novos vínculos.

Wasserman (1992 apud Angerami-Camon op. cit., p.85) escreve que

“os pais deveriam ser encorajados a falar sobre a morte iminente com a criança ou adolescente. Isto permite que a criança e seus pais expressem o seu amor e digam adeus; os pais geralmente lamentam não terem feito isto após a criança ter morrido. Além da morte em si, o que a criança mais teme é ficar sozinha, sentir dor e ser esquecida (...) Os pais precisam dizer à criança que eles estarão com ela quando ela morrer e que sempre se lembrarão dela.”

A atuação do psicólogo hospitalar com crianças fora de possibilidades terapêuticas atuais, permitindo que participem de atividades lúdicas, onde expressem suas vivências e emoções, é fundamental no sentido de possibilitar-lhes experimentar a sua nova forma de ser. O brincar terapêutico faz com que a criança experiencie a situação por que está passando, minimizando o trauma e a dor dela decorrente. Através do ludismo, favorece-se a retomada do equilíbrio e o fortalecimento da auto-estima, possibilitando-lhe descobertas, alternativas, meios de lidar com a doença e com a possibilidade da morte.

3.2 As fases do Luto

Aqueles que se encontram diante da possibilidade de morte iminente, passam pelo processo de luto, de perda, o qual se divide, segundo Kubler-Ross, em cinco fases: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.

O processo de luto se refere não só a morte, mas a qualquer tipo de perda que o paciente sofra como no caso da doença (perda da saúde), hospitalização (perda da condição de pessoa – despessoalização) e tratamento (sentimentos de invasão e agressão, com sensação de impotência). O processo de internação poderá acarretar outras perdas, podendo estas serem classificadas como mortes simbólicas, com o indivíduo passando pelas fases acima citadas (Angerami-Camon, op. cit., p.14).

Cada indivíduo possui a sua idiossincrasia, suas características próprias, não sendo linear a evolução e o processo de elaboração da doença. Assim, pode haver um retorno ou coexistência das fases abaixo descritas

3.2.1 Negação

Fase que se apresenta após o diagnóstico da doença, em casos de recidivas ou perda familiar abrupta. Caracteriza-se pela negação da situação, incredulidade diante do diagnóstico ou da morte do paciente. Uma frase muito característica desta fase é “Não, isto não é verdade, não pode estar acontecendo comigo. Houve algum engano no diagnóstico, ou pode ter ocorrido troca de exames e este resultado não ser o meu”. O paciente, então passa a procurar outros médicos e a fazer novos exames com a esperança de que o diagnóstico esteja errado. Pode também ocorrer de o paciente simplesmente abandonar o tratamento, agindo como se realmente não estivesse doente e não precisasse de cuidados médicos.

Este é um mecanismo de defesa do ego em que o paciente se dissocia a fim de minimizar o contato com a situação traumática e assim proteger-se de uma desintegração do ego, causada pela grande carga de ansiedade e pelo choque provocados pela iminência da morte e pelos tratamentos invasivos como a quimioterapia e cirurgias de mutilação.

A negação pode ser parcial, com o paciente tendo conhecimento de sua doença, falando sobre ela, mas ao mesmo tempo não estabelecendo com ela relação, adotando atitudes de quem não está enfermo e falando sobre a sua doença como se estivesse falando de uma outra pessoa e não de si mesmo.

A negação, caso esteja colaborando para manter a integração do ego e se permite ao paciente um mínimo de contato com a realidade da doença, deve ser respeitado como forma de o paciente suportar a ansiedade decorrente da possibilidade de morte, além de gradualmente facilitar o processo de elaboração gradual que o tratamento e a hospitalização lhe apontam.

É importante observar que a negação pode gerar uma exacerbação do mecanismo de defesa, levando paciente e familiares a não abordar o tema do adoecer e morrer, estabelecendo-se um pacto de silêncio, que será prejudicial por adiar o de luto, podendo este processo se tornar patológico.

3.2.2 Revolta (Raiva)

Nesta fase, observa-se toda a decepção, revolta e raiva sentidos pelo paciente em relação à situação de doença e morte que vivencia. Ele, então, se torna agressivo, podendo a agressão ser auto ou heterodirigida.

Quando a agressão é voltada para si mesmo, o paciente pode ter manifestações de automutilação, que podem se manifestar através da recusa de se alimentar, de tomar a medicação que ajudará no controle do câncer, sinalizando a desistência do tratamento e a perda da vontade de viver. Neste caso o paciente é intrapunitivo, atribui à causalidade interna a doença considerando-se responsável pela ocorrência da mesma.

Quando a agressão é dirigida àqueles que estão a sua volta, ele expressa todo o seu inconformismo e toda a sua raiva pelo que está vivenciando, deslocando-a para os que lhe estão mais próximos. Este paciente é extrapunitivo, atribuindo à causalidade externa a origem de sua doença, responsabilizando o mundo pela situação em que se encontra.

Desta maneira, o paciente interage com o ambiente de forma ativa, tentando readquirir o controle da situação, muitas vezes de forma desorganizada, dirigindo ao outro toda a sua raiva. Ele tenta mostrar a sua potência frente ao mundo, no momento em que se sente fragilizado pela perda da saúde, da autonomia e da liberdade.

É comum que aqueles se tornam alvo da agressão do paciente reajam a ela, seja revidando ou se afastando. Os familiares, ao revidarem ou se afastarem, podem provocar no paciente sentimentos de mágoa, abandono e de não ser compreendido, acusando-os.

Estão incluídos nesta consideração os profissionais de saúde. O afastamento ou a contra-agressão só aumenta o descontentamento e a revolta do paciente, que passa a acusar a equipe de incompetência e de não lhe dar a atenção e cuidados necessários, demorando a atendê-lo, dificultando ainda mais o relacionamento com o paciente que já está desgastado.

Este é o momento que o paciente necessita de ser compreendido, aceito, respeitado, ouvido, cuidado. É importante que aqueles a quem é dirigida a agressão compreendam-no, que saibam que ele não guarda sentimentos de raiva em relação a eles, e sim pela situação que está vivenciando, sendo eles, meros objetos em relação aos quais é dirigido todo o seu descontentamento, toda a sua dor.

3.2.3 Barganha

Fase caracterizada pela negociação, onde o paciente tem conhecimento da possibilidade de morte como fato concreto e objetiva continuar projetos iniciados, o que indica o uso de mais funções do ego por parte do paciente para enfrentamento da crise e uma postura ativa diante dela.

Normalmente observa-se a manifestação de aspectos religiosos na barganha, com o paciente, por exemplo, pedindo a Deus que o mantenha vivo só até o casamento do filho; que lhe dê melhoras, condições de ir à cerimônia. É também comum a busca de outras formas de barganha por parte do paciente e familiares, como tratamentos alternativos, cirurgias espirituais, etc.

É importante observar se estas trocas, negociações são viáveis e benéficas ao paciente. No caso do paciente oncológico, ele pode pedir ao médico que adie a quimioterapia, que não a faça no dia da cerimônia, porque os efeitos colaterais do tratamento poderiam impedi-lo de ir ao casamento.
A barganha com a equipe pode aproximar pacientes e profissionais e viabiliza o diálogo - a respeito das reais condições do paciente, limites e possibilidades que a doença oferece - entre equipe, paciente e familiares.

3.2.4 Depressão

Esta fase se caracteriza pelo contato do paciente com a situação de perda da saúde e da possibilidade de morte. Esta vivência traz como característica uma tristeza acompanhada de sinais depressivos de natureza elaborativa. Esta elaboração é benéfica ao paciente que enfrenta a crise do adoecer, pois a angústia existencial decorrente faz com que o paciente questione, faça uma reflexão e encontre meios de lidar com a doença e o tratamento.

Angerami-Camon (op.cit., 40) relaciona algumas características da depressão reativa:
· “Entristecimento, todavia com permanência de perspectivas existenciais;
· Situação de perda (luto), claramente localizada no tempo e no espaço histórico do indivíduo, por ele percebida;
· Sentimento de angústia ligada ao contexto de perda”.

Um outro tipo de depressão é a depressão preparatória, na qual o paciente, ao invés de levar em conta perdas passadas, leva em consideração as perdas iminentes. Quando a depressão ocorre em conseqüência das perdas iminentes dos objetos amados, “para o paciente o estado de aceitação, o encorajamento e a confiança não têm razão de ser” (Angerami-Camon op. cit., p.160)

A perda da saúde, e dos órgãos (que ocorre em cirurgias mutilatórias) ocasiona o entristecimento, uma sensação de vazio. Torna-se necessário a constatação e a elaboração deste luto; o paciente precisa entrar em contato, vivenciar esta perda a fim de que ocorra o reforço da auto estima e do autoconceito do paciente e ele possa lidar da melhor forma possível esta vivência, se reorganizando e se reestruturando emocionalmente. O terapeuta deve estabelecer protocolos de segurança, preparando o paciente, a fim de trabalhar esta perda de forma segura, preservando o paciente de sofrimento e tensão desnecessários.

3.2.5 Aceitação

Fase em que o paciente tem compreensão das suas possibilidades e dos limites impostos pela doença, tratamento e hospitalização, tendo o paciente adquirido recursos a fim de melhor lidar com a sua situação.

A ansiedade do paciente está em um limite mais suportável para ele, sua família e equipe de profissionais. Ele aceita a sua condição, sua doença, sua morte e torna-se mais sereno.

Ele lamenta a perda de entes e lugares queridos, entretanto contempla o seu fim próximo com relativa tranqüilidade.

Normalmente está cansado e fraco, tendo necessidade de dormir com freqüência em intervalos curtos. É quase uma fuga de sentimentos, como se a dor e a luta tivessem cessado e fosse chegado o momento de repouso antes da longa viagem. A aceitação lhe traz paz e ele deseja ficar só. Nesta fase os familiares precisam de ajuda, compreensão e apoio mais do que o paciente (Angerami-Camon op. cit., p.160)

Segundo A. Stedeford (1986, p.56), “A aceitação não é o mesmo que resignação. É uma avaliação realística da situação clínica, conforme esta muda, com a determinação de se ajustar da maneira mais adequada possível”.

O paciente, tendo elaborado o luto e aceitando sua situação, mostra-se ativo em seu tratamento, opinando, questionando e tomando decisões junto com a equipe médica e familiares em relação à terapêutica adotada.

3.3 Aspectos Psicológicos Associados ao Câncer e ao Luto

“É uma das tarefas relativas ao desenvolvimento da psique chegar a um acordo com a morte.” (ibid). Segundo o autor, o conhecimento de nossa mortalidade permanece inconsciente a maior parte do tempo, como conseqüência das nossas defesas psíquicas normais.

Diante da ameaça de morte, própria ou de alguém querido, essas barreiras psíquicas caem, são rompidas. A pessoa então começa a pensar no que teria acontecido se ela tivesse morrido. Preocupa-se se sua família ficaria financeiramente desestabilizada, caso seja a fonte de sustento da mesma; se seus filhos ficariam largados, ou se alguém cuidaria deles com carinho e estaria educando-os, principalmente quando o outro pai se encontra ausente, seja por falecimento ou outras circunstâncias; se os parentes suportariam a saudade ou teriam grande carga de sofrimento; etc.

Pacientes e familiares podem entrar em um quadro de depressão. É importante o diagnóstico diferencial entre tristeza e depressão. Indicadores como sono perturbado (insônia ou hipersonia), perda de apetite, emagrecimento e diminuição da libido podem ser efeitos diretos da doença, assim como a fraqueza, o cansaço e a labilidade emocional. Entretanto, o padrão depressivo pode manifestar-se de manhã cedo, quando a dor foi controlada e o paciente dormiu bem à noite.

Desta forma, é importante para um diagnóstico preciso levar em consideração o discurso do paciente, estando atento principalmente aos indicadores de auto-estima baixa e culpa indevida. O paciente pode achar que está incomodando, atrapalhando e sobrecarregando a sua família com a sua doença. (Stedeford, op. cit., p.116)

No caso em que a doença perdura por vários anos existem algumas peculiaridades a serem abordadas. Quando ocorrem vários episódios em que a morte do paciente era bastante provável e ele se recupera, é como se ele estivesse enganando a morte por várias vezes, e então, assim como os seus familiares, passa a acreditar que sempre vai recuperar-se. Este é um recurso adotado para proteger-se da tensão e angústia que a iminência da morte provoca nele e nos que lhe estão próximos.

No caso de uma morte incerta em um prazo desconhecido, a incerteza, a dúvida, podem acentuar ainda mais a ansiedade em alguns casos, entretanto, a incerteza também pode ser fonte de esperança da cura, de que possa surgir uma nova terapêutica, de que o câncer seja vencido e o ente querido permaneça vivo e bem.

Paciente e familiares, com o passar do tempo podem ter suas defesas restabelecidas e então, a ansiedade diminui, embora as influências psíquicas e comportamentais da possibilidade da morte continuem, podendo ocorrer a nível inconsciente.

Outra possibilidade é a de o paciente e familiares não poderem “defender-se contra a ansiedade, reprimindo-a, nem lhe fazer face acolhendo-a” (ibid). Os recursos empregados para lidarem com a vivência do adoecer não estão lhe proporcionando a segurança, a tranqüilidade e o equilíbrio necessários para enfrentarem este momento tão difícil. Podem ocorrer no paciente manifestações de hipocondria ou de obsessividade. Os parentes podem torna-se superprotetores, restringindo ainda mais as atividades do paciente já limitadas pela doença, retirando-lhe o mínimo de liberdade e autonomia que lhe restam.

As pessoas com câncer, mesmo após a remissão precisam de um acompanhamento regular, ainda que se sintam bem, pois há chances de recidiva da doença. Quanto mais tempo permanece livre dos sintomas, menos ansiosos e mais confiantes paciente e familiares se tornam, já que qualquer sinal pode ser percebido por eles como indício de recaída e retorno da doença. Há o temor de que a doença volte com mais intensidade e violência do que antes.

Considerando-se a grande carga de ansiedade e sofrimento que o pensar sobre esta possibilidade causa, é compreensível que paciente e familiares fiquem atentos a qualquer sinal de recidiva, recaída da doença, ansiosos para fazerem tudo o que possam a fim de evitar a ocorrência da morte.

Quando o paciente chega a um estágio avançado da doença e a possibilidade da morte se mostra bem clara e concreta, todos ficam tensos e chocados, estando despreparados para o evento morte. Isto ocorre porque os seus ânimos foram minados por longo período de incertezas, férias e lazer restritos, limitados; muitas vezes privando-se de noites de sono em cuidados com o paciente, estando o mesmo na mesma situação pelas limitações e dores decorrentes da evolução da doença.

Paciente e familiares estão estressados, desgastados física e emocionalmente pelas vivências de doença, hospitalização e tratamento, necessitando de ajuda especializada neste momento crítico em que a morte se faz presença iminente.

Alguns pacientes crescem, amadurecem com esta experiência, tornam-se conscientes de sua mortalidade e aceitam-na, usando as suas energias não para tentar evitá-la desesperadamente, mas para aproveitar da melhor forma possível o presente, na obtenção de maior qualidade de vida. Vivem de um modo mais confiante e valorizam a existência em decorrência do contato direto com a morte. Assim aproveitam esta experiência de forma positiva, como um verdadeiro aprendizado e como fonte de crescimento interior.

Quando a recaída ocorre o paciente e os seus familiares podem reagir com raiva e revolta, estando completamente frustrados e decepcionados pois o tempo que passou livre de sintomas fez com que acreditassem estar curado, encontrando-se dessa forma despreparados e muitas vezes traumatizados pelas vivências anteriores da doença, temendo passarem por situações ainda mais dolorosas.

O mais saudável para o paciente é aceitar a possibilidade da morte sem que isto interfira de uma forma intensa na sua maneira de viver, comprometendo a qualidade de vida deste paciente e de seus familiares. Certamente, isto não é nada fácil, mas com auxilio terapêutico eles podem elaborar esta experiência dolorosa lidando melhor com a situação de doença, hospitalização e morte.

Cabe ao psicólogo e demais profissionais de saúde auxiliarem paciente e familiares na utilização de recursos internos e também externos a fim de passarem da melhor forma possível por todas estas vivências encarando-as de forma a aceitarem a possibilidade da morte, mas também mobilizando-se na utilização dos recursos de que dispõem para transpor, solucionar, amenizar as adversidades, focando-se na vida e que esta seja vivida de forma a torná-la o melhor possível, não importando se será arrebatada pela doença ou não, se viverá por um longo ou curto período de tempo; mas que esta existência seja gratificaste, valorosa, com o paciente apreciando o viver.

3.3.1 Respostas Psicológicas aos Sintomas Físicos

3.3.1.1 Dor

A dor pode ser resultado direto da tensão muscular decorrente da ansiedade. Dores de cabeça tensionais, dores no pescoço, nos ombros, nos braços e nas costas são reações secundárias à ansiedade.

Ocorre também, quando um movimento tem a probabilidade de ser doloroso, devido a uma solidificação óssea secundária, de os músculos se contraírem, sofrerem um espasmo, a fim de evitar o movimento, produzindo, assim, uma dor secundária.

Um outro aspecto a ser abordado é que o paciente pode estar usando inconscientemente a dor como meio de receber mais atenção ou de adaptar-se a uma situação. Isto não deve ser entendido como se ele sofresse menos ou que a dor não é autentica. A dor torna-se resistente ao tratamento porque renunciar a ela exige enfrentar o problema e lutar contra ele de modo diferente.

“Peter tinha um tumor no fêmur que doía muito e deixava sua perna inchada e sem movimento. Já estava se disseminando a tal ponto que nem uma amputação oferecia a possibilidade de cura. Peter tinha uma esposa jovem e um bebê; o casamento era infeliz, e ele presumia que, enquanto permanecia no hospital, ela “saía com um dos seus colegas” e o bebê era negligenciado. Ele provinha de uma família com muitos problemas sociais; seus pais eram carentes de recursos, para sustentá-lo nesta tragédia. Quando foi admitido pela primeira vez, estava preocupado com a dor e nada mais parecia ter importância. A dor, gradualmente, foi controlada e os sintomas de ansiedade emergiram claramente. Parecia impossível livrá-lo completamente da dor. Um dia ele disse: “Francamente, sinto falta da dor; ela era terrível, mas, pelo menos, não me deixava pensar em mais nada.” Peter precisava demais da dor. Seu assistente social trabalhou intensamente com a esposa e com a família para tentar ajudá-lo. A dor não desapareceu até que o relacionamento melhorou e ele começou a chegar a um acordo de separação de sua mulher e filho, bem como elaborar a perda de sua vida. Só então a dor física foi completamente aliviada”. (Stedeford, op. cit., p.106)

A dor tem um significado para o paciente e depende basicamente deste significado que ele atribui a ela a reação que terá em razão da dor. Uma dor no estômago atribuída a uma má digestão ou gastrite difere, em relação à ansiedade e medo provocados, daquela atribuída como resultado de um câncer no estômago. Caso o tumor tenha ocorrido em um órgão diferente, o paciente pode pensar em uma metástase. Se o estômago foi o local de origem, ele pode pensar numa piora, recaída, caso o câncer já tenha sido controlado, trazendo grande angústia ao paciente. Mesmo uma dor intensa pode ser tolerada pelo paciente caso este atribua a ela causa de pouca importância e acredite que ela possa ser aliviada em breve.

A dor crônica abate o paciente, diminui a sua capacidade de concentração e ele não consegue distrair-se dela, mantendo-a em seu foco de percepção. O paciente dorme mal, acorda cansado, irritado, deprimido. A depressão aumenta se o paciente considerar que a dor não pode ser aliviada pelo tratamento por ter uma causa progressiva que não pode ser tratada.

O uso de diazepam, que atua como ansiolítico e relaxante do espasmo muscular, além da utilização de técnicas de relaxamento (hipnose) podem auxiliar no tratamento da dor. Entretanto o uso de drogas precisa ser bem avaliado pelo médico, pois pode causar efeitos colaterais indesejados como a dependência química. A dependência psicológica também pode ocorrer, com o paciente acreditando que só conseguirá relaxar se tomar a droga.

O fisioterapeuta ou o psicólogo podem auxiliar o paciente a perceber a tensão física, da qual, geralmente não tem consciência e ensiná-lo a relaxar os músculos. É interessante que a postura corporal influencia o nosso estado mental. Experimente, por exemplo, deixar os seus ombros e pescoço caído, por alguns instantes, como um depressivo. Que sentimentos você experimenta?

Pode-se ensinar ao paciente as técnicas de relaxamento, assim ele dispõe de recursos próprios para alívio da dor. A sensação de controle aumenta a auto-estima neste momento em que o desamparo, associado com a doença, poderia deixá-lo pior.

Faz-se também necessário investigar junto ao paciente o significado que este atribui à dor e implicá-lo no tratamento, discutindo com ele a terapêutica a ser utilizada no controle da dor, tornando-o ativo em seu tratamento.
É importante que se avalie se a causa da dor é orgânica ou psicológica, pois alguns pacientes podem ter uma lesão orgânica e sua dor ser considerada psicogênica, não se fazendo o devido tratamento. Uma boa avaliação é importante a fim de se definir o tratamento mais adequado no controle da dor, dando-se mais qualidade de vida ao paciente.

3.3.1.2 Anorexia

O paciente, muitas vezes, se sente desconfortável ao ingerir a mesma quantidade de alimentos que habitualmente comia. Assim, passa a alimentar-se um pouco menos, na medida em que se sente mais confortável. Os familiares e equipe precisam compreender o paciente, aceitando a sua vontade se ele assim se sente melhor. A intervenção só se faz necessária caso a redução ocorra a um nível em que traga prejuízos à saúde do paciente.

3.3.1.3 Falta de Ar

A falta de ar pode causar angústia no paciente, o que acentua a falta de ar pela ocorrência de um mecanismo de retroalimentação, gerando mais angústia. Este ciclo acaba se o paciente se acalma, o que diminui o ritmo respiratório e consequentemente alivia a angústia.

Algumas vezes se faz necessário sedar o paciente, a fim de que ele durma, se tranqüilize e descanse. Entretanto, é importante estar atento ao uso de sedativos, que numa dose inadequada podem causar depressão respiratória.

O paciente com sérios problemas respiratórios, consideram que a dificuldade de respiração o fará sucumbir pela falta de ar. É importante que ele tenha um espaço para falar de seus medos e de suas vivências, e compreenda que a equipe utilizará a terapêutica adequada para aliviar a sua aflição.

Exercícios respiratórios e de relaxamento podem aliviar a falta de ar e amenizar o sentimento de perda de controle da situação.

3.3.1.4 Fraqueza

O paciente pode ficar desolado em conseqüência de um sentimento de fraqueza, principalmente se sempre fora uma pessoa ativa e independente. Pode sentir-se humilhado, triste pelo fato de as pessoas precisarem fazer as coisas por ele.

A questão da dependência está relacionada à fase de infância. Os adultos gostam de considerar-se independentes e autônomos. Principalmente se consideram independência e autonomia como sinal de maturidade. Buscarão conservá-las e se sentirão muito pouco à vontade, envergonhados por necessitarem da ajuda de outros para fazer o que estavam acostumados a fazer sozinhos, já que isto pode representar para eles um fracasso, trazendo sentimentos de inutilidade ou de culpa por estarem dando trabalho, sobrecarregando as pessoas.

Necessitar que alguém lhe dê banho, alimentação, pode ser mais bem aceito pelo paciente caso aqueles que o circundam o façam também, tocando-o com naturalidade e mantendo a sua auto-estima e dignidade, havendo também neste contato mais próximo com cônjuges ou familiares trocas afetivas que confortam a ambos.

3.3.1.5 Tédio

Muitos pacientes dormem a maior parte do dia. Aqueles que não conseguem ficam, muitas vezes, entediados. Não conseguem concentrar-se por muito tempo em uma atividade, e as limitações da própria doença podem restringir as atividades do paciente.

Dessa forma, os dias são preenchidos pelas divagações do paciente que podem incluir fantasias e medos relacionados ao adoecer, ao tratamento.

3.3.1.6 Paralisia

As condições neurológicas decorrentes das lesões do sistema nervoso, quando o câncer atinge o cérebro ou coluna, podem causar paralisia no paciente. É comum os parentes associarem desamparo físico a regressão psicológica, tratando o paciente como criança ou de modo diferente do habitual.

A fim de manter a auto-estima e a identidade do paciente é importante que a família o trate da maneira o mais próxima possível do habitual.

3.3.1.7 Mudança de Personalidade

As pessoas muito doentes, especialmente ao se aproximarem da morte, passam por experiência perturbadoras, chamadas de confusão. Este termo é comumente usado para se referir a uma série de sintomas como perda da noção de tempo e espaço, comportamentos inadequados, alucinações, conversa sem sentido e paranóia. A causa pode ser atribuída a diversos fatores: tumores cerebrais primários ou secundários (metástase), drogas, perturbações bioquímicas e tensão psicológica relacionada com a morte. (Stedeford, op. cit., p.121)

Fazendo parte deste estado de confusão, os pacientes podem apresentar reações paranóides e acusarem médicos e enfermeiros de quererem matá-los. Alguns pacientes se recusam a fazer as refeições achando que ali foi colocado algum remédio que lhes fará mal.

Estes pacientes precisam da compreensão daqueles que o cercam, pois comumente os consideram como um incômodo e o tratamento dispensado objetiva controlá-los para que não causem transtornos. Os paciente que perdes o contato com a realidade estão apavorados, principalmente quando percebem que algo diferente está acontecendo com eles, suspeitando e temendo estarem ficando loucos.

Inicialmente, o paciente pode ter a consciência de que está agindo diferente, de que não é ele mesmo e perturbar-se com isto. Pode beneficiá-lo dizer-lhe que é o tumor a causa de sentir-se diferente, que é compreendido e não será depreciado por seu comportamento.
Quem mais sofre são os parentes, que ficam constrangidos pelas alterações comportamentais do paciente que pode tornar-se rude, agressivo e ter desinibida a sexualidade, causando vergonha nos familiares que podem acabar isolando-o do convívio social, também privando-se deste junto com ele.

3.3.2 Respostas Psicológicas ao Tratamento

O tratamento do câncer é bastante invasivo, com procedimentos como cirurgias às vezes mutilatórias (amputações de membros e/ou órgãos), quimioterapia, radioterapia e seus efeitos colaterais bastante desconfortáveis para o paciente, refletindo em seu estado psicológico.

Para se obter um resposta satisfatória e controle dos sintomas do câncer costuma-se utilizar uma grande quantidade de drogas, com dosagem elevada. É importante ressaltar que os esteróides utilizados podem ter efeitos psicológicos como a euforia. Esta, algumas vezes é até benéfica, embora alguns pacientes se queixem de que este bom-humor não é real. É importante se estar atento para que este estado de ânimo não se transforme em mania ou hipomania. Os esteróides também podem produzir uma depressão grave, havendo risco de suicídio ou reação paranóica.

Alguns pacientes dizem que não precisam de tantas drogas, outros podem mesmo se recusarem a tomar o medicamento temendo os efeitos colaterais como queda de cabelo (quimioterapia), inchaço (esteróides). Há pacientes que temem ficar viciados, dependentes do medicamento. Outros, podem achar que a medicação encurtará a sua vida, pois podem ter experienciado a morte de alguém pouco após o início do tratamento, atribuindo a este a causalidade do ocorrido.

Nestes casos, uma boa explicação sobre a utilidade das drogas e seus efeitos colaterais pode auxiliar e fazer com que o paciente tenha uma adesão ao tratamento, evitando riscos desnecessários a sua saúde e desconfortos como dor. Entretanto, caso o paciente se recuse a tomar o analgésico porque provoca sonolência e prejuízo da vigilância ativa, e preferir sentir dor, esta opção deve ser respeitada, pois a dor não oferece riscos à saúde do paciente. O importante é discutir com ele as razões de sua decisão, quais as crenças relacionadas ao tratamento que o fizeram não querer segui-lo.

Uma questão ética que se discute é se a função do médico é prolongar a vida a todo custo, mesmo com intenso sofrimento do paciente, ou dar-lhe qualidade de vida, mesmo que isto lhe custe alguns meses de sobrevivência. Alguns pacientes não suportam o tratamento, dizendo que estes causam mais sofrimento do que a própria doença e desejam que ela siga o seu curso, interrompendo o tratamento e aceitando a morte. Conotar positivamente o tratamento, colocando-o como um aliado, auxiliar na recuperação e manutenção da saúde, ressignificando a crença de que o tratamento só lhe traz desconforto e sofrimento, pode auxiliar bastante e trazer-lhe novo ânimo.

Quando se discute com o paciente o tratamento e respeita-se sua vontade, diminui-se o sentimentos de falta de controle e os efeitos do mesmo no psiquismo daquele que passa pela vivência do adoecer.

Receber o diagnóstico de câncer, experienciando o adoecer, passando por todo o processo de tratamento, algumas vezes, bastante invasivo e desconfortável, traz repercussões não só para o paciente, mas também para seus familiares. Estes, ficam emocionalmente envolvidos, preocupam-se e se solidarizam uns com os outros. Desta forma, ocorrem alterações na dinâmica familiar, pois o sistema precisa se reorganizar a fim de atender as necessidades daquele que adoeceu e as do sistema como um todo.

A equipe de saúde, que trabalha diretamente com eles, também sofre as repercussões deste momento tão crítico. Desta forma, faz-se necessário que os profissionais que se dedicam ao trabalho com pacientes fora de possibilidades terapêuticas atuais, tenham uma formação que lhes permitam prestar um serviço qualificado a este paciente e a seus familiares.


Capítulo 4 - O Paciente Fora de Possibilidades Terapêuticas Atuais e seus familiares

A família representa para a maioria das pessoas um esteio em relação a estruturação de vínculos afetivos e referenciais de apoio e segurança.

As experiências pelas quais passa a pessoa hospitalizada, geradoras de ansiedade, medo, sensação de desamparo e fragilidade, pode muitas vezes levá-la a desenvolver comportamentos regressivos; necessitando o paciente sentir-se amparado e protegido pelas figuras familiares, as quais passam a ser solicitadas de diversas formas.

A família, então tem papel decisivo no auxílio à adaptação do paciente frente ao episódio crítico do adoecer e da hospitalização, contribuindo com o trabalho da equipe, ou em alguns casos, comprometendo-o.

Podemos comparar a família a uma balança de diversos pratos, cada um com seu peso e posições específicas, onde o acréscimo ou a retirada de um deles compromete o equilíbrio da balança. Assim, quando o sistema se vê privado de um dos seus membros em conseqüência do adoecer se desequilibra, pois perde temporária ou definitivamente, um de seus pontos de referência, apoio e sustentação.

A família, então, busca novas formas de funcionamento e organização a fim de restabelecer o equilíbrio perdido pela crise decorrente do adoecer e da hospitalização de um de seus componentes. A identidade e a integridade do sistema, tal como fora constituído, encontram-se ameaçadas e pode desencadear em seus membros, os mais diversos comportamentos:

· O sistema pode mobilizar-se na intenção de resgatar seu estado interior;
· O sistema paralisa-se frente ao impacto causado pela crise,
· O sistema identifica benefícios com a crise e mobiliza-se para mantê-la

No primeiro caso, o impacto inicial causado pela situação de doença e internação é substituído por um movimento em direção à recuperação do paciente e de reintegrá-lo a seu lugar e papéis no sistema. A família passa por uma crise e conseqüentemente por estados emocionais de medo, ansiedade e angústia. Todo o movimento se constitui no sentido de superação da crise. Cabe ao psicólogo auxiliar na atenuação da crise e na mobilização de recursos para enfrentamento da mesma.

O impacto emocional e as angustias decorrentes do adoecer pode gerar questionamentos no sistema e fazer com que este venha a buscar uma nova forma de identidade e funcionamento. O psicólogo, então, intervém no sentido de viabilizar a elaboração das vivências traumáticas e facilitar a reorganização do sistema, que terá uma nova identidade e forma de funcionamento, em especial nos casos em que a ameaça de perda fez com que a família reconsiderasse os seus vínculos e questionasse a estrutura afetiva a que estava submetida.

Uma nova organização se faz necessária quando a doença impõe ao paciente seqüelas permanentes, impossibilitando o resgate do status quo anterior que se perde. A identidade do sistema se perdeu de forma definitiva, passando paciente e família por um período de desorganização, e posterior reorganização, onde o sistema terá de se adaptar às limitações de caráter permanente impostas pelo adoecer.

A. Stedeford (op.cit., p.96) relata o sofrimento que ocorre pela perda de um papel considerado importante. Isto é ilustrado através de casais onde só o marido dirigia automóvel e as esposas precisaram aprender a dirigir. Alguns se afligiam com esta situação e “não gostavam da idéia de suas esposas assumirem o controle de algo que consideravam privilégios seus e que lhes gratificavam”. Entre elas, havia uma esposa que se desestimulou e desistiu diante do descontentamento do marido, e ainda se censurava por não ter sido boa esposa. Na verdade, o marido estava mais irritado com a sua doença do que com o fato de a esposa dirigir. Outro marido percebeu que era necessário incentivar a esposa e que seria bom que ela passasse nos testes. O ressentimento inicial transformou-se em orgulho de vê-la dirigindo.

O autor (ibid) faz ainda o seguinte relato:

Vera e Tony (...) tiveram dificuldades em ajustar seus papéis com relação às tarefas de casa e cuidados com as crianças. Tony ficou tão ansioso quando o médico lhe disse que Vera estava com câncer que nem prestou atenção ao que foi dito sobre o prognóstico. Compreendeu somente que ela tinha pouco tempo pela frente e que poderia sentir-se melhor e viver mais, se ele assumisse todas as tarefas domésticas e a deixasse descansar. Todas as manhãs, ele se levantava cedo, para fazer a lide doméstica e levar as crianças à escola. Muitas vezes, antigamente, ele chegava em casa do trabalho e a encontrava cansada e chorosa, por estar esforçando-se, com dificuldade para preparar o jantar. Agora, ele a proibia de fazer isso, e ela, por estar com um pouco de medo dele, concordava. Vera tornou-se deprimida, queixando-se de que não servia mais para nada e que era apenas um peso. Tony levou algum tempo para compreender que, embora ele estivesse fazendo o melhor, isso estava deixando-a infeliz. Ela se sentia desnecessária (uma situação que seria pouco tolerável para Tony) e culpada por ele agora parecer cansado e ocupado. Ele aceitou a necessidade de ela ser útil e o fato de que Vera, algumas vezes, podia fazer muito mais coisas e, de vez em quando, até mesmo se cansar. Quando eles alcançaram um equilíbrio melhor, ela ficou menos deprimida e ele menos cansado.

O psicólogo auxilia no processo adaptativo em busca do equilíbrio e reestruturação do sistema, atuando nos diversos níveis de identidade: pessoal, passando por uma série de papéis relacionais, os quais definiam para o indivíduo e para o sistema o sentido de ser-no-mundo, que foi comprometido, na forma como fora estabelecido anteriormente, de maneira irreversível.

No segundo caso, o sistema se encontra num processo de imobilidade, semelhante ao estado de choque, sendo que neste ele não é superado num espaço de tempo relativamente curto como nos outros casos. A imobilidade é diretamente proporcional ao grau de importância do paciente na manutenção do equilíbrio e estrutura do sistema e do grau de maturidade que a família possui.

O paciente, diante do sofrimento e da desestruturação do sistema, pode sentir-se responsável por esta situação e tentar omitir dados sobre o seu estado real até mesmo para a equipe de profissionais, na intenção de voltar para casa, cuidar dos seus e amenizar o sofrimento dos mesmos.

Atitudes de rebeldia e refratariedade ao tratamento por parte do paciente, podem ocorrer nestes casos, e não raro acompanhadas de solicitação de alta a pedido. Atitudes de barganha também são observadas, como uma tentativa de ter o paciente de volta ao lar, desempenhando os seus papéis. Promessas e tratamentos alternativos são formas de barganha, entretanto com o intuito diferente daquele que é descrito por E. Kubler-Ross; aqui o objetivo é ter de volta o familiar a qualquer custo, mesmo que seja a vida do paciente.

A equipe de profissionais, em virtude deste comportamento, pode desenvolver sentimentos de hostilidade em relação à família e atitudes de superproteção ou também de raiva em relação ao paciente. O trabalho do psicólogo se faz de extrema importância, pois a adequada relação com a doença, sua aceitação e adaptação à nova situação, são condições básicas para o trabalho da equipe.

No terceiro caso, o paciente protagoniza a posição de bode expiatório. Este papel tem o objetivo de manter o equilíbrio do sistema, o qual desloca e/ou projeta no eleito todas as patologias das relações, as disfunções do sistema.

Nesta situação o risco reside em uma instalação de comportamentos de cronificação da doença, o que é independente do caráter realmente crônico que esta possa ter (o câncer hoje tem cura!), estabelecendo com o paciente um padrão de relacionamento no qual este só recebe atenção se agir e responder como doente.

Mesmo com a saída do hospital e a remissão do câncer, o padrão instalado se mantém e ele só se torna aceito se assume o novo papel, o de doente. A utilização do mecanismo de duplo-vínculo, somado ao grau de comprometimento prévio da estrutura do sistema impõe esta nova ordem, praticamente sem alternativas perceptíveis à pessoa. Tudo isto pode agravar o estado clínico desta e levá-la a uma atitude de autodestrutividade.
Este caso é mais complexo para o trabalho do psicólogo em função do Ganho Secundário presente no inconsciente do sistema; isto é, é de todos e de ninguém ao mesmo tempo. Isto é bem característico das relações paradoxais.

Processo semelhante também pode ocorrer de forma não patológica em pacientes que tiveram que se ausentar da sua cidade e passaram por longo período de tratamento. O retorno a um lar que se reestruturou com a sua ausência implica uma nova desorganição/reorganização do sistema, com uma nova forma de convívio. A equipe, então deve favorecer o processo de reabilitação e reintegração social e familiar do paciente.

A família, logo, tem importante papel em todo o processo de adoecer e restabelecimento do paciente, auxiliando-o na sua relação com a doença, tratamento e hospitalização; compartilhando com ele e apoiando-o em toda a sua dor e angústia, se angustiando com ele. (Angerami-Camon op. cit., p.164-168)


4.1 A Família da Criança Fora de Possibilidades Terapêuticas Atuais

A possibilidade da morte de uma criança, gera na família intensa angústia e desorganização psíquica, podendo ocorrer manifestações de tristeza, perplexidade, angústia e insegurança.

A família, ao ser confrontada com a morte, perde o seu senso de invulnerabilidade, de imortalidade, tendo consciência e contato com esta possibilidade. Vale ressaltar que a família, assim como o paciente, vivencia o processo de luto, passando por suas diversas fases: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.

A família precisa se reestruturar, estabelecer novos modos de funcionamento diante das constantes internações, do tratamento, muitas vezes oneroso, do contato com os diferentes profissionais, da dor que acomete a criança, causando nos seus familiares profundo sofrimento.

Representada como a capacidade humana de preservação, a esperança mostra-se muito presente nas relações entre crianças terminais e seus familiares. Através dela, a família busca a força psíquica necessária para enfrentar a situação extremamente conflitiva de doença e iminência de morte. Diferentemente da negação, a relação marcada pela esperança não interfere no ajustamento ao processo da doença e é compatível com a aceitação da realidade (...) Não Ter esperança é não ter horizonte, não ter futuro, não ter perspectiva, eliminando, assim, suas possibilidades de ser. (Angerami-Camon, op.cit., p.128-129)

A família, se possui uma constituição rígida, fechada, que dificulte as trocas, terá dificuldades em encontrar recursos para lidar com a situação e elaborar do processo de luto. Da mesma forma, uma família dividida encontra dificuldades pela precariedade das trocas afetivas e da capacidade de apoio intensivo entre os seus membros.

Uma dinâmica familiar anteriormente caracterizada pela impulsividade, agressividade, rejeição e ambivalência, podem ter estes fatores acentuados e mesmos exacerbados, desestruturando ainda mais o sistema. Assim, uma boa estrutura familiar, facilita o lidar com a situação de doença e morte.

Garfinkel et all (1992 apud Angerami-Camon op.cit., p.114-115) citam o funcionamento de duas famílias cujos pacientes de 16 (J) e 15 anos (E) respectivamente haviam amputado o braço devido a um sarcoma osteogênico.

“Enquanto a família do paciente de 16 anos apresentava uma dinâmica anterior de apoio mútuo entre os seus membros, intensas trocas afetivas e uma postura constante de compreensão, a do paciente de 15 anos já possuía, anterior à situação de doença, uma dinâmica totalmente desestruturada. Os pais desse adolescente, disputavam e dividiam abertamente o afeto entre seus filhos, sendo que a mãe protegia o paciente e o pai um irmão. A irmã mais velha havia fugido de casa para se casar. J., de 16 anos, foi capaz de elaborar a perda de seus braço, aceitando sua incapacidade. Com apoio intenso da família aprendeu a escrever e a dirigir com a mão esquerda, logo retomando suas atividades anteriores. No entanto, os pais de E. separaram-se durante uma de suas internações para tratamento e o paciente apresentava depressões freqüentes, necessitando de medicação e se recusando a assumir qualquer tipo de participação ativa em seu tratamento, fugindo das responsabilidades por tarefas extremamente simples. Para agravar a situação, E. negava-se a reconhecer seus sentimentos, mantendo-se conflitivo e, principalmente, intensamente solitário em seu sofrimento”.

A representatividade da criança no meio familiar também é um fator que interfere no modo como o sistema reagirá à situação. Caso ela represente uma decepção para a família, não tendo sido desejada e se houve tentativa de aborto, e os pais adiaram projetos por causa de seu nascimento, isto reflete no modo como a família e paciente se relacionam e lidam com a situação de doença e morte.

A família, sendo um sistema, mostra-se responsiva ao tratamento e às reações da criança. Como cada membro possui uma forma diferente de sentir e reagir ao adoecer, isto causa conflitos na dinâmica familiar e agrava aqueles pré-existentes; ou ao contrário os deixam em segundo plano.

Aquele que cuida da criança, fica sobrecarregado emocionalmente, e diminui as relações estabelecidas como os outros membros. A criança passa a ser a figura central da família e o subsistema parental fica fragilizado, não raras vezes assumindo uma culpabilização. A família procura onde pode ter falhado, se na alimentação, se no uso de anticoncepcionais por longo período antes da concepção, acreditando na possibilidade de que isto possa ter provocado o aparecimento do câncer. Também associam situações como traições, uso de drogas e outros como causa da doença, acreditando que estão sendo punidos por algo errado que fizeram.

Reações patológicas de superproteção podem ocorrer nas situações de culpabilização, com demonstrações excessivas e irreais de amor e preocupação, como meios de amenizar a culpa sentida pela família. A criança pode se ver em meio a uma exacerbada preocupação de seus familiares com alimentação, uma repentina falta de limites e satisfação de todos os seus desejos que a deixam confusa e perdida. Pais rejeitadores podem desenvolver um sentimento de superproteção, sufocando ainda mais a criança. Esta superproteção esconderia a não-permissão à contestação, obrigaria a gratidão da criança, alimentando os ressentimentos e frustrações. (Angerami-Camon, op. cit, p.116). Os familiares podem acabar superprotegendo também os membros que não adoeceram, desenvolvendo-se um grande nível de ansiedade de separação. Pode ocorrer ainda de os pais, no caso de morte da criança, buscarem “repor” o filho perdido, programando uma nova gravidez.

Algumas famílias reagem se afastando do doente na iminência de sua morte. Isto é decorrente da dificuldade que seus membros apresentam para suportar o sofrimento do paciente, principalmente se apresentam sentimentos de culpa, que podem ser intensificados pela dor da criança e pela sensação de impotência dos familiares diante da situação; ou mesmo por falta de recursos financeiros para permanecerem no hospital.

A força para enfrentar a situação de doença e morte advém da certeza de ser amado, respeitado, compreendido e amado. Esses sentimentos são fundamentais para que o paciente e a família suportem o impacto de um diagnóstico de câncer e o tratamento agressivo, invasivo, doloroso, e a perspectiva de separação e morte.

A atuação do psicólogo deve se dar favorecendo o processo de adaptação desses familiares ao enfrentamento desta situação. O profissional deve atuar em um nível de apoio, atenção, suporte ao tratamento, expressão e clarificação dos sentimentos, esclarecimentos sobre a doença e fortalecimento dos vínculos familiares.

A realização de grupos de apoio aos familiares, que permitam aos pais colocarem suas emoções, esclarecerem suas dúvidas e trocarem experiências, apoiando-se mutuamente, pode-lhes ser muito benéfico na elaboração do processo de luto.

Além dos grupos de crianças e familiares, grupos mistos onde pacientes e familiares compartilham os seus sentimentos são bastante eficazes, como também a atuação em salas de quimioterapia.

O acompanhamento no pós morte e a realização de grupos de apoio, facilitam à família o restabelecimento do equilíbrio. É importante que imediatamente após a morte da criança o profissional se prepare para a explosão de sentimentos dos familiares, ficando atento ao uso de tranqüilizantes (se necessário deve ser uma medicação leve sob prescrição médica), que adiam o processo de luto e dificultam o expressar das emoções e do encontro de alternativas e meios de lidarem com a situação de perda.


4.2 A Criança Fora de Possibilidades Terapêuticas Atuais e a Equipe de Saúde

A equipe de saúde que atua junto a crianças fora de possibilidades terapêuticas atuais deve se caracterizar pela capacidade de apoio, compreensão e humanização do tratamento dado aos pacientes e familiares.

A equipe de profissionais deve favorecer à criança a adaptação médica e fisiológica, com seus tratamentos invasivos, a adaptação psicológica e existencial à situação traumática. Esta adaptação envolve os sistemas psíquicos complexos, constituídos pelo subsistema de pacientes, familiares, e equipe de saúde. Caso a equipe não tenha dado ao paciente um tratamento de qualidade e humanizado, ela pode ser assolada por sentimentos de fracasso, frustração e impotência.

A equipe, assim como o paciente e seus familiares também enfrenta conflitos ao lidar com a doença e com a morte, podendo estes se caracterizarem por uma identificação com a criança e sua dor, passando por reações de afastamento provocadas por sensação de impotência e angústia decorrentes do sofrimento apresentado pela criança, que praticamente paralisam a equipe . Além disso, a situação de doença e morte pode evocar na equipe a conscientização da possibilidade de isto ocorrer com ela própria, trazendo-lhe fortes emoções.

Assim, o temor da doença e da morte fazem com que os profissionais se foquem na área orgânica do paciente, que lhes ameniza, alivia a angústia decorrente do lidar e do manipular os próprios medos, receios e inseguranças.

É necessário que se tenha uma visão global do paciente, considerando-o em todos os seus aspectos, vendo-o como um ser biopsicossocial e espiritual. Não se pode considerar a doença como um fator isolado dos demais, sem relação com o ser doente, seu ambiente, sua família e vivências experimentadas pela situação de doença.

Segundo Angerami-Camon (op. cit., p.137) as principais dificuldades encontradas pela equipe ao lidar com a criança fora de possibilidades terapêuticas atuais são:

· transmissão do diagnóstico;
· transmissão da necessidade de mutilação cirúrgica;
· lidar diretamente com a criança no sentido de escutá-la e atendê-la;
· lidar com os familiares antes e após o óbito;
· discussão de efeitos colaterais com a criança e a família;
· sentimento de culpa por condutas terapêuticas agressivas e insucessos;
· depressão pelo acúmulo de perdas;
· ansiedade e medo;
· decisão sobre suspender as medidas terapêuticas diante de prognóstico fechado.

Assim, a realização de grupos terapêuticos com a equipe pode ser um excelente instrumento para que esta se coloque e alivie a tensão e o stress causados pelo constante contato com a situação de morte.

A discussão de casos clínicos pode uniformizar o atendimento, promover a elaboração de estratégias de tratamento e condutas mais eficazes, minimizando, desta forma, o sentimento de culpa e impotência nos profissionais que lidam com a criança fora de possibilidades terapêuticas atuais.

Realização de seminários, de cursos de reciclagem e a criação de um espaço de discussão entre os diversos profissionais podem viabilizar alternativas para as dificuldades encontradas na realização do trabalho com o paciente fora de possibilidades terapêuticas atuais.


4.3 A Comunicação entre Paciente e Familiares

Os pacientes fora de possibilidades terapêuticas atuais normalmente sabem que estão seriamente enfermos. Eles têm consciência de que estão ficando progressivamente mais enfermos e que os tratamentos experimentados não estão produzindo resultados satisfatórios. As pessoas a sua volta parecem preocupadas, ansiosas, ou de uma forma distinta da habitual, especialmente animadas e atenciosas.

Eles, percebendo que podem vir a morrer, quando “ousaram” fazer perguntas, receberam respostas evasivas ou incentivos que pareciam falsos, apenas para animá-los. Assim, alternam-se entre se responsabilizarem por serem demasiados pessimistas, e a posição solitária de serem os únicos que sabem a verdade, que compreendem a situação. Desta forma, evitam fazer perguntas por perceberem que estas causam desconforto a quem são direcionadas. Suportam, então, tudo sozinhos, revelando em suas expressões e comportamentos crescente ansiedade.

Falar abertamente com o paciente sobre a doença e permitir que ele expresse os seus sentimentos a respeito do processo de adoecer e morrer poderá ajudá-lo a lidar melhor com todas estas vivências.

Célia (...) sempre foi uma mulher ansiosa e seu histórico apresentava uma depressão periódica, que já tinha sido tratada psiquiatricamente. Por causa disso, seu marido e seu clínico geral concordaram em que seria melhor tentar esconder-lhe o diagnóstico, dentro do possível. Quando ela me contou a sua história, ficou clara a sua frustração, pois não reagia ao tratamento e estava, realmente muito ansiosa. Embora hesitante e muito pesaroso, pois ela era jovem e, recentemente, havia encontrado a felicidade num segundo casamento, eu lhe revelei o diagnóstico. Em resposta às suas perguntas diretas, eu lhe declarei que ela teria, apenas, algumas semanas de vida. Célia respondeu-me que “as coisas agora estavam fazendo sentido” e disse que tinha notado mudanças nas atitudes de seu marido: ele hesitava em fazer planos para o futuro e tinha o sono mais agitado. Achei difícil contar, mas quando me levantei para deixá-la, Célia pegou minha mão e disse sorrindo: “Obrigada, por deixar minha mente descansar. Agora eu sei o que fazer”. No dia seguinte o marido notou uma mudança na sua expressão tão logo ele chegou. ‘Eu já sei’, ela disse, ‘e gostaria que saíssemos para uma pequena férias em nosso lugar favorito, enquanto há tempo’. A dor que a fez baixar ao hospital diminuiu e ela parecia mais forte. Desta maneira, foi mandada para casa, poucos dias mais tarde. Eles viajaram e aproveitaram muito. Logo em seguida, ela precisou ser readmitida, mas melhorou o suficiente para voltar para casa, em outro fim de semana. Repentinamente, seu estado piorou e ela então morreu. (Stedeford, op. cit, p.92)


4.4 A Comunicação entre Equipe e Paciente

O paciente, vendo no médico uma figura representante de saber e autoridade, e esperando que ele e equipe resolvam a sua situação, que salvem-no, mantém assim, uma certa dependência da equipe à qual faz perguntas a fim de saber o que esperam dele e como se comportar para atender às expectativas da mesma. Inúmeras vezes, a equipe “empresta” ao paciente auto-estima e segurança para que ele enfrente as dificuldades advindas da doença e do tratamento; entretanto deve estar atenta para não se tornar paternalista, e ao invés de auxiliá-lo, potencializar os sentimentos de dependência, insegurança, impotência e passividade.

Há aquele paciente que nada questiona e de nada se queixa, pois receia incomodar, temendo decepcioná-los, não corresponder às suas expectativas e frustrar aqueles que estão tentando fazer com que melhore. O paciente que age assim, mitificou a figura do profissional de saúde, e consequentemente, se distanciou dele. Isto acaba prejudicando a relação entre equipe e paciente, e o tratamento pois aquela pode não contar com informações fidedignas por parte dele.

Outro fator que pode prejudicar o relacionamento entre equipe e paciente é o uso, por parte do paciente, do mecanismo de deslocamento. Neste caso, o paciente se torna incômodo para a equipe quando a sua raiva, em razão da iminência da morte, é direcionada aos profissionais de saúde, que podem sofrer acusações (como de negligência) e agressões do paciente. A terapia pode auxiliar o paciente a expressar esta raiva e liberar a tensão e o sofrimento provocados pela doença.

Cabe a equipe compreender que a raiva e as agressões do paciente não são pessoais, refletem a dor e o sofrimento oriundos da doença e tratamento, e adotar uma postura que estimule o paciente a dialogar, colocar-se e participar ativamente do tratamento.

Cabe ainda acrescentar com relação à equipe de saúde, que depende da forma como se relaciona com o paciente, e do grau de respeito e confiabilidade que ela passa, a colaboração daquele que está sob seus cuidados. Desta forma, se a equipe valoriza o que diz o paciente, este se sente compreendido, respeitado e valorizado. Assim, sente-se mais seguro e motivado para falar sobre sua situação atual, seus antecedentes, estabelecendo um bom vínculo com o seu médico e demais profissionais que integram a equipe de saúde.

Quando há uma boa interação entre equipe de saúde, paciente e familiares este vínculo é fonte de amor, aceitação, respeito e compreensão que funcionam como um suporte, um holding, neste momento tão delicado, atuando de forma a facilitar uma postura ativa e de esperança frente a doença, e mesmo de aceitação da morte, caso esta venha a ocorrer.


Capítulo 5

O Pesar

Quando as diversas formas de tratamento tentados não obtiveram êxito e o câncer ocasionou a morte do paciente a família se volta para o trabalho de aceitação da partida do familiar, lamentando a perda, entretanto deixando-o partir e reorganizando a sua vida.

A tristeza neste momento é natural e perfeitamente compreensível, podendo as pessoas superá-las utilizando os seus próprios recursos e com o auxílio de amigos e familiares que neste momento apoiam-se mutuamente.

A perda de um ente querido é uma experiência demasiadamente forte, desconcertante e assustadora, trazendo àqueles que ficaram grande carga emocional. A tristeza pode deixar a pessoa fragilizada. Uma palavra um pouco mais ríspida, e outras situações que seriam bem toleradas podem produzir uma resposta de considerável intensidade emocional.

Estes precisam de alguém que lhes dê apoio para poderem lidar com a situação. Este suporte pode ser feito através da escuta e de uma fala que seja capaz de confortar os parentes e fazê-los compreenderem o que lhes está acontecendo e encararem a morte como algo inevitável e natural.

O terapeuta pode utilizar técnicas de hipnose e relaxamento, fazendo uso da seguinte metáfora - TE DESEJO O SUFICIENTE!!!! - no trabalho com os familiares:

No aeroporto, ouvi por acaso um pai e uma filha em seus últimos momento juntos.

Foi anunciada a partida do avião, e próxima a porta ela disse: -"Papai, nossa vida juntos foi mais do que o suficiente.
Seu amor é tudo o que sempre precisei.
TE DESEJO O SUFICIENTE, também, Papai!"
Beijaram-se despedindo e ela partiu.
Ele andou em direção a janela a qual eu estava sentado.
Ficando onde eu poderia ver que ele queria e precisava chorar.
Tentei não entrar em sua privacidade, mas ele me cumprimentou perguntando: -"Você já disse tchau pra alguém sabendo que seria um adeus?"
-"Sim, eu já," - respondi. Trazendo de volta as memórias que tinha da expressão do meu amor e apreciação por tudo o que meu Pai fez por mim.
Reconhecendo que seus dias eram limitados, eu tomei um tempo para dizer face a face o quanto ele significava pra mim.
Então eu sabia o que aquele homem estava passando.
-"Desculpe minha pergunta, mas por que foi um adeus?"- perguntei.
-"Eu estou velho e ela vive muito longe.
Eu me recuso aceitar, mas a realidade é que sua viagem próxima será para o meu funeral" - disse ele.
-"Quando vocês estavam se despedindo, eu ouvi te ouvi dizer 'TE DESEJO O SUFICIENTE'.
Posso te perguntar o que isto significa?"
Ele começou a rir.
-"É um desejo que vem sido trazido de outras gerações. Meus pais costumavam dizer a todos."
Ele deu uma pausa, olhou para cima como se quisesse lembrar com detalhes. Sorriu ainda mais.
-"Quando dizemos 'TE DESEJO O SUFICIENTE', esperamos que a vida da outra pessoa seja repleta de suficientes coisas boas para sustê-las".
Ele continuou, virando-se para mim e compartilhou as sentenças recitando da memória:
Te desejo sol o suficiente para manter suas atitudes brilhantes;
Te desejo chuva o suficiente para que aprecies mais o sol;
Te desejo alegria o suficiente para manter seu espírito vivo;
Te desejo um pouco de sofrimento para que as pequenas alegrias na vida aparentem ser muito maiores;
Te desejo ganhos e benefícios suficientes para que satisfaça sua espera;
Te desejo perdas para que aprecie tudo o que ganhar;
Te desejo 'Olás' para levá-lo ao 'Tchau'.
Então ele soluçou e se foi.
EU TAMBÉM TE DESEJO O SUFICIENTE!


Inicialmente, logo após a morte de um ente querido, a pessoa enlutada pode experimentar uma sensação de descrença pelo o que aconteceu. Reage como se conformando com o que aconteceu e as pessoas a sua volta percebem a incongruência de seu ato. Ela continua exercendo as suas tarefas rotineiras, como por exemplo ir trabalhar. Entretanto possui uma sensação de que está vivendo um sonho, de que os acontecimentos não são reais. Ocorre que ela se utiliza da dissociação como defesa, como meio de se manter distante da situação traumática, até que tenha reunido forças, meios para lidar com a perda, e possa assimilá-la.

O membro da família, sobre o qual recaem as maiores responsabilidades, aquele que sempre resolve os problemas, que ocupa o papel de sustentação e apoio dos outros familiares, pode adiar a sua tristeza, ou preferir lamentar-se sozinho, já que ele é “quem precisa” dar forças para os outros. Ele pode utilizar–se da racionalização, baseando na idéia de que alguém tinha que ficar calmo, manter o controle, enquanto os outros estavam perturbados. O retardo do pesar pode trazer sérias conseqüências. Ele precisa ser ajudado a compreender que embora se compreenda o desejo de evitar um pesar doloroso, esta é uma resposta natural e necessária ao término de uma relação. É necessário que ele fale dos seus sentimentos, que enfrente a sua dor para que possa aliviá-la. Quando ele não expressa as suas emoções, reprimindo-as, pode ocorrer mais tarde uma doença psicossomática ou outras relacionadas à depressão.

A morte de alguém com a qual se tem um forte vínculo afetivo pode produzir o desejo inconsciente de tentar encontrar aquele que morreu. A pessoa continua indo à sepultura, quarto, e outros locais onde o ente querido poderia ser encontrado, sem êxito. Os constantes desapontamentos pode levar a um sentimento de raiva por ele ter partido, por tê-la privado de sua companhia. A manifestação da raiva pode ser considerado um comportamento infantil, inaceitável. Dessa maneira, a pessoa fica envergonhada e tenta escondê-lo, retendo dentro de si grande tensão emocional.

Esta raiva pode ser dirigida aos profissionais de saúde, acusados de terem sido negligentes, incompetentes, ou de terem feito um diagnóstico tardio, onde a cura já não era mais possível. Pode também ficar irritado com a família e com qualquer um que queira ajudá-lo. Caso as pessoas a sua volta compreendam e não revidem, a raiva vai se dissipando. Caso se afastem, a pessoa poderá sentir-se só, abandonada, desamparada, achando que ninguém se importa com ela e tendo a sua raiva aumentada.

As pessoas religiosas podem ficar com raiva de Deus por Ele ter levado a pessoa amada e perderem a fé. Desta forma, podem se afastar do grupo religioso a que pertencem, onde poderiam receber apoio dos amigos e do líder espiritual. Podem também perder a vontade de orar e sentirem-se desamparadas, abandonadas por Deus, o que contribui para aumentar a ansiedade e a tristeza.

É bastante comum que as pessoas repassem em suas mentes os fatos que antecederam a morte, numa tentativa de compreendê-la. Nesse processo as pessoas pode recordar momentos vividos com o paciente, pensar nas coisas que poderia ter feito a fim de auxiliá-lo, indagarem se fizeram algo que magoou o ente querido e até que ponto são responsáveis pela morte dele, podendo ocorrer sentimentos de culpa, acentuando a tristeza.

A ansiedade aparece como traço característico da tristeza aguda. Faz parte da reação de alarme e perda de um ente querido e é resultado da insegurança que surge quando são rompidos padrões habituais de vida em conseqüência da morte da pessoa querida. Podemos citar como exemplo a situação em que a esposa, pessoa que cuidava dos filhos e estudava junto com eles para as provas, enquanto o marido trabalhava e não participava tão intensamente da educação deles, morre. Ele necessitará reorganizar-se assumindo responsabilidades e atividades que antes não tinha, modificando os seus hábitos.

Caso adotemos o referencial teórico da Terapia Cognitivo Comportamental, ou mais especificamente do comportamentalismo, podemos dizer que um determinado estímulo provoca uma resposta previsível. Caso este marido, ao chegar todos os dias do trabalho fosse recebido por sua esposa com um largo sorriso e um beijo; ele pode ficar confuso, desconcertado, entristecido ao chegar em casa nos primeiros dias após o falecimento e não ter a sua esposa recebendo-o da forma habitual.

Quando esta rotina é quebrada, a pessoa pode sentir um vazio, como se as coisas ficassem sem sentido, ou uma inatividade terrível até que, com o passar do tempo, se estabeleça uma nova rotina. Isto é, em parte resultado do conflito entre dois desejos opostos: de procurar o falecido e o de evitar qualquer coisa que possa trazer a lembrança dele e o sofrimento pela perda. Isto pode causar grande inquietação e a dificuldade de se concentrar e fazer algo produtivo.

Quando ocorre a conscientização da realidade da perda, o enlutado sente muitas saudades, e ocorrem oscilações do humor, ondas de tristeza. Segundo A Stedeford (op.cit., p.147), elas duram de alguns minutos até uma hora e voltam várias vezes ao dia, especialmente em situações com os votos de condolências ou outras que o fazem lembrar a pessoa querida.

As pontadas de pesar são intensas e freqüentes na duas primeiras semanas, e então começam a diminuir. As sensações corporais, devido a superatividade do sistema nervoso autônomo são intensas, podendo a respiração tomar a forma de um suspiro profundo. Perde-se o apetite e as funções intestinais sofrem perturbações pela modificação do peristaltismo, ocorrendo diarréia, quando a ansiedade é muito intensa e constipação quando surge a depressão. Os distúrbios digestivos são bastante comuns e caso o tumor do paciente tenha ocorrido em algum órgão do aparelho digestivo, tendo apresentado os mesmos sintomas, o enlutado pode achar que está com câncer. As hipocondrias passageiras podem ser uma reação normal à perda. Caso sejam persistentes requerem ajuda especializada. Elas podem ser decorrência da situação de se estar sozinho para educar os filhos, em conseqüência da morte da esposa. A preocupação com a saúde decorre da ansiedade em relação a quem assumiria a tarefa se ele adoecesse, ou mesmo, morresse.

A insônia é comum, havendo inquietação e sendo seguida, na fase depressiva, de uma sensação de fadiga muito grande. É importante colocar que caso o paciente tenha sido cuidado em casa e com seus familiares tendo que cuidar dele durante a noite, a vigilância não cessa com a morte, o sono é intermitente, com eles, muitas vezes, acordando sobressaltados, como se o paciente estivesse ali, precisando de cuidados.

A sensação de que o morto está presente pode ocorrer nos primeiros estágios do pesar e serve como uma tentativa de minimizar o impacto da perda. Esta sensação é confortante e a pessoa pode até mesmo falar com o morto e sentir como se soubesse a resposta que o ente querido daria, principalmente se tem a crença de que existe vida após a morte. A pessoa pode ouvir a sua voz, confundir sons com os passos do ente querido, ver a sua imagem no meio da multidão e ficar desapontada ao perceber que a pessoa, na verdade, não está lá. Podem ocorrer alucinações e o enlutado deve ser esclarecido que esta é uma reação normal e não um sinal de que está ficando louco.

A pessoa também pode assumir maneirismos do falecido, certificando-se através da identificação que o ente querido não está perdido completamente. Estes sintomas gradualmente começam a desaparecer, já que o funeral, a necessidade de se dar um destino às posses do falecido e cuidar dos negócios que ficaram inacabados, servem como meio de elaboração do luto. Surge, então a depressão e o desespero que caracterizam o pesar.

Neste período a pessoa pode sentir-se desamparada e apática. Continua a sua rotina, vivendo sem nenhum interesse ou prazer. Pode se afastar das pessoas caso elas façam-na lembrar do falecido. Os dias parecem iguais e o enlutado não consegue ver nenhuma perspectiva de mudança. As tentativas de consolo normalmente não são bem sucedidas e aqueles que lhe são próximos já auxiliam bastante fazendo-lhe companhia, mas sem forçá-la demais até que demonstre os primeiros sinais de recuperação. A partir de então, sentindo-se melhor, pode aceitar um convite para sair, sem ser somente para agradar àquele que convidou. Talvez decida comprar algo novo, ou seja, a vida parece que volta a ter beleza e sentido.

Alguns sentem como se estivessem sendo desleais ao ente que partiu, caso comecem a desfrutar a vida novamente. Outros ficam presos ao pesar e isolam-se. Embora fazendo com que se sintam sós e desamparados, isto os protegem da tensão do ajustamento a um novo papel, que se faz necessária em virtude da morte de um familiar. É preciso coragem para assumir um novo status social e familiar, isto gera insegurança e ansiedade, que desaparecem aos poucos, dando lugar à confiança.

A amizade e o apoio de pessoas que passaram pela mesma situação pode ajudar no processo de recomeçar. Na maioria das vezes, as pessoas enlutadas permanecem sozinhas, pois acreditam que não encontrarão um outro relacionamento que substitua o antigo. Certamente, não encontrarão um que substitua, na medida em que as pessoas são diferentes, assim como as relações que se estabelecem entre elas. Entretanto, nada impede que comecem um novo relacionamento, que possa lhe trazer alegria e satisfação.

Quando a tristeza passa, elas descobrem novos interesses e retornam às atividades que haviam abandonado. A descoberta de que pode sobreviver e mesmo crescer, aprender, com esta experiência, fortifica a autoestima e a autoconfiança. Entretanto, pode haver algumas complicações no luto, que ocasionam o que A Stedeford (op. cit., p.151) classifica de pesar complicado. Ele refere-se a algumas delas:

· Pesar adiado: quando transcorre mais de duas semanas ante que se inicie. Pode ter início anos mais tarde, quando ocorre uma outra perda, cujas reações são intensas. Podemos formular a hipótese de que houve um acúmulo da tensão referente ao luto anterior que se expressa conjuntamente aos sentimentos da nova perda, intensificando-os.

· Pesar inibido: a pessoa parece muito afetada por uma perda bem maior e o pesar típico não aparece. Isto ocorre nas crianças muito pequenas e como conseqüência é possível o aparecimento de doenças psiquiátricas no futuro. Nos idosos, a perda parece não perturbar tanto quanto aqueles com idade inferior a 65 anos. Eles parecem estar menos envolvidos nos relacionamentos e mais retraídos, o que pode ser parte da preparação natural para a morte na velhice.

Algumas pessoas cujo pesar foi inibido ou adiado podem desenvolver meios para evitar as lembranças do morto. Outras, podem desenvolver uma irritabilidade ou hiperatividade. Pode ocorrer o aparecimento de alguns sintomas, sendo a depressão o mais comum. As drogas psicotrópicas, neste caso, não são muito eficazes e o mais indicado é o tratamento do luto, incentivando a pessoa a falar sobre aquele que partiu, trazendo para a terapia as lembranças referentes ao período de convivência que teve com ele, fotografias do morto, rever os acontecimentos que levaram a pessoa à morte. Técnicas de hipnose e relaxamento auxiliam bastante no trabalho com o enlutado.

· Pesar crônico: não podemos determinar um tempo que seria necessário para a superação de uma grande perda, sendo este processo gradual. Embora as pontadas de pesar se tornem menos freqüentes em algumas semanas, elas podem reaparecer com grande força se uma lembrança especial do falecido ocorrer. A data do aniversário do falecido, o primeiro Natal sozinho e outras podem fazer ressurgir a tristeza.

O pesar crônico vai além do tempo esperado e a pessoa apresenta muitos dos traços da perda recente, embora vários anos tenham se passado. Isto pode ser efeito e um processo de co-dependência, onde a vida daquele que encontrava sentido na presença, existência do outro. Uma mãe cuja vida encontrava sentido em cuidar do filho, tende a desenvolver um pesar mais grave, assim como uma esposa com poucos amigos e que tinha em seu companheiro o amigo, o apoio, aquele com quem podia contar. A morte de pais idosos, geralmente é bem tolerada, a não ser que o filho tenha dedicado a sua vida à mãe ou ao pai, estabelecendo com eles forte vínculo afetivo.

A morte de um filho é uma das mais traumáticas, especialmente se ocorrida de forma repentina, como no caso de um acidente. O pesar se torna mais demorado em função da indignação, pois se espera, pela ordem natural das coisas que os filhos morram depois dos pais; e também pelo inesperado da situação. Quando o relacionamento é ambivalente, inseguro, mas com relação muito intensa, pode haver sentimentos de raiva e culpa que adiam o trabalho de elaboração do luto. O pesar prolongado pode ser uma defesa contra outro problema mais difícil de se enfrentar. (Stedeford op. cit., p.154) relata que

“Uma viúva se convenceu de que nunca superaria a morte do marido e nenhum processo conseguimos, através da lamentação dirigida. Ela não queria reconhecer sua ligação intensa e possessiva com seu filho solteiro, que não a deixaria enquanto ela estivesse naquele estado. E as tentativas de confrontá-la com este fato resultaram no seu afastamento da terapia”.

As crianças que perdem um dos pais precisam de cuidados específicos, pois muitas vezes, o cônjuge sobrevivente está tão triste que não consegue dar o apoio necessário à criança. Caso aquele que partiu contribuísse financeiramente, poderá ser necessário transferir-se a criança para uma outra escola, compatível com o novo padrão de vida, afastando-a dos amigos e dos professores com os quais estava familiarizada. Isto representa novas perdas para as criança, o que torna o processo ainda mais traumático.

A perda de um ente querido é uma experiência de mudança e ajustamento, que traz consigo grande sofrimento, mas também serve como fonte de amadurecimento e aprendizado, viabilizando o crescimento interior.

5.1 Os Profissionais de Saúde: O Contato com o Adoecer e a Morte

Os profissionais de saúde estão constantemente em contato com as vivências do adoecer e do morrer. Aqueles que trabalham com pacientes oncológicos têm este contato de forma ainda mais freqüente, pois ainda que os avanços da medicina permitam a sua cura quando descoberto ainda em estágio inicial, alguns tipos de câncer só apresentam sintomas em estágio avançado, e quando é diagnosticado, as chances de cura com o tratamento tornam-se menores, embora possível [3]
O contato com o paciente fora de possibilidades terapêuticas atuais desperta respostas emocionais bem específicas em decorrência da tensão, podendo ocorrer fadiga, irritabilidade e outros problemas. Isto pode acabar afetando a qualidade do trabalho e interferir na vida pessoal e familiar.

Os profissionais de saúde podem acabar utilizando como recursos para lidarem com esta situação, altamente estressora, mecanismos de defesa. Estes, podem ser bastante positivos, auxiliando a suportar a grande carga emocional advinda deste trabalho. Entretanto, podem funcionar de forma negativa, trazendo prejuízos caso sejam usados de maneira exagerada ou inadequada.

Um destes mecanismos é a identificação. O profissional se coloca no lugar do paciente a fim de melhor compreendê-lo e encontrar a melhor forma de lidar, amenizar, solucionar a situação. Entretanto, é importante que ele tenha muito claro a noção de não é o paciente. É extremamente difícil, e poderíamos questionar se possível, saber exatamente como é a outra pessoa, como está se sentindo e o que será o melhor para ela. O profissional pode identificar o paciente com parentes e amigos, passando a cuidar deles como se fosse o seu próprio filho. Isto o torna bem mais sensíveis e atenciosos, mas pode levá-lo a um envolvimento prejudicial. A situação se torna problemática quando o profissional pára de perceber que está fazendo uso da identificação e se vincula de tal forma ao paciente que começa a ficar preocupado e sobrecarregado pela emoção, prejudicando, assim, a sua atuação enquanto profissional e a eficiência de seu trabalho.

Alguns médicos podem mostrar-se reservados e mesmo distantes, temendo o as conseqüências de um envolvimento muito forte, e acabam negando ao paciente algo fundamental ao tratamento: a boa relação médico-paciente. Há pacientes que se queixam da distância destes profissionais, que pode significar para aqueles falta de sensibilidade e/ou desinteresse, prejudicando a comunicação entre eles. Isto é prejudicial na medida em que o paciente se fecha, se cala, ficando cheio de dúvidas em relação ao tratamento e a sua doença. Ele, então pode desenvolver uma série de fantasias em relação ao que acontecerá com ele, aumentando o seu sofrimento.

Alguns médicos agem desta forma para disfarçar a tensão e a ansiedade pelo sofrimento do outro. Eles, ao falarem com o paciente sobre a sua doença, podem fazer uso de defesas como a racionalização (os pacientes não querem saber), intelectualização (falando sobre estatísticas de cura). Às vezes falam rapidamente sobre o diagnóstico e o prognóstico da doença, saindo logo em seguida, utilizando como recurso o mecanismo de fuga.

“Nós cuidamos melhor dos pacientes terminais na medida em que nos permitimos contemplar nossa própria mortalidade, portanto, não precisando fugir da mortalidade dos outros”. (Stedeford, op. cit., p.159).

Outros profissionais também podem valer-se desses recursos. Algumas enfermeiras podem aparentar grande alegria a fim de manterem uma atmosfera alegre na enfermaria. Certamente, o bom humor e a alegria podem em muito auxiliar na recuperação dos pacientes, pois diferentes estados de humor geram diferentes estados fisiológicos, atuando a nível de sistema nervoso central e repercutindo no sistema imunológico. É necessário somente que esta alegria não se torne caricaturada, falsa, a qual não corresponde a realidade dos sentimentos daquela enfermeira, pois os pacientes o perceberão pelo não verbal dela.

O mecanismo da generalização é também utilizado. Médicos e enfermeiros, quando adoecem ficam sob um estado de tensão e ansiedade tão grande que podem se tornar agressivos, ficando sob o rótulo de maus pacientes, principalmente porque se espera que pelo “esclarecimento que têm” devido a trabalharem na área de saúde deveriam se comportar de uma outra forma, cooperando com o tratamento. É exatamente por trabalharem em um ambiente onde as condições físicas do paciente pioram e acabam morrendo em conseqüência da doença, que reagem desta forma. Ocorre que eles generalizam, acreditando que se a maioria dos pacientes morrem, eles também morrerão. Quando ocorre um tumor em algum familiar ou neles próprios, ficam altamente ansiosos e esquecem que nem todos os tumores são câncer; e que nem todos que desenvolvem a doença morrem. A ansiedade resulta de um ambiente em que as experiências de mortes freqüentes levam a uma generalização, achando que eles ou seus parentes morrerão em conseqüência do câncer. O terapeuta, então, trabalha intervindo nessa crença, mostrando que eles são outras pessoas e que as coisas podem ocorrer de forma diferente.

O medo da morte faz parte do instinto de preservação da vida, assim como o afastamento das situações que podem provocar ou lembrar a morte. Quando percebem a possibilidade da morte daquele que ama, pode passar a evitá-lo, para não sofrer. Também temem aumentar o sofrimento do ente querido em decorrência de vê-lo sofrendo “por sua causa”. Querem estar bem para que possam levar algo positivo, dar-lhe uma força neste momento difícil do adoecer e preferem estar distante se estiverem abalados emocionalmente.

A compaixão faz com que cuidem de seus entes queridos apesar de seus medos. E a medida que enfrentam a situação, tornam-se mais capazes de expor-se à sua presença e cuidar deles. A exposição leva a dessensibilização, não no sentido de tornar indiferentes ou insensíveis. Permite, isto sim, suportar, lidar com a situação de forma que possam auxiliar o paciente.

Costumamos encarar a morte como algo remoto e não pensamos na possibilidade de que aconteça conosco ou com nossos familiares. As barreiras defensivas, ao sentirmos a proximidade da morte caem, e os profissionais de saúde ao perderem alguém muito próximo ficam vulneráveis devido ao impacto emocional. Alguns podem encontrar alívio trabalhando; outros precisam se afastar do trabalho, da doença e tristeza dos outros a fim de trabalharem o seu luto. Os membros da equipe tendem a se identificar, reagindo como os familiares, tornando-se ansiosos e/ou desolados. Será necessário algum tempo até que o trabalho se torne menos tenso e as defesas sejam restabelecidas.

A partir de então, eles voltam a se sentir mais tranqüilos, e com recursos para prestar o apoio necessário aos pacientes e familiares que estão sob os seus cuidados. Entre estes recursos estão as técnicas de respiração, relaxamento e visualização, utilizadas no trabalho de hipnose, que pode auxiliar o paciente de forma considerável e produzindo efeitos eficazes a curto prazo.

6 A Hipnose como Tratamento e Melhoria da Qualidade de Vida dos Pacientes Oncológicos.

6.1 A Hipnose no Tratamento do Câncer

Segundo V. Holland [1999 apud Angerami-Calmon, V A (org), 2000, p.48], até o início do século XX, o diagnóstico de câncer era uma sentença de morte e levava o doente à estigmatização, ao isolamento e à humilhação. Os tumores provocavam dores, deformações e secreções malcheirosas, existindo entre as pessoas o medo do contágio.

O câncer de mama, útero e próstata eram comparados com os efeitos da doenças sexualmente transmissíveis, provocando sentimento de vergonha e de culpa, além do sofrimento causado pela própria doença. “O medo, a destruição física, a auto-imagem danificada, a perda da função sexual e tantos outros aspectos negativos levavam a uma desestruturação da personalidade”.(ibid)

No início do século, a anestesia possibilitou as cirurgias de remoção de tumores, possibilitando um prognóstico mais favorável, e até mesmo de cura da doença, caso o câncer estivesse no início e não houvesse ocorrido metástase. A partir de então, iniciaram-se as campanhas públicas como hoje ocorrem no caso do câncer de mama e de útero, incentivando-se a ida ao ginecologista, o exame de papanicolau e o auto-exame das mamas. Assim, tem-se como objetivo a detecção precoce do câncer, possibilitando a cura da doença cujas chances se tornam bem maiores se diagnosticada no início.

Atualmente, o avanço da medicina, que inclui procedimentos como a radioterapia, a quimioterapia, a hormonoterapia, a imunoterapia e outros; mudou o significado, as crenças e as representações contidas na palavra câncer, que passa a ser considerado como uma anormalidade nas divisões celulares, cuja etiologia é multifatorial: predisposição genética, exposição a fatores ambientais de risco, emocionais e etc.

Atualmente, tem-se uma concepção que difere do dualismo cartesiano, que separava corpo e mente como unidades distintas e sem inter-relação. Hoje, tende-se a uma visão mais global do homem, que envolva os diverso aspectos sob quais este possa ser considerado, tendo-se como concepção de homem, a de um ser biopsicossocioespiritual-ecológico, ocupando-se a dimensão ecológica da relação do homem com a natureza.

No decorrer dos anos sessenta, estudos de biofeedback mostraram que as pessoas podem exercer uma influência sobre os seus corpos através da mente. Elas poderiam controlar os batimentos cardíacos, pressão arterial, temperatura corporal, atividades das glândulas sudoríparas, e outras que eram consideradas como estando “sob o controle involuntário do sistema nervoso autônomo” (SIMONTON, O Carl, MATTHEWS-SIMONTON, Stephanie, CREIGHTON, James L, 1987, p.37).

As diferentes pesquisas realizadas neste campo nos mostraram que toda mudança a nível fisiológico é acompanhada de uma mudança a nível emocional; sendo o inverso verdadeiro, ou seja, toda mudança a nível emocional, é acompanhada por uma mudança a nível fisiológico. Assim sendo, considera-se que mente, corpo e emoções formam um sistema; e ao alterarmos, afetarmos um, estaremos consequentemente afetando os outros dois. Assim sendo, podemos amenizar e mesmo reverter a condição patológica de um paciente, melhorando sua qualidade de vida, usando a mente como aliada neste processo. Para tal, uma atitude positiva do paciente em relação ao tratamento auxilia bastante e é “um indicador mais seguro da reação que o paciente teria do que a gravidade da doença” (Simonton, Carl et al., op.cit., p.78).

Fatores como depressão, stress e sentimento de solidão ente outros, podem desencadear doenças como gastrites, úlceras pépticas, e tem sido relacionados ao câncer. Podemos explicar este processo através do sistema límbico. O sistema límbico, também conhecido como cérebro-espinhal, é necessário às atividades de preservação do organismo, e responsável pelo registro das tensões, sensações, sentimentos e seus efeitos em nosso organismo. Ele influencia o corpo principalmente através do hipotálamo. As mensagens enviadas pelo sistema límbico ao hipotálamo se traduzem de duas formas importantes: a parte do hipotálamo mais suscetível ao stress emocional participa do controle do sistema imunológico. Além disto, o hipotálamo tem uma função importante na regulação da glândula pituitária (ou hipófise), a qual regula o restante do sistema endócrino.

O stress emocional, mediado através do sistema límbico pelo hipotálamo, produz uma supressão do sistema imunológico, deixando o corpo suscetível ao aparecimento do câncer, já que ele tem como função a defesa do organismo e a destruição de células atípicas (cancerosas). Há também indícios de que o hipotálamo, ao reagir à tensão, faz disparar a glândula pituitária de tal maneira que o equilíbrio emocional (regulado pelo sistema endócrino) e hormonal do corpo é afetado.

Este desequilíbrio hormonal pode resultar em uma produção aumentada das células anormais e uma diminuição da capacidade do sistema imunológico combatê-las. Como conseqüência, pode haver um desenvolvimento de células anormais do corpo. Acrescente-se que ficou demonstrado que um desequilíbrio dos hormônios da adrenalina cria uma maior suscetibilidade às substâncias cancerígenas. Como conseqüência destas alterações fisiológicas, as condições para o desenvolvimento do câncer estão formadas, pois com a imunossupressão, ocorre um aumento na produção das células atípicas (anormais).

Para reverter este quadro, é necessário auxiliar os pacientes oncológicos a fortalecerem a crença de que o tratamento é eficaz e que seu sistema imunológico é poderoso, podendo atuar de forma a regredir a lesão, o tumor que surgiu em seu corpo. É também importante que os auxiliemos no sentido de lidarem melhor com as situações geradoras de stress, intervindo na sua auto-imagem, a fim de que acreditem serem capazes de resolverem da melhor forma os problemas; e na percepção que fazem destes problemas, ou seja, ressignificando as situações, dando a elas conotações positivas. Desta forma, geram-se sentimentos de esperança e expectativa, onde anteriormente havia falta de esperança, desespero.

Uma vez que estes sentimentos sejam registrados no sistema límbico, as mensagens enviadas ao hipotálamo, refletem o sistema emocional alterado - uma maior vontade de viver. Assim, o hipotálamo reverte a imunossupressão, a fim de que as defesas do organismo sejam mobilizadas contra as células anormais. A glândula pituitária, ao receber as mensagens do hipotálamo, envia mensagens para o resto do sistema endócrino a fim de restabelecer o equilíbrio emocional. Com o restabelecimento do equilíbrio hormonal, o corpo pára de produzir grandes quantidades de células anormais, ficando, assim, um número menor para que o tratamento ou o sistema imunológico se encarregue delas. Ocorre, desta maneira, a regressão do câncer através da intervenção a nível mental. (Simonton, Carl et al., op.cit., p.89 -92)

Relaxando e Visualizando a Cura

O relaxamento reduz os efeitos corporais do stress e das tensões sofridas pelo paciente . Aprendendo a relaxar e a utilizar a sua mente e o seu corpo, já que estes não podem ser desassociados, no processo de recuperação e melhoria da qualidade de vida, o paciente se beneficia e aprende a usar os seus potenciais, os recursos internos que possui, como aliado na luta contra o câncer; além de reduzir o ciclo de medo provocado pela doença. O processo de visualização consiste inicialmente em um período de relaxamento, após o qual o paciente cria mentalmente uma imagem do objetivo ou resultado desejado.

As técnicas de relaxamento envolvem alguns procedimentos como:
· escolha de um local tranqüilo (embora algumas pessoas, dependendo da necessidade e de suas habilidades, consigam fazê-lo por exemplo viajando no banco do metrô);
· procurar uma posição em que se sinta confortável;
· relaxamento muscular progressivo, e/ou trabalho de respiração (diafragmática - ao se expirar pode-se dizer: relaxe) e/ou sugestões de relaxamento;
· visualização

O processo de indução hipnótica deve levar em consideração as características particulares de cada indivíduo e se esta pessoa tem mais desenvolvido o canal visual, cinestésico, auditivo, olfativo, ou gustativo. Assim, se uma pessoa tem uma dificuldade de visualizar, tendo mais desenvolvido o canal auditivo, ao invés de imagens, o terapeuta deverá utilizar sugestões que envolvam palavras. Isto é, ao invés de pedir que o paciente visualize os glóbulos brancos destruindo a lesão; deve-se simplesmente dizer que seu sistema imunológico é eficiente e os glóbulos brancos estão destruindo a lesão, agindo para o restabelecimento da sua saúde. Caso a pessoa seja cinestésica (canal tátil mais desenvolvido - sensações) ao invés de se ver bem, ela terá uma sensação de energia, de saúde, de bem estar.

Devemos também levar em consideração, neste processo de indução, que as imagens e/ou sugestões devem ter as seguintes características:
· As células cancerosas são fracas e confusas;
· O tratamento é forte e poderoso;
· As células saudáveis não têm dificuldade em consertar um ou outro estrago provocado pelo tratamento;
· O exército de glóbulos brancos é vasto e supera o das células cancerosas;
· Os glóbulos brancos são agressivos, desejosos de lutar, rápidos na procura e destruição das células cancerosas;
· As células cancerosas mortas são expulsas de forma natural e normal do corpo;
· No final do processo de visualização, você está saudável e livre do câncer;
· Você vê os objetivos que estabeleceu para si mesmo, realizando os seus propósitos;
(Simonton, Carl et al., op.cit.; 136,137)

Segundo G. Epstein, em seu livro Imagens que Curam (1989, p.34), “A chave para o processo do trabalho com imagens, encontra-se nas conexões entre emoções, sensações e imagens”. O autor considera a emoção como “uma reação nossa aos estímulos” e que pode tomar a forma de sentimentos ou de uma ação física, ou seja, pode assumir a forma internalizada do sentimento ou externalizada da ação ou reação. (Epstein, op. cit. p.35)

O autor refere ainda que as emoções podem tomar a forma de uma imagem. Caso perguntemos com o que nossa alegria ou nossa raiva se parece, daremos a ela a forma, a qual será o correspondente visual de nossos sentimentos. A imagem seria a expressão mental de nosso sentimento. E acrescenta que assim como os sentimentos possuem uma expressão física (sensação); as imagens também produzem sensações físicas a elas associadas. Tomemos como exemplo, para uma melhor compreensão, o peso no peito provocado pela depressão. Assim, trabalhando com imagens, e modificando-as, é possível mudar sensações ou emoções (ibid).

Quando ao paciente é ensinado o exercício de visualização, e ele passa a fazê-lo, são mobilizados dentre dele recursos, que lhe permitirão curar-se, potencializando os efeitos do tratamento médico. O trabalho com imagens incentiva a criatividade, a independência e autonomia do paciente. Vale aqui ressaltarmos um trecho do livro supracitado a fim de melhor esclarecer o que foi escrito: “Eu não curo os meus pacientes; somente eles podem se curar. Eu ensino os exercícios com imagens, dando-lhes assim os instrumentos que os ajudam a cuidar de si mesmos. Daí para frente cabe a cada cliente criar seu próprio remédio no próprio ato de administrá-lo” (Epstein, op. cit., p.37).

G. Epstein, no relaxamento que se faz anteriormente à visualização, prefere a técnica de se enfatizar a expiração, ao invés da inspiração; pois isso estimula o nervo vago, principal nervo para a tranqüilização do corpo e que envia ramificações para os pulmões, coração e trato intestinal. Na expiração intensificada, o vago atua de forma a baixar a pressão arterial, diminuir ritmo do pulso e do coração, das contrações musculares do trato intestinal e da freqüência respiratória, produzindo assim o relaxamento necessário ao processo de visualização.

6.2.2 A Hipnose no Controle da Dor

No mecanismo da dor, podem estar relacionados fatores de ordem psíquica e/ou física. No caso de uma dor no pescoço, ocasionada por uma tensão emocional, há uma contratura do músculo trapézio, o que provoca a dor. Outro aspecto a ser destacado é a subjetividade da dor. Pacientes com praticamente o mesmo tipo de câncer, e com o mesmo estágio de desenvolvimento da doença, possuem particularidades quanto à evolução do quadro e na intensidade da dor que os acometem. Isto envolve aspectos muitos particulares em relação ao qual diferentes limiares de suportabilidade à dor são apresentados por cada paciente. O que para um é uma dor imensa, para outro pode ser razoavelmente suportável. Isto pode ser de certa forma explicado pela parcial capacidade de o encéfalo controlar o grau de entrada de sinais de dor no sistema nervoso, pela ativação de um sistema de controle e dor chamado de sistema de analgesia. Entretanto, devemos também considerar os aspectos psicológicos da dor, como por exemplo o que ela está representando para aquele paciente. A dor é um dos sintomas mais freqüentes apresentados pelos pacientes oncológicos, podendo significar para eles, quando ela começa a se apresentar, um sinal de que estão piorando. Caso o tratamento venha obtendo sucesso e as dores estejam controladas, se retornarem, podem significar para o paciente sinal de recaída, de uma possível metástase; e morte. Além disto, a dor produz um grande desconforto e pode gerar como conseqüência irritação, raiva e depressão entre outros sintomas.

Um outro aspecto psicológico que pode ocorrer influenciando a dor é o ganho secundário, ou seja, ganho de mais atenção, de mais carinho, e ter as suas vontades satisfeitas por aqueles que o cercam. O paciente, desta forma, “mantém a dor” pois no balanço de custos e benefícios, no entender do paciente, este último pesa mais. Pode ocorrer também de o paciente substituir a dor emocional, pela dor física, já que esta, geralmente, é mais fácil de suportar.

Torna-se, portanto, de grande importância que o paciente examine a causa da dor e as possíveis recompensas que ele pode estar recebendo. Este auto exame pode conter as seguintes perguntas:
· Porque preciso desta dor?;
· Qual é o propósito dela?
· O que ela me permite fazer ou não fazer?
· O que estou ganhando com ela?
(Simonton, op. cit., p.184)

Percebemos então, como é complexo e interdependente o sistema mente, corpo e emoções, ao tentarmos compreender o mecanismo que origina a dor, sendo sua etiologia ainda pouco compreendida.


Controlando a Dor

A dor está freqüentemente associada à tensão e ao medo. Muitos pacientes sentem uma redução da dor ao iniciarem o processo de relaxamento e visualização. Isto ocorre porque o relaxamento reduz a tensão muscular; e a visualização gera no paciente expectativas de que possa vir a melhorar. Desta maneira, com a tensão e o medo reduzidos, há uma conseqüente diminuição da dor.

Entre as diversas técnicas utilizadas no controle da dor podemos destacar:
· Relaxamento Muscular Progressivo: O paciente relaxa cada parte de seu corpo, diminuindo a tensão e a dor;
· Repartir a dor: o paciente divide a dor em frações pequenas entre outras partes de seu corpo, diminuindo sua intensidade;
· Anestesia de luva: o paciente percebe sua mão anestesiada e a leva ao local da dor, anestesiando-o;
· Distração: o paciente foca a sua atenção em outro ponto que não a dor, ficando esta fora de sua percepção
· Deslocamento da dor: o paciente imagina sua dor indo para um outro local, reduzindo a sua intensidade

Alguns Exemplos de Indução

Feche os seus olhos ... procure uma posição confortável ... bem confortável ... enquanto você escuta o som de minha voz ... os sons deste ambiente ... você vai relaxando ... relaxando cada vez mais .... sentindo-se bem ... saudável ... tranqüila ... e confiante... relaxe ... relaxe seus pés ... deixe seus pés soltos ... bem relaxados .... relaxe suas pernas ... as coxas ... procure relaxar ... muito bem ... relaxe os quadris ... a barriga ... relaxando cada parte do seu corpo ... relaxe também o tórax ... muito bem ... relaxe ... os ombros ... os braços ... isso ...muito ... bem ... relaxe ... relaxe o pescoço ... sinta uma agradável sensação de conforto e bem estar ... relaxe o queixo ... a boca ... o rosto ... os olhos ... deixando cada parte do seu corpo bem relaxada ... e agora ... neste momento ... talvez você possa visualizar o câncer .... pense nele como composto de células fracas ... e confusas ... imagine o remédio (quimioterapia ou radioterapia) atacando as células cancerosas ... as célula normais são inteligentes e fortes ... e sobrevivem ... as células fracas ... são expulsas do corpo ... imagine também ... os glóbulos brancos ... atuando no local onde se encontra o câncer ... reconhecendo as células anormais e destruindo-as ... eles vencem a batalha ... continue a visualizar o câncer ... diminuindo .... diminuindo .... desaparecendo por completo ... sinta-se bem ... disposta ... confortável... sinta no seu (a região que estiver doendo) uma agradável sensação de formigamento ... de anestesia ... sim ... ele está completamente anestesiado... e então .... você é envolvida por uma agradável sensação de paz... de bem estar ... e felicidade ... muito bem ... e agora ... neste momento ... quando eu contar de um até cinco ... você poderá abrir os seus olhos... um ... retornando ... dois ... sentindo-se bem .... três ... segura ... quatro ... confiante ... cinco ... pode abrir os seus olhos

A Cura Egípcia

Feche os seus olhos, expire três vezes. Imagine-se de pé no meio de um campo vasto e aberto, recoberto de grama verde. Veja a si mesmo espreguiçar-se em direção ao sol dourado e brilhante em um céu azul sem nuvens. Veja seus braços tornarem-se bem longos, estendendo-se com as palmas voltadas para cima, para o sol. Os raios do sol penetram pelas palmas e circulam por elas e pelos dedos, e saem através das pontas dos dedos, de forma que há um raio saindo de cada dedo. Se você for destro visualize, no fim de cada raio dos dedos de sua mão direita, uma pequena mão completa e, no final de cada raio de sua mão esquerda, visualize um olho. Se você for canhoto, visualize as mãos à sua esquerda e os olhos à sua direita.
Agora, volte estas mãos e olhos para o seu corpo e use os olhos para ver o caminho através do seu corpo, jogando luz na área que você estiver investigando, de modo que possa ver o que está fazendo. Nas pequenas mãos você pode usar uma escova de cerdas douradas para limpar, tubos de raio laser para curar, bisturis dourados para operar, latas de ungüentos dourados e azuis para curar e também fios dourados para costurar. Quando tiver terminado o trabalho, saia do seu corpo pelo mesmo caminho por onde entrou. Todo lixo que foi retirado pelas mãozinhas deve ser jogado para trás de suas costas. Mantenha suas mãos voltadas para o sol e deixe as mãozinhas e os olhos se recolherem para dentro de suas palmas, de modo a ficarem ali guardados para um uso posterior. Então abra os olhos. (Epstein, op. cit., p.51)

Técnica para se Comunicar com o Sintoma

Feche os olhos e respire profundamente, relaxe o seu corpo por completo, deixando-o solto e frouxo.

Entre em contato com o sintoma, perceba-o no seu corpo, dê uma voz para o seu sintoma.

Questione:

O que ele quer lhe dizer?
O que ele quer lhe mostrar?
Quais são os ganhos secundários
O que você ganha ao apresentar estes sintomas?
(Clystine Abram, apostila 5ª aula IBHA,1993 )


7 Conclusão

As várias técnicas que foram apresentadas neste trabalho em muito podem auxiliar o trabalho do terapeuta com os pacientes fora de possibilidades terapêuticas atuais, e também a outros clientes que buscam a terapia trazendo outros tipos de questões e demandas.

Considerando-se o uso de metáforas, este recurso vem sendo utilizado em várias escolas de psicoterapia, pois a metáfora é considerada a forma de linguagem mais próxima do inconsciente.

Revendo os escritos de Freud, encontramos a seguinte frase: “pensar por imagens é... somente uma forma incompleta de se tornar consciente. De algum modo, também, está mais perto do processo inconsciente do que pensar por palavras...” (Freud, 1923, p. 14).

Com a metáfora, há uma integração entre os dois níveis de linguagem: consciente e inconsciente. Com a metáfora também há uma integração da imagem (processo primário) e da palavra (processo secundário).

A metáfora expressa a linguagem peculiar de cada indivíduo, expressando seus afetos e relações objetais. Aparece quando as palavras não conseguem traduzir de forma precisa a experiência. Expressões como o mundo desabou sobre mim são metafóricas.

As metáforas podem ser utilizadas para ressignificar, conotando positivamente uma situação, que para o cliente era exclusivamente dotada de aspectos negativos, fazendo-o percebê-la de uma forma mais positiva e menos traumática.

Quando o terapeuta intervém ressignificando uma situação, ocorre uma reestruturação das crenças da pessoa a respeito da mesma. Isto fará com que ocorram mudanças em seu comportamento.

Quando o paciente traz como crença que o câncer é uma doença incurável e que nada, nenhum tratamento pode ajudá-lo, ao contrário só poderá lhe trazer mais sofrimento, já que é bastante incômodo a quimioterapia e cirurgias para retiradas de órgãos; poderá optar por não fazer o tratamento e deixar a doença seguir o seu curso.

Caso o terapeuta reestruture estas crenças e a pessoa passe a encarar o câncer como uma doença grave, que exige cuidados, mas que tem tratamento e mesmo chances de cura, o paciente poderá aderir ao tratamento e ser auxiliado.

Para ilustrar como as crenças que envolvem a situação e a interpretação que lhe é dada, interferem no comportamento segue a seguinte metáfora:

Uma pessoa observava a construção de uma casa.
Olhava os operários trabalhando, carregando carrinhos de pedra, areia e cimento.
Em um determinado momento, resolveu conversar com dois daqueles operários.
Perguntou ao primeiro:
- O que você está fazendo?
- Estou carregando pedras, não está vendo?! Está muito pesado este carrinho, estou cansado, suado, que droga, não agüento mais este trabalho!!!
Esta pessoa, então, resolveu fazer a mesma pergunta a um outro operário que fazia a mesma coisa. Ele abre um belo sorriso e lhe dá a seguinte resposta:
- Está vendo aquela casa ali? Veja como está ficando bonita! Estou construindo uma linda casa!

Isto nos mostra a importância da ressignificação e da conotação positiva, pois a diferença de estados emocionais entre os dois operários apresentada nesta metáfora, era resultado do modo como cada um interpretava a situação em que estavam.

A metáfora também pode ser usada em terapia familiar, simbolizando a sua realidade. O terapeuta utiliza-a no sentido de apontar esta realidade e ressignificá-la, sugerindo a mudança.

Milton Erickson, usava a metáfora de forma indireta, semelhante a questão apresentada pelo cliente e com uma possível solução para a mesma; fazendo com que ele utilizasse os seus próprios recursos e resolvesse o problema. A metamensagem da metáfora - uma mensagem sutilmente embutida dentro da narrativa - passa diretamente ao inconsciente, sendo mais eficaz.

Erickson também utilizava a metáfora sob transe hipnótico, o que diminuía a atenção consciente e conseqüentemente a censura, sendo as mensagens dirigidas à mente inconsciente, sendo o seu efeito mais intenso e duradouro.

A hipnose, incluindo o trabalho de visualizações criativas tem se mostrado uma técnica bastante eficaz, produzindo resultados em um tempo muito menor do que quando são utilizados outros tipos de intervenções. Certamente, o trabalho terapêutico não se resume ao uso da hipnose, esta é mais uma técnica que vem mostrando grande potencial para o tratamento tanto de distúrbios emocionais quanto orgânicos [4], inclusive o câncer.

O trabalho com imagens mentais é capaz de estimular o nosso corpo físico, curando diversos distúrbios. Quando nos voltamos para dentro, criamos uma imagem capaz de estimular o nosso corpo físico, sendo o sucesso do trabalho proporcional a nossa capacidade de desligar os nossos sentidos do mundo exterior e voltá-los para o interior.

Um outro recurso que pode ser utilizado pelo terapeuta é o trabalho com técnicas de respiração. A respiração mais adequada é aquela em que a expiração é mais lenta e mais longa que a inspiração, pois isso estimula o sistema nervoso parassimpático e o nervo vago, o qual é o principal nervo para a tranqüilização do corpo. Isto produz reações fisiológicas no organismo, como por exemplo, o fortalecimento do sistema imunológico, fundamental para a manutenção da saúde e restabelecimento do organismo, que em pacientes oncológicos está debilitado.

O uso de técnicas de relaxamento (hipnose, respiração e shiatsu entre outras) em muito contribuirá para o paciente, pois o estresse produz reações fisiológicas bem nocivas ao organismo.

O sistema límbico, centro de nossas emoções, regula a atividade hipotalamica, que por sua vez atua sobre a hipófise que regula o sistema endócrino. O stress emocional produz uma supressão do sistema imunológico, deixando o corpo suscetível ao aparecimento de várias doenças, entre elas o câncer.

O desequilíbrio hormonal pode resultar em uma produção aumentada das células anormais e uma diminuição da capacidade do sistema imunológico combatê-las. Como conseqüência, pode haver um desenvolvimento de células anormais do corpo.

Assim, o apoio psicoterápico dentro de uma abordagem estratégica, através do uso da hipnose, técnicas de relaxamento, metáforas, e ressignificações, modifica o estado emocional do paciente e reflete em seu organismo. Uma vez que estes sentimentos sejam trabalhados e o paciente esteja bem emocionalmente, isto será registrado no sistema límbico. Desta forma, o hipotálamo reverte a imunossupressão. A glândula pituitária, ao receber as mensagens do hipotálamo, envia mensagens para o resto do sistema endócrino a fim de restabelecer o equilíbrio emocional. Assim, o equilíbrio orgânico também será restabelecido, o que auxiliará no tratamento do câncer.

Estudos envolvendo a relação entre estresse e câncer, e mais especificamente a psiconeuroimunologia, mostram que os hormônios catecolaminas (adrenalina e noradrenalina), os corticóides (cortisol e aldosterona) e outros, são responsáveis pela imunossupressão, atuando sobre o sistema neuroendócrino, principalmente timo e supra-renal. Os hormônios do estresse ativarão todas as glândulas do organismo e não só a supra-renal. São também secretados os pré-hormônios do estresse pelos núcleos hipotalâmicos.

O sistema imunológico está ligado intimamente ao sistema nervoso, não se podendo mais referir-se a um sem fazê-lo também ao outro. Desta forma, atualmente a terminologia mais adequada é sistema neuroimunológico. Esther Sternberg e Phillip Gold (1997, p.10 apud Angerami-Camon op. cit.) chamam de “cross communication” o fenômeno de uma estimulação do sistema nervoso, ativar também o sistema imunológico, sendo o inverso verdadeiro.

Uma descoberta interessante da neurociência e que revolucionou a concepção de sistema nervoso e imunológico é que as células imunológicas produzem neurotransmissores e que neurônios produzem neuroimunopeptídeos. Assim, através dos neuropeptídeos, estes sistemas estabelecem comunicação entre si.

Os hormônios produzidos pela supra-renal, como os glicocorticoides, atuam sobre os linfócitos T e B, provocando uma redução na produção de anticorpos e inibição das atividades das células natural-killers, diminuindo a produção de substâncias citotóxicas, indispensáveis ao combate de vírus, fungos, bactérias e células tumorais.

Assim sendo, a psicoterapia estratégica, fazendo uso de diferentes referenciais teóricos, possibilitando ao terapeuta diversas formas de intervenção junto ao cliente como o trabalho com a hipnose e demais técnicas descritas nesta monografia, vem contribuir para reverter o quadro psicoorgânico do câncer e outras patologias, auxiliando consideravelmente o trabalho com pacientes fora de possibilidades terapêuticas atuais, no sentido de utilizar todo o potencial que a mente tem como recurso para o bem-estar biopsicossocial e espiritual do homem, aumentando em muito a sua qualidade de vida.



8 REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

ABRAM, C. APOSTILA IBHA 5ª AULA, RIO DE JANEIRO, 1993

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[1] A melatonina, hormônio ligado ao sono, é melhor produzida pelo organismo no escuro.

[2] O processo de elaboração do luto na criança ocorre de forma semelhante a do adulto.

[3] Há relatos de pessoas que estavam com metástase e responderam ao tratamento (quimioterapia, radioterapia, cirurgia), ficando muito bem.

[4] A separação entre emocional e orgânico é simplesmente didática, para melhor distinção entre os dois aspectos. Ressalte-se que mente e corpo estão intimamente interligados, influenciando-se mutuamente. Assim, não há distinção, separação entre um e outro.