ARTIGO


O trabalho de grupo como facilitador para o tratamento de pessoas com sintomas relacionados ao processo de estresse.

Carmen Valeria de Sousa Martins

Monografia apresentada por exigência do Curso de Especialização em Gestalt-Terapia com Ênfase em Terapia Familiar, ao IGT – Instituto De Gestalt-Terapia e Atendimento Familiar.


“Não importa onde você parou, em que
momento da vida você cansou. O que
importa é que sempre é possível
“recomeçar”. Recomeçar é dar uma
nova chance a si mesmo. É renovar
as esperanças da vida e o mais
importante, acreditar em você
de novo...”.

(Carlos Drummond de Andrade)


RESUMO

Este trabalho descreve a experiência da condução de dois grupos distintos, sendo um terapêutico e o outro dentro de um projeto social. Propõe ratificar nossa teoria, refletindo sobre o trabalho em grupo como facilitador na redução do nível de estresse que cerca o Ser humano, contribuindo assim, a uma melhor qualidade de vida. Com isso, estimula-se a crença no trabalho em grupo como instrumento de contato, relação, onde são possibilitados troca e crescimento, enfim, um espaço onde o indivíduo experiencia a habilidade de se relacionar, restaurando o sentido de sua vida. À medida que o resultado de nossas ações sugere a forma como nos relacionamos com o mundo, se não for de forma harmoniosa, possibilita a ocorrência de um desequilíbrio tanto físico, quanto psíquico. Assim, o trabalho em grupo permite uma troca muita rica de experiências, rompendo com cristalizações que o indivíduo vai construindo ao longo de sua existência.


ABSTRACT

This work describes the experience of the conduction of two different groups: a therapeutic one, and one inside a social project. It proposes to ratify our theory, considering the work group as a facility to reduce the stress level that surrounds the human being, which contributes to improve the quality of life. So, it stimulates the belief on the work group as an instrument of contact and relationship, where changes and growth are permitted; in short, a space where the individual experience the ability of getting connect, reviving the meaning of life. While the results of our actions suggest the way we relate with the world, if it’s not in a harmonious way, it makes possible to occur a physical disequilibria, as much as a psychic one. Therefore, the work group allows a change that is very rich in experiences, breaking with stagnations that the individual build along his existence.



INTRODUÇÃO

Estamos vivendo um momento de crise mundial e individual onde há necessidade do Ser humano se atualizar constantemente, atender às exigências internas e externas, o que impera adaptar-se para não viver no caos. A maioria das pessoas acumula tarefas, vive angustiada num emprego que não gosta e nem sabe por quanto tempo será capaz de manter, é exigida pelo progresso avassalador, ficando presa aos avanços da tecnologia, não reserva tempo para relaxar, além das tensões diárias como conseqüência da violência, o que acaba decorrendo em questões nem sempre agradáveis quando não recarrega a energia dispendida. A partir desse estilo de vida, acaba se deparando com o processo de estresse. Às vezes, passa pela vida sem perceber a si própria, afastando-se cada vez mais do outro e com isso, não conseguindo viver de uma forma mais plena.

Neste trabalho relataremos a experiência de unir pessoas com propostas e queixas diversificadas, em grupos distintos, para se trabalhar um mesmo objetivo: através da interação, do contato, se criar um ambiente propício à diminuição do nível de estresse, o que será melhor desenvolvido no capítulo II (Estresse). Este trabalho visa fazer uma pesquisa qualitativa, baseando-se em dois grupos, sendo um terapêutico (em co-terapia_) e o outro na área de educação no Projeto Primeiro Emprego. Tem como hipótese a contribuição do trabalho em grupo vir a facilitar o tratamento de pessoas com sintomas relacionados ao processo de estresse, no sentido de diminuir esses sintomas ou mesmo transformá-los. Será utilizado como embasamento desta pesquisa, a visão da gestalt-terapia.

No grupo terapêutico foram observados alguns sintomas de desajustes, como crises de ansiedade, movimentos depressivos, alterações de sono e de humor, além de pensamentos persecutórios. No grupo escolar, algumas características foram relacionadas à apatia, cansaço recorrente, ansiedade, crises depressivas, dificuldade no relacionamento interpessoal e na construção de valores morais.

O interesse pelo tema surgiu do encanto e da mobilização profissional pelo trabalho com grupos, além da crença na contribuição deste como um facilitador para questões diversificadas.

A oportunidade do trabalho em co-terapia no grupo terapêutico se deu pelo prazer da companhia, por acreditar na união profissional, na possibilidade de experienciar novos caminhos com outro olhar, além de entender melhor as relações entre o indivíduo e seu contexto em uma visão mais abrangente, de complementaridade com a co-terapia.

No capítulo I abordaremos o tema grupo com sua diversidade de significados e propostas. O capítulo II definirá o termo estresse em sua abrangência, com suas conseqüências positivas e negativas, discriminará as fases do processo de estresse, a necessidade de adaptação às exigências da vida, além de formas do indivíduo se reequilibrar. No capítulo III será relatado o percurso da experiência prática dentro da proposta de trabalho em grupo, com o objetivo de confirmação da hipótese desta modalidade de trabalho.


Grupo

O ser humano vive em grupo desde que nasce, nas suas relações familiares, de trabalho, de amigos e aprende a desempenhar papéis ligados à vida em grupo nas diversas situações pelas quais passa. Estas situações, muitas vezes, exigem atitudes que não condizem com suas próprias características, levando a um comportamento que acaba por modificar as relações e ressoando em intensidades diferentes na estrutura do mesmo. Segundo Kurt Levin, “o comportamento é uma função do campo_ do qual o indivíduo é parte e não depende do passado e nem do futuro, mas do campo presente”. Para Jorge Ponciano (1994, pág 9), “O universo é um grande grupo, cujas partes contêm a magia própria da individualidade e cujo mistério é também a força propulsora para a unidade buscada do cotidiano de cada um”. Como a Gestalt-terapia_ trabalha com o fenômeno, com o presente, cada sujeito no grupo se coloca a partir de seu referencial interno, de sua história, dando possibilidade a vários olhares por parte dos membros desse grupo, contribuindo para que possa perceber seu próprio sentido de vida.

Existem diversos tipos de grupos a serem definidos, porém, em um significado geral, é a reunião de dois ou mais indivíduos em prol de objetivos comuns. Cada grupo possui uma dinâmica interna que surge como resultado da interação e transformação das forças que atuam dentro dele, como um campo energético com pólos positivos e negativos, onde as diferenças surgem e são trabalhadas como uma miniatura da vida. Ele tem leis próprias e com isso, o comportamento dos membros passa do individual para ser compreendido como uma função do campo, estendendo-se a um grupo.

Segundo Jorge Ponciano (1994, pág 10), “O grupo terapêutico é como o rio procurando o mar, como a flor procurando se transformar em fruto, como a criança crescendo à procura de sua maturidade”, ou seja, o indivíduo procurando reconfigurar sua história, sempre em movimento, em busca de desenvolvimento, de novas escolhas. A Teoria Organísmica_ explica bem essa passagem, à medida que o indivíduo é motivado constantemente ao crescimento para a realização de seu potencial criativo. Essa motivação, Goldstein denominou de auto-realização.

No livro “Vivendo e aprendendo com grupos: uma metodologia construtivista de dinâmica de grupo” (Papagiba, 2001), Madalena Freire que diz que “Grupo é o resultado da dialética entre a história do grupo (movimento horizontal) e a história dos indivíduos com seus mundos internos, projeções e transferências (movimento vertical) na sucessão da história da sociedade em que estão inseridos”, ou seja, o grupo é formado levando-se em conta todas as identidades individuais, com seus respectivos contextos.

A proposta de um grupo terapêutico na abordagem gestáltica é facilitar o contato entre os clientes, a relação, é experimentar no aqui-e-agora_. Acredita-se com isso, que o indivíduo possa ampliar sua awareness_, desenvolver suas potencialidades na troca, permitindo ver o mundo e a si com os olhos do outro, para se obter uma vida mais saudável e consciente. Alguns sentimentos são descobertos e trabalhados; as relações vão tornando-se íntimas, com possibilidade de se constituírem laços afetivos; as necessidades tornando-se claras, com o objetivo de se alcançar uma autonomia através da ampliação da consciência no contato com o outro. Para isso, é importante que se construa um ambiente acolhedor, onde todos possam se expressar, trocar, escutar, sentir, se responsabilizar, aprender a lidar com as diferenças, com suas limitações, a desenvolver o autoconceito, buscar uma lógica interna e conviver da melhor forma possível. É no processo de comunicação (verbal ou não verbal) que as pessoas se encontram, que se fazem compreensíveis e que o grupo trilha seu caminho, pois desenvolverá padrões de comportamento que representarão o acúmulo de experiências de seus membros. Jorge Ponciano diz que “O grupo é um treinamento constante de como estar junto, sem perder a própria identidade e como se separar, sem perder a coesão” (1994, pág 121), integrando as partes no todo e vice-versa, buscando permanentemente a totalidade. Há o risco de alguns membros interromperem o trabalho, por não conseguirem lidar com determinadas situações, ou mesmo não se adaptarem a estar em grupo. Então, pode se falar de resistência, como “uma tentativa de um ajustamento criativo para fugir de uma dor maior” (Ponciano, 1994, pág118). É considerada como um mecanismo de defesa, onde o organismo encontra seu equilíbrio provisório.

De acordo com Ponciano (1994, págs 179, 180), “O terapeuta de grupo é o profissional do mistério, pois além de se mover em campos desconhecidos, precisa estar atento às suas dimensões ocultas, em profundo contato com suas fronteiras_, com seus limites, potencialidades, com seu self_ mais profundo”; “Ele é a possibilidade de ver além dos horizontes, ao passo que a percepção fenomênica é o retorno à coisa mesma, sem fantasia e sem mistério... É na fronteira entre mistério e realidade que o contato existencial com o sentido da vida acontece por excelência”. Sensibilidade, autenticidade, segurança, competência, percepção, humildade, espontaneidade, doação, criatividade e fé, são algumas características necessárias para que o terapeuta contribua com o papel de agente transformador e de transformação no grupo. O crescimento do cliente se dá através da relação com o terapeuta, no “entre” o Eu e o Tu, estabelecendo como uma relação dialógica_. Buber descreve a Relação Eu-Tu como “um encontro genuíno entre dois seres únicos, no qual ambos abertamente respeitam a humanidade essencial do outro, aquilo que faz com que alguém seja único, irrepetível”, sempre com a possibilidade de superação.


Estresse

Atualmente o processo de estresse vem sendo um problema enfrentado por grande parte da população, que pode resultar em diversas formas de adoecimento, refletindo tanto na vida pessoal quanto nos relacionamentos com os diversos grupos em que está inserida. Segundo a OMS – Organização Mundial de Saúde, o estresse afeta mais de 90% da população mundial e, a despeito de ser uma epidemia global, não é classificado como doença.

O termo estresse é utilizado na física para traduzir o grau de deformidade sofrido por um material quando submetido a um esforço ou tensão. Para a ciência, é uma forma de resposta do corpo quando se relaciona com certos agentes externos ou internos, como por exemplo: fadiga, frio, micróbios, surpresa ou ansiedade. Segundo o médico Hans Selye com suas primeiras descobertas neste campo em 1952, tem como significado o esforço de adaptação do organismo para enfrentar situações que considere ameaçadoras a sua vida e equilíbrio interno, variando de pessoa para pessoa, ou seja, é o conjunto de reações orgânicas e psíquicas de adaptação que o organismo emite quando é exposto a qualquer estímulo que o excite, irrite, amedronte ou o faça muito feliz, se preparando para lidar com as situações que se apresentam. Porém, acabamos por associá-lo a nervosismo, tensão ou cansaço, como também, somente a situações negativas. Este termo se tornou tão popular, que passou a fazer parte de nossas vidas pelas exigências modernas e necessidade de constantes atualizações. Podemos incluir como conseqüências positivas, as situações que produzem sensações de prazer como uma notícia boa, viagem esperada ou paixão. Neste caso, o organismo produz adrenalina que dá ânimo e energia, fazendo o indivíduo produzir mais e ser mais criativo. Como conseqüência negativa, é quando se esgota essa capacidade de adaptação do indivíduo, podendo gerar alterações indesejáveis. Com isso, o organismo fica com falta de nutrientes e a energia mental reduzida, sendo a produtividade prejudicada e podendo vir a adoecer. O ideal é que o indivíduo aprenda a gerenciar a fase de alerta de forma eficiente, para que o organismo entre em homeostase após este período e possa se recuperar.

Hans Selye propôs um padrão de comportamento que é conhecido como SAG (Síndrome de Adaptação Geral) que é dividido em três fases interdependentes:

A 1ª fase é a de Alarme (É o estágio inicial. É quando o corpo e todo o metabolismo sofrem uma aceleração diante de um estímulo (condição) estressor (a). Como exemplos: engarrafamento, vida afetiva em desequilíbrio, beijo, nova paixão, emprego novo tão desejado, intensa competição, assalto, cirurgia. O organismo entra em estado de alerta para se proteger do perigo percebido, dando prioridade aos órgãos de defesa, ataque ou fuga. O organismo voltará à situação de equilíbrio (homeostase), se o indivíduo conseguir lidar com o(s) estímulo(s) estressor(es) ou eliminá-lo(s). Porém, se o estímulo persistir sendo entendido como estressor e o indivíduo não conseguir se reequilibrar, poderá evoluir para as outras fases do processo de estresse.

A 2ª fase é a de Resistência ou Estresse Contínuo (É o período no qual o indivíduo procura se adaptar ao estresse. Há uma liberação exagerada de adrenalina, sofrendo um desgaste de energia necessário à manutenção do estado de alerta para ajustar-se à nova situação. E com isso, há uma mobilização de energia muito grande, que acaba acarretando conseqüências como cansaço, lapsos de memória, diminuição do apetite sexual, impotência, aumento do número de abortos espontâneos).

A 3ª fase é a de Exaustão ou Esgotamento (Ocorre se o(s) estímulo(s) estressor(es) permanece(m) e o indivíduo é incapaz de manter o nível de resistência, podendo causar sérios danos, aumentar a intensidade dos sintomas ou mesmo a morte. Há uma queda na imunidade e o surgimento da maioria das doenças, como por exemplo: hipertensão, diabetes, enxaqueca, psoríase, problemas respiratórios, alterações do sono e do peso, bruxismo, fobias, depressão. Se a doença for entendida como mensagem, pode ser muito bem aproveitada, pois servirá como um momento de parada e reflexão para se avaliar a forma de estar no mundo; um caminho para a resolução dos problemas.

Em resumo, o estresse provoca uma necessidade de adaptação do organismo, onde acaba requerendo um esforço físico e mental. Se este processo permanecer por muito tempo, o organismo alcança a fase de resistência. Se não for revertido, chega próximo à exaustão, causando problemas como gastrite, queda de cabelo, falhas de memória, depressão episódica, ansiedade, crises de pânico, entre outros. O estresse pode tanto proteger o indivíduo no alerta a situações de perigo, como também, prejudicar no caso de sobrecarga. Em algumas situações o indivíduo vive o que chamamos de Estresse Agudo, quando é incapaz de lidar com situações muito intensas para ele e tende a reações que geralmente o afastam da realidade como desorientação, diminuição da atenção, estreitamento do campo da consciência, agitação, hiperatividade e amnésia.

Cada organismo possui uma habilidade interna para se relacionar com situações provocadoras de estresse, que estará sujeita a variações dependendo da personalidade de cada indivíduo, estado de saúde, estilo de vida, crenças, predisposição genética e experiências anteriores. Este organismo, por sua vez, é único e desenvolve um padrão próprio de resposta às exigências internas e externas. Alguns indivíduos lidam bem com os estímulos estressores, se adaptam, outros por viverem em velocidade acelerada, podem adquirir alguns sintomas psicossomáticos, desencadeando uma desordem no corpo e no psiquismo. É necessário que o indivíduo esteja atento tanto à forma de lidar com as adversidades e conflitos, quanto de estabelecer prioridades na sua vida, observando seus desejos e respeitando seus limites, para que assim, se mantenha de forma harmônica.

Alguns hábitos podem contribuir para uma melhor interação do indivíduo com o meio em que vive, como atividades físicas e corporais; trabalhos com música e teatro; desenvolvimento das habilidades e potencialidades; alimentos mais saudáveis; tempo para lazer; contato social e psicoterapia, ajudando-o a se recarregar e estabelecer um equilíbrio para uma melhor qualidade de vida.

A psicoterapia em uma abordagem gestáltica fundamenta-se no aqui-e-agora, auxiliando o indivíduo a ampliar sua percepção, levando-o a buscar formas de modificar seu contexto ou aprender a conviver com o mesmo. Seu objetivo é de que o sujeito aprenda com os sintomas, à medida que percebe como está atuando no mundo, como anda se desequilibrando e com uma forma criativa, consiga se reequilibrar. Dentro desta abordagem, os sinais e sintomas manifestos são busca de equilíbrio, de adaptação do organismo, porém, de uma forma não muitas vezes saudável.

Alguns fatores podem ser indicadores de que o processo de estresse está se instaurando, como irritabilidade; dificuldade de concentração; explosões emocionais desproporcionais ao acontecimento; alta de colesterol e triglicerídeos; aumento no consumo de tranqüilizantes, cigarro, café e álcool; constipação; nó na garganta; dores difusas; dores de cabeça sem causa determinada; queda na produtividade; cansaço constante; taquicardia; músculos tensos (que provocam muita dor na nuca e nas costas); mãos frias e suadas; vagos sentimentos de medo, angústia e insegurança (sem um agressor determinado); insônia; hipertensão arterial; problemas digestivos, dermatológicos e cardiovasculares. Desta forma, é necessário que se desenvolva habilidades para lidar com os momentos da vida, ou modificá-los, a fim de se evitar um futuro colapso.

Sempre que uma situação exige de nós uma decisão, uma ação imediata, é a tensão interna ou mesmo a pressão exterior que nos obriga a fazer alguma coisa. Assim, entre a tensão e a ação, o organismo está em processo de estresse. Logo que a resposta é dada e segue-se a satisfação, tudo volta ao equilíbrio. Porém, quando a resposta não satisfaz ao próprio sujeito, inicia-se um círculo vicioso ansiedade-estresse-ansiedade. Quando a ansiedade é exagerada, a forma em lidar com as situações se torna ineficaz e mais difícil. A este processo de entrar em contato com algo, tomar consciência, mobilizar energia para a realização do que se deseja, agir, repousar e contato com novas sensações, denomina-se Ciclo de Contato. Uma vez esse repouso interrompido, a energia mobilizada ficará retida até que surja outra oportunidade de utilizá-la, porém, é necessário atenção para que se perceba o quanto essa interrupção pode ser prejudicial.

Experiência prática

Este capítulo aborda a experiência prática do tema pesquisado, utilizando como base dois grupos distintos, sendo um realizado em consultório psicoterápico denominado de Grupo Terapêutico e o outro em um Projeto Social idealizado pelo Governo Federal (Programa Primeiro Emprego) realizado em uma comunidade da zona norte da Cidade do Rio de Janeiro.

O grupo terapêutico foi estruturado por duas psicólogas a partir da indicação para atendimento em grupo a alguns clientes que encontravam-se em atendimento individual. Optaram por este contorno por acreditarem em uma troca mais significativa com possibilidade de reconfigurações diversificadas e em maior agilidade de desenvolvimento das demandas. O atendimento aconteceu em co-terapia dentro do IGT - Instituto de Gestalt-terapia e Atendimento Familiar, tendo seu início em dezembro de 2004 com um encontro semanal de 1h e 30 min. cada, sendo composto inicialmente por três moças e um rapaz. Este grupo foi escolhido para o estudo que realizarei neste trabalho, pois seus componentes tinham em comum, sintomas marcantes relacionados a um processo prolongado de estresse que descreverei abaixo mais especificamente. Estarei delimitando o período de seis meses de duração do grupo, entre dezembro de 2004 e junho de 2005, embora o grupo ainda permaneça em andamento.
O grupo do projeto social era composto por duas turmas com 20 jovens cada entre homens e mulheres, com idade que variava dos 16 aos 24 anos. O objetivo era promover a criação de mais e melhores oportunidades de trabalho, emprego e renda a jovens em situação de maior vulnerabilidade ou risco social e pessoal. Estes jovens não tem acesso ao Sistema Nacional de Emprego, possuem renda mensal per capita de até meio salário mínimo e contam com baixa escolaridade. Este trabalho é composto por uma equipe de educadores ministrando diversas disciplinas como Matemática, Língua Portuguesa, Informática, Direitos Humanos, Cidadania, Meio Ambiente e Empreendedorismo Social. Contam também, com matérias comportamentais que ficam a cargo de um profissional de psicologia e que trabalham o Relacionamento Interpessoal, Orientação Profissional, Desenvolvimento de Competências e Estratégias de Relacionamento com os Clientes. Durante os encontros são observados e trabalhados aspectos como: relacionamento interpessoal, auto-estima, tolerância à frustração, capacidade de ouvir, respeito ao próximo, agressividade, controle emocional, responsabilidade, esforço pessoal, autoconfiança, cuidado pessoal, criatividade, iniciativa, dentre outros. Este projeto social tem uma proposta diferente da proposta curricular tradicional, sendo voltada a uma forma dinâmica de transmissão de conhecimentos e de ampliar a capacidade dos alunos em perceber a sua forma de se colocar no mundo, nas relações interpessoais. Para este trabalho utilizarei como referência um período de quatro meses, entre abril e julho de 2005, a dois grupos com estas características.

Tanto o grupo terapêutico quanto o escolar, foram marcados por um início de integração, com dinâmicas onde cada um pode falar um pouco de si, estabelecendo um contato inicial. Nestes, foram estabelecidas regras através de um contrato que versa sobre itens como forma de trabalho, horário, faltas, desmarcações (para o grupo terapêutico), sigilo, número máximo de componentes, e entrada e saída de membros sempre que se fizer necessário ao longo do processo. Como é muito comum em grupos, os primeiros encontros foram marcados por pequenas exposições e recuos, encontros, desencontros, cuidado, medo da entrega e invasão ao outro, num processo de experimentar e descobrir situações novas, que com o tempo ajustam-se como os movimentos de uma valsa. Funciona tal como uma miniatura da vida social, onde o contato e a relação têm um sentido fundamental no trabalho de grupo.

A composição do grupo terapêutico se deu da seguinte forma: X, mulher, 24 anos, chegou ao grupo após ter tido outras experiências terapêuticas nos últimos quatro anos. Sua queixa inicial era dificuldade no relacionamento interpessoal, em se colocar e compartilhar suas questões internas. Alegava que estava tendendo a se isolar do mundo e de seus pares. Não estava conseguindo lidar com os estímulos estressores, o que gerava ansiedade e como conseqüência, o aparecimento de sintomas físicos como alergias, gripes recorrentes, comportamentos repetitivos (que acabavam por machucá-la), isolamento social e alterações no sono (insônias). Após seis meses de atendimento, podemos observar mudanças significativas: hoje seu sono está normalizado; tem grupo social ligado à Universidade, com o qual realiza passeios de acordo com sua faixa etária; apresenta autonomia relativa, podendo tomar decisões em relação à família; está conseguindo valorizar seu potencial profissional, tendo optado por abrir mão do emprego que não a estava satisfazendo e, além disso, trazia inúmeros estímulos estressores. Hoje se diz mais segura nas entrevistas de emprego, tendo se permitido dizer “não” a uma oportunidade que não considerou adequada. Neste momento, tende a se preservar nos relacionamentos afetivos, no sentido de não se relacionar com qualquer pessoa. Apresenta também, mudanças significativas em sua aparência, estando melhor vestida e maquiada constantemente. Atualmente, está podendo rir de situações vivenciadas, sem preocupação de estar sendo correspondida em suas expectativas. O que se pode perceber é que a possibilidade de troca, dar e receber feedback, a experiência de ser ouvida e de ouvir percepções diferentes e o confronto com outros membros do grupo, propiciaram a possibilidade de se colocar, nem sempre sendo aceita, porém, dentro de um contexto respeitoso.

Y, mulher, 21 anos, iniciou atendimento com queixa ligada ao relacionamento afetivo em desequilíbrio, onde suas escolhas não resultavam em felicidade. Tinha sido casada e a relação se desfez após um ano, tendo ficado este período, estacionada em suas atividades habituais. Voltou para a casa de sua mãe, com quem seu relacionamento era instável, pois se sentia submissa as suas regras. Apresentava dificuldade em dar continuidade às atividades propostas. Com essa forma de viver, sentia uma grande apatia, além de variações de humor, o que lhe causava muita angústia. Interrompeu o tratamento após três meses, mas mesmo com o curto período, conseguiu resignificar alguns conceitos, como romper definitivamente o contato com o ex-marido, o que lhe proporcionou conforto emocional e prestar vestibular e ser aprovada no curso escolhido. O horário compatibilizava com o da psicoterapia e por este motivo, foi preciso interromper o trabalho de grupo. Pode experimentar uma melhor forma de se colocar com mais segurança em assuntos familiares, o que gerou um ambiente mais harmônico. A troca com o grupo e a possibilidade de ser chamada à responsabilidade, porém, de forma respeitosa, foram pontos que contribuíram para que pudesse olhar sua forma de agir no mundo com mais atenção.

Z, mulher, 22 anos, chegou com uma forte queixa de pensamentos persecutórios ligados à morte, o que lhe causava grande desgaste físico e emocional. Mencionava dificuldade de estabilidade no relacionamento afetivo de 4 anos, que tinha como conseqüência algumas separações. Apresentava características de agitação e tendia a se sobrecarregar. Problemas familiares também eram origem de grande desgaste. Fez uso de medicamentos por um pequeno tempo, o que acabou por propiciar um cotidiano mais tranqüilo. As contribuições do trabalho de grupo se deram no sentido de facilitar a percepção de si e do outro, à medida que experienciou falar mais de suas emoções, melhorar sua escuta, ouvir uma outra pessoa relatar experiência semelhante, além da vivência de dar e receber feedback. Pode experimentar se colocar de uma forma mais segura em seus relacionamentos afetivo e familiar e escolher melhor suas companhias, percebendo que não lidava bem com suas fronteiras e limites, passando a estabelecer prioridades em sua vida.

W, homem, 40 anos, teve fortes crises de ansiedade como queixa inicial (síndrome do pânico), o que o limitava bastante em sua vida, uma vez que passou a apresentar medo de lugares fechados como túnel e metrô. Viveu momentos de luto pela doença do pai e posteriormente perda, o que lhe proporcionou grande desgaste físico e emocional. Mencionava um relacionamento afetivo empobrecido, além de questões familiares e profissionais mal resolvidas. Passou a fazer acompanhamento psiquiátrico, o que o ajudou a restabelecer seus compromissos. Com o trabalho em grupo, exercitou falar mais de seus sentimentos e a compreender a forma de estabelecer suas relações. Os trabalhos de conscientização corporal facilitaram com que conhecesse mais o seu corpo e seus limites. Pode fazer a opção de romper uma sociedade profissional, a qual estava lhe proporcionando momentos bem desagradáveis e iniciar um trabalho autônomo. Com isso, começou a perceber a função do sintoma de pânico em sua vida.

O grupo do projeto social iniciou com certa resistência às regras estabelecidas; dificuldades em lidar com impasses e com a escolha profissional; problemas nos relacionamentos interpessoais, no respeito ao outro e em expressar seus sentimentos e necessidades; baixa auto-estima; agressividade exacerbada; desconhecimento de direitos e deveres; valores morais invertidos; pouca perspectiva de mundo e de objetivos, além de medo da entrega em sentimentos e relações. Com tudo isso, agregados vários sintomas psicossomáticos, o que parecia uma dificuldade em lidar com os estímulos estressores. Apatia, problemas respiratórios recorrentes, dores de cabeça, alterações no peso e sono, sintomas cognitivos como dificuldade de aprendizagem e de concentração, depressão, ansiedade, cansaço sem causa específica, além da agitação, faziam parte dos sintomas referenciados. Após o período de trabalho diário com os diversos educadores, um vínculo de afetividade foi sendo estabelecido, inicialmente por parte da equipe educadora e posteriormente, pelos próprios companheiros do grupo. O mesmo foi se percebendo útil; compreendido; valorizado; com emotividade; disponível a absorver conhecimentos e a se doar; aberto a buscar novos caminhos, ao respeito e tolerância; além da disponibilidade às intervenções. Grande parte do grupo passou a apresentar uma nova forma de olhar o mundo. Alguns sintomas físicos e psíquicos foram diminuindo, outros se tornando fundo_ até desaparecerem, enfim, a maioria foi se apropriando de seus sentimentos, o que contribuiu para que suas vidas fossem se reconfigurando, estabelecendo uma melhor qualidade de vida. Ficou nítido por parte dos educadores, que o grupo foi melhorando a auto-estima, o que facilitou o contato entre os educadores e os próprios companheiros de turma. Passou a existir por parte dos jovens, um desejo de estar ali no grupo, onde foram demonstrando uma melhor saúde física e psíquica, após o período de trabalho. Aconteceu de apresentarem dificuldade quanto ao rompimento do projeto, solicitando uma carga horária maior, o que não foi possível.

Os dois grupos foram se auto-regulando, se ajustando a seu potencial criativo e a seus limites, restabelecendo novas formas de convivência e respeitando a singularidade do outro. Assim, tiveram a oportunidade de exercitar outros formatos de olhar o mundo e a si próprios, experimentar novos sentimentos, procurando aprender com os sintomas. Com isso, tentaram buscar uma maneira mais funcional de agir no mundo, ou seja, de restabelecer a saúde. Puderam se experimentar em outros vínculos, compartilhar histórias, trocar experiências, passando a agir com mais autonomia, buscando assim, um equilíbrio entre o organismo e o meio. Luciana Cavanellas traduz bem essa questão em seu artigo (Grupo Terapêutico na Abordagem Gestáltica: uma experiência que já se permite contar, 1997, pág 80) quando comenta que “Ao longo do processo, o que se pode ouvir é o som de melodias mais harmônicas, baseadas na afinação dos instrumentos e no entrosamento dos músicos, diante da regência de um maestro interessado e atento à orquestra. Chega-se a um ponto em que não é fácil distinguir quem conduz o espetáculo; parece que todos se deixam levar pela música produzida no encontro de seus talentos e habilidades. Uma música que continua a tocar...”.

Considerações Finais

A psicoterapia de grupo facilita o contato com o outro, o exercício de estar em relação, com possibilidade de ampliar a awareness. Com isso, respeitar as diferenças e limitações, experimentar novos vínculos, compreender a forma de lidar no mundo, modificando seu contexto ou aprendendo a conviver com o mesmo de forma mais equilibrada, fazem parte da riqueza que o trabalho de grupo proporciona. É um processo, muitas das vezes, doloroso na descoberta das fraquezas e cristalizações, porém de grande contribuição para o autoconhecimento.

Os grupos puderam perceber a importância do contato com eles mesmos e com o outro, estabelecer prioridades diante da vida, além de trabalhar a expressão de seus sentimentos. O grupo do projeto social pode se perceber além das disciplinas oferecidas ao absorverem valores que poderão resignificar suas vidas.

O objetivo deste estudo foi alcançado, à medida que os sintomas relacionados aos estímulos estressores foram diminuindo, gerando mudanças significativas nos componentes do grupo terapêutico e na maioria do projeto social. Este estudo contribuiu para confirmar a hipótese de que a possibilidade da troca em trabalhos de grupo podem facilitar o tratamento de pessoas com sintomas relacionados ao processo de estresse.


REFERÊNCIAS

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ZINKER, Joseph C. A busca da elegância em psicoterapia: uma abordagem gestáltica com casais, famílias e sistemas íntimos. (tradução Sônia Augusto). São Paulo: Summus, 2001.

 

_ Trabalho realizado com mais de um terapeuta, com o objetivo de ampliar e complementar a visão do que está sendo observado.
_ Formado pelo indivíduo e pelo meio no qual está inserido. Ele é compreendido a partir das relações estabelecidas dos que o compõem.
_ É uma abordagem psicológica baseada no Humanismo, Existencialismo, na Fenomenologia e nas Filosofias orientais, que busca ampliar a percepção que o sujeito tem de si próprio.
_ O indivíduo é um todo unificado, como um campo integrado em sentimentos, sensações, emoções e imagens. O organismo é uma só unidade e não pode ser compreendido pelo estudo das partes isoladas.
_ “É a totalidade da experiência do indivíduo. A vivência imediata representa o momento de entrada na realidade, contem a chave do passado e do futuro e responde às questões mais sutis de como o tempo se concretiza e o espaço se temporaliza” (Ribeiro, 1994, pág 22).
_ ”É uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato vigilante com o evento mais importante do campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensório-motor, emocional, cognitivo e energético” (Ribeiro, 1998, págs 30, 215).
_ Local de troca, onde se dá a relação entre o indivíduo e o meio externo, que não pertence nem ao indivíduo nem ao meio, mas que se caracteriza pela dinâmica da interação entre eles.
_ “O complexo sistema de contatos necessários para o ajustamento nas dificuldades do meio. É composto pelas seguintes estruturas: Id (necessidades), Ego (quem age) e Personalidade (a imagem que vai sendo criada pelas escolhas que vou fazendo para meu crescimento)”. (Perls, 1980)
_ É desenvolver uma postura relacional, em busca de um contato mútuo, que é a base terapêutica. “... É aceitar e confirmar a pessoa do outro e todas as suas resistências... É viver EU-TU e EU-ISSO na relação...” (Amorim, Teresa Cristina G. W)
_ Dentro de um todo percebido, uma parte do estímulo é a figura e a outra parte que recua, é o fundo.