ARTIGO

Bulimia: você tem fome de que?

Aline Ferreira Martins de Araujo

Monografia exigida como requisito final para conclusão do Curso de Especialização em Gestalt Terapia com ênfase no atendimento familiar.


Corpo magro,
Corpo gordo,
Corpo esbelto,
Corpo inscrito,
No ser,
Ser construído
numa relação
boa, quem sabe,
má.
Ser que cresce,
Com SEU TER,
Seu FAZER,
Ser Feliz,
Ser Triste,
Ser eu.

Luise de Souza Cozzolino Soares

 



INTRODUÇÃO

Atuo como psicóloga clínica e tenho recebido no meu consultório um número crescente de pessoas que apresentam algum transtorno alimentar.

Transtorno alimentar é quando uma pessoa estabelece uma relação doentia com a comida. Existem algumas maneiras, aqui citarei apenas duas: a pessoa pode comer muito, chegando a ingerir até 15 mil calorias em uma única refeição, e depois provocar a eliminação do que comeu, através de vômitos, laxantes, ou diuréticos. Ou então, por achar-se fora dos padrões de peso e medida, a pessoa passa dias sem se alimentar. Os transtornos alimentares são problemas que atingem cada vez mais pessoas por todo o mundo. Em sua maioria, mulheres entre 14 e 40 anos, levando muitas vezes à morte.

Nesse trabalho, estarei abordando apenas a bulimia, pois tenho percebido um aumento cada vez mais crescente em relação à quantidade de pessoas que tem desenvolvido esse quadro.

Através de troca de informações com colegas de profissão, conhecimento da existência de comunidades para esse público em sites de relacionamentos na internet e o espaço cada vez maior que o tema bulimia vem recebendo em veículos de comunicação de massa, posso concluir que o aumento do transtorno é um fenômeno amplo, que incide sobre pessoas de qualquer classe social.

De acordo com o DSM-IV:

“As características essenciais da Bulimia Nervosa consistem de compulsões periódicas em comer (polifagia) e métodos compensatórios inadequados posteriores para evitar ganho de peso. Além disso, a auto-avaliação dos pacientes com Bulimia Nervosa é excessivamente influenciada pela forma e peso do corpo, tal como ocorre na Anorexia Nervosa. Para qualificar o transtorno, a compulsão periódica e os comportamentos compensatórios inadequados devem ocorrer, em média, pelo menos duas vezes por semana por três meses”.

O CID10 por sua vez define a bulimia como:

“Uma síndrome caracterizada por acessos repetidos de hiperfagia e uma preocupação excessiva com relação ao controle do peso corporal conduzindo a uma alternância de hiperfagia e vômitos ou uso de purgativos.

Este transtorno partilha diversas características psicológicas com a anorexia nervosa, dentre as quais uma preocupação exagerada com a forma e peso corporais. Os vômitos repetidos podem provocar perturbações eletrolíticas e complicações somáticas.”“.

Através do contato com pessoas que apresentam esse quadro, pude perceber que muitas delas apresentam algumas características e vivencias em comum. Tais como a insegurança, baixa auto-estima, visão distorcida do corpo, depressão, etc. O conhecimento dessas vivências em comum despertou minha atenção em relação ao Transtorno. Assim dei início as minhas pesquisas e percebi em minhas leituras, que pouco se falava sobre os aspectos emocionais relacionados à bulimia, sendo o assunto, mais abordado sob o aspecto técnico da doença.

O objetivo desse trabalho é, mostrar a visão da Gestalt Terapia em relação à bulimia, incluindo a influência que a família, a sociedade e a cultura exercem sobre o indivíduo.

O referencial teórico escolhido é o da Gestalt-terapia, por tratar-se de uma abordagem que não rotula uma pessoa como doente e sim, busca encontrar sentido no sintoma que a pessoa está apresentando naquele determinado momento.

A Gestalt-Terapia é uma abordagem fenomenológico-existencial e tem uma visão holística sobre doença. Através da Gestalt, compreendemos o adoecer como o resultado de uma desarmonia relacional entre a pessoa e seu ambiente, pois entendemos que ambos formam uma unidade dialética e que não se pode separa-los. De acordo com Ribeiro (1997) "A doença é relacional. Não existe doença em si. Doença é fenômeno como processo; como dado, existe em alguém, e não como realidade em si mesma (...)" (p. 36).

A Gestalt-terapia, portanto, visa ir além da descrição dos sintomas que definem uma doença, busca o sentido da “patologia” e as vivências subjetivas da pessoa adoecida.


Fome de Emagrecer

Descrevendo a bulimia

A palavra Bulimia vem do grego bous (boi) e limos (fome), ou seja, uma fome tão grande que se pode comer um boi. O termo boulimos já era usado séculos antes de Cristo. Hipócrates o empregava para designar uma fome doentia, diferente da fome fisiológica.

A Bulimia é considerada como um desequilíbrio alimentar de origem psicológica, onde a pessoa, em sua grande maioria, mulher, começa a se incomodar com seu peso e dá início a uma dieta rigorosa ou uma perfeita recusa alimentar para emagrecer o mais rapidamente possível (anorexia) e passa por episódios de compulsões periódicas de excesso alimentar. O excesso alimentar é caracterizado por uma voracidade incontrolável, durante o qual o indivíduo come tudo que está ao seu alcance, incluindo na maioria das vezes alimentos com alto teor calórico, como sorvete, feijão gelado, biscoitos, bolos, sobras de carne, doces, etc.

Os alimentos são ingeridos sem controle, em um curto período de tempo onde a comida mal é mastigada, é praticamente engolida, ou seja, a pessoa quase não sente o gosto do alimento, não o saboreia. Esse empanturramento acontece geralmente em um momento de ansiedade, raiva ou frustração, e não como uma resposta à fome. Na maioria das vezes, ocorre quando não tem ninguém por perto, é quase um segredo e costuma ser interrompido apenas quando a comida chega ao fim, ou por um mal estar físico. Esses episódios são chamados de hiperfagia ou hiperalimentação.

As primeiras sensações de uma sessão de comilança desenfreada são maravilhosas, geram alívio e saciedade que vem acompanhada de uma calma repentina. Porém, a culpa surge logo em seguida, acompanhada de um sentimento de vergonha e raiva de si mesma por ter apresentado tal comportamento. Além disso, surge a preocupação em relação às conseqüências que esse excesso pode trazer para sua imagem corporal, ou seja, surge um medo excessivo de ganhar peso.

Essa preocupação excessiva com o controle de peso corporal, leva a pessoa a adotar medidas extremas e inapropriadas para não engordar, tais como indução do vômito, abuso de laxativos ou diuréticos, dietas severas, anfetaminas, exercícios em excesso, entre outros. Tudo o que puderem fazer para tentar eliminar o que comeram, sem se preocupar se vai ou não fazer mal. A única preocupação naquele momento é a de não engordar.

O método mais comum é a indução de vômito. Vários artifícios podem ser usados para a indução de vômito, incluindo os dedos ou instrumentos como escovas de dente, canetas, e outros, para estimular o reflexo e a regurgitação. Com o tempo e a prática, elas aprendem a vomitar quando querem. O ciclo de comer e induzir o vômito se torna uma obsessão e pode se repetir com freqüência. Após o vômito, costumam sentir um imenso prazer e muito alivio pela melhora do desconforto físico e pela diminuição aparente do risco de engordar.

Quando, por algum motivo, não conseguem vomitar, ou compensar a “comilança” de alguma outra forma, sentem-se ainda mais culpadas, chegando a sentir, por diversas vezes, um desejo de autopunição ou autodestruição, podendo leva-las a fazer coisas contra elas mesmas, como se machucar, se cortar e até mesmo, a tirar suas próprias vidas.

Outro método que tem sido cada vez mais usado é o exercício físico em excesso.

Segundo Sheila Assunção, psiquiatra do Ambulatório de Bulimia e Anorexia - Ambulim - do Instituto de Psiquiatria - IPq - do HC, algumas pessoas com esse transtorno alimentar, dependem da atividade física para seu bem estar geral, ficam chateadas se não podem se exercitar e, quando isso acontece, compensam com horas extras na sessão seguinte; têm rotina fixa para a prática de suas atividades, se exercitam mesmo indispostas, cansadas ou machucadas e deixam de participar de eventos sociais, caso possam atrapalhar a rotina do exercício.

Podemos dizer então, que a Bulimia, é um ciclo vicioso: restrição alimentar, comer compulsivo, purgação, comer compulsivo...

Se imaginarmos um alcoólatra trabalhando em um bar, poderemos dizer que o processo de cura seria bastante difícil, pois ele estaria diariamente em contato com a bebida. Comparando as pessoas que sofrem a bulimia, podemos afirmar que, sobre esse aspecto, seu grau de dificuldade é ainda maior, pois o álcool, não é essencial para nossa sobrevivência, já a comida é fundamental. Aquele que passa pela bulimia, como qualquer pessoa, precisa comer para o resto da vida. Torna-se muito difícil se livrar de seu vício, tendo que encará-lo todos os dias.

Para qualificar os sintomas como sendo um transtorno, esse ciclo, da compulsão e dos comportamentos compensatórios deve ocorrer em média, pelo menos duas vezes por semana, o que não significa dizer, que no resto do tempo a pessoa esteja bem. Na verdade esses episódios só não são diários ou mesmo mais de uma vez ao dia na maioria das vezes, porque a pessoa está constantemente lutando contra eles.

Quem sofre de Bulimia tem, normalmente, alguns comportamentos paradoxais.

Por um lado "controlam" aquilo que comem, usando para isso o vomito, por outro, têm crises de voracidade alimentar totalmente descontroladas. Essas pessoas vivem sob o constante medo de não poder controlar esses ataques de fome, o que acentua a doença, passando a dominar todas as suas experiências emocionais.

É importante deixar claro o que se entende por “compulsão”, segundo Freud (apud, Cozzolino) “seria o ímpeto de praticar um ato não desejado, ou ato em si mesmo. Tendências repetitivas para se comportar de um modo que não deseja”.

A compulsão é dada, para substituir algo que o organismo precisa e com a incapacidade que a pessoa tem de ouvir sua real necessidade, tenta colocar algo no lugar, geralmente o objeto de sua compulsão. Com isso, podemos dizer que a compulsão está ligada a dificuldade que a pessoa tem de se perceber, pois ao final de um ato compulsivo, o vazio ainda estará lá, já que a o substituto não consegue dar conta daquilo que o organismo precisa.

Existe uma grande dificuldade de identificar que uma pessoa está com bulimia, pois além dela fazer todo esforço para esconder seus sintomas, esteticamente, ela se mantém dentro de um peso comum, ao contrário de quem apresenta um outro transtorno alimentar que está bastante ligado à bulimia, a anorexia. Na anorexia, é muito fácil perceber os sintomas, pois a doença se denuncia pela extrema magreza, já que a pessoa se recusa a comer, por medo de engordar, o que quase sempre leva a uma grave desnutrição. A pessoa que apresenta anorexia desenvolve um ritual próprio de se alimentar, na maioria das vezes se isolando, já na bulimia, a pessoa participa normalmente de refeições em grupos, mas com grande freqüência, ao termino das refeições utiliza o banheiro. A bulimia tem muitos pontos em comum com a anorexia, tanto que foi somente em 1979 que foi considerada como uma síndrome específica, destacando-se do quadro de anorexia, antes disso, não se fazia distinção entre elas, sendo a Bulimia considerada como um tipo de Anorexia.

A prevalência de anorexia e bulimia nervosa, nos Estados Unidos, em homens, é de 0,02% e 0,2%, respectivamente, e em mulheres varia de 0,3% a 0,5% e 6% a 1,1% (Garfinkel, 1995; Garfinkel et al., 1995; Walter & Kendler, 1995; Woodside & Kennedy, 1995). Não existem dados epidemiológicos brasileiros (Cordás et al., 1998).


Conseqüências

A purgação, que no começo parece uma saída fácil e maravilhosa logo revela sua outra face. Que efeitos esse comportamento alimentar pode trazer ao organismo dessas pessoas?

Os repetidos episódios de auto-indução do vômito geram problemas no corpo. Ao vomitar não se perde apenas o que foi ingerido, mas os sucos digestivos também. Isso pode acarretar um desequilíbrio no balanço dos eletrólitos no sangue, afetando o coração, por exemplo, que precisa de um nível adequado dessas substâncias para ter seu sistema de condução elétrica funcionante com isso, podem ocorrer, complicações cardiovasculares. É comum que quem sofra de Bulimia apresente bradicardia (o coração bate mais devagar) e hipotensão (a pressão arterial é baixa). A complicação mais freqüente é as arritmias cardíacas. Podendo ocorrer ataque cardíaco em casos mais severos.

As repetidas passagens do conteúdo gástrico (que é muito ácido) pelo esôfago acabam por ferí-lo podendo provocar uma esofagite de refluxo - processo inflamatório do esôfago. Em casos mais graves pode haver sangramento ou até mesmo a sua ruptura, o que leva à morte. O vomito repetido pode levar também, a erosão dentária, o desgaste do esmalte dos dentes, pelo excesso de acidez gástrica e sensibilidade excessiva ao frio e ao quente. Lesões, cicatrizes ou calosidades no dorso da mão, que é introduzida na boca para provocar o vômito, também são facilmente notados.

Ainda como conseqüência dos vômitos auto-induzidos podemos notar o aumento das glândulas parótidas, conhecidas como glândulas salivares (situadas próximo às mandíbulas e dão ao rosto uma aparência inchada) o que provoca dor e raramente pode se transformar em câncer.

Casos extremos de rompimento do estômago devido ao excesso ingerido com muita rapidez já foram descritos várias vezes, um quadro grave e muitas vezes mortal. O uso de laxantes, além de serem ineficientes, pois não alteram a absorção dos alimentos, pode causar ao intestino grosso uma série de conseqüências, tais como a diarréia, constipação crônica, hemorróidas, mal estar abdominal, prisão de ventre rebote e desidratação (o que pode causar fraqueza muscular, câimbras, tremores, etc). A ocorrência de anemias em vários graus também é bastante citada na literatura médica.

Tem sido cada vez mais comum o uso abusivo de chás de plantas, que apesar de serem consideradas naturais, pode causar doenças intestinais, conforme apontou estudo realizado pelo Departamento de Cirurgia Coloretal da Cleveland Clinic Florida (nos Estados Unidos).

De acordo com os pesquisadores, 40% dos pacientes que fizeram uso de laxantes com freqüência igual ou superior a três vezes por semana, por mais de um ano, tiveram lesões na anatomia intestinal.

Segundo o Dr. Flávio A. Quilici, médico e professor de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da PUC Campinas, a substância liberada pelas plantas utilizadas no preparo dos chás, como o sene, a cáscara sagrada e o extrato de ruibarbo, causam irritação nas terminações nervosas da mucosa intestinal, provocando lesão em longo prazo.

"O uso prolongado pode danificar a sensibilidade da parede do intestino, agravando ainda mais o problema. A perda dessa sensibilidade faz com que o usuário tenha a sensação de que o laxante perdeu o efeito, o que leva a usar quantidades cada vez maiores”. (Dr. Flavio A Quilici)

Os diuréticos são extremamente perigosos quando usado em doses altas e podem causar desajustes capazes de provocar a morte. O uso indiscriminado de laxantes e diuréticos pode afetar seriamente a saúde dos intestinos, rins, fígado e pâncreas.

De acordo com os médicos, a bulimia pode levar, se não tratada, a alterações no metabolismo, problemas ósseos e até de fertilidade, diminuição no desejo sexual, sem falar nos problemas de depressão, podendo levar até ao suicídio.


Fome de Aceitação

A Influência da Sociedade

A sociedade, atualmente, tem sido apontada como uma grande influência para o crescimento da bulimia e da anorexia. A beleza tem sido exageradamente valorizada, sendo o corpo magro encarado como símbolo de poder, autocontrole e modernidade e aquele que está “fora do peso”, portanto, fica excluído, sendo considerado muitas vezes, como “deformado”.

O cantor e compositor Ed Motta, por exemplo, em sua música “Espaço na Van”, faz uma crítica à sociedade, de algo que a princípio é banalizado, a falta de espaço na van, para pessoas com excesso de peso. Muitas vezes, as pessoas que tem excesso de peso precisam pagar a condução por dois passageiros.

De acordo com Adams (1977), percebe-se com clareza, que o “mundo social”, discrimina as pessoas não-atraentes, numa série de situações cotidianas importantes. Pessoas julgadas pelos padrões vigentes como atraentes parecem receber mais suporte e encorajamento no desenvolvimento de repertórios cognitivos socialmente seguros e competentes, assim, indivíduos tidos como não-atraentes, estão mais sujeitos a encontrar ambientes sociais que variam do não-responsivo ao rejeitador e que desencorajam o desenvolvimento de habilidades sociais e de um autoconceito favorável.

As pessoas estão se sujeitando a sacrifícios inimagináveis, para conseguirem se adequar aos atuais padrões de beleza, afim de um ajustamento psicológico e social. Mesmo que o excesso de peso não seja grande, dificilmente, a pessoa fica satisfeita consigo mesma, pois é a todo tempo bombardeada por silhuetas perfeitas em revistas, anúncios publicitários, novelas, academias, etc. A temática “corpo” ganha cada vez mais espaço na mídia, onde são transmitidos corpos perfeitos e formas para alcança-los. Podemos perceber que atualmente têm crescido de maneira explosiva o número de pessoas adeptas a dietas severas, atividade física em excesso e cirurgia plástica.

Para McNamara (apud, Saikali), crenças culturais determinam normas sociais na relação com o corpo humano. Práticas de embelezamento, manipulação e mutilação, fazem do corpo um terreno de significados simbólicos. Mudanças artificiais em seu formato do corpo, tamanho e aparência são comuns em todas as sociedades e têm uma importante função social. Elas comunicam a informação sobre a posição social do indivíduo e, muitas vezes, demonstram um sinal de mudança em seu status social.

O corpo hoje carrega consigo, a responsabilidade de ser aceito pelo outro. Sendo o indivíduo submetido a comparações despropositadas, pois é de fundamental importância, considerar que os corpos apresentam estruturas diferentes. Nem todas as pessoas estão fisiológica e organicamente preparadas para serem magras, mas buscam mesmo assim, padrões físicos incompatíveis com sua constituição original. Nesses casos, na maioria das vezes, apenas o adoecimento é capaz de mostrar os limites do próprio corpo.

Existe, por exemplo, muita facilidade de encontrar pessoas que sofrem de bulimia em algumas profissões específicas devido a grande exigência corporal. É o caso de modelos, manequins, dançarinos, ginastas, atores, lutadores, etc.

Segundo Palha, esportes que preconizam o baixo peso corporal e supervalorizam a estética, utilizando-a como critério para a obtenção de bons resultados em competições – como ocorre, por exemplo, na ginástica artística, natação sincronizada, corrida e no balé, têm sido indicados, por pesquisas realizadas nessa área, como os de maior incidência de Transtornos Alimentares.

“A estreita relação entre imagem corporal e desempenho físico faz com que as atletas sejam um grupo particularmente vulnerável à instalação desses transtornos, tendo em vista a ênfase dada ao controle de peso. Estudos recentes citam a influência exercida pelos treinadores, patrocinadores e familiares, por meio de seus comentários relativos ao peso e à forma das atletas, como um poderoso elemento de instalação de comportamentos alimentares anormais”.
(Fátima Palha de Oliveira)

Para Stice (2002), existem evidências que dão suporte de que a mídia promove distúrbios da imagem corporal e alimentar. Análises têm estabelecido que modelos, atrizes e outros ícones femininos vêm se tornando mais magras ao longo das décadas. Indivíduos com transtornos alimentares sentem-se pressionados em demasia pela mídia para serem magros e reportam terem aprendido técnicas não-saudáveis de controle de peso (indução de vômitos, exercícios físicos rigorosos, dietas drásticas).

A Bulimia tem ganhado espaço na mídia, principalmente por algumas pessoas públicas terem assumido ser “bulímicas. Como por exemplo, as atrizes Jane Fonda e Natalia Rodrigues. A filha do presidente francês Jacques Chirac. A princesa Diana também assumiu em seus últimos anos de vida que sofria de Bulimia. No Brasil, a Leka do “Big Brother Brasil 1” em 2002, durante sua estadia na casa dos BBB´s mostrou que tinha a doença nas inúmeras vezes que, após dias sem comer, ingeria grande quantidade de comida e depois se trancava no banheiro para forçar o vômito.

Um caso recente tornou-se publico, por sua polêmica. Terri Schiavo, que ficou quinze anos em estado vegetativo trouxe mais uma vez à tona a polêmica da eutanásia. Poucas pessoas souberam o que a fez estar nesse estado vegetativo. Os médicos disseram que o ataque cardíaco foi provocado por desequilíbrio de sódio e potássio, desencadeado por uma desordem alimentar, a bulimia.

A sociedade e a cultura têm grande influência nos hábitos alimentares. Segundo Kreisler, (apud Cozzolino), Em certas etnias, a noiva é submetida a um tratamento sistemático para engordar. Os hindus têm alto apreço pelos alimentos, encarando-os como uma dádiva divina para sua manutenção. Na Índia, como em todo exótico e cerimonioso Oriente, a refeição não é apenas um ato alimentar, mas um verdadeiro ritual. Para os chineses, a arte culinária constituía uma das maiores expressões de civilização.

“Na cultura ocidental, que cada vez mais a magreza é valorizada, a incidência dos transtornos alimentares tende a ser influenciada por tal pressão social, mas não pode ser explicada somente por ela. Há, por exemplo, aqueles que comparam e fazem a equivalência entre as santas mártires com seus rigorosos jejuns na Idade Média e a anorexia atual, um exemplo bastante interessante da manifestação psicopatológica influenciada pela cultura vigente. As dietas que fazem parte do estilo de vida de hoje podem tornar alguns indivíduos vulneráveis ao desenvolvimento da doença”. (Waller & Hamilton, 1993; Seligman, 1995; Woodside & Kennedy, 1995).

A comida tem sido considerada pela nossa sociedade, como uma sedução irresistível, o alimento que é considerado gostoso, passa a ser uma verdadeira tentação, pois é justamente aquele que possui maior caloria, o que faz o indivíduo ficar em desespero, pois é a mesma sociedade que considera o padrão estético de grande importância.

“É por isso que remédios para emagrecer são usados até por pessoas de peso apenas ligeiramente acima do padrão recomendável, como saídas milagrosas. Eles fazem o candidato à magreza comer menos, fazendo-o, contudo à custa de viciar o seu consumidor, e não aprendendo a lidar com o excesso. Assim, a cultura, baseada em valores estéticos, materiais, morais que incentivam o consumo, criando paliativos, sustenta a dificuldade de lidar com seus verdadeiros sentimentos”.
(Cozzolino)

Outro aspecto importante a ser ressaltado é a atual rotina das cidades, a falta de tempo e a necessidade de tornar mais barata a refeição fora de casa, transformaram a refeição num ato rápido e desvirtuado das suas funções nutritivas e sociais.

Predominam as refeições em pé e ao balcão, à base de salgados e refrigerantes. Come-se apressadamente, sem saborear a comida e sem dar tempo para o convívio. Os alimentos estão muito centrados em calorias e em gorduras, pobres em vegetais e fibras, como também em vitaminas e sais minerais. Muitas vezes, destes desequilíbrios alimentares resultam crises de compulsão.

As pessoas com bulimia, geralmente se identificam entre si. Atualmente, podem ser facilmente encontrados na internet, grupos de pessoas com transtornos alimentares. Principalmente em sites de relacionamentos como o orkut, onde possuem verdadeiras comunidades de pessoas com o transtorno. Tais como: “Bulimia e Anorexia” (onde sua maioria é composta por pessoas que pedem socorro), “Morro, mas morro magra”, “Pro-Ana, Pro-Mia” (pessoas que são a favor dos transtornos, trocam informações para maneiras mais fáceis de vomitar, etc.). Qualquer um pode encontrar, por exemplo, nessas comunidades, troca de dietas e métodos para emagrecer, ensinamentos de como vomitar com mais facilidade, que alimentos são mais fáceis de “colocar pra fora”, etc. Podemos ver com isso, que existe uma necessidade de identificação e comparação, como uma forma de sentir-se aceito, pertencente e menos estigmatizado socialmente.

A Família

Podemos pensar a família como, a primeira interação social, com quem aprendemos a nos relacionar. Muitas vezes, nossa maneira de lidar com as pessoas tem inicio na família.

“A primeira gratificação que a pessoa obtém do mundo externo é a satisfação que obtém ao ser alimentada. A partir daí, a comida vai adquirindo novos significados durante toda a vida do sujeito, que podem ser os mais variados possíveis, como compensação, amor, raiva, tristeza, dependência, podendo culminar em patologias serias, como a bulimia”.
(Bello)

Segundo o nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Abran —Associação Brasileira de Nutrologia, em Catanduva, interior de São Paulo, se uma pessoa, na sua primeira infância, recebia uma mamadeira cada vez que sentia um desconforto ou uma dor, é muito provável que, anos depois, a associação continue fazendo sentido, ou seja, toda vez que se sentir infeliz ou frustrada, vai buscar pelo equivalente àquela mamadeira. O alimento pode passar a ter então a função de satisfazer não apenas a fome, como também as angústias, gerando uma sensação de alívio ao ser ingerido. Às vezes ocorre justamente o oposto, enquanto algumas pessoas, quando ficam nervosas não sossegam até devorarem algum alimento, outras, na mesma situação emocional não conseguem nem pensar em comer.

Se pararmos para pensar nessa situação, onde o bebê está chorando, e os pais, sem saber o motivo do choro, querem de alguma forma suprir a necessidade da criança, e sem antes conseguirem distinguir o choro, já colocam uma mamadeira. Se formos um pouco mais além, podemos imaginar, a possível dificuldade de percepção de si, expressão e comunicação que aquela criança terá futuramente.

A bulimia tem gerado preocupação a famílias do mundo inteiro, que acompanham suas filhas sempre em desespero para conseguir manter uma dieta, e nem sempre sabem reconhecer o limite entre uma simples preocupação com a beleza e a distorção da auto-imagem. O fato da bulimia não apresentar sinais claros no corpo, diferente do que ocorre na anorexia, onde a pessoa tem uma grande perda de peso, dificulta que a família tenha uma percepção do problema, pois quem esta sofrendo com a bulimia, costuma manter um peso, considerado normal. Por isso, o problema é detectado pela família, na maioria das vezes, quando a situação já é de emergência e apresenta maiores riscos, o que faz com que a família, se sinta mais culpada. É comum ouvir dos pais: “como pude não perceber e deixar chegar a esse ponto?”.

A pessoa que está sofrendo de bulimia, geralmente, se envergonha bastante por isso. Vêem a compulsão e a purgação como fraqueza, gerando um sentimento de incapacidade e falta de controle, por isso, escondem com freqüência de seus pais, amigos e familiares. O convívio com essas pessoas, também não é nada fácil, pois ver alguém próximo sofrendo e não conseguir ajudar pode trazer diversos sentimentos como culpa, raiva ou negação. É muito comum ouvirmos familiares dizendo que isso não é nada, que é da idade, e que logo vai passar. Ou simplesmente, fazerem de conta que não percebem nada de errado. A raiva pode ser demonstrada em frases do tipo: "você é uma maluca que não sabe se controlar". Muitas vezes os maridos ou namorados dessas pessoas, julgam que ela faz tudo porque quer e a critica fazendo-a se sentir ainda mais culpada.

Aquele que está sofrendo com a bulimia, geralmente, faz parte de uma família onde a comunicação não é dada de forma clara e eficiente. Em sua maioria, existe muito afeto, mas pouco diálogo, dessa forma, acaba se dando uma grande dificuldade de expressão desse afeto. Os problemas geralmente são sabidos por todos, mas de maneira subentendida, não são facilmente expressos, “quase não se toca no assunto”.

Os pais costumam tratar as filhas, como se fossem seres frágeis, sem capacidade de se “colocarem” no mundo, como se fossem eternas crianças, que precisam ser constantemente vigiadas, cuidadas e amparadas. Não conseguem ver essas filhas como pessoas completas e diferenciadas deles próprios, capazes de enfrentar a vida. O que os fazem ter uma extrema proteção, dificultando seu amadurecimento e que encontrem seus próprios caminhos. Demonstrando assim, uma grande falta de autonomia e individualidade.

Segundo Belloti, esse zelo sem limites acaba por tornar a relação familiar sufocante para ambos os lados, já que quem o recebe acaba por sentir-se contido em suas escolhas e quem o dá, permanece preso à vontade do outro, mesmo que as necessidades deste sejam vistas pela ótica de quem oferece o apoio.

Por esse motivo, a relação com esses pais (na maioria das vezes a mãe), geralmente é de amor e de hostilidade, até por que, essa proteção exagerada, nem sempre é tão ruim assim. Na verdade, apresenta algumas vantagens para quem é protegido, o que acaba deixando a pessoa em um constante dilema com ela própria. Por um lado querendo as vantagens proporcionadas pela super proteção e por outro se sentindo sufocadas.

Por isso, existe a necessidade de que essa pessoa passe por uma fase de reflexões, questionamentos, reavaliações de conceitos, valores, crenças, heranças transmitidas pela família as quais ela passa a decidir se as aceita, se não, ou se as reformula a partir das suas próprias experiências, do seu modo de ver e se posicionar diante da vida e do mundo no qual participa.

Segundo Ginger (1995), a introjeção é à base da educação da criança e do crescimento: nós podemos crescer, assimilando do mundo exterior certos alimentos, idéias, princípios, mas se nos contentarmos em engolir esses alimentos exteriores sem os “mastigar”, eles não são digeridos, ficam em nós, como corpos estranhos parasitas.

Quando somos crianças, tomamos como certo, os conceitos, crenças e valores de nossos pais. Somos como esponjas, que sugam para si e retém tudo, mas a medida em que crescemos, já não aceitamos as coisas com tanta facilidade, pois adquirimos um senso crítico. Para engolirmos algo, precisamos mastigar antes, ou não teremos uma boa digestão. Desse ponto de vista, a pessoa que introjeta pode ser comparada a uma criança, que assimila conteúdos provenientes do meio externo, a ponto de parecerem pertencer a si mesmo, tal sua identificação com eles.

“A introjeção, pois, é o mecanismo neurótico pelo qual incorporamos em nós mesmos, normas, atitudes, modos de agir e pensar, que não são verdadeiramente nossos. Na introjeção, colocamos a barreira entre nós e o resto do mundo tão dentro de nós mesmo, que pouco sobra de nós”.
(Fritz Perls, 1988. p.48).

Visão Gestáltica: fome de que?

"A gente não quer só comida,
a gente quer comida, diversão e arte.
a gente não quer só comida,
a gente quer saída para qualquer parte”.
Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sergio Brito.

A Gestalt-terapia é uma abordagem fundamentada no diálogo interpessoal, na relação. A Gestalt nos oferece uma visão dialética e processual do ser humano, através dela, podemos olhar o individuo, não deixando de lado o seu contexto, e tendo a possibilidade de vê-lo sem colocar um rótulo e de forma não estática.

Quando construímos teorias tendemos a ver o homem através da “lente da teoria”.

“Quando um elemento na existência espiritual ou psíquica do homem que previamente era pouco ou muito pouco percebido é então desvelado ou clarificado, identificamo-lo com a estrutura total do homem, em lugar de inserí-lo dentro da estrutura.
(Buber)

Ou seja, acabamos por ter uma visão restrita e limitada do homem, sem nos permitir olhar com uma verdadeira curiosidade, pois tendemos a enquadrá-lo dentro de algo já conhecido.

A Gestalt Terapia, nos possibilita olhar para a pessoa e não apenas para o sintoma. No caso da bulimia, não olhamos para “o bulímico” e sim para uma pessoa, que entre outras coisas, está apresentando sintomas da bulimia. Por esse motivo, não usamos a expressão conhecida e bastante usada por profissionais da saúde: “o bulímico” ou “a bulímica”, fazemos questão de identificar A PESSOA, que no momento está apresentando sintomas bulímicos.

Goldstein, estudioso da neurologia, chegou à conclusão, através da Teoria Organísmica, de que um sintoma não podia ser considerado ou compreendido a partir apenas de uma lesão orgânica, senão a partir da consideração do organismo-como-um-todo.

“O organismo é uma só unidade, o que ocorre em uma parte, afeta o todo”. (Kurt Goldstein)

O ser humano, ao se deparar com uma doença, costuma desvaloriza-la e tenta a todo custo remove-la. Com essa atitude, é enfatizado somente seu aspecto negativo, o que faz perder a oportunidade de encontrar significado e propósito nesta condição. Perls dizia que a energia é preciosa demais para ser jogada fora.

“Nas nossas neuroses e doenças físicas estão encaixados valores e padrões inconscientes essenciais para a totalidade. Para podermos descobrir seu significado, precisamos nos aliar as nossas doenças. Isso quer dizer que devemos prestar mais atenção aos sintomas, sem formular hipóteses a priori ou tentar muda-las”.
(Werlang) – revista viver –pg 30

Por isso a escolha do título. “Bulimia. Você tem fome de que?” Pois dá a idéia de uma busca ao sentido da Bulimia.

A febre, por exemplo, é um sintoma que surge para sinalizar que alguma coisa em nosso organismo não está bem. É necessário que se tome um remédio para baixar a febre, mas isso não basta. É preciso descobrir o que está gerando essa febre.

Pensando dessa forma, se não fosse a febre, a sinalizar, não seria possível descobrir que algo não vai bem. Podemos então deixar de vê-la como inimiga, pois se torna uma verdadeira aliada. Tendo então a doença como caminho para a “cura” de seu verdadeiro sentido.

“Todo sintoma é uma forma desesperada, criada pelo organismo, para tentar se auto-regular. Sintoma é, portanto, um tipo especial de resistência. Não deve ser sufocado, destruído a priori, pois sua função é revelar um aspecto oculto da totalidade, e é por intermédio dele que poderemos atingi-la”.
(Ribeiro)

“As chamadas resistências são verdadeiros processos de tentativa de auto-regulação e de autopreservação, são caminhos sutis e racionalizados, onde todo processo começa, podendo a organização adoecer, na razão em que esses processos se tornam contínuos, intensos, desconectados de suas necessidades”. (Ribeiro)

Em sua grande maioria, as pessoas que apresentam o quadro de bulimia, tem um bom nível social, são inteligentes, porém com uma grande fragilidade emocional, são depressivas e se irritam com facilidade. São bastante inseguras dando demasiada ênfase as opiniões das pessoas, chegando até mesmo, muitas vezes, a terem suas próprias opiniões confundidas com as opiniões dos outros e apresentam alterações de humor geralmente provocadas com facilidade por um fator externo tão pequeno que eventualmente nem elas próprias se dão conta.

Não são nem magras e nem gordas, são consideradas atualmente pela sociedade como “gostosas”, por terem um corpo com curvas acentuadas e ainda assim estão constantemente insatisfeitas com o próprio corpo, se preocupando excessivamente com o peso, atribuindo a ele uma ênfase excessiva na sua auto-avaliação, sendo o corpo então, um dos fatores mais importantes na determinação da auto-estima, o que torna possível afirmar que a pessoa que tem bulimia tem uma baixa auto-estima.

A psicóloga Yvone Poneet dedicada ao estudo profundo da anorexia e da bulimia afirma: "as bulímicas mesmo que tenham apenas alguns quilos a mais vivem sentindo os seus corpos como se fossem desmedidamente disformes e monstruosos. O corpo torna-se uma obsessão...".

Segundo a psicóloga portuguesa Gia Carneiro Chaves, não é um comer por fome, e sim por ansiedade, visto os alimentos acalmarem a angústia dessas pessoas. A desnutrição afetiva conduz o ser a uma fonte insaciável que é compensada desastrosamente por graves excessos alimentares.

Quando se empanturram de doces e alimentos, na maioria das vezes solitárias em suas orgias, as pessoas que estão sofrendo à bulimia tentam abafar as gritantes reclamações afetivas, sem o saberem ou poderem exprimir de outra forma. Ou seja, os desmedidos excessos alimentares servem de válvula de escape às suas angústias.

“... talvez naquele momento, por uma falta de suporte interno, de uma consciência maior, de uma vontade efetiva, isso seja a única coisa que a pessoa possa fazer e isso se chama resistência, palavra sagrada, pois ela é a força dos que não tem força, é a coragem dos que se sentem pequenos e fracos”. (Ribeiro)

“É nesse contexto que a resistência adquire corpo, como algo que tem a finalidade primeira de regulação do organismo, enquanto inibidora da ansiedade consciente. A resistência surge, pois, como algo que se destina a provocar uma auto-regulação. Atrás de toda resistência existem uma tensão e uma necessidade camufladas. Toda resistência é um desequilíbrio em equilibração precária”.
(Ribeiro)

Para a Gestalt Terapia, o campo organismo/ambiente, constitui uma unidade inseparável, uma totalidade. Dessa totalidade, figuras emergem em relação a um fundo. Todas as vezes que existe um desequilíbrio, este será experienciado como uma figura dominante em um fundo de experiências pessoais.

“Uma boa gestalt é clara e a relação figura/fundo reage a padrões mutantes das necessidades imediatas da pessoa. Necessidades não atendidas formam gestalten incompletas, exigindo atenção e interferindo na formação de novas gestalten”
(Yontef, 1993/1998, p. 213).

Doença para a Gestalt Terapia, representa a incapacidade de uma pessoa em reconhecer a necessidade dominante, de discriminar o objeto que irá satisfazer sua necessidade, de permanecer em contato com esse objeto e de se retrair após o fechamento de uma gestalt.

“O indivíduo que come compulsivamente distância cada vez mais de suas necessidades, mantendo-se afastado de quaisquer sensações desagradáveis. Descontrolados, engolimos por inteiro nossas angústias, acreditando que a comida é o problema. O ato de comer torna-se um ritual obsessivo (pensamento não desejado), expressando um lugar de segurança para o indivíduo. Pensando terá um motivo concreto para sua tristeza, decepção, raiva, afastando-se das suas reais emoções. Enquanto acredita-se no pressuposto que o “alimento” é o problema, jamais curaremos as feridas cuja expressão nos tornamos compulsivos”.
(Cozzolino)

Fica claro aqui, que a pessoa que está vivendo o quadro de bulimia, não consegue perceber sua real necessidade, colocando na alimentação e no corpo, toda a sua insatisfação, desviando do que realmente a adoece. O ato de comer se sobrepõe a uma necessidade ou a um sentimento. Fazer com que a pessoa entre em contato com essa necessidade e esse sentimento é uma das principais metas de um trabalho terapêutico.

A partir do meu contato com as pessoas que tem bulimia, pude perceber que geralmente, são pessoas que não sabem expressar suas opiniões, tem medo de serem reprovadas, o que explica cederem de forma tão rígida a moda, a exigências da sociedade, pois a opinião das outras pessoas tem um valor tão grande que às vezes não sabem diferenciar da própria opinião. Quando se chateiam ou não concordam com alguma coisa, dificilmente falam, guardando e alimentando sentimentos como raiva, tristeza, etc, às vezes até durante anos. Por não conseguirem se “colocar”, são pessoas que, como diz o ditado: “engolem um elefante e engasgam com uma formiga” agüentam até que explodem, mas nesse caso, encontram refúgio na patologia alimentar, tendo no vômito, uma maneira de colocar pra fora, grande parte da angústia – o que pode explicar o prazer que sentem ao fazerem.

É absolutamente necessário readquirir auto-estima e afirmar a sua real personalidade perante os outros, afirma-nos a psicanalista Catherine Hervais, uma ex-bulímica.

Segundo Monique Augras, o corpo estabelece o espaço interno, ao mesmo tempo em que funciona como elemento de comunicação com o espaço externo. É limite do indivíduo e fronteira do meio.

“A consciência de ser um corpo parece indispensável à diferenciação entre eu e não-eu (...). Fazendo parte ao mesmo tempo do sujeito e do objeto, o corpo tem por função estabelecer a relação entre o eu e o mundo exterior”. (Sechehaye, cit. Por Needleman).

O corpo é o que dá limite entre o interior de uma pessoa e o mundo, é a fronteira. A todo tempo o corpo é vivenciado. Quando praticamos esporte, quando sentimos dor, nos movimentos de contração, nas relações com o tempo, ao experimentarmos um alimento, nas relações com o outro. A pessoa que apresenta a bulimia, tem uma distorção de sua imagem corporal.

Para Schilder (1994), a imagem corporal é a figura de nosso próprio corpo que formamos em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós.

“Vê-se a totalidade do corpo de outra pessoa. Do próprio corpo, a percepção é fragmentada, e o reconhecimento, dúbio. A visão repentina do corpo revelado como um objeto qualquer dentro do mundo, tal como pode ocorrer perante um espelho inesperado, costuma provocar estranheza e até espanto. O corpo do outro me é mais familiar do que o meu próprio”.
(Monique Augras)

Começa então a fazer sentido pensar que as pessoas que estão passando por essa dificuldade alimentar não conseguirem diferenciar o que é seu e o que é do outro, pois se o corpo é a fronteira e não se tem a percepção clara do corpo, como então se diferenciar?

Segundo Jaques Thomas, um dos grandes investigadores da medicina psicossomática, sabe-se que a bulimia assalta especialmente as mulheres atingidas pelo exército dos medos. Medo de serem, medo de existirem, medo de si mesmas. Elas existem apenas através dos pais, dos maridos, do trabalho.

Steiner-Adair percebeu em seus estudos, que os jovens que desenvolvem transtornos alimentares perderam suas vozes em um momento de transição e passaram a estar desconectados tanto de suas experiências intimas como do próximo. Essas pessoas contam suas histórias com o corpo e anseiam estabelecer relacionamentos com as pessoas, por essa razão. Sem saberem autodefinir-se e relacionar-se, no sentido de não desenvolver um sentido de identidade pessoal nas relações.

É comum que elas reconheçam o próprio comportamento como absurdo, mas não conseguem controlá-lo e por isso se culpam ainda mais, sentindo-se inferiores, sem capacidade de autocontrole e com um sentimento de vergonha de si mesmo. Por isso, geralmente escondem o problema das outras pessoas, com medo de serem julgadas como pessoas incapazes.

Um passado de abuso sexual tem sido bastante relacionado ao desenvolvimento da bulimia, sem ser, no entanto, apontado como causador do transtorno.

“Alguns dos problemas mais freqüentemente referidos em crianças e adolescentes que sofreram abuso incluiriam ansiedade, raiva, queixas somáticas, distúrbios sexuais, do aprendizado e do comportamento. Entre os adultos, haveria depressão, ansiedade, uso nocivo e dependência de álcool e drogas, transtornos alimentares, do sono, dissociativos e psicóticos, além de doenças orgânicas, como distúrbios gastrintestinais, cefaléia e dor crônica”.
(Bachmann et al., 1988; Moncrieff et al., 1996; Charam, 1997; Miller et al., 1997).

Geralmente, quando se fala sobre o assunto “abuso sexual”, não fica claro o que exatamente pode ser considerado como sendo abuso. É comum se pensar, que, quando ocorre de fato o ato sexual com penetração pode ser considerado como tal, quando na verdade para ser considerado como abuso sexual, não precisa necessariamente que tenha havido penetração. Muitas vezes ocorrem outros tipos de abuso sexual que geralmente chamam menos atenção. Esses casos começam despercebidamente através de sedução sutil, passando a prática de "carinhos" que raramente deixam lesões físicas. Os tipos de abuso variam em gravidade, desde carícias leves até estupro violento.

Para Cohen & Fígaro (1996), abuso sexual pode ser entendido como qualquer relacionamento interpessoal no qual o ato sexual é veiculado sem o consentimento do outro, podendo ocorrer pelo uso da violência física e/ou psicológica.

Uma experiência de abuso pode dar origem a uma baixa auto-estima, culpabilidade, auto-reprovação, dificuldade em relações pessoais. A culpa vem, geralmente, devido ao fato de a criança ter permitido que o abuso acontecesse e, muitas vezes, de certa forma, ter experimentado sensações de prazer, o que gera uma auto-reprovação e nojo de si mesmo. Sensações novas foram despertadas, mas não integradas. É bastante comum também, que a pessoa tenha um grande sentimento de vergonha, por achar que seu corpo está sujo ou contaminado, sentindo-o como profano.

Algumas conseqüências do abuso podem ser comparadas à bulimia. Vimos que alguns comportamentos de pessoas com bulimia são de certa forma, paradoxais, no sentido de que, ao mesmo tempo em que querem emagrecer, durante a hiperfagia, de uma maneira quase irracional, agem de forma a proporcionar justamente o contrário.

Com a ocorrência do abuso sexual, há uma distorção da imagem corporal. A pessoa que passou pela experiência de ser abusada sexualmente encontra muita dificuldade para lidar com seu corpo considerando-o pouco atraente e adquirindo uma representação anormal da sexualidade. Apresenta sentimentos e comportamentos contraditórios, como, por exemplo, um interesse excessivo ou evitação de natureza sexual, uma inclinação para a prostituição ou a evitação e fobia de todos os indivíduos do sexo oposto, demonstrando um verdadeiro conflito em relação a isso. As preocupações com dieta, perda de peso e aparência seriam aí uma demonstração de defesa contra os sentimentos que não podem ser elaborados após o trauma da violação do corpo. Elas associam seu sentimento sexual com o peso corporal, gravidez, amamentação e o estado de seus relacionamentos.

É comum, que na adolescência, em conseqüência de um abuso sexual na infância, a pessoa tenha um comportamento rebelde e impulsivo, muitas vezes violento, não sendo muito tolerante com o outro e se mostrando irritada, com uma agressividade excessiva e mal gerenciada. A agressividade pode também estar voltada para dentro, para si mesmo, gerando um comportamento autodestrutivo.

“Estudos que abordaram o abuso sexual e os transtorno alimentares destacaram sintomas depressivos graves, condutas de auto-agressão, ideação suicida e, até mesmo, distúrbios dissociativos como os mais freqüentemente associados à violência sexual”.
(Herzog , 1993; Andrews, 1995; Sullivan , 1995; Tobin & Griffing, 1996).

Pesquisas atuais tem demonstrado que quem sofre de bulimia, é mais propenso a apresentar comportamentos arriscados, como o abuso de drogas, álcool. O índice de suicídios entre quem tem bulimia é alto, levando em consideração o fato de que apresentam traços fortes de depressão e do transtorno obsessivo-compulsivo.
Com essas informações, não podemos deixar de pensar na relação da compulsão com essa incapacidade que a pessoa tem de lidar com sua real necessidade. Já vimos, aquele que está passando pela bulimia, está propenso a ter uma série de compulsões além da compulsão com a comida. Traços de um comportamento obsessivo costumam aparecer com relação a jogos, compras e até sexo, além da comida. São diferentes expressões da mesma ansiedade, que compromete, mais do que o peso, a qualidade de vida.

A pessoa pode, por exemplo, se manter meses em uma dieta, o que não significa dizer, que seu desespero passou. Ela simplesmente pode ter assumido uma nova forma, tornando-se compulsiva em sua dieta.

Segundo Patrícia Albuquerque, ao analisarmos a palavra “compulsão”, podemos perceber o que ela nos diz: Com + pulsão= movimento de reter a pulsão. Essa pulsão que fica retida pode encontrar várias formas de obter alívio. (trecho de aula dada por Patrícia Albuquerque no Instituto de Gestalt Terapia e Atendimento Familiar.)


Conclusão

Segundo o mini-dicionário Aurélio, concluir significa, pôr término a, ou levar a cabo; deduzir, inferir, terminar de falar. Ou seja, é na conclusão que se deve dar um fechamento, o que está sendo ao mesmo tempo muito gratificante e também o experimentar de um luto.

Gratificante, por ter atingido o objetivo ao qual me propus, de apresentar a visão da Gestalt em relação à Bulimia, mas principalmente por ter me proporcionado, resultados surpreendentes em alguns dos meus atendimentos.

Não quero, contudo, encerrar aqui, minha busca pelo assunto, pois a visão que tenho hoje, em relação a esse trabalho é de uma porta se abrindo, através da qual eu pretendo entrar e me aprofundar cada vez mais.

Através desse trabalho, durante minhas pesquisas, pude chegar a algumas conclusões em relação ao atendimento a pessoas que estão vivendo um quadro de bulimia, que acredito serem fundamentais.

Fica claro aqui, que a “voz”, é um instrumento fundamental para a superação do problema. No caso da bulimia, onde é dada uma situação de silêncio, o corpo para se auto-regular, passa a ser a voz. O ato de comer sem saber se realmente está com fome, ou sem sentir o gosto da comida, mostra de forma clara, como o comer parece sobrepor-se a uma necessidade ou a um sentimento. É fácil notar a falta de contato no que se refere à percepção de sua real necessidade. Contata-las torna-se então uma das principais metas do trabalho, para que possa dar voz a ela.

O atendimento a pessoas com bulimia se torna muito gratificante, pois o resultado tende a ser muito eficaz. Isso se deve ao relacionamento terapêutico, que através do diálogo, escolhendo dar voz ao que emerge, a pessoa desenvolve uma nova forma de comunicação que modifica os significados, as relações e sua identidade, que deixa de ser através do outro.
O autoconhecimento, que o atendimento psicológico proporciona, vai exercer um papel de fundamental importância para possibilitar uma mudança, pois conforme a pessoa vai se conhecendo, aumenta a possibilidade dela agir com congruência, do mesmo modo que conforme ela vai agindo, vai também se conhecendo.

“Viver é como afinar um instrumento;
De dentro pra fora; de fora pra dentro.
O tempo todo; a todo o momento.
De dentro pra fora; de fora pra dentro”
(Leila Pinheiro)

A ampliação do autoconhecimento permite que a pessoa identifique como está construindo tal sintoma, o que gera a possibilidade de uma natural superação do quadro, através da auto-regulação, que vem trazer uma forma de funcionamento mais harmônica e saudável.

“O homem é auto-regulado, ou seja, o homem tende a homeostase, ao equilíbrio. Possui um impulso dominante de auto-regulação pelo qual é permanentemente motivado. A idéia de auto-regulação implica em uma concepção distinta, em Gestalt-terapia, de saúde e de doença. Para os Gestalt-terapeutas as noções de saúde e doença são vistas, por exemplo, em uma curva de energia proposta por Joseph Zinker (1979) onde a saúde corresponde a um equilíbrio energético e a doença a um momento de desequilíbrio de energia”. (Antonio Elmo de Oliveira Martins)


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ANEXO 1

Depoimento


Bom, primeiro a minha tia (que trabalha no HC de Ribeirão Preto) percebeu de cara, pois vê muitos casos no Hospital. Ela alertou minha mãe que já estava preocupada, mas como na época não se falava muito disso, foi procurar livros sobre isso. Nunca disse: coma filha, vc precisa. Ela simplesmente começou a contar casos do Hospital que minha tia havia falado. Não dei bola, achei que estava exagerando. Peguei uma foto da Fernanda Tavares que é modelo e disse: quando eu ficar assim eu paro. Aí ela disse: ela é horrível de corpo filha, vc está louca? Mas eu disse: mãe, eu não quero beleza, eu quero leveza para o Ballet, estou machucando meus pés com esse peso todo (eu estava com 54 KG). Ficou um mês tentando colocar suplemento vitamínico no meu leite, que eu bebia de manhã, estimulador de apetite e fazia coisas que eu amava comer para eu passar vontade. Dizia assim: não precisa comer, mas tá uma delícia viu...

Ela não disse mais nada, fomos comprar uma calça jeans pois fazia tempo que não comprava roupas. Estava usando dois números à menos, não servia pra mim mais o 38. De lá passamos numa farmácia, pesava 46 Kg, minha mãe disse: vc se viu no espelho hoje? Me colocou no espelho do trocador da loja e puxou minha pele do lado eu disse que era gordura e ela disse, vamos almoçar agora.

Chegando no restaurante, ela pediu um prato super balanceado e eu disse que não adiantava ela tentar me engordar. Ela disse: enquanto vc não comer, não vamos embora.O shopping fechou, estávamos lá com a comida fria.O guarda disse que tínhamos que ir embora, comecei a chorar de vergonha, dei duas garfadas e fomos pra casa.

No outro dia desmaiei na escola por ter menstruado, chamaram minha mãe, ela disse que eu não estava comendo. Era época de vestibular, ela me tirou do Ballet e disse que se eu não agüentava menstruar, quanto mais dançar.

Aquilo foi o fim pra mim, não deixou nem eu prestar vestibular, ela disse que o cérebro não funciona quando é desnutrido. O médico confirmou isso na minha frente no mesmo dia.

No mesmo dia minha tia me levou no HC, vi três meninas em fase grave, uma era terminal, todas anoréxicas. Me senti idiota, elas estavam horríveis, parecendo desidratadas e monstruosas. O quarto fedia, o hálito delas era repugnante e uma delas tirou o soro, pois disse que aquilo podia ter açúcar. Queria morrer, eu tinha feito o mesmo na escola dentro da ambulância, quando deram glicose pra mim na veia.Chorei na volta.Não queria aquilo pra mim.

Eu sentia que todos estavam em complô contra mim sabe. Parecia que quando alguém me oferecia algo, na verdade estava querendo meu mal, queria me engordar. A família do me pai é numerosa e todos estão gordos e/ou obesos. Sempre foi assim. Eu sempre fui a mais magra e me orgulhava disso, pois em casa minha mãe sempre cozinhou bem e seus pratos eram muito nutritivos e deliciosos. Doces e refrigerantes só nos domingos e festas.

Quanto mais tentavam me ajudar, mais eu me sentia desafiada a continuar e enganar todos. O médico já sabia disso, a nutricionista soube depois e então minha mãe me colocou num grupo de transtornos alimentares. Foi pior, parecia que não tínhamos o mesmo problema, parecia que só elas eram doentes. E algumas eu dava apoio, pois sabia que elas me entendiam. Mas depois que vi as meninas em fase terminal no HC, vi que todas do grupo poderiam tb acabar como aquelas meninas, inclusive eu.

Parei de menstruar, achava que estava grávida e o médico disse que não tinha como alguém engravidar desnutrida daquele jeito. Fiquei chocada. E disse que se um dia eu quisesse ter filho era melhor voltar a comer rapidinho. Não queria pensar no futuro então não me afetou. Só queria rapidez no emagrecimento.

Um dia voltava da escola e vi o Resgate do Corpo de Bombeiros. Estava muito frio. Fui ver o que era, era uma criança morta. Perguntei se era por causa do frio e o bombeiro disse: não, é de fome mesmo, está seca e os dentes caíram.

Voltei pra casa a pé, chorei muito, meus dentes tb estavam amolecendo. Pensei: estou me matando? Cheguei em casa, contei tudo pra minha mãe, ela tb chorou, disse que eu só estava andando porque ela enfiava suplementos líquidos no pouco que sabia que eu comia.

Fui visitar as meninas no hospital de novo, contei a elas o que vi e vi que a Anorexia é uma doença às vezes sem volta, pois uma delas ainda disse: prefiro morrer, mas morrer magra (e riu).

Fiquei revoltada. Uma semana depois chegou meu aniversário, acordei diferente aquele dia. Disse que ia nascer de novo. Minha mãe fez festa surpresa pra mim. Tinha amigos de fora, de cidades que morei antes (mudei 11 vezes de cidade) e muitos se assustaram com minha aparência. Uma amiga disse que sentia minha falta no Ballet, fiquei feliz e disse que no próximo ano voltaria.

Minha mãe chorou quando me viu experimentando um pedaço do bolo que fez pra mim. Eu adorei comer aquilo, pois dessa vez, não senti culpa por comê-lo e não andei 7km na esteira para compensar e nem fiz 100 abdominais em jejum ao lado da cama. Depois que desmaiei na escola não fiz mais exercícios.

Fui pra faculdade com os 54 kg normais, tenho 1,71m.

Lá até engordei, pois meu metabolismo estava muuuito lento. Não deixei de dançar mais, comia bem e mesmo que alguns professores diziam que havia engordado, não ligava, dizia: sinto muito, tenho trauma de dieta.

Mas depois de um tempo comecei a engordar pra valer e cheguei aos 70kg, comecei a tomar laxantes e fiquei depressiva, não conseguia mais parar de comer e até hoje quando tenho estresse ou tristeza, me controlo para não fazer isso. Não faço dietas de medo de voltar à anorexia então tomei muitos laxantes. E depois tomava muito yakult para não detonar a flora intestinal. Mas um professor da academia disse que isso retem líquido e piora as coisas. Então faz dois meses que não tomo mais. Diminuí as calorias e agora estou bem. Não me preocupo com o espelho, só com o peso nas pontas dos pés. Enquanto eu dançar minha balança será essa. Não sei quanto eu peso, mas estou feliz assim. Não quero medir minha cintura, essas coisas que toda mulher olha nas revistas de beleza.

Sei que mereço ser bonita e feliz e não quero me preocupar mais com isso. Vou voltar a comer como eu comia quando era pequena, com cuidado e equilíbrio. Minha mãe está me explicando como sempre fazia e está funcionando.

Espero que ninguém entre nessa, pois duas das três que visitei faleceram e uma está internada há 6 meses e o que mais assustou foi saber que por dois Kg a menos estaria na mesma situação de uma das que morreram. Hoje eu sou formada em Letras, dou aulas de Francês e Ballet, estou indo para França no fim do mês, mas se precisar de alguma coisa me escreva. Se quiser perguntar algo é só me escrever. Espero ajudá-la sempre e a outras meninas também.


Anexo 2

Depoimento


Tudo começou quando eu tinha 3 anos. Na escolinha os meninos mais velhos vinham brincar conosco. Nos faziam tirar a roupa, ficavam nos tocando... Não sei como, mas de uma hora pra outra, meus primos também começaram a "brincar" disso.

Morávamos todos na mesma rua, estávamos sempre juntos e esse tipo de brincadeira, ficava cada dia mais freqüente. Se brincávamos de esconde-esconde, quando eu me escondia sempre algum me seguia. Ou me trancavam dentro da casa da minha tia, e só me deixavam sair se eu fizesse tudo o que queriam. Os anos foram se passando, eu fui crescendo. Mesmo não gostando das brincadeiras, mesmo sentindo que havia alguma coisa errada comigo, continuou a acontecer.

Quando eu tinha em torno de sete anos, minhas primas também começaram a fazer isto comigo. Tiravam minhas roupas, me tocavam, deitavam sobre mim, me beijavam. Cada dia eu sentia mais nojo de mim mesma! Continuei a crescer e a freqüência começou a diminuir, mas as coisas a se fazer, só aumentavam (sexo oral, anal, masturbação). Com uns 11 anos, comecei a sentir nojo, muito nojo da comida, de mastigar, de engolir. Nojo da minha própria boca. Comecei a comer só dentro do quarto e a jogar a comida pela janela. Com 13 anos, parou de acontecer com minhas primas, restou apenas um primo. Eu já não era mais criança, só que era tão difícil impedir. Eu não freqüentava mais a casa dessa mina tia. Quando minha mãe me pedia para buscar algo lá, eu ficava na porta pra falar com a minha tia, e meu primo ficava atrás dela se masturbando.

Nos aniversários, minha mãe me mandava cumprimentá-lo, e o abraço sempre vinha acompanhado de um carinho no bumbum, ou uma "esfregadinha". E eu, sempre tinha que disfarçar. Espiava-me, dava um jeito de entrar na minha casa quando eu estava sozinha. Jogava-me em cima da cama, tentava arrancar minha roupa de qualquer jeito. Aí brigávamos... Eu fazia muito esforço pra tentar não pensar nisso o tempo todo... Fazia o possível pra parecer que nada acontecia. Tinha muito medo que alguém descobrisse. Isso durou até os 17 anos. Que foi quando eu jurei pra mim mesma, e pra ele, que iria contar pro meu pai. Ele invadiu o meu quarto, e meu pai estava em casa. Eu comecei a gritar sem medo que meu pai escutasse, já estava cansada e não ia aturar mais! Quando ele percebeu que eu finalmente estava falando sério, foi embora, e nunca mais tentou! E foi nessa época que descobri a bulimia.

Pode parecer ridículo, mas nada era tão bom quanto vomitar! Antes eu mal comia. Era muito magrinha. Mas na adolescência comecei a me achar gorda. Todos me cobravam muito! Além de ter que ser a melhor filha, a melhor aluna, a melhor sobrinha, a melhor neta, tinha que ser magra! Não comia nada sem ouvir a frase: Olha, você vai ficar gorda comendo isso! Eu, sempre perfeccionista cobrava demais de mim mesma! Precisava ser magra! Mas como se eu estava comendo demais? Vomitando tudo o que comia! E estava resolvido meu problema. Pois, além de todo o nojo que sentia de mim e o grande prazer e alívio que o ato de vomitar nos proporciona, eu estava me livrando de toda aquela comida nojenta! Fiquei nisso até os 19, quando tive a "tão sonhada" anorexia. Tinha o peso normal e acabei ficando abaixo do mínimo que eu deveria ter. Hoje estou com o peso normal. Querendo emagrecer mais um pouquinho, claro! Mas estou tranqüila. Não provoco o vômito a quase um mês. Não passo mais horas seguidas malhando, correndo, pra emagrecer. Não faço mais jejuns também. Sei que ainda não estou curada. Mas estou melhorando. E isso já me deixa mais feliz! Estou progredindo, pois vomitava cerca de oito vezes por dia, tomava tudo quanto é remédio controlado, sem acompanhamento médico. Fiz poucos meses de terapia, e adorei. Mas como meus pais não sabiam de nada, não podia dizer a eles. Afinal, a filhinha perfeita como uma filha que desejava ser perfeita podia estar com uma doença dessa? Então, com medo que descobrissem, parei com a terapia. Mas pretendo voltar! Hoje, eu já sinto vontade de namorar, desejo. Cansei de ouvir que sou lésbica ou encalhada, por nunca aparecer com namorado algum. Eu sentia muito nojo dos homens. Não podia, sequer, ouvir falar em sexo! Mas hoje, finalmente, estou aprendendo a gostar. Já consigo abraçar, beijar, fazer e receber carinho, sem ficar pensando que é ruim, nojento, errado, ou no que passou... Nada é pra sempre! Nós só precisamos nos esforçar pra deixar as coisas ruins no passado. Não se pode mudar o que passou, mas o futuro somos nós quem fazemos. Então, vale a pena fazer o possível pra tentar ser feliz daqui pra frente!