Tema:
No presente mini-curso apresentamos uma discussão sobre a forma como
os autores Frederick Perls, Ralph Hefferline e Paul Goodman, na obra Gestalt-terapia
(1951), concebem a gênese dos ajustamentos neuróticos. Para tanto,
discutiremos a tese, segundo a qual, a neurose é a perda das funções
de ego para a fisiologia secundária. Tal implica, num primeiro momento,
caracterizar o que é essa fisiologia secundária, precisamente:
a co-presença de estados corporais tensos retidos como hábitos
inibitórios inacessíveis (graças ao poder que têm
para desencadear formações reativas contra o próprio sistema
self). Num segundo momento, discutiremos qual é a relação
existente entre a fisiologia secundária e os excitamentos inibidos que
essa mesma fisiologia mantém como situações inacabadas.
Num terceiro momento, descreveremos o trabalho da fisiologia secundária
no sentido de interromper, pelas várias fases do processo de contato,
o avanço dos excitamentos inibidos (situações inacabadas),
qual seja aquele: o trabalho de criação de ajustamentos neuróticos.
Por fim, discutiremos em que sentido a descrição dos ajustamentos
neuróticos não se presta a uma tipologia de pessoas, mas visa
caracterizar um processo temporal único.
Objetivos:
- Localizar, no contexto das obras de base da GT, as referências aos ajustamentos
neuróticos
- Articular a teoria do self, seus fundamentos fenomenológicos e a definição
de neurose proposta pelos fundadores da GT
- A partir da obra “Gestalt-terapia”, estabelecer a descrição
temporal dos vários ajustamentos neuróticos
- Dissertar sobre a articulação entre os ajustamentos neuróticos
e a clínica gestáltica da neurose.
Conteúdo:
Self como sistema de contatos
As funções do self
Inibição deliberada e a gênese do hábito neurótico
Inibição reprimida e formação reativa
Ajustamentos neuróticos
Frustração habilidosa dos ajustamentos neuróticos
Experimento e ajustamento criativo
Natureza da abordagem filosófica, teórica e técnico-metodológica:
No capítulo da obra “Gestalt-Terapia”
intitulado “A natureza humana e a antropologia da neurose” (1951,
p. 115), Perls, Hefferline e Goodman referem-se aos ajustamentos neuróticos
como “aquisições recentes da humanidade” (1951, p.
125). Não se trata de propriedades inatas ou respostas a estímulos
previamente determinados: os comportamentos neuróticos são formas
historicamente adquiridas, em que se exprime um modo peculiar de deliberação
motora e linguageira, qual seja esse modo, aquele em que há inibição
inconsciente dos excitamentos espontâneos. Independentemente das razões,
o fato é que o homem parece ser, até o momento, o único
animal “capaz” de dividir sua ação, parte em proveito
do enfrentamento da novidade, parte em proveito da inibição de
seus próprios excitamentos espontâneos. Como é possível
ao homem operar dessa forma? Que tipo de dinâmica caracteriza esse sistema
de contato ou self? Quais funções estão aí mobilizadas
ou comprometidas?
Para Perls, Hefferline e Goodman (1951), o comportamento neurótico também
é um modo de ajustamento de nossa historicidade no interior do sistema
self (que é o campo de generalidade organismo/meio). Trata-se, assim
como os demais comportamentos, de uma dinâmica temporal de retomada da
preteridade segundo uma orientação de futuro ou, então,
trata-se da retomada prospectiva de um determinado fundo de co-dados que se
mobilizam junto ao dado material na fronteira entre o passado e o futuro. Mas,
esse ajustamento tem uma peculiaridade, a saber, a função de ego
perde seu posto de articulador do contato em proveito de outro agente, precisamente,
um hábito inibitório inacessível que, do fundo de preteridade,
“atua” como obstrução inconsciente do fluxo temporal
de excitamentos espontâneos. Não obstante o dado material presente
na fronteira de contato abrir, para o fundo de preteridade, possibilidades futuras,
algo desse mesmo fundo emerge na fronteira como interrupção presente
do processo de contato entre o fundo de passado e as possibilidades futuras.
Eis então a neurose, que, segundo Perls, Hefferline e Goodman (1951,
p. 235-236) é:
a evitação do excitamento
espontâneo e a limitação das excitações. É
a persistência das atitudes sensoriais e motoras, quando a situação
não as justifica ou de fato quando não existe em absoluto nenhuma
situação-contato, por exemplo, uma postura incorreta que é
mantida durante o sono. Esses hábitos intervêm na auto-regulação
fisiológica e causam dor, exaustão, suscetibilidade e doença.
Nenhuma descarga total, nenhuma satisfação final: perturbado por
necessidades insatisfeitas e mantendo de forma inconsciente um domínio
inflexível de si próprio, o neurótico não pode se
tornar absorto em seus interesses expansivos, nem levá-los a cabo com
êxito, mas sua própria personalidade se agiganta na awareness:
desconcertado, alternadamente ressentido e culpado, fútil e inferior,
impudente e acanhado, etc.
Mas o que são esses hábitos inibitórios inacessíveis?
Como eles se formaram? Como se manifestam? Que contribuições poderia
a experiência clínica legar aos ajustamentos dotados dessas características?
Essas são as questões que o presente mini-curso irá responder.
Metodologia:
Exposição teórica dos conteúdos e ilustração
dos temas com apresentação de casos clínicos
Referências
bibliográficas:
1934 - Goldstein, K. The organism. New York: Urzone, 1995.
1942 - Perls, F. S. Ego, hunger and aggression. New York: Random House, Inc.,
1969.
1945 - Merleau-Ponty, M. Phenomenology of perception. Trad. Colin Smith. London
and
New York, Routledge, 1998.
1950 - Husserl, E. Ideen zu einer reinen phänomenologie und phänomenologischer
philosophie. Zweites Buch. – Haag: M. Nijhoff, (Husserliana - Bd. III).
1951 - Perls, F. S., Hefferline, R. F. & Goodman, P. Gestalt therapy: Excitement
and
growth in the human personality. Second Printing. New York: Delta Book, 1965.
1952 – Husserl, E. Ideen zu einer reinen phänomenologie und phänomenologischer
philosophie. Zweites Buch. – Haag: M. Nijhoff, (Husserliana - Bd. IV).
1994 - Stoehr, T. Here now next: Paul Goodman and the origins of Gestalt therapy.
San
Francisco: Jossey-Bass Inc.