Mesa 22 – "Gestalt-terapia e Psicologia Social".

A Morte de Si Mesmo: O Suicídio na Perspectiva da Gestalt-Terapia (TL)

Profª Ms. Maria de Fátima Scaffo

O suicídio é um fenômeno mundial que vem aumentando significativamente nos últimos anos. De acordo com estudo realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com Universidades Públicas e Privadas, a média nacional é de 4,6 mortes por 100 mil habitantes. Para estudiosos acerca desta temática não há uma explicação conclusiva para essas taxas porque o suicídio é considerado um fenômeno proveniente de múltiplos fatores que interagem entre si. Porém, entendemos que a identificação destes fatores e a compreensão do seu papel tanto no comportamento suicida fatal quanto no não fatal é essencial para a prevenção do suicídio. Fatores como depressão, pobreza, perda de pessoas queridas, desentendimentos com familiares ou amigos, ruptura de relacionamento e problemas legais ou laborais são reconhecidamente, fatores de risco que afetam os que estão predispostos ou essencialmente vulneráveis ao suicídio.
Fukumitsu (2005), alerta que tão tabu quanto real, o tema ou não é suficientemente abordado na maioria dos cursos de Psicologia no Brasil ou nem faz parte das disciplinas oferecidas pela matriz curricular.
Para discutir a questão do suicídio escolhemos focalizar o pensamento Gestáltico e sua concepção de homem no mundo, bem como realizar no Serviço de Psicologia Aplicada das Faculdades Integradas Maria Thereza (SPA – FAMATH), um levantamento com 72 usuários que procuraram este Serviço apresentando sintomas de depressão, com ocorrência de tentativa de suicídio, considerando quanto ao trabalho terapêutico o percentual dos casos de evasão, continuidade e evolução do quadro dos pacientes que se mantiveram em atendimento no período de pelo menos 3 (três anos consecutivos). Esta iniciativa objetivou contribuir para alicerçar as bases do trabalho do profissional-aprendiz, diante da difícil tarefa de construir um conhecimento que possa auxiliar na percepção e intervenção de situação tão singular e ambígua e que em última análise encerra um julgamento sobre o valor da vida. No Brasil, 10 milhões de pessoas sofrem de depressão e em relação à população mundial estima-se que cerca de 20% de pessoas que sofram deste mal tentem suicídio pelo menos uma vez visando por fim ao sofrimento que o aflige. Sabe-se que na própria historicidade de cada indivíduo irá configurar situações específicas de dor e sofrimento que, arroladas à intensidade do envolvimento emocional com a pessoa que provocou o luto, reunirão características e determinantes bastante específicas a cada caso, e portanto, as reações inerentes a cada peculiaridade individual irão determinar aspectos e nuances que dizem respeito somente a cada indivíduo.
Werlang e Botega (2004), afirmam que se pode definir o comportamento suicida como todo ato pelo qual um indivíduo causa lesão a si mesmo, qualquer que seja o grau de intenção letal e de conhecimento do verdadeiro motivo desse ato. Essa noção possibilita conceber o comportamento suicida ao longo de um continuum: a partir de pensamentos de autodestruição, passando por ameaças, gestos, tentativas de suicídio e, finalmente, suicídio.
A palavra suicídio é conhecida desde o século XVI, sendo que as várias definições costumam encerrar uma idéia central, mais evidente, ligada ao “ato de terminar com a própria vida”, juntamente, com idéias periféricas, menos evidentes, relacionadas à motivação, à intencionalidade e à letalidade. Sabemos que o suicida se defronta com um dilema: ele quer morrer e viver, ao mesmo tempo, e o resultado (morte ou sobrevivência) será determinado pela força desses desejos e por circunstâncias por vezes fortuitas, como a intencionalidade do ato, o método utilizado, a possibilidade de socorro, a resistência física e as condições de saúde prévias. São várias as definições utilizadas para o suicídio, porém, mas freqüentemente se utiliza “ato suicida” para todo fato em que um indivíduo cause uma lesão a si mesmo, qualquer que seja o grau de intenção letal e de conhecimento do verdadeiro móvel do ato. Também em nossa pesquisa encontramos diferentes modalidades para o ato suicida, tais como: Suicídio Inconsciente, Reações de Aniversário, Homicídio Precipitado Pela Vítima e Fantasias Inconscientes Relacionadas ao Suicídio entre outras menos freqüentes. Durkheim (1982), nos adverte para a grande importância dos fatores culturais e sua interação com os demais fatores. Esclarece, por exemplo, que são vários os grupos sociais cujas idéias de honra são peculiarmente rígidas como ocorre na tradição japonesa. A importância de fatores culturais se torna mais evidente quando se observa pelos dados da OMS (2002), que as taxas de suicídio se mantém mais ou menos constantes durante décadas em cada comunidade. Nestas encontramos suicídios heróicos, altruístas, motivados pela busca de uma “outra vida”, pelo reencontro, autopunição, por melancolia, esquizofrenia, por vingança, pedido de ajuda, questões religiosas, etc.
Especificamente na perspectiva psicológica, o comportamento suicida é um fenômeno que tem se tornado um constante desafio para psicólogos das mais diferentes abordagens. Embora a literatura sobre o tema seja vastíssima, os subsídios teóricos habitualmente usados para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas, além de se contrastarem, têm se apresentado muito pouco eficazes. A tentativa de explicar e intervir nas manifestações desse sofrimento psíquico esbarra em uma ampla variedade de fatores, entre os quais a questão do psicólogo ser preparado para lidar com a vida e não com a morte. Em relação a Gestalt-Terapia, abordagem fenomenológica-existencial, que tem como norteadores do pensar e do agir terapêutico a concepção de ser no mundo como um todo integrado e integrante de um contexto sócio-econômico-político-cultural e espiritual, consideramos que pela sólida contribuição teórico-prática que a mesma vem prestando não somente a clínica, mas também no atendimento à saúde da comunidade, que a G.T. tenha muito a contribuir especificamente para a compreensão da temática: suicídio.
Como é possível observar nas informações anteriores, o suicida é alguém cuja crença na vida e nas possibilidades de ultrapassar o abismo “construído” entre ele e o mundo se encontram absolutamente indisponíveis a luz da consciência. Sua percepção distorcida o leva à fixação de uma única forma de livramento da sua dor. Sua realidade não é o aqui e agora. A dificuldade em suportar o seu desespero se tornam figurais, interrompendo seu ajustamento criativo e impedindo-o de realizar novas opções diante das questões reais de sua existência. Entendemos que quando ocorrem interrupções ou fixações pessoais do processo contínuo de figura e fundo, os mecanismos defensivos passam a atuar de forma cristalizada, tornando-se desadaptados, descontextualizados, interferindo na ambientalidade, que de acordo com Ponciano (2006), é um elemento essencial ao humano, pelo qual nos tornamos seres de relação, seres no mundo e para o mundo. Quanto ao suicida percebe-se que o potencial para o enfretamento do devir encontra-se bloqueada pela perda da esperança, pelo seu julgamento negativo sobre o valor da vida. Desta forma projeta na morte a possibilidade que acredita não conseguir em vida. A dificuldade de estabelecer um contato profundo e fluido com a própria dor o “obriga” a polarizar seu comportamento, o que estreita sobremaneira a possibilidade de integração criativa com a situação presente. Assim o estabelecimento de rigidez perceptiva, se torna figural e a morte se torna a única saída possível para a mudança almejada. Buscando dar fim a parte existencial, considerada tóxica, acaba por dar fim a sua própria totalidade. Acreditamos pelo trabalho terapêutico que vem sendo realizado no SPA/FAMATh que o desenvolvimento da awareness que se encontra restrita, inflexível e cristalizada, possa reestabelecer processualmente o ajustamento criativo, a auto-regulação e a possibilidade de construção de um novo projeto existencial que não elimine os traços dolorosos da experiências anteriores, mas que os utilize para suporte na edificação da crença do potencial humano para o enfrentamento das adversidades naturais da própria vida.

Levantamento Bibliográfico:
Botega, N. J. & Werlang. B. G. Comportamento Suicida, Porto Alegre: Artmed, 2004.
Durkheim, E. Suicide. New York: The Free press, 1982.
Fukumitsu, K.O. Suicídio e psicoterapia. Uma visão gestáltica. Campinas: Livro Pleno,
2005.
Ribeiro, Jorge Ponciano. Vade-mécum de Gestalt-terapia: Conceitos Básicos, São Paulo: Summus, 2006.
Ribeiro, Jorge Ponciano.O Ciclo do Contato: Temas Básicos na Abordagem Gestáltica, São Paulo: Summus, 1997.