A Morte de Si Mesmo: O Suicídio na Perspectiva da Gestalt-Terapia (TL)
Profª Ms. Maria de Fátima Scaffo
O suicídio é um fenômeno mundial que vem
aumentando significativamente nos últimos anos. De acordo com estudo
realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com Universidades
Públicas e Privadas, a média nacional é de 4,6 mortes por
100 mil habitantes. Para estudiosos acerca desta temática não
há uma explicação conclusiva para essas taxas porque o
suicídio é considerado um fenômeno proveniente de múltiplos
fatores que interagem entre si. Porém, entendemos que a identificação
destes fatores e a compreensão do seu papel tanto no comportamento suicida
fatal quanto no não fatal é essencial para a prevenção
do suicídio. Fatores como depressão, pobreza, perda de pessoas
queridas, desentendimentos com familiares ou amigos, ruptura de relacionamento
e problemas legais ou laborais são reconhecidamente, fatores de risco
que afetam os que estão predispostos ou essencialmente vulneráveis
ao suicídio.
Fukumitsu (2005), alerta que tão tabu quanto real, o tema ou não
é suficientemente abordado na maioria dos cursos de Psicologia no Brasil
ou nem faz parte das disciplinas oferecidas pela matriz curricular.
Para discutir a questão do suicídio escolhemos focalizar o pensamento
Gestáltico e sua concepção de homem no mundo, bem como
realizar no Serviço de Psicologia Aplicada das Faculdades Integradas
Maria Thereza (SPA – FAMATH), um levantamento com 72 usuários que
procuraram este Serviço apresentando sintomas de depressão, com
ocorrência de tentativa de suicídio, considerando quanto ao trabalho
terapêutico o percentual dos casos de evasão, continuidade e evolução
do quadro dos pacientes que se mantiveram em atendimento no período de
pelo menos 3 (três anos consecutivos). Esta iniciativa objetivou contribuir
para alicerçar as bases do trabalho do profissional-aprendiz, diante
da difícil tarefa de construir um conhecimento que possa auxiliar na
percepção e intervenção de situação
tão singular e ambígua e que em última análise encerra
um julgamento sobre o valor da vida. No Brasil, 10 milhões de pessoas
sofrem de depressão e em relação à população
mundial estima-se que cerca de 20% de pessoas que sofram deste mal tentem suicídio
pelo menos uma vez visando por fim ao sofrimento que o aflige. Sabe-se que na
própria historicidade de cada indivíduo irá configurar
situações específicas de dor e sofrimento que, arroladas
à intensidade do envolvimento emocional com a pessoa que provocou o luto,
reunirão características e determinantes bastante específicas
a cada caso, e portanto, as reações inerentes a cada peculiaridade
individual irão determinar aspectos e nuances que dizem respeito somente
a cada indivíduo.
Werlang e Botega (2004), afirmam que se pode definir o comportamento suicida
como todo ato pelo qual um indivíduo causa lesão a si mesmo, qualquer
que seja o grau de intenção letal e de conhecimento do verdadeiro
motivo desse ato. Essa noção possibilita conceber o comportamento
suicida ao longo de um continuum: a partir de pensamentos de autodestruição,
passando por ameaças, gestos, tentativas de suicídio e, finalmente,
suicídio.
A palavra suicídio é conhecida desde o século XVI, sendo
que as várias definições costumam encerrar uma idéia
central, mais evidente, ligada ao “ato de terminar com a própria
vida”, juntamente, com idéias periféricas, menos evidentes,
relacionadas à motivação, à intencionalidade e à
letalidade. Sabemos que o suicida se defronta com um dilema: ele quer morrer
e viver, ao mesmo tempo, e o resultado (morte ou sobrevivência) será
determinado pela força desses desejos e por circunstâncias por
vezes fortuitas, como a intencionalidade do ato, o método utilizado,
a possibilidade de socorro, a resistência física e as condições
de saúde prévias. São várias as definições
utilizadas para o suicídio, porém, mas freqüentemente se
utiliza “ato suicida” para todo fato em que um indivíduo
cause uma lesão a si mesmo, qualquer que seja o grau de intenção
letal e de conhecimento do verdadeiro móvel do ato. Também em
nossa pesquisa encontramos diferentes modalidades para o ato suicida, tais como:
Suicídio Inconsciente, Reações de Aniversário, Homicídio
Precipitado Pela Vítima e Fantasias Inconscientes Relacionadas ao Suicídio
entre outras menos freqüentes. Durkheim (1982), nos adverte para a grande
importância dos fatores culturais e sua interação com os
demais fatores. Esclarece, por exemplo, que são vários os grupos
sociais cujas idéias de honra são peculiarmente rígidas
como ocorre na tradição japonesa. A importância de fatores
culturais se torna mais evidente quando se observa pelos dados da OMS (2002),
que as taxas de suicídio se mantém mais ou menos constantes durante
décadas em cada comunidade. Nestas encontramos suicídios heróicos,
altruístas, motivados pela busca de uma “outra vida”, pelo
reencontro, autopunição, por melancolia, esquizofrenia, por vingança,
pedido de ajuda, questões religiosas, etc.
Especificamente na perspectiva psicológica, o comportamento suicida é
um fenômeno que tem se tornado um constante desafio para psicólogos
das mais diferentes abordagens. Embora a literatura sobre o tema seja vastíssima,
os subsídios teóricos habitualmente usados para o desenvolvimento
de intervenções terapêuticas, além de se contrastarem,
têm se apresentado muito pouco eficazes. A tentativa de explicar e intervir
nas manifestações desse sofrimento psíquico esbarra em
uma ampla variedade de fatores, entre os quais a questão do psicólogo
ser preparado para lidar com a vida e não com a morte. Em relação
a Gestalt-Terapia, abordagem fenomenológica-existencial, que tem como
norteadores do pensar e do agir terapêutico a concepção
de ser no mundo como um todo integrado e integrante de um contexto sócio-econômico-político-cultural
e espiritual, consideramos que pela sólida contribuição
teórico-prática que a mesma vem prestando não somente a
clínica, mas também no atendimento à saúde da comunidade,
que a G.T. tenha muito a contribuir especificamente para a compreensão
da temática: suicídio.
Como é possível observar nas informações anteriores,
o suicida é alguém cuja crença na vida e nas possibilidades
de ultrapassar o abismo “construído” entre ele e o mundo
se encontram absolutamente indisponíveis a luz da consciência.
Sua percepção distorcida o leva à fixação
de uma única forma de livramento da sua dor. Sua realidade não
é o aqui e agora. A dificuldade em suportar o seu desespero se tornam
figurais, interrompendo seu ajustamento criativo e impedindo-o de realizar novas
opções diante das questões reais de sua existência.
Entendemos que quando ocorrem interrupções ou fixações
pessoais do processo contínuo de figura e fundo, os mecanismos defensivos
passam a atuar de forma cristalizada, tornando-se desadaptados, descontextualizados,
interferindo na ambientalidade, que de acordo com Ponciano (2006), é
um elemento essencial ao humano, pelo qual nos tornamos seres de relação,
seres no mundo e para o mundo. Quanto ao suicida percebe-se que o potencial
para o enfretamento do devir encontra-se bloqueada pela perda da esperança,
pelo seu julgamento negativo sobre o valor da vida. Desta forma projeta na morte
a possibilidade que acredita não conseguir em vida. A dificuldade de
estabelecer um contato profundo e fluido com a própria dor o “obriga”
a polarizar seu comportamento, o que estreita sobremaneira a possibilidade de
integração criativa com a situação presente. Assim
o estabelecimento de rigidez perceptiva, se torna figural e a morte se torna
a única saída possível para a mudança almejada.
Buscando dar fim a parte existencial, considerada tóxica, acaba por dar
fim a sua própria totalidade. Acreditamos pelo trabalho terapêutico
que vem sendo realizado no SPA/FAMATh que o desenvolvimento da awareness que
se encontra restrita, inflexível e cristalizada, possa reestabelecer
processualmente o ajustamento criativo, a auto-regulação e a possibilidade
de construção de um novo projeto existencial que não elimine
os traços dolorosos da experiências anteriores, mas que os utilize
para suporte na edificação da crença do potencial humano
para o enfrentamento das adversidades naturais da própria vida.
Levantamento Bibliográfico:
Botega, N. J. & Werlang. B. G. Comportamento Suicida, Porto Alegre: Artmed,
2004.
Durkheim, E. Suicide. New York: The Free press, 1982.
Fukumitsu, K.O. Suicídio e psicoterapia. Uma visão gestáltica.
Campinas: Livro Pleno,
2005.
Ribeiro, Jorge Ponciano. Vade-mécum de Gestalt-terapia: Conceitos Básicos,
São Paulo: Summus, 2006.
Ribeiro, Jorge Ponciano.O Ciclo do Contato: Temas Básicos na Abordagem
Gestáltica, São Paulo: Summus, 1997.