Mesa 5 – "A presença e a vivência." Um ponto de vista fenomenológico-existencial sobre a psicoterapia
A VIVÊNCIA DO CLIENTE NO PROCESSO PSICOTERAPÊUTICO (TL)
Celana Cardoso Andrade

Intenciona-se apresentar neste Tema Livre a pesquisa de mestrado intitulada A vivência do cliente no processo psicoterapêutico: um estudo fenomenológico na Gestalt-terapia. A motivação desta pesquisa decorreu do interesse em conhecer a vivência do cliente no processo psicoterapêutico. A rigor, a investigação foi, sobretudo, analisar como os clientes vivenciaram seus processos psicoterapêuticos a partir de uma pesquisa fenomenológica segundo as formulações de Amedeo Giorgi.
Observa-se, nos dias atuais, uma maior procura e aceitação da população em submeter-se ao processo psicoterapêutico. Percebe-se que está mais fácil o acesso à psicoterapia, visto que esse tipo de serviço é disponibilizado em várias escolas de Psicologia, e, também, o número de convênios que contempla a psicoterapia tem aumentado significativamente, tornando-a um caminho mais acessível para as pessoas.
O aumento do número de pessoas que procuram a terapia também se deve ao caos relacional em que as pessoas vivem atualmente e, por isto, faz-se necessário identificar o cliente que tem chegado aos consultórios de psicologia. Observam-se dois temas gerais que os colaboradores desta pesquisa abordaram em seus relatos e que também têm sido comuns no dia-a-dia das pessoas em geral.
O primeiro tema é a perda de sentido na vida, do lado humano das pessoas, e elas têm vivido uma nostalgia referente a essa perda. O cliente precisa, pois, descobrir a significação de sua existência, uma vez que, dependendo da preocupação com o seu estar-no mundo, de como está sendo-no-mundo, desenvolve-se uma forma predominante de lidar neste mundo. Sem reconhecer qual o sentido de sua vida, o cliente torna-se impotente para lutar por algo significativo e surge então um vazio que o torna infeliz.
O segundo tema relatado com ênfase por um dos colaboradores, e pelos outros dois de maneira mais implícita, foi o quanto eles se sentem sozinhos e desacompanhados em seus sentimentos, pensamentos e ações, nesse mundo competitivo e vertiginoso em que vivem atualmente. Na verdade, ao buscarem a terapia, nem mesmo têm claro quais são esses sentimentos, pensamentos, e/ou ações. Trata-se de mais uma tentativa de encontrar alguém que os escute e os confirme.
De acordo com Friedman (2002), “solidão significa ausência de relação e manutenção do isolamento. Na solidão o homem conduz um diálogo com ele mesmo” (p. 85), o que acontece quando o homem falha em sua tentativa de entrar em relação, e, em decorrência, a distância entre ele e o outro aumenta e se solidifica.
Buber (1979) assinala que a sociedade capitalista promove um esgotamento da ação dialogal na sua emergência, tornando os homens supérfluos e solitários. A pessoa sente-se menos sozinha ao encontrar o outro, e essa percepção é bastante significativa nos relatos dos colaboradores.
Segundo Petrelli (2004), a chance de o homem se integrar é ele mesmo escrever e executar a sua história. Para tal, necessita de um projeto existencial: o de construir o ser autêntico. Resgatar a autenticidade é uma obrigação ética. Para assumir um compromisso com a vida, é preciso descobrir o sentido da existência, e, então mostrar que a ética é mais que um conjunto de normas, está ligada ao sentido da existência humana. A decisão de escolher ser alguém, de ser uma pessoa plena, autora de sua experiência, torna-se cada vez mais difícil.
Apesar do número de pessoas ter aumentado nos consultórios, a investigação científica em psicoterapia é um campo relativamente recente, iniciado no começo do século XX; e, em Gestalt-terapia, especialmente no Brasil, são poucos os estudos acadêmicos na área clínica (Holanda & Karwowski, 2004). Este dado também foi uma motivação para que esta pesquisa ocorresse.
Sousa (2006) apresenta o estudo sobre Investigação em psicoterapia, no qual ele apresenta algumas considerações relevantes para a pesquisa em psicoterapia. O autor aponta que a investigação em psicoterapia se centra nos resultados, isto é, tenta explicar como o cliente se encontra antes e depois da terapia e poucas pesquisas buscam compreender a relação terapêutica e como ela é vivenciada. Busca-se, nesta pesquisa, discutir como a relação psicoterapêutica foi vivenciada pelos clientes: as mudanças, as contribuições, as implicações etc.
Para Macran, Ross, Hardy e Shapiro (1999), a maioria dos estudos sobre pesquisa psicoterapêutica não tem considerado a perspectiva do cliente e, destacam, que o olhar do cliente sobre o processo psicoterapêutico é necessário para o desenvolvimento desse campo de pesquisa. Os autores ponderam que o modo como o cliente percebe sua terapia é tão importante quanto qualquer outra perspectiva. Até os dias atuais, os estudos têm buscado compreender como o psicoterapeuta entende a terapia.
Na literatura sobre psicoterapia, existe uma variedade de razões que são comumente citadas para justificar a tendência à negligência dos julgamentos dos clientes: a) em virtude de seu estado mental inadequado, os clientes não estão habilitados a fazerem seus julgamentos sobre suas terapias; b) os clientes dispõem de uma visão menos diferenciada do processo psicoterapêutico do que os terapeutas ou conhecedores desse campo; c) os clientes podem, consciente ou inconscientemente, distorcerem suas experiências relatadas; d) os clientes não têm habilidade suficiente para fazerem uma avaliação competente sobre a terapia que recebem (Macran et al., 1999).
Esses autores também listam boas razões que contestam os descasos com as contribuições dos clientes. Eles afirmam que os clientes até podem exagerar os benefícios obtidos ou distorcerem algo, mas, a não ser que suas idéias sejam consideradas delirantes, não existem razões para questionar seus relatos. Defendem a idéia de que o cliente não é meramente um receptor passivo da terapia, tanto que o processo psicoterapêutico reflete um acontecer de quatro mãos. Assim, as observações dos clientes são tão importantes quanto as dos terapeutas, até mesmo porque os clientes não são pessoas passivas em seus processos psicoterapêuticos como os modelos mais tradicionais os consideram. Os clientes trazem suas próprias esperanças, seus objetivos e intenções para a psicoterapia e ativamente avaliam as ações de seus terapeutas em relação a essas intenções, e, a decisão acerca do que é importante e significativo para os clientes cabe a eles. Enfim, se os pesquisadores querem entender, em profundidade, os efeitos da psicoterapia, eles precisam dos clientes para auxiliá-los.
O momento empírico foi constituído de entrevistas abertas com clientes que realizaram mais de seis anos de terapia individual e pelo menos dois anos de terapia de grupo; as entrevistas focalizaram as vivências dos processos psicoterapêuticos dos clientes.
Concluiu-se que a psicoterapia foi vivenciada de uma maneira positiva pelos colaboradores e que, depois desse processo, eles conseguiram atingir um autoconhecimento, descobrir o sentido de suas existências, resgatar a autenticidade e encontrar o outro e a si mesmos com respeito e aceitação, além de desenvolverem suas habilidades de dialogar, de viver no momento presente, ressignificar situações inacabadas e, sobretudo, estabelecer relações mais saudáveis.
Neste Tema Livre intenciona-se apresentar e refletir sobre os resultados encontrados na pesquisa, mostrar algumas interrogações que ficaram em aberto, apresentar algumas categorias encontradas nos depoimentos dos clientes que contribuem para a teoria da Gestalt-terapia e sugerir alguns passos para outras pesquisas que não puderam fazer parte deste estudo.

Referências bibliográficas:
Buber, M. (1979). Eu e tu. São Paulo: Moraes.
Friedman, M. (2002). Martin Buber: the life of dialogue. London and New York: Routledge.
Holanda, A. & Karwowski, S. (2004). Produção acadêmica em Gestalt-terapia no Brasil: análise de mestrados, doutorados. Psicologia, Ciência e Profissão [on-line], 24 (2), 60-71. Disponível: http://www.revistacienciaeprofissao.org/artigos/24 02/pdfs/24.2.7.pdf
Macran, S.; Ross, H; Hardy, G; Shapiro, D. (1999). The importance of considering client’s perspectives in psychotherapy research. Journal of Mental Health, 8 (4), 325-337.
Petrelli, R. (2004). O cidadão autor e ator de suas motivações se ser e de existir. Revista do X Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica, 10, 183-186.
Sousa, D. (2006). Investigação em psicoterápica: contexto, questões e controvérsias – possíveis contributos da perspectiva fenomenológico existencial. Análise Psicológica, 3 (XXIV), 373-382.