Fórum 8 – "A caminhada das gestalten-terapias com casais, famílias e comunidades nos últimos 20 anos"

Há quase duas décadas atrás, Gary Yontef já nos alertava que, o fato de não examinarmos as instâncias teóricas de orientação individualista, confrontativa e dramática de Perls, na década de 60, teve um efeito extremamente danoso no desenvolvimento da Gestalt-terapia. Para ele, uma análise de campo traria a família, os grupos e outros processos sociais para o primeiro plano, moderando o individualismo.
Dessa época até os dias de hoje, a Gestalt-terapia percorreu uma longa estrada. Vemo-nos, nessas últimas décadas, inquietos e envolvidos em aprofundar e desenvolver o corpo teórico da Gestalt-terapia. Todo esse esforço não foi em vão. Os caminhos e descaminhos que experimentamos nos últimos anos, tornaram possíveis irmos construindo, mesmo que de forma cautelosa e às vezes titubeante, uma identidade própria que nos fortalece e nos diferencia de outras abordagens.
A evolução da terapia de família em Gestalt-terapia, assim como o desenvolvimento dos trabalhos em grupo e em comunidade, fazem parte desse cenário. Começamos sem sabermos direito quem éramos e o que deveríamos fazer. Nessa fase precisamos imitar e, muitas vezes, pedir emprestado: teorias, conceitos, modelos e técnicas.
A necessidade de construir nossa própria identidade levou-nos, inevitavelmente, a aprofundar nossos estudos no caminho da fenomenologia, do holismo e da Teoria de Campo. Nessa direção, podemos contar com contribuições atuais que ampliam e sedimentam em muito nossas possibilidades teóricas e nossas diferentes práticas.
Esses aprofundamentos conceituais consolidam a Gestalt-terapia como uma abordagem que pode dar conta da complexidade do mundo atual e contribuir com novas formas de compreender e co-construir novos significados para antigas situações e contextos.

Assim, procurar descrever e compreender as pessoas em relação com o mundo em mudança ao longo do tempo é uma das muitas necessidades dos gestalten-terapeutas, que pretendem trabalhar no campo. Então, como realizar psicoterapias no campo, onde as pessoas envolvidas estejam presentes e não apenas representadas? Psicoterapias que possam ajudar psicoterapeutas e clientes a perceberem o campo por muitos pontos de vistas, com todos os sentidos? Quando buscamos uma perspectiva mais ampla do campo, estamos trabalhando para diminuir as possibilidades de explicações lineares, reducionistas. Estamos trabalhando por uma perspectiva gestáltica, complexa do campo.
O fato de estarmos propondo psicoterapias que nos ajudem a perceber a questão das múltiplas possibilidades não significa que estejamos propondo um puro relativismo, porque procuramos, sim, por uma objetividade, trata-se de uma objetividade que nos chega pela intersubjetividade. Intersubjetividade que permita que as pessoas partilhem suas experiências num mundo que há excesso de riqueza, de pobreza, de informação, de falta de informação, mas um mundo em que também falta tempo para partilharmos nossas experiências, para compreendermos os nossos sentidos e significados de estarmos no mundo. Nesse aspecto, em detrimento ao uso excessivo de técnicas, como aconteceu há alguns anos atrás, tanto a Gestalt-Terapia como as Terapias Familiares e Comunitárias têm optado pela restauração do diálogo, da conversação, para que tantos os indivíduos como os grupos percebam de uma forma mais ampliada as suas possibilidades de estar e atuar no mundo. Há cada vez mais um espaço para as perspectivas dos clientes. Dessa forma, ficam mais claras afirmativas como: devemos estar atentos à sabedoria organísmica ou o cliente é o especialista.
O diálogo realizado neste trabalho reforça a percepção da necessidade de continuarmos a reinventar psicoterapias que proponham um encontro que possibilite a co-constituição e a co-construção de significados universais dentro de uma família, de uma comunidade ou de um grupo que inicialmente não era um sistema natural. No entanto, essa co-constituição, essa co-construção não vai significar unanimidade, uniformidade, porque também procuramos pelos sentidos individuais, singulares. E é nessa relação entre o singular e o plural, sem reduzirmos pela totalidade ou pela singularidade que podemos estabelecer, ou melhor, continuar a ser seres de compreensão. A busca pelo diálogo, pelas narrativas, pelas conversações, ou outra denominação que venhamos a conferir ao que buscamos no encontro psicoterápico, é uma forma de compartilharmos nosso vivido, nossas experiências, já que essas realmente vão fazer sentido quando co-experienciamos com os outros. Não faz sentido uma experiência que não dialoga com outra experiência.
Toda abordagem psicoterapêutica, de uma forma ou de outra, considera o ser-no-mundo, mas podemos perceber que na Gestalt-Terapia há uma preocupação em dar atenção especial a essa perspectiva. E isso implica uma responsabilidade ética ainda maior dos psicoterapeutas, a de não proporem um processo psicoterápico que desconecte o ser do mundo. Psicoterapeutas Gestálticos têm uma responsabilidade ética de não enfatizar uma certa ética ocidental, individual que tem ressaltado o egocentrismo, o narcisismo. Daí decorre o questionamento de como poderemos facilitar um processo psicoterapêutico que não separe o cuidar de si do cuidar do outro, que relacione o sofrimento individual ao social, já que nunca estivemos tão sujeitos ao social; como poderemos respeitar as singularidades sem perdermos a dimensão do compromisso social e vice-versa. A questão que se impõe não é simples, não é uma. Ao contrário, a(s) questão(ões) envolve(m) elementos aparentemente extremos e opostos, mas, ao mesmo tempo, tão intrinsecamente relacionados. E isso se verifica porque, como já foi colocado anteriormente, não faz sentido uma prática psicoterapêutica centrada apenas na felicidade individual, ou nas exigências sociais, até porque o modelo de felicidade individual é um modelo de felicidade da nossa sociedade neo-liberal..
Assim, para este milênio, o grande desafio com o qual nós, gestalt-terapeutas, nos deparamos é continuar a co-construir possibilidades de trabalhos que levem a Gestalt-terapia além dos espaços individuais, que a leve para um espaço maior de interação interpessoal – grupos, casais, famílias e comunidades.
Ampliando nosso universo, aumentamos significativamente a complexidade dos temas que se tornam presentes e precisam ser considerados.
No atual contexto, de rápida transformação social, deparamo-nos no nosso dia a dia e na nossa prática clínica, com a diversidade de situações enfrentadas pelos casais e famílias, suas novas configurações, anseios e necessidades. Precisamos apontar para nossas possibilidades de atuação como gestalt-terapeutas nessa área.
Sabendo que nenhum campo está de fato isolado do outro e que os contextos estão sempre em mútuas e constantes interações, teremos a oportunidade de focalizar o cenário da evolução da família na Argentina e um trabalho específico que tem sido realizado com famílias reconstituídas naquele país, assim como um trabalho em comunidade, aqui no Brasil.


Referências Bibliográficas
Philippi, M. (2004). Co-construindo Pontes entre a Gestalt-Terapia e as Terapias Sistêmicas Construtivistas Construcionistas Sociais: Subjetividade e Intersubjetividade em Questão. Dissertação de Mestrado – Universidade de Brasília/Instituto de Psicologia
Yontef, G. (1998). Processo, Diálogo e Awareness. São Paulo, Summus Editorial.