POSTER 02: A FORMAÇÃO CLÍNICA DO GESTALT TERAPEUTA NA UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA: SOB O OLHAR DE ALUNOS CONCLUINTES
Autores: Cintia Mara Lavratti, Débora Assunção Calixto
da Silva, Larissa de Lucena e Natasha Silva Carneiro
RESUMO
Este artigo objetiva fazer uma reflexão acerca das vivências dos
alunos concluintes da graduação de psicologia da Universidade
da Amazônia -UNAMA, no que diz respeito à formação
clínica do Gestalt-terapeuta. Discorrer acerca das relações
estabelecidas entre professores e alunos, o estudo e aprofundamento teórico,
a prática supervisionada, bem como a indicação da terapia,
são aspectos imprescindíveis contidos nessa reflexão e
que primam pela qualidade e coerência da formação do aluno.
Palavras-chave: Gestalt-terapia, Formação, Terapeuta.
Na viagem
do aluno da Universidade da Amazônia, rumo a sua formação,
muitas “escalas” são feitas até que se chegue ao destino
desejado, destino esse que é de escolha e, portanto, representa o desejo.
Muitos fatores participam dessa escolha e contribuem para solidificar a consistência
e a certeza de estar na rota.
Considerando a formação clínica na escolha da abordagem
Gestáltica, a reflexão a ser feita nesse trabalho é a de
convidarmos a nós mesmos, alunos concluintes, a observar como foram constituídas
nossas vivências ao embarcarmos nesta Instituição.
Para nosso vôo, três “escalas” foram previamente determinadas,
na forma de disciplinas obrigatórias:
No primeiro semestre, com a disciplina História da Psicologia, ouvimos
pela primeira vez falar de Psicologia da Gestalt e também conhecemos
de modo sucinto seus pressupostos filosóficos. A escala, apesar de rápida,
trouxe o sentimento de algo novo e fez emergir a curiosidade e desejo por esta
viagem.
O contato mais aprofundado se deu de fato no terceiro semestre, no qual a disciplina
Teoria da Gestalt nos foi apresentada e então estudamos de forma mais
detalhada as teorias que embasam esta abordagem, sua fundamentação
filosófica e as principais diretrizes do pensamento clínico gestáltico.
Estudos de casos clínicos nos permitiram entrar em contato com a experiência
clínica e assim pudemos nos sentir mais próximos do que tanto
almejávamos: a prática clínica.
A terceira escala aconteceu no oitavo semestre por meio da disciplina Teorias
e Técnicas Psicoterápicas -Gestalt. A base teórica apreendida
no terceiro semestre foi fundamental para a continuação da disciplina.
A troca de conhecimentos teóricos, as relações estabelecidas
com os professores destas disciplinas, as relações com os colegas
de graduação e a maneira como o conteúdo emergia e se constituía
com sentido para nós, foram outras “escalas” que vivemos
no decorrer desta viagem solidificando a sensação de escolha pela
Gestalt-terapia, como referência para o estágio clínico
supervisionado, tornando-a viável. Tal escolha se deu de fato no oitavo
semestre, em virtude de nossa identificação com os pressupostos
filosóficos acerca da existência humana.
“A abordagem gestáltica considera o homem um ser inerentemente
relacional, dotado de singularidade, além de concreto e corporificado
[...] um conjunto de possibilidades que podem se atualizar, se realizar durante
a sua existência.” (CARDELLA, 2002, p.35).
“Um
ponto de vista tradicionalmente aceito é que a formação
da atitude clínica, no aluno de Psicologia, estaria assentada sobre três
fatores básicos: sua própria psicoterapia, seu conhecimento teórico
e sua prática clínica supervisionada”. (Tsu, 1983 apud Aguirre
et al., 2000).
No nono semestre e décimo em andamento, vivenciamos o Estágio
Supervisionado em Clínica na Abordagem Gestáltica. Nesta etapa
da viagem, este tripé está sendo aspecto imprescindível
que move nosso avião e assim dá coerência e atributos positivos
ao vôo.
Entender como a abordagem trabalha com seus fundamentos, bases e
conceitos, permite ao gestalt-terapeuta, trabalhar com consistência fornecendo
qualidade ao processo terapêutico. Yontef (1998) acrescenta acerca da
compreensão da Gestalt-terapia:
“A Gestalt-terapia é uma terapia existencial-fenomenológica fundada por Frederick (Fritz) e Laura Perls, na década de 1940. Ela ensina a terapeutas e pacientes o método fenomenológico de awareness, no qual perceber, sentir e atuar são diferenciados de interpretar e modificar atitudes preexistentes. Explicações e interpretações são consideradas menos confiáveis do que aquilo que é diretamente percebido ou sentido. Pacientes e terapeutas, em Gestalt-terapia, dialogam, isto é, comunicam suas perspectivas fenomenológicas. As diferenças de perspectivas tornam-se um foco de experimentação e de diálogo continuado.” (YONTEF, 19998, p.15).
O estágio
supervisionado no último ano se constitui como um lugar de chegada, marcado
pelo término do ciclo de aulas e teorias e está sendo o espaço
onde transferimos para a prática todo nosso conhecimento adquirido ao
longo do curso, juntamente com nossa supervisora que dispõe de domínio
e experiência na área clínica.
Soares (2009) afirma que o supervisor fundamentado na Gestalt-terapia tem como
missão servir de acompanhante na passagem do aluno pela supervisão,
que acontece através de sentidos, afetos, apostas, de instigar o mesmo
a criar além do que já é previsto.
A ansiedade aumenta e foi chegado o momento de iniciarmos o atendimento clínico.
A supervisora cria um ambiente favorável para nos sentirmos seguros.
A relação professor-aluno é fator fundamental para que
o êxito em nosso percurso seja alcançado, e que nossos erros se
transformem em experiências necessárias, no qual o professor nos
ampara e auxilia para que este aprendizado seja uma vivência fascinante,
já que nos encontramos no nono semestre com toda a ansiedade e expectativa
pela prática clínica.
“Cabe
aos educadores responsáveis pela formação de psicoterapeutas
criar condições facilitadoras de aprendizagem que pressupõem,
nessa profissão,
o desenvolvimento pessoal; é importante, portanto, facilitar a integração
das diferentes dimensões da experiência do aluno levando em consideração
o contexto acadêmico, e com finalidade pedagógica”. (CARDELLA,
2002, p. 103).
No que diz respeito à indicação de psicoterapia, de fato, sentimos essa necessidade de forma aguçada no nono semestre, pois iniciamos a prática clínica e percebemos o quão importante é compreender a si mesmo para colocar-se disponível na relação terapêutica, como se “faltasse” algo para que o processo como um todo nos faça sentido. “Para tornar-se disponível para o encontro é preciso que o gestalt-terapeuta, desde o início de sua formação, vá tomando consciência das exigências da profissão, sendo a mais fundamental o trabalho árduo e intenso sobre a sua própria pessoa”. (CARDELLA, 2002, p.102)
Para Juliano (1999), para que o terapeuta execute bem o seu trabalho, uma característica é a principal: a qualidade de sua presença, formada por uma atitude completa de disponibilidade, descontração, atenta e energizada.
Durante
as supervisões em grupo, aprendemos que a escuta é imprescindível
no processo de desenvolvimento do psicoterapeuta, pois este deve colocar-se
disponível inteiramente para o outro. É um processo que exige
grande envolvimento do terapeuta; ele irá relacionar-se com o desconhecido
que vem em procura de auxílio. Para Cardoso (2002) “a escuta é
a chave que abre a possibilidade da interação humana. Ao escutar
genuinamente o outro, confirmo-o como ser e escuto a mim mesma (...)”.
Sendo assim, é de responsabilidade do psicoterapeuta ajudar o cliente
a ouvir a si mesmo, possibilitando então uma relação autêntica
entre ambos.
Essas funções primordiais nos acarretam um misto de sentimentos
como medo, insegurança, a sensação do “não
saber” e então surgem questionamentos como: e se eu não
conseguir escutar o meu cliente? E se ele não gostar de mim? E se eu
não conseguir associar a teoria com a prática?
“Um fator que pode levar o terapeuta a perder-se é a vontade e o ímpeto de resolver os problemas do cliente. [...] Uma necessidade de “mostrar serviço” traz ao terapeuta iniciante uma inquietação que pode até mesmo atrapalhar na escuta atenta do cliente.” (FERREIRA, 2004, p.150).
Ao fazer uma reflexão sobre a manifestação amorosa do terapeuta pelo cliente, Cardella (1994) afirma que sente que o amor “acontece” no encontro com os clientes, mas que também nem sempre se encontra de forma amorosa nas sessões, visto que, é do próprio ser humano por vezes não estar inteiramente disponível, equilibrado ou integrado interiormente para a relação.
Sendo assim,
nossa aterrissagem está prestes a acontecer e nossa viagem se torna cada
vez mais interessante ao refletirmos sobre o ensino e nossa postura na prática
clínica.
“Ser terapeuta é um privilégio. Privilégio em diferentes
sentidos. Primeiro: as pessoas me procuram e compartilham comigo o que elas
possuem de mais precioso e raro: suas experiências, dúvidas, contradições,
segredos, enfim, suas criações de beleza e horror. Segundo: eu
admirava, com boa dose de inveja, os artistas que vivem de sua arte, até
perceber que esta é a minha realidade e que minha arte é ‘tocar’
pela palavra, gesto, afeto, expressão, olhar, movimentos, etc., nos seus
pontos sensíveis, adormecidos, cristalizados, encantados. Terceiro: o
privilégio de viver a minha ignorância, perplexidade, fascínio
e curiosidade junto do ser humano. É freqüente o comentário
de pessoas e clientes de que deve ser difícil passar o dia ouvindo problemas.
Eu ouço problemas e, mais do que isso, eu acompanho, observo, presto
atenção em obras de arte.” (GUEDES apud. PORCHAT & BARROS
(org), 2006, p. 17-18).
Concordamos com a bela colocação do autor e, enquanto futuros
psicoterapeutas começamos a sentir o privilégio que é ser
este profissional e descobrir a cada momento novos caminhos para o desenvolvimento
de nossa arte por meio de um estilo próprio.
Percebemos então, que nossas inseguranças e anseios não
estão “sozinhos”, pois temos a companhia de outros passageiros
que nos dão suporte teórico e prático para então
nos sentirmos amparados e acolhidos e que o amor e respeito pelo ser humano
é a chave para nosso êxito. Essa viagem de encontros, estranhamentos
e angústias é, ainda, a primeira de muitas outras que almejamos.
O final desta viagem tornar-se-á o início de muitas outras e vem
a ser uma continuação para nosso encontro e descobertas da Gestalt
Terapia.
REFERÊNCIAS
AGUIRRE, Ana Maria de Barros et al . A formação da atitude clínica no estagiário de psicologia. Psicol. USP, São Paulo, v. 11, n. 1, 2000 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642000000100004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 07 Ago. 2009.
CARDELLA, Beatriz H. P. A construção do psicoterapeuta. Uma abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 2002.
CARDELLA, Beatriz H. P. O amor na relação terapêutica. Uma visão gestáltica. São Paulo: Summus, 1994.
CARDOSO, Cláudia L. A escuta fenomenológica. Revista do VII Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica. ITGT (org). N. 8, 2002.
FERREIRA, Lívia C. O “terapeuta de primeira viagem”: vivenciando o processo de formar-se enquanto Gestalt-terapeuta. Revista do X Encontro Goiano da Abordagem Gestáltica. ITGT (org). N. 8, 2004.
JULIANO, Jean C. A arte de restaurar histórias. O diálogo criativo no caminho pessoal. 2. ed. São Paulo: Summus, 1999.
PORCHAT, Ieda & BARROS, Paulo (Org.) -Ser terapeuta. Depoimentos. 5. ed. São Paulo: Summus, 2006.
SOARES, Luciana L. M. A Gestalt-terapia na universidade: da f(ô)rma à boa forma. Estud. pesqui. psicol. v.9 n.1 Rio de Janeiro, abr. 2009. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812009000100012>. Acesso em: 05 Julh. 2009.
YONTEF,
Gary M. Processo, diálogo e awareness. Ensaios em Gestalt-Terapia. 2.
ed. São Paulo: Summus, 1998.