MESA REDONDA 14 – PARTE I: A TRANSFORMAÇÃO PELO ENCONTRO: UMA EXPERIÊNCIA EM GESTALT-TERAPIA


Autor: Theny Mary Viana Fireman de Araujo

 

RESUMO

Trabalho desenvolvido com grupo de pessoas portadoras de riscos cardiovasculares na perspectiva de promoção de saúde, estimulando o auto-cuidado, adoção de estilo de vida saudável e adoção de prática de falar dos sentimentos vivenciando-os no aqui e agora. O Programa Viva Melhor da Unimed-Maceió é um espaço de convivência para esclarecimentos, orientações e troca de experiências. O desenvolvimento do trabalho baseia-se na prevenção de doença ampliando o nível de consciência da pessoa ao seu modo de viver, propiciando suporte social, buscando diminuir os efeitos deletérios do estresse da vida contemporânea e estimulando o autoconhecimento. O trabalho se embasa nas concepções da Gestalt-terapia através de conceitos essenciais como contato interpessoal restaurando o diálogo, onde as pessoas buscam compreender o como algo aconteceu a elas, além da Psicossomática que respalda o resgate minucioso do adoecer humano. Apresentamos também os resultados obtidos, através das falas significativas dos participantes, que no exercício da amorosidade pessoal buscam sua autonomia individual fazendo um caminho para a alteridade.


Palavras-chave: gestalt-terapia, psicossomática, tomada de consciência, contato, processo de cura, promoção de saúde, riscos cardiovasculares.

INTRODUÇÃO

Esse trabalho visa relatar uma experiência em saúde coletiva na perspectiva de grupos com pacientes de risco cardiovascular. A Unimed-Maceió criou um programa de promoção da saúde na praia de Jatiúca há mais de nove anos, antes era Saúde na Praia, que contava com sua fundadora a médica Maria Roseane Tenório Mendonça e alguns profissionais de Educação Física, na realidade era mais uma ação de atividades físicas. Depois esse programa foi incorporando outros profissionais, outras práticas e outros saberes, se constituindo assim, no Programa Viva Melhor Saúde na Praia, sendo desenvolvido em dois locais: No bairro do Farol, próximo ao Hospital da Unimed e na Jatiúca no Espaço Vera Arruda. E é a partir dessa experiência com os Grupos no Espaço Vera Arruda que trata este trabalho.

As políticas de saúde no mundo estão relacionadas de acordo com a evolução histórica, político-social e econômica das sociedades, tanto é que hoje ao falar-se em promoção de saúde, nos leva necessariamente a lembrar da I Conferência Internacional de Promoção da Saúde, no Canadá em 1986, convocada pela Organização Mundial da Saúde – OMS, a qual delineou a qualidade de vida, a participação e a parceria nas políticas de saúde como campo de ação. A II Conferência veio a ser realizada em 1988, na Austrália, propondo equidade e promoção de saúde. Naquela época o Brasil estava reescrevendo sua história com a elaboração da Constituição Federal – CF/88, conhecida como Constituição Cidadã. E nela, pela primeira vez a questão de direitos e os princípios de promoção da saúde foram incluídos, com a criação do Sistema Único de Saúde -SUS.

Atualmente a política de saúde no Brasil se configura prioritariamente na perspectiva da promoção de saúde e prevenção de doenças, através de ações e serviços ofertados pelo setor público, conforme delineia os princípios do SUS. Essa perspectiva de se trabalhar com os riscos pode ser encontrada no artigo 5° da lei 8.080/90 (conhecida como Lei Orgânica da Saúde) quando se refere aos objetivos do SUS, que é de promover a adoção e medidas que evitam, reduzem e/ou minimizam agravos à saúde, assegurando condições para a manutenção e sustentação da vida humana. Especificamente em Alagoas, segundo o Plano Estadual de Saúde para o período de 2008-2011, a Secretaria Estadual de Saúde apresenta os eixos prioritários de ação governamental, entre eles o da Promoção da Saúde contendo as estratégias de ambientes livres de agravos controláveis; redução de riscos de acidentes e violências; adoção de estilo de vida saudável e meio ambiente sustentável (ALAGOAS, 2009). Essa política vem sendo implementada pelos municípios alagoanos, e em paralelo a própria Unimed-Maceió, institucionaliza o Programa Viva Melhor, tendo em vista a concepção de que o trabalho em grupo reduz custos, fortalece mudanças de hábitos, visto que é, no diálogo coletivo que se ampliam as explicações de cunho psicossociais dos fenômenos da saúde e da doença, além da importância de falar de sentimentos, conforme diz o ditado popular citado por Barreto, (2005 p. 3): “É muito importante falar com a boca. Porque quando a boca cala, os órgãos falam e quando a boca fala os órgãos saram”. Daí a importância de restabelecer o diálogo entre as pessoas.

 

O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO

Os participantes do Programa Viva Melhor são selecionados de acordo com alguns critérios, ou seja, ser portador de riscos e/ou doenças cardiovasculares, ter idade cronológica acima de 50 anos, podendo ser ou não cliente da Unimed e querer participar de um Grupo com duração de seis meses, cujo objetivo é minimizar as conseqüências oriundas dos agravos cardiovasculares, através do convívio em grupo, estimulando o auto cuidado, a adoção de estilo de vida saudável, adoção de falar de sentimentos para não adoecer e assim, promover uma melhoria na qualidade de vida de seus participantes. Em outras palavras o Programa Viva Melhor é um espaço de esclarecimento, orientação, comunicação e troca de experiências entre os participantes, bem como, reflexão e conscientização dos aspectos psicológicos presentes no processo de adaptação à nova rotina de vida, que podem estar comprometendo sua saúde e favorecendo a evolução da doença.

Em última instância, nosso objetivo é propiciar a vivência do contato, compreendida como sendo, conforme diz Ribeiro (1997, p.13) uma “palavra mágica, é sinônimo de encontro pleno, de mudança de vida. É convite ao encontro, ao entregar-se”. Para participar dos Grupos as pessoas precisam ser portador de um ou mais riscos de doenças tais como: hipertensão arterial sistêmica; excesso de peso (sobrepeso e obesidade); obesidade abdominal; diabetes Melittus ou pré-diabetes; dislipidemias (gorduras alteradas no sangue); sedentarismo (quando associado a qualquer fator de risco) e doenças pregressas relacionadas ao tema do Programa (angina, infarto, derrames).

O trabalho do Grupo foi realizado sistematicamente por duas psicólogas (uma com formação em Gestalt-terapia e outra com formação em Biossíntese), além de outros profissionais que também se encontram com os grupos e onde são realizados palestras e vivências. Percebemos que a atuação de vários profissionais conjuntamente propicia aos clientes uma sensação de proteção e cuidado, suficientes ao bem-estar emocional, manifestados em comportamentos mais autoconfiantes, com assiduidade às atividades, com disciplina no tratamento medicamentoso e alimentar e retomada da vida ativa no trabalho que representa um novo suporte social. O trabalho acontece com encontros semanais com as psicólogas e quinzenais com os outros profissionais, com duração de duas horas por semana. Trabalhamos com quatro Grupos chamados de Risco de Doenças Cárdio Vascular – RDCV e cuja proposta é a tomada de consciência do existir de cada um, da responsabilidade individual na melhoria da sua saúde e conseqüentemente, melhoria na qualidade de vida, permitindo-se a viver e conviver com as emoções sem precisar escondê-las e, fundamentalmente, sem precisar adoecer, ou seja, fazer as pessoas entrarem em contato consigo e com o outro, pois segundo salienta Ribeiro (1997, p.36), “o contato é saúde. Saúde é contato em ação. Qualquer interrupção do contato implica uma perda na saúde. Contato é processo de auto¬regulação organísmica” e quando a doença aparece o contato é interrompido.

Os participantes dos Grupos são contatados pelos funcionários da Unimed, após serem identificados no sistema de informação dos atendimentos ambulatorial e/ou hospitalar, ou ainda através de demanda espontânea, onde as pessoas buscam informações de como participar do Grupo, porque algum amigo ou parente já participou ou participa. Após serem identificados os participantes é formada a turma, a médica coordenadora, faz o que chamamos “Momento da Sensibilização” que nada mais é do que mostrar os objetivos do trabalho a partir da perspectiva de promoção de saúde e qualidade de vida e não apenas prolongamento de vida. E assim, as turmas chegam ao belo Espaço Vera Arruda.

O TRABALHO PROPRIAMENTE DITO


As duas psicólogas são as primeiras que recebem as pessoas de cada turma e uma das atividades mais importante é o momento da acolhida. Conforme Ferreira (1964, p.21) acolher é “receber, dar acolhida, agasalhar, hospedar, escutar, atender a, admitir, ter em consideração”. Para nós, acolher é aproximar, é encontro, é inclusão, é oferecer uma atenção mais adequada possível, é escutar sem pressa a pessoa e tentar acalmá-la para que a mesma possa resolver sua dificuldade. Um fato que mais chama a atenção nos primeiros momentos e que é muito comentado pelos participantes é sobre o abraço afetuoso que é dado pelas duas psicólogas e que posteriormente, se espalha entre os participantes. Esse momento é fundamental para o estabelecimento da relação clientes e profissionais, criando uma rede de confiança, solidariedade e também o primeiro toque de contato.

O trabalho busca atender o objetivo de que as pessoas, dentro das perspectivas de valorização da vida, possam viver de uma maneira mais harmoniosa e prazerosa, consigo mesmo, com o outro e com o mundo, reforçando o dizer de Hycner (1995, p.16) “muito do sofrimento humano poderia ser diminuído se houvesse uma maior preocupação em estabelecer um diálogo genuíno entre as pessoas”.

Para controlar os riscos de doenças cardiovasculares faz-se necessário o desenvolvimento de técnicas que propicie a mudança de hábitos e de comportamento, e principalmente, a melhoria na auto-estima e o aumento da rede de apoio social, uma vez que o apoio social oferece estabilidade de proteção ao indivíduo em momentos estressantes. Segundo algumas pesquisas que buscam entender a origem da hipertensão arterial, Groen (1975 apud CAMPOS, 1992, p. 248) apresenta seu estudo mostrando que as doenças cardiovasculares aparecem devido a alguns fatores como: “rápidas mudanças sociais ocorridas e quebra dos valores tradicionais, a ruptura de laços grupais, aumento da competição e do individualismo e a elevação das taxas de doenças psicossomáticas”.

Assim, podemos verificar que o ritmo alucinante da vida na atualidade; a transitoriedade das coisas, das pessoas e dos valores; a valorização da melhor tecnologia e do individualismo crescente vem promovendo um aumento nas doenças psicossomáticas. De acordo com as pesquisas de Friedman e Rosenman (1974 apud RAMOS 2006, p. 83) no estudo de pacientes cardíacos elaboraram um construto descrevendo alguns fatores psicológicos, mostrando que as pessoas com riscos cardiovasculares apresentam algumas características específicas como:

“comportamentos orientados para a excelência do desempenho de modo muito determinado; envolvimento excessivo com o trabalho; sentimento exagerado de urgência de tempo; agressividade, competitividade, impaciência e vigorosa atividade lingüística e motora”.

Para Ballone (2007, p. 257) os aspectos psicossociais como “ambiente competitivo, a responsabilidade, a premência de tempo, a instabilidade social, as mudanças do cotidiano, etc., poderão ter maior ou menor influência na pessoa”, tanto que a atualidade exige maior repressão às emoções conforme mostra Mower (1991 apud SILVA, 1994, p.80). Resumidamente podemos dizer que fatores psicológicos que perpassam as doenças cardiovasculares demonstram pessoas com comportamento de “engolir seco”, estão sempre acima da tensão que o corpo agüenta; possuem um ritmo agitado de vida, possuem um acentuado impulso para a competição e desejo de serem reconhecidos, agressividade reprimida, isolamento social e rompimento de laços afetivos.

Assim, para prevenir a possibilidade de doenças cardiovasculares é necessário:

• Ampliar o nível de conscientização do indivíduo sobre seu modo de viver, estabelecendo metas reais que possam ser alcançáveis, priorizando uma coisa de cada vez, além de rever certos hábitos de vida que deteriora sua saúde.

• Propiciar ao indivíduo suportes sociais que o faça sentir-se amado, valorizado, cuidado e protegido, membro de uma rede de interações e comunicações que funcione de maneira franca e precisa, pois o grupo funciona como suporte social.

• Conscientizar o indivíduo acerca dos efeitos deletérios do estresse e propor métodos para reduzi-lo, através de exercícios respiratórios, relaxamentos e meditação.

• Estimular a ampliação do autoconhecimento através de técnicas psicoterápicas.

• Informar sobre os fatores de risco da doença, orientando e estimulando no sentido de combater esses fatores.


E para alcançar esses objetivos é necessário dialogar sobre temas como sentimentos, a repercussão das emoções no corpo, a somatização, a vida significado do coração, pois, Oliveira Junior (2005, p.42), nos mostra que “cada órgão adoecido traz consigo uma bagagem simbólica construída ao longo da própria existência da humanidade. Fisiologicamente, o comando da vida física e a modulação do comportamento humano estão centralizados no cérebro, mas é o coração que simboliza o amor e o ódio, a alegria e a tristeza, a coragem e o medo, o coração é o templo das emoções. Assim sendo, devemos ver que o coração é o foco das queixas emocionais, como resposta ao estresse. Por isso, é preciso ter uma comunicação empática, formar o vínculo terapêutico e ser continente. Ser continente implica ouvir, ouvir até mesmo o silêncio”.

Esses temas são discutidos nos encontros e conforme nos mostra Buber (1958 apud HYCNER, 1995, p. 21) “todo viver verdadeiro é encontro”. No trabalho desenvolvido com os grupos visando à promoção de saúde, é utilizado também princípios da filosofia do diálogo, entendida como fenômeno que ocorre entre pessoas no aqui e agora, num processo contínuo de respeito, responsabilidade e resultado, na perspectiva do que Hycner chama de ‘inter-humano’, ‘dialógico’ e ‘entre’ como sinônimos, em conformidade com a concepção de Buber (1965b apud HYCNER, p.23) “o significado do inter-humano não será encontrado em qualquer um dos parceiros, nem nos dois juntos, mas somente no diálogo entre eles, no ‘entre’ que é vivido por ambos”, ou seja, no inter-humano a realidade é muito maior do que a soma dos dois juntos, sendo o “entre” a ponte que dá significado da interação com o reconhecimento da alteridade.

Do total de cerca de 100 pessoas trabalhadas nos quatro grupos, percebemos características muito semelhantes entre os participantes, além de serem portadores de risco ou doenças cardiovascular, as emoções são fortemente sentidas quando da realização de exercício mais profundo, que necessariamente faz a pessoa olhar para dentro de si, buscando compreender o que está por trás daquela doença, já que a pessoa precisa se escutar e mudar sua maneira de agir, visto que ela é ao mesmo tempo consciência e corpo. Os exercícios de “awareness”, dar-se conta e de tomada de consciência são realizados com a respiração e a meditação, propiciando que as pessoas se percebem como pessoas, deixando fluir seus sentimentos que agora são primeiramente sentidos e depois pensados e falados, como diz Ginger (1995, p.163) “o corpo e as palavras entram em ressonância”. E conforme ressalta Trindade (2006, p.31) a “consciência é o insight, o dar-se conta – awareness – uma forma de experimentar, de estar presente, em contato, atento”.

Outra questão também trabalhada se referiu à auto-estima, visto que está relacionada com crenças e atitudes que a pessoa tem de si mesma, ter auto-estima é ter amor próprio, é gostar de si mesmo, é ser proativo, é levantar-se diariamente e agradecer por estar vivo, é ter autoconfiança e é tentar ser feliz mesmo sendo portador de uma patologia crônica. Para isso, as pessoas carecem viver conscientemente entendendo o que as levou a ter uma atitude que gerou sofrimento e dor. De imediato detectamos 40 pessoas com baixa auto-estima e constatamos que as mesmas não confiavam no seu potencial, não se cuidavam, reclamavam bastante e, portanto, sofriam muito mais. Assim, depois que elas compreenderam que a auto-estima é construída nas relações familiares e que vai se consolidando nas relações sociais saudáveis, foi importante perceber que a sua participação no Grupo, era imprescindível, tendo em vista que a força do grupo mostrava a necessidade do amor, do respeito, da ternura, da valorização e da bondade. Além de que nos grupos nossa atuação sempre foi de ressaltar a pessoa doente e não a doença em si, ou melhor, dizendo em Beisser (1961 apud Ginger, 1995, p.19) “é no momento em que me aceito como sou, que me torno capaz de mudar”. Além do mais, era preciso estimular as pessoas a viverem conscientemente, é conforme Branden (1993, p.29) “estar cônscio de tudo o que afeta os nossos atos, propósitos, valores e metas”.

 

AS BASES TEÓRICAS

Nosso trabalho teve como referencial teórico a Psicossomática e a Gestalt-terapia que se baseia na busca de compreender o sentimento, ou seja, o sentir, através do aqui e agora, como mobilizador de mudança focalizando a procura de saber como aconteceu o que aconteceu buscando verificar qual foi o sentimento ou a emoção que eclodiu.

Para nós, a Gestalt se concentra muito firmemente no contato, que por sua vez, é vivenciado através de fechamento de gestalts pois, como bem diz Ribeiro, 1997, p.38) “só quando se fecha uma gestalt, o processo seguiu seu curso, e o contato pode ser sentido como excelente, porque nada ficou em aberto”. E, quando possível, fizemos o máximo para fazer fechamento de gestalts, propiciando seguir em busca da saúde e saúde com qualidade. O importante é compreender o fenômeno do adoecer, já que o “fenômeno significa manifestar-se (...) fenômeno é aquilo que aparece” (Ribeiro, 1985, p. 43), então a doença é aquilo que aparece. E sabendo que na Gestalt-terapia o homem é concebido como tendo todo equipamento necessário para enfrentar os problemas da vida, é preciso fazê-lo se conscientizar da sua força e assim, utilizá-la. Esse foi nosso caminho, propiciar o ensinamento de como as pessoas podiam utilizar experenciando as técnicas no aqui e agora.

Diante disso percebemos que é necessário entender o significado da doença, visto que a mesma é um processo complexo e sua compreensão está na arte de escutar a pessoa, que por sua vez, escolhe sua manifestação mórbida. Esta escolha está embutida na sua história de vida, desde os primórdios inconscientes. Os princípios da Psicossomática estão contidos na afirmação de que “toda manifestação mórbida tem um sentido”, conforme ressalta Briganti (1999, p.141). Outra questão foi utilizar o conceito da Gestalt de que um “problema” está sempre em relação ao contexto que ele se originou, ou seja, os problemas são visto na sua totalidade, formado através de uma interação, onde o comportamento de um membro, afeta e é afetado por outros, com a necessidade de auto-proteção, interdependência e vivência no processo de dar e receber, uma vez que as relações humanas sempre começam com o “dar e o tomar” e isto é, em última instância, o princípio da permeabilidade da teoria de campo de Kurt Lewin, a qual “funciona como uma propriedade facilitadora de busca de equilíbrio” de acordo com Ribeiro (1985, p.100). Além do mais, a Gestalt-terapia propicia a pessoa quando foca em si mesma, descobrir, explorar e experenciar suas emoções, onde as insatisfações pessoais vão demandar uma tentativa de auto regulação organísmica.

A forma que se pode modificar a relação eu-mundo é resignificando conforme Ballone (2002). O conceito de ressignificar, segundo Bandler (1980, p.9) é “modificar o molde pelo qual uma pessoa percebe os acontecimentos, a fim de alterar o significado. Quando o significado se modifica, as respostas e comportamentos da pessoa também se modificam”. Em outras palavras, ressignificar quer dizer reavaliar o objeto com que o homem se relaciona, é observar um determinado objeto e verificar o valor que o mesmo tem para o indivíduo, tanto no nível de afeto quanto de sentimento; e assim, melhor se relacionar com o objeto para viver muito mais e ser feliz. A idéia básica é a (re)valorização do objeto visando melhorar a adaptação do indivíduo, já que a pessoa pode corrigir a forma de se relacionar com o mundo.

Usamos também a Psicossomática através do resgate minucioso do adoecer humano, como conseqüência da sua subjetividade, uma vez que não se adoece sozinho, sempre se adoece por alguém e para alguém (podemos verificar o contato). A Psicossomática vem buscando juntar o que a pensamento cartesiano separou: mente e corpo e a Gestalt-terapia inclui nessa relação o espírito. E mesmo sem poder “quantificar, mensurar e controlar” os fatos observáveis, as emoções estão subjacentes a qualquer corpo, precisando apenas compreender o discurso, uma vez que é difícil medir o grau de tristeza ou de sofrimento de alguém. É preciso exercitar a tolerância e a boa vontade, a qual reduz a irritação, o mau-humor, a prepotência e conseqüentemente, cultivar a solidariedade que nada mais é do que a arte do contato que Ribeiro (1997, p. 14) nomeia como “ternura, suavidade, carinho, disciplina, clareza, muitas vezes são os verdadeiros alimentos do contato”.

Pela Psicossomática, podemos entender a relação que o indivíduo faz com ele mesmo e com os outros no desenvolvimento da sua “doença”, bem como, compreender como ele faz a correlação entre sua doença e os aspectos emocionais, suas sensações e sentimentos, além do fato de nos mostrar como ele fez ou faz a adesão ao tratamento. Vale salientar que havia antes no Grupo, 35 participantes que “esqueciam” de tomar a medicação, a qual é imprescindível para sua vida, visto que sem ela, não terá chance de controle, contudo, depois verificamos através das falas, que a medicação se tornou “algo” que lhe dava vida, ou a extensão da vida, o próprio grupo criou estratégias para a lembrança. Isso nos mostra que somos o resultado das nossas relações ao longo do tempo, portanto, os contatos nos grupos, mostraram-se como uma elaboração coletiva e uma relação de cura, como nos lembra Perls (1970 apud HYCNER 1997, p.23) a Gestalt-terapia tem que ir além do individual e voltando-se mais para o coletivo, para o nós, para nos modificarmos no encontro, ou ainda conforme nos mostra Hycner (1997, p.77)

“a mudança ocorre com a awareness suportiva do que é. A awareness se desenvolve quando a pessoa investe na experiência atual, sem exigências para mudá-la e sem julgamentos de que não deveria ser o que é. A aceitação da relação Eu-Tu permite um aprofundamento do processo de awareness e é, por si só, a concretização do pré-requisito para a mudança”.

Para Hycner (1997, p.29) o que une “os seres humanos é a dimensão invisível ‘entre’ nós”, ou seja, ele ressalta que a cura ocorre na relação, na singularidade e individualidade de cada pessoa, assim, quando a pessoa permite que saia de si o que ela não aceitava, compreendendo que toda pessoa precisa ser confirmada pelo outro e que a pessoa é um eterno vir a ser, pois está em constante movimento, ela começa o processo de cura. Resumidamente podemos dizer que nossa atuação estava focada em desenvolver um olhar diferenciado e uma escuta melhorada para desvendar o que se escondia por trás da porta do sintoma, isto é, quais as razões interiores que levaram as pessoas ao adoecer. E mais ainda, elas precisavam tomar consciência e se responder. Para isso foi necessário discutir coletivamente, como se dava o processo do adoecimento e sua forma de modificação.

Nossa atuação foi trabalhar as pessoas do Grupo, como um “todo”, onde as ações e os objetivos estariam voltados para uma tarefa específica: melhorar enquanto pessoa, ou seja, aprender a superar as dificuldades, fazendo delas oportunidades de crescimento. E para tal, precisávamos compreender que o corpo fala e traduz uma simbologia através da representação dos sentimentos das suas emoções, pois quando a experiência ou sofrimento não pode ser falado verbalmente, é expressa no corpo, através de doenças. O corpo possui uma linguagem própria, fala continuamente e era preciso entender essa linguagem. Assim, inicia-se o processo de cura onde o fator de cura se relaciona com a experiência em si, com a sensação de algo novo, de mudança e de bem-estar.

Sendo a doença uma desarmonia na consciência do homem é preciso reconstruir essa harmonia, já que para alguns autores, a doença vem para confirmar, transformar, oportunizar o modus operante até então desenvolvido, e para Cardoso (2006 p.111), “o homem cria e é a sua doença, determina a ela todos os seus significados pessoais, escolhe do que vai adoecer e quando e as condições necessárias para sua evolução ou fracasso. Por trás de toda doença há sempre uma gama de significados e intenções. Assim, podemos pensar que, na verdade, somos o que queremos ser e temos o que queremos ter. As nossas emoções não nos fazem adoecer por acaso, mas sim, para que possamos entrar em contato conosco, com nossos problemas e assim, encontrarmos as nossas próprias soluções”.

 

O RESULTADO DO GRUPO

O trabalho com Gestalt-terapia em Grupos nos permitiu construir vínculos sociais e fortalecimento de redes de pessoas que reaprenderam a importância do diálogo e do outro na promoção de uma vida mais feliz, tanto que essa situação é visualizada pelos membros das famílias que, verificando mudanças e crescimento pessoal de seu ente querido, faz questão de verbalizar. A força do grupo está no respeito da diversidade, no exercício da amorosidade pessoal, na busca da autonomia individual, fazendo um caminho para a alteridade. As pessoas chegaram ao Grupo com muitos bloqueios de contatos visualizados através da fixação, deflexão, introjeção, projeção e confluência e após algum tempo vivenciando o experenciar e o contato as pessoas passaram a trabalhar na perspectiva de cura fluidez, consciência, mobilização, ação e retirada. E conforme Tellegen (1984, p.49)

“contato implica em atração e rejeição, em aproximação e distanciamento, em sentir, avaliar, discernir, comunicar, lutar, detestar, amar. Perturbações de discriminação e de ritmo nos movimentos de aproximação e retraimento, abertura e fechamento são distúrbios de contato, caracterizados, em grandes linhas, por excesso de rigidez de um lado, ou de permeabilidade por outro, levando o indivíduo, enquanto parte do campo, respectivamente, ao isolamento ou à perda de diferenciação e identidade”.

O Grupo tem a função de terapia grupal e a palavra terapia significa acolher, ser caloroso, servir e atender, além disso, o Grupo busca promover a saúde através da cultura, da experiência de vida de cada um, do conhecimento que é valorizado, articulado e reconhecido por todos, visando atingir os objetivos propostos que em última instância é garantir o empoderamento das pessoas, tanto que o sucesso do Programa Viva Melhor pode ser verificado através de “falas significativas” de alguns membros onde apresentam os seus sentimentos no melhoramento de suas vidas e de sua saúde, pois aprenderam a fazer contato conforme nos diz Polster (1979, p.100) “através do contato, cada pessoa tem a chance de se encontrar com o mundo exterior de uma forma promovedora”:

• “Quando venho para cá me sinto como uma criança”.

• “Meu marido falou que eu estou diferente, depois que venho para cá”. (auto-regulação)

• “Depois que estou aqui, nunca mais me esqueci de tomar os meus remédios”.

• “Trabalhar as recordações no grupo é muito bom e me faz muito bem, embora não seja necessário viver do passado”.

• “Quando estou em casa me lembro de cada um de vocês e ao escutar nossa música, recebo a força do grupo e me sinto forte”. (ampliando a fronteira do contato)

• “Estou nesse Grupo, gosto tanto que não quero mais sair”.

• “Esse encontro aqui me traz boas lembranças”.

• “Meu médico falou para eu continuar no grupo, pois estou ótima”.

• “Eu sou tímido, sou humano, filho de Deus, sou gente, sou pecador, sou amigo, sou irmão, esposo, pai, genro, tio, alegre, amigo, chorão, emotivo, choro por tudo, choro pela música, pela novela, pela vitória do meu amigo, isso é hereditário, é do meu pai, eu sinto o sentimento das pessoas. Puxa vida! Falei tudo isso!” (surpreendendo-se)

• “Sou sensível, verdadeira, as coisas me atingem e me fere, pois sou muito sensível, cobro muito, não admito falsidade, sou corajosa, amo a vida, sou solidária, esquentada, me cobro muito, me seguro com dificuldade, sou muito emocional, sou amante, lembro o tempo todo de vocês, sou muito responsável, investigativa, quero saber sempre o “por que” das coisas. E esse grupo surgiu na minha vida na hora certa”. (trabalhando a racionalização)

• “Vou me colocar pelo avesso porque pelo avesso a gente se coloca como é realmente. Sou transparente, quando a colega falava, eu me identificava com ela, porque também sou sensível. Ah! Meu Deus é a primeira vez que eu consegui me colocar pelo avesso e falar tudo isso”. (Desconstruindo, deixando cair às máscaras)

• “Apesar de não parecer sou muito tímida para falar, mas depois desse Grupo, acho que melhorei, pois acordo alegre e feliz, sou amada pelo marido e filha, sou desconfiada, sou chata, gosto da coisa certa, perfeccionista, até que aqui, eu relaxei mais, inclusive venho para cá sem forrar a minha cama, que aparentemente é besteira, mas para mim que sou muito organizada isso é um avanço imenso”. (sendo flexível, tornando-se flexível)

• “Quero ressaltar as mudanças na minha vida, fruto desses trabalhos aqui”.

• “A UNIMED me chamou e achei bom, pois percebi que tem alguém cuidando de mim”.

• “Tenho que reconhecer o meu desenvolvimento aqui no Grupo, estou diminuindo o meu sentimento de culpa”.

• “Quero ressaltar as mudanças na minha vida, fruto desses trabalhos no Grupo”.

• “Tenho que reconhecer o meu desenvolvimento aqui no Grupo, estou diminuindo o sentimento de culpa”.

• “Temos que agradecer a esse trabalho da Unimed e a vocês, pois esse trabalho aqui está fazendo a diferença nas vidas das pessoas, pois antes eu não sabia dizer NÃO e agora digo NÃO sem me sentir culpada”. (ocupando seu espaço no mundo)


Podemos dizer que esses comportamentos se baseiam na prevenção, pois prevenir é estimular o grupo a usar sua criatividade e construir seu presente e seu futuro a partir de seus próprios recursos no aqui e agora. Reforçando que a doença como linguagem e a fala do sintoma como uma forma de comunicação, é o canal expressivo da dor da alma se manifestando na dor corporal, a dor metafísica expressa à dor física. E mais, a dor da alma é aquela dor que decorre das perdas, dos lutos, das disfunções relacionais e dos desajustes pessoais, que vão cronificando as emoções e deixando as pessoas cada vez mais distantes uma das outras. Diante disso se faz necessário que a pessoa, conforme nos aponta Ginger (1995, p.15) “esteja procurando desabrochar melhor seu potencial latente, não só um melhor-ser, mas um mais-ser, uma qualidade de vida melhor”. Vale salientar ainda que saúde é um encontro harmonioso das partes, é a energia vital dos relacionamentos, é movimento corpo e mente e para provocar, recorro ainda a Ginger (1995, p. 172) quando afirma “em psicanálise, fala-se do corpo, mas ele não se mexe; em psicodrama, o corpo mexe, mas não se fala dele; em Gestalt, o corpo mexe e fala-se dele explicitamente”.

E finalizando, fazemos nossas, às palavras de Mª Henriqueta Camarotti, Neuropsiquiatra e Gestalt Terapeuta de Brasília (DF), quando diz no seu belíssimo texto: A doença como Fonte de Transformação: um estímulo a Resiliência Comunitária: “Como profissionais da área da saúde somos preparados nos conhecimentos da biologia, anatomia, fisiologia, psicopatologia, etc. Somos levados a fazer conexões entre o corpo biológico e os fatores etiológicos externos causadores das doenças. Falta-nos ampliarmos essa compreensão incluindo os aspectos socioculturais que moldam as relações dos grupos sociais. Falta-nos ainda compreendermos os interstícios da angústia humana que perpassam a etiogênese das doenças”.

Essa experiência é saúde. Isto é Saúde Coletiva. Isto é Gestalt.

 

REFERÊNCIAS

Alagoas. Secretaria Estadual de Saúde. Avança Saúde – Desenvolvendo a Saúde Pública em Alagoas. Maceió: SESAU, 2009.

Araujo, T.M.V.F. Acolhimento: Formação de Vinculo. Maceió, (mimeog.), 2004. Araujo, T.M.V.F. Hipertensão Arterial: essa nossa (des) conhecida. Monografia do Curso de Psicossomática da Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, 2006.

Ballone, G. J.; Pereira Neto, E.; Ortolani, I. V.. Da Emoção à Lesão um guia de Medicina Psicossomática. São Paulo: Manole, 2002. (p.1-317).

Bandler, R.; Grinder, J. Ressiginificando. Programação Neurolinguística e a Transformação do Significado. São Paulo: Summus, 1980.

Barreto, A. Terapia Comunitária. É conversando que a gente se entende. In: Revista do CONASEMS, ano 1 nº 13, ago/set de 2005.

Barreto. A.P. Terapia Comunitária: passo a passo. Fortaleza: Gráfica LCR, 2008. Branden, N. Auto-Estima: como aprender a gostar de si mesmo. São Paulo: Saraiva, 1993.

Brasil, Lei n°. 8.080 de 19 de setembro de 1990 . Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, da organização e funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

Briganti, C. R. A Psicossomática entre o bem e o mal – Reflexões sobre a identidade. São Paulo: Summus, 1999.

Buber. M. Eu e Tu. São Paulo: Centauro, 2001. Camarato, M. H. A doença como Fonte de Transformação: um estímulo a Resiliência Comunitária. In: Copyright 2004 ABRATECOM Associação Brasileira de Terapia Comunitária. www.abratecom.com.br, acessado em 08/10/07 às 17:30h

Campos, E. P. Aspectos Psicossomáticos em Cardiologia. In: Psicossomática Hoje. Mello Filho. Porto Alegre: ArtMed. (p. 234-252) 1992.

Cardoso, R. R. M. S. Emoções que adoecem. São Paulo: Vetor. 2006.

Ferreira, A.B.H. Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.

Ginger, S. e Ginger, A. Gestalt – Uma Terapia do Contato. São Paulo: Summus, 1995.

Hycner, R. e Jacobs, L. Relação e Cura em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997.

Hycner, R. De Pessoa a Pessoa – Psicoterapia Dialógica. São Paulo: Summus, 1995.

Mello Filho, J. Concepção psicossomática: visão atual. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979. In: Campos, E. P. Aspectos Psicossomáticos em Cardiologia. Oliveira Junior, W. Relação médico-paciente em cardiologia: um olhar psicossomático. In: Revista Psicossomática Sul Mineira. Nº. 1 set 2005. (p.40-43).

Polster, E e Polster, M. Gestalt Terapia Integrada. Belo Horizonte: Interlivros, 1979.

Ramos, D.G. A Psique do Corpo – a dimensão simbólica da doença. São Paulo: Summus. 2006.


Ribeiro. J.P. O Ciclo do Contato -Temas básicos na abordagem gestáltica. São
Paulo: Summus.1997.

Ribeiro. J.P. Gestalt-Terapia: Refazendo um Caminho. São Paulo: Summus.1985.

Silva, M.A.D. Quem ama não adoece: o papel das emoções na prevenção e cura das doenças. São Paulo: Beste Seller, 1994.

Tellegen, T. A. Gestalt e Grupos – Uma Perspectiva Sistêmica.São Paulo: Summus, 1984.

Trindade, L. D. Adoecer – opção por uma construção bélica. Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2006.