WORKSHOP 06: VIOLÊNCIA CONJUGAL CONTRA A MULHER: INTERRUPÇÕES DO CICLO DE CONTATO NAS RELAÇÕES AFETIVAS

 

Autor: Maria de Fatima Scaffo, Edson Petrônio de Alcântara e Francisco Ramos de Farias

 

Eixo Temático: Gestalt-terapia, ciência e realidade social


RESUMO

Mudanças ocorridas nas últimas décadas alteraram significativamente a condição feminina, porém causou pouca modificação quanto às situações de violência de gênero. Neste trabalho abordaremos as dificuldades quanto a esta problemática, dando destaque à reflexão sobre a transmissão geracional “silenciosa” dos papéis de gênero e as interrupções no ciclo de contato, possíveis indicadores da condição de subalternidade feminina. A perspectiva deste workshop é ser mais um instrumento de contribuição no levantamento das vozes das mulheres silenciadas pela opressão nas esferas pública e privada.


Palavras-chave: Violência, Gênero, Mulher, Contato


O interesse pelo tema surgiu a partir de experiências no trabalho terapêutico em consultório particular, no trabalho de supervisão de graduandos do curso de Psicologia em Instituição Particular de Ensino e, em especial, no contato com Organizações não Governamentais que dão suporte psicológico às mulheres vitimadas por esse tipo de ocorrência: a violência conjugal. Este trabalho têm como objetivo geral dar maior visibilidade a problemática em questão e, especificamente chamar a atenção da comunidade Gestalt-terapêutica para a necessidade de aprofundamento de debates sobre um dos graves problemas que atinge a humanidade: o fenômeno violência. Em relação a este tema é importante considerar a existência de vários tipos e formas de violência – dirigida a si mesmo, interpessoal ou coletiva. Entretanto, a violência se apresenta de forma diferenciada e mais acentuada de homens para mulheres. Este tipo de violência caracterizada como de gênero ou violência contra mulher não pode ser diluída em casos gerais de violência pelo fato de preponderantemente ser perpetrada em espaço privado e o agressor, em geral é ou foi namorado, marido, companheiro ou amante. É importante ressaltar que violência contra mulheres é um fenômeno universal, que de acordo com Carneiro (2003), “é absolutamente democrático”, pois ocorre independente de faixa etária, graus de instrução, classes sociais, etnias, religião e cultura. E independente do tipo de violência praticada contra a mulher, todas têm como base comum as desigualdades que predominam em nossa sociedade, onde impera, ainda na atualidade, o domínio dos homens sobre as mulheres, modelo de relação sustentado pela ideologia dominante. Cabe sinalizar que a violência de gênero pode ser expressa por várias formas de violência que atingem a cidadania das mulheres e que as desigualdades sociais, econômicas e políticas entre homens e mulheres, a diferenciação rígida de papéis, as noções de virilidade ligadas ao domínio e à honra masculina, comuns a essas sociedades e culturas, são fatores da violência de gênero, sendo seu impacto de afetação não só individual, mas também social, pois incide no bem-estar, na segurança, equilíbrio, no reconhecimento e no exercício dos direitos humanos. Em relação à violência conjugal, foco deste trabalho, é possível afirmar a relação estreita deste fenômeno aos efeitos perversos na divisão sexual do trabalho, ao desmonte da figura do homem como único provedor na relação, influências do patriarcado, modelo histórico e socialmente construído e ainda exercido na contemporaneidade. Segundo Berger e Giffin (2002), este modelo consente um certo padrão de violência contra mulheres. Designa também ao homem o papel de “ativo” na relação social e sexual entre os sexos, ao mesmo tempo restringe a sexualidade feminina à passividade e à reprodução. As investigações sobre as possíveis relações entre violência conjugal contra a mulher e interrupção no ciclo de contato nos levaram à alguns dados importantes: a união entre indivíduos do sexo oposto, o encontro do parceiro ideal que estabeleça vínculos que satisfaçam as necessidades de nutrição afetiva, cognitiva e social. É interessante notar que ao longo da história da humanidade as regras que formataram a união entre homens e mulheres foram se tornando mais flexíveis, porém sem proporcionalmente tornarem as relações afetivas mais satisfatórias.

Em relação à mulher, sujeito deste estudo, é observado que na atualidade sua busca se volta muito mais para a felicidade pessoal, através da “complementação”, ou seja, da presença masculina em sua vida. O padrão de conduta feminino, quanto às expectativas de relacionamento, incluem proteção, segurança, afeto duradouro, estabilidade na relação, formação de família, compreensão e fidelidade. Esses aspectos, sempre presentes no discurso feminino, são acrescidos das queixas da falta de atenção e do não compartilhamento do parceiro de suas necessidades. A imagem de um homem virtuoso, trabalhador, bem sucedido, amável, carinhoso, viril e atento às necessidades da mulher e da família figuram com grande freqüência nos discursos femininos demonstrando uma concepção idealizada do par perfeito. É essa concepção de homem ideal: protetor, nutridor, amante apaixonado e companheiro, contrário à divisão rígida e tradicional aos papéis prescritos pela ordem social, vai tornar incessante a sua busca, como também a principal fonte geradora de grande frustração e insatisfação feminina. Quanto a essa questão, é importante sinalizar que mesmo na contemporaneidade quando a aceitação social se amplia, diminuindo as críticas e condenações às mulheres pelo término de relações conjugais insatisfatórias e opressoras, um percentual bastante significativo ainda “prefere” permanecer em seus relacionamentos, mesmo que estes as tornem solitárias e comprometidas afetivamente. Nos relatos das mulheres pesquisadas nas Instituições já citadas, há alegações de dificuldades emocionais, e, sobretudo, situações de submissão ao parceiro. Pesquisas realizadas pela Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Mulher (2003), referência na atenção psicossocial e jurídica a casos de violência e discriminação contra mulheres, apontam que 90% das mulheres expressam o sentimento de “enorme vazio e solidão” ou por não ter alguém a seu lado ou por ter alguém pelo qual não se sentem amparadas e nutridas psicologicamente. Essas mulheres em sua maioria apresentam um quadro de alteração nos estados de humor, na alimentação o que interfere no seu peso “ideal” e histórico de automedicação. Apresentam também baixo rendimento em suas atividades cotidianas e falta de paciência com os filhos. Vale ressaltar que a manutenção intensa e freqüente da frustração quanto aos seus objetivos de equilíbrio e felicidade nos seus relacionamentos as leva em casos extremos a autoviolência e até à tentativa de auto-extermínio. Narvaz e Koller (2004), em pesquisa intitulada “Violência doméstica: compreendendo subjetividades assujeitadas”, apontam para a transmissão geracional dos papéis estereotipados de gênero, a pobreza e a falta de suporte social, entre outros, como fatores associados aos processos de submissão e assujeitamento das mulheres às violências sofridas. Ao observar a dinâmica relacional descrita nos relatos das mulheres que influenciaram estas indagações, encontram-se também comportamentos projetivos, plenos de idealizações, expectativas de mudanças no futuro e conteúdos introjetivos quanto à condição feminina. Foi observado que estes conteúdos também podem ser utilizados para justificar a “adequação” à situações em que a crença na impotência para sair da situação já conhecida e buscar a auto-sustentação, e, portanto, o encontro consigo mesma parece totalmente inviável. Este estudo tem como base teórica principal a Gestalt-terapia, cuja prática tem como proposta maior a ampliação da consciência de si, do outro e do mundo. Para esta abordagem é fundamental que o ser humano conheça o mais profundamente possível a sua dinâmica psíquica e identifique a intencionalidade de suas ações. De acordo com McLeod (apud Ribeiro 2005), somos o contato que fazemos. Já Polster & Polster (1979), consideram que contato é o sangue vital do crescimento, o meio de modificação da pessoa e das experiências que ela tem do mundo. Para estes autores o contato envolve não somente o senso do próprio eu, mas também o senso de qualquer coisa que infrinja a fronteira de contato. Para Ribeiro (2005), somos uma permanente continuidade em mudança, somos equilíbrio e desequilíbrio, somos estabilidade e mudança, somos recolhimento e expansão e, em meio a toda essa variabilidade às vezes paradoxal, existe algo que nos mantém no ser, que nos permite reconhecer como sendo nós mesmos, ao longo do tempo. Porém, para que tal impermanência ocorra fluidamente, num constante processo onde as figuras que emergem retrocedam ao fundo verticalizadas, refletidas e, portanto silenciosas e não silenciadas, é de extrema importância perceber os papéis desempenhados, ou seja, condutas introjetadas pela legitimação da cultura e afins, com a percepção do que lhe é tóxico ou nutritivo. Desta forma, a assunção destes níveis de consciência podem levar o indivíduo à implosão de crenças e idéias cristalizadas, automatizadas, o que em última análise o levaria à auto-sustentação, centralização e transcendência, entendida como elevação em termos de projetos existenciais para além dos interesses pessoais e interpessoais que tanto amesquinham o ser humano. Pela crença nestas concepções Gestálticas, é possível arriscar afirmar que a fixidez perceptiva oriunda da absorção e manutenção de experiências passadas tem influenciado um percentual bastante significativo de mulheres, que mesmo bem sucedidas nos mais diferentes campos de sua vida ainda se mantém encapsuladas pelos padrões e exigências sociais arcaicas, desenvolvendo comportamentos obsoletos e, conseqüentemente respostas anacrônicas às situações contemporâneas. Neste workshop serão desenvolvidas as seguintes etapas: relaxamento; apresentação de forma dialógica de um painel geral sobre a questão da violência de gênero; vivência sobre as possíveis “memórias presentificadas” pela transmissão geracional sobre a condição da mulher; construção de material representativo desta introjeção; apresentação de imagens que estimulem a reflexão sobre as interferências do ciclo de contato no fenômeno violência contra mulher; confecção de material que represente as possíveis intervenções do gestalt-terapeuta neste fenômeno; formação de círculo para compartilhamento das etapas vivenciadas. O material a ser utilizado consistirá em: Data-show, CDs, papel cartão, cartolina, canetas/lápis, grãos variados, tesouras e cola.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Camargo, M. – O lugar da mulher na relação de violência: o mito da passividade e a construção da identidade de gênero em nossa sociedade. Porto Alegre: Casa de Apoio Viva Maria/ Secretaria Municipal de Saúde, 1998.

Carneiro, S. – Mulheres negras, violência e pobreza in Diálogos sobre a violência doméstica e de gênero: construindo políticas públicas. Programa de prevenção, Assistência e Combate à Violência Contra Mulher – Plano Nacional -Brasília: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2003, p.11-20.

Polster, M. & Polster, E. – Gestalt-terapia Integrada. Belo Horizonte: Interlivros, 1979.

Muraro, R. M. – Breve introdução histórica. In: Kramer, H. & Sprenger, J. – O Martelo das feiticeiras. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 2005. 18ª ed.

Narvaz, M. & Koller, S. H. – Famílias, violências e gênero: desvelando a trama da transmissão transgeracional da violência de gênero. Porto Alegre: Edipucrs, 2004.

Ribeiro, J. P. – Do Self e da Ipseidade: uma proposta conceitual de Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2005.
________. – O Ciclo do Contato: temas básicos na abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 1997.
Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Mulher (2003). – Banco da Mulher. Acessado em 10/03/2009. Disponível em: http: www.bancodamulher.org.br.