MESA REDONDA 01 – PARTE II: A ESCUTA FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL VIVENCIADA NA MATERNIDADE

Autor: Sara Bruno e Marcela Arrivabeni


RESUMO


Este artigo descreve a experiência prática de estágio realizada dentro do contexto hospitalar, mais precisamente nos leitos da maternidade, onde os atendimentos psicológicos prestados ocorreram na modalidade do plantão psicológico e tiveram como objetivo geral, oferecer uma escuta e acolhimento diferenciados, inserida nos moldes da psicologia Fenomenológico-Existencial. Dessa forma, buscamos potencializar, vivenciar de forma mais plena, o atendimento as mães/gestantes alocadas nos leitos da maternidade, facilitando as relações estabelecidas no vínculo com o bebê, na expressão do afeto, do cuidado, além de prestar informações relacionadas à maternagem. Dessa aprendizagem, foi possível experienciar, em sua maioria, a amenização da angústia, dos quadros de ansiedade, e, sobretudo permitir o contato, o encontro, entre as mães/gestantes, e nós, da psicologia, no intuito de proporcionar a esse contexto hospitalar, um atendimento mais humanizado.


Palavras-chave: Plantão Psicológico. Escuta Fenomenológico-Existencial. Atendimento Humanizado.


Através de uma escuta fenomenológico-existencial, experienciada no Hospital Infantil e Maternidade Drº Alzir Bernardino Alves – HIMABA, localizado no município de Vila Velha -ES, objetivamos proporcionar aos leitos da Maternidade, um atendimento diferencial, ou seja, um atendimento humanizado e que fosse acolhedor, nos moldes do plantão psicológico.

Aceitar manter-se no momento presente, centrado na vivência da problemática que emerge com sua ansiedade e força particulares no próprio momento de pedido de ajuda, acompanhando a variação da percepção de si e das circunstâncias pela direção que a clarificação a levar – eis a disponibilidade do psicólogo-conselheiro, que possibilita o atendimento em Plantão Psicológico (MAHFOUD, 1987, apud EISENLOHR, 1999, p. 139, grifo do autor).

 

O atendimento psicológico, no plantão psicológico, é um procedimento que por si só já é terapêutico, através do encontro estabelecido entre o profissional e o paciente. Desse encontro, modificações dos sentimentos, da abertura a novas possibilidades para além daquela que nos é apresentada inicialmente, podem acontecer e gerar transformações (BARTZ, 1997).


A partir desse enfoque, privilegiamos o fenômeno tal qual ele se apresenta, no seu aqui e agora, respeitando a experiência de cada um, que é tida como única. Segundo Maichin (1999, apud MERLEAU-PONTY, 2004, p.19), “[...] ‘a teoria é apenas uma conseqüência’. Então, se é uma conseqüência, vamos nos importar com o que vem antes dela, ou seja, o próprio fenômeno, que é a pessoa com sua historicidade”.


Nas rondas realizadas nas enfermarias da maternidade, por nós da psicologia, vivenciamos e compartilhamos diferentes sentimentos junto às mães/gestantes, em face do atendimento psicológico prestado.


Tais sentimentos ora eram cheios de alegria, de ansiedade, de expectativa, de apatismo, de rebeldia, de sofrimento, enfim, cada um tinha seu contexto, sua historicidade. E dessa relação estabelecida foi possível presenciar diferentes formas de lidar com a maternidade, até mesmo no que ela representava para cada uma.


Os quadros de ansiedade eram freqüentes no ambiente hospitalar, por isso a importância de um atendimento psicológico com vistas à minimização do quadro. Vale ressaltar também os outros diversos casos existentes na enfermaria, como os de aborto, de nascimento pré-maturo, de tratamento clínico, entre outros, que eram por si só, angustiantes a essas mães, fazendo com que se sentissem mais fragilizadas.


Nas enfermarias, vimos o quanto uma escuta diferenciada dispensada às pacientes permitia a potencialização de formas mais humanas de servir a um ambiente hospitalar.


O estar disponível, o ajudar, a promoção de vida, de sentido, o aqui e agora de cada paciente ali presente, todas elas, foram formas de atuar plenamente no encontro com o outro.


Um ambiente em que muitas vezes, a superficialidade se encontra mais presente, e os profissionais acabam sendo acometidos por ela. Um dos motivos pode está no grande fluxo de pacientes que entram e saem rotineiramente num hospital, além da correria dos atendimentos prestados que o próprio contexto oferece.


Sendo assim, estar disposto a ouvir, a oferecer atenção, a se interessar pelo que o outro tem a te dizer, pela sua história de vida; são momentos oportunos e ricos de se proporcionar uma escuta fenomenológica de qualidade, uma forma de minimizar o processo de despersonalização que muitas vezes acomete os pacientes.


[...] Ao trabalhar no sentido de estancar os processos de despersonalização no âmbito hospitalar, o psicólogo estará ajudando na humanização do hospital, pois seguramente é um dos maiores aniquiladores da dignidade da pessoa hospitalizada [...] (CAMON, 1994, p. 18).


É de suma importância se remeter ao paciente pelo seu nome. Num simples gesto como segurar sua mão, tocar, são atitudes diferenciais que podemos realizar para a conquista de um ambiente mais humanizado e acolhedor, que ajude no restabelecimento da dignidade humana.


Como nesse hospital não havia psicólogos no seu quadro de funcionários, os serviços psicológicos prestados eram por conta dos estagiários somente.


Notamos em alguns momentos, junto à equipe de enfermagem, uma resistência em relação ao nosso trabalho, perceptível até na forma de nos acolher. Quando as pacientes nos pediam ajuda com algo ou para chamar alguém da enfermagem, nem sempre era fácil conseguir esse apoio.


No decorrer das rondas havia mães que nos acolhiam muito bem, se mostravam receptivas, outras nem tanto. Quando isso acontecia, respeitávamos esse momento não insistindo muito na conversa e nos colocávamos a disposição, caso alguma quisesse conversar num outro momento, ou até mesmo, dar uma volta pelos arredores da maternidade, nos casos em que era possível, dependendo da recuperação e do quadro apresentado.

Muitas nem sabiam a funcionalidade ou havia antes conversado com alguém da psicologia. Em cada enfermaria que entrávamos nos apresentávamos e falávamos qual era nossa proposta de atendimento psicológico oferecido a elas.


Utilizamo-nos durante o plantão psicológico de duas ferramentas psicológicas importantes, a fala e a escuta, vivenciadas no encontro, no atendimento prestado ao serviço de saúde.


A própria fala já permite o encontro, que funciona como um facilitador para a compreensão da escuta prestada ao paciente. Como diz o autor,


Falar pressupõe o ouvir. Escutar é abrir-se ao outro, ao sentido que faz para si a fala do outro, com limites, contradições, falhas, ocultamentos, valorização de certas situações – o que pode ser revelador do seu modo de existir. Escutar é o estar aberto existencial do ser enquanto ser-com-o-outro. Escutamos porque compreendemos [...] (VALLE, 2004, p.87-88).


No vivenciar da escuta fenomenológica, usamos a fala e o ouvir como recursos significativos para o alcance da experiência descrita pelo outro, buscando a compreensão da expressão de seus sentimentos.


O plantão psicológico possui algumas particularidades que o diferencia da clínica. O próprio atendimento feito em hospital público, já o diferencia de um particular, como o fato de não possuir leitos individuais reservados às gestantes, as suas visitas/familiares, ao seu bebê.


A Psicologia Hospitalar, por outra parte, contrariamente ao processo psicoterápico não possui setting terapêutico tão definido e tão precioso. Nos casos de atendimentos realizados em enfermarias, o atendimento do psicólogo, muitas vezes, é interrompido pelo pessoal de base do hospital, seja para aplicação de injeções, prescrição medicamentosa numa determinada faixa horária, seja ainda para processo de limpeza e assepsia hospitalar [...] (CAMON, 1994, p. 25).

[...] No hospital, ao contrário do paciente que procura pela Psicoterapia após romper eventuais barreiras emocionais, a pessoa hospitalizada será abordada pelo psicólogo em seu próprio leito. E, em muitos casos, com esse paciente sequer tendo claro qual o papel do psicólogo naquele momento de sua hospitalização e até mesmo de vida (CAMON, 1994, p. 25).


No HIMABA, as enfermarias, os banheiros, eram divididos com outras pacientes, na mesma situação ou não de internação. Quando o bebê de uma mãe chora, o da outra que está dormindo pode acordar com seu choro, ou pode até mesmo incomodar o sono, o descanso, das próprias mães que estão ali dividindo aquela enfermaria.


O espaço se tornava coletivo entre elas, e acabavam compartilhando suas experiências de vida um com as outras, além de servirem de companhia para conversar, visto que nos quartos não havia televisão, constava apenas no projeto ainda. O ar condicionado foi posto recentemente, no segundo semestre do ano de 2008, antes dele, como não havia ventilador, ficavam com as janelas abertas para amenizar o calor, mas reclamavam dos mosquitos à noite.


O número de adolescentes grávidas era significativo na maternidade, em muitos casos já se tratando da segunda gestação em diante.


Algumas mães também estavam com seus filhos na UTIN (Unidade de Tratamento Intensivo Infantil) e nos colocávamos a disposição para acompanhá-las até esse setor, que para muitas delas era angustiante, dolorido, ver seu bebê em meio a tantos aparelhos ligados sem saber a funcionalidade deles, levando-as a pensar no pior.


Era gratificante poder acompanhar essas mães, que estavam com bebês internados na UTIN, e ver o quanto elas se sentiam mais seguras e calmas com nossa presença junto, diminuindo a ansiedade de entrar sozinha nesse leito.


Nos casos em que notávamos que a mãe se encontrava mais fragilizada, ou mesmo querendo conversar de forma mais reservada com nós da psicologia, buscávamos dar essa devida atenção em um local mais reservado. Ao oferecer esse acolhimento, essa escuta, experienciamos o quanto se tornavam mais confiantes consigo, e agradecidas conosco pela atenção prestada.

Às vezes, apenas nossa companhia num momento de dor, de desconforto ao lado delas, já eram por si só, potencializadores naquele momento. O fato de saberem que estávamos ali ao seu lado, dispostas a ajudar, a ouvir, eram confortantes naquele contexto hospitalar, principalmente por serem mais uma, em meio a tantas outras pacientes.


A ansiedade, gerada em função do próprio ambiente, era possível de ser minimizada, quando nos tinham por perto, fazendo se sentirem mais cuidadas. E essa foi nossa proposta, a todo o momento, durante nossa permanência no hospital, promover esse cuidado.


Os quadros de angústia que em alguns momentos acometia as mães/gestantes podiam servir como facilitadores na expressão de seus sentimentos, permitindo que elas tomassem consciência de si, de suas preocupações, medos, enfim, daquele momento que lhe causava incomodo, para uma posterior resignificação dos seus sentimentos.


Na angústia, o ser põe-se frente a si mesmo, revela-se em seu modo mais profundo e originário. Ela propicia a abertura do ser para uma existência autêntica, abre o caminho do reconhecimento de si próprio, o que pode levá-lo, em um clima de acolhimento, de aceitação incondicional por parte do terapeuta, a transformar-se, ressurgir fortalecido, dando-se conta de suas fragilidades, mas também de sua força, de seu poder (VALLE, 2004, p.91).


O atendimento psicológico prestado ocorreu durante todo o ano de 2008, uma vez por semana, as terças-feiras, na maternidade, onde realizávamos nossas rondas as enfermarias, e em algumas semanas, havia o grupo de mães, também feito por nós.


Além da psicologia, existia uma equipe de estagiários de enfermagem, de nutrição, de serviço social, de outras instituições de ensino, que também passavam nas enfermarias da maternidade realizando atendimento, e em algumas semanas também realizavam o grupo com as mães.

O grupo de mães era agendado pela Assistente Social, que na maioria das vezes também participava conosco do encontro, e realizado em sua sala, separado de acordo com o tema e a área profissional informante. Dessa forma, podíamos direcionar o encontro dentro dos enfoques da psicologia. O tempo de duração era de aproximadamente 30 minutos.


Não era obrigatória a presença das mães no grupo, mas todas eram convidadas a participarem. Algumas apresentavam uma resistência maior para o encontro e não iam. O grupo não tinha a intenção de ser demorado, visto que elas ficavam com seus bebês no colo, outras ainda esperando pelo parto.


O encontro era destinado e aberto a todas; as mães, as gestantes, as que estavam em tratamento clínico e as que estavam com bebês na UTIN. Ao final do grupo, nos colocávamos a disposição caso alguma quisesse conversar conosco em particular. Realizamos aproximadamente 70 atendimentos com o plantão psicológico nas enfermarias da maternidade.
O objetivo geral do grupo de mães foi promover um espaço de encontro, de socialização do processo de maternagem em contato direto com seus filhos recém-nascidos, ou para aquelas que estavam passando por um processo de perda, de tratamento clínico.


Tivemos como objetivos específicos para o grupo a troca de informações e experiências grupais, o processo de aprendizado da maternidade, a potencialização da relação mãe e filho, informações sobre cuidados especiais com os bebês, valorização do contato, do afeto, a importância do aleitamento materno, o oferecimento de carinho para com o recém-nascido, o estabelecimento do vínculo, dentre outros assuntos considerados importantes.


No anexo, encontra-se o modelo de planejamento de um dos encontros.


Ao final destes, sempre entregávamos uma lembrancinha às participantes. Nos dias em que não havia grupo, somente ronda, em alguns momentos também distribuíamos nas enfermarias algumas lembranças de utilidades para o uso com o bebê, como sabonetes e toalhinhas infantis.
Era uma forma delas se sentirem cuidadas por nós também, e de poder mostrar a elas que estávamos ali dispostas a ajudá-las no que fosse preciso e estivesse ao nosso alcance.


Ao final de nossa permanência na maternidade do HIMABA, alcançamos alguns resultados parciais, como contribuir para a minimização da provável angústia e ansiedades desenvolvidas em virtude do quadro gestacional, ou de seus sintomas, potencializando os vínculos afetivos nesse âmbito, visto que, muitas vezes, deixam de serem experienciados na relação mãe-filho. Além de contribuir para a promoção de uma ambiente hospitalar mais humanizado, preconizado principalmente pela escuta, prestada de forma acolhedora, uma escuta fenomenológico-existencial.


Segundo Winnicott (1978, apud AGUIAR, 2005, p. 32), destacamos “[...] a importância conferida à maternagem, entendida como uma relação de acolhimento e cuidado estabelecida com o bebê desde o seu nascimento [...]”. Cuidado esse que buscamos resgatar para o mundo vivido das pacientes, enfocando o quanto é importante essa troca de carinho, esse cuidado.


Consideramos de grande importância a contribuição científica e social que o presente artigo nos apresenta, visto que, insere o profissional psicólogo em contato com outros profissionais da área da saúde, propiciando atuar de forma multidisciplinar, além de favorecer a humanização do atendimento, através de uma escuta fenomenológico-existencial.


Sendo assim, enfocamos o quanto uma escuta devidamente compreendida, mola mestra do plantão psicológico, pode favorecer há uma maior humanização do atendimento em saúde, além de cuidado, apoio e experiência de um encontro psicoterapêutico para os envolvidos nessa relação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AGUIAR, Luciana. Gestalt-terapia com crianças: teoria e prática. Campinas: Livro Pleno, 2005.


BARTZ, Sebaldo. Plantão Psicológico: atendimento criativo à demanda de emergência. V Encontro Estadual de Clínicas-Escola. Caderno de Resumos, São Paulo, Universidade São Judas, 1997, p. 69.


CAMON, V. Augusto Angerami. O psicólogo no hospital. In: _____ (Org.). Psicologia hospitalar: teoria e prática. São Paulo: Pioneira, 1994.


EISENLOHR, Maria G. V. Serviço de aconselhamento psicológico do IPUSP: breve histórico de sua criação e mudanças ocorridas na década de 90. In: MORATO, Henriette Tognetti P. (Org.). et al. Aconselhamento psicológico centrado na pessoa: novos desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. p. 135-143.


MAICHIN, Vanessa. Os diversos caminhos em psicoterapia infantil. In: ANGERAMI¬CAMON, V. A. (Org.). et al. O atendimento infantil na ótica fenomenológico¬existencial. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. p. 1-48.


VALLE, E. R. M do. Acompanhamento psicológico em oncologia pediátrica. In: ANGERAMI-CAMON, V. A. (Org.). et al. O atendimento infantil na ótica fenomenológico-existencial. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. p. 83-104

ANEXO


Preparação da sala, com música instrumental de fundo de bebê.
Apresentação dos facilitadores ao grupo de mães.

1º passo: solicitar às participantes que se apresentem de forma breve (dizendo seus
nomes, apresentando seus bebês se for o caso, estimular a falaram um pouco mais
sobre elas, o que fazem, quantos filhos possuem, a idade, se é a primeira gestação
ou não, etc.).

2º passo: algumas reflexões pertinentes ao encontro.
-Descrever a si próprias como mães.
-O que representa a maternidade para vocês?
-O que é ser mãe para você?
-Como uma boa mãe deveria ser?
-Pensar nelas enquanto mãe. Quais mudanças de vida isso promove?
Transformações do corpo.

3º passo: Falar sobre a importância de alguns cuidados com os bebês.
-Investimento afetivo (sentimento e afeto)
-Dedicação (cuidados físicos e emocionais para com os bebês)
-Carinho (para que o bebê se sinta amado e valorizado)
-Auto-estima das mães
-Aleitamento materno

4º passo: Para finalizar, solicitar que as mães entrem em contato com seus bebês,
interajam com eles, os observem, façam carinho... vivenciar a partir do toque, do
contato, da visão, do olfato... a relação mãe-filho.