WORKSHOP 16: RESGATANDO A INFÂNCIA PERDIDA: DESCOBRINDO, INTEGRANDO E CONSTRUINDO NOVAS POSSIBILIDADES

 

Autora: Luciana Aguiar

 

OBJETIVO GERAL

Propiciar a emergência desde um fundo habitual, de formas neuróticas ou criadoras, a partir da sensibilização proporcionada pela apresentação de dados evocadores de experiências infantis.


OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Sensibilizar os participantes no que se refere à história de sua infância.
• Possibilitar a evocação de cenas infantis, com suas respectivas emoções associadas.
• Promover a identificação de formas habituais infantis, neuróticas ou criadoras, que se mantém como fundo na atual situação de vida do participante.
• Abrir a possibilidade de uma nova forma de satisfação para os excitamentos reprimidos na situação presente.
• Propiciar a reflexão acerca da implicação da existência e permanência de tais formas em seu cotidiano de psicoterapeuta.

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Em trabalho anterior (Aguiar, 2005), frisamos que, em se tratando do trabalho clínico, reveste-se de crucial importância o estabelecimento e a compreensão de uma perspectiva de ser humano e uma consequente prática clinica, bem como da necessidade premente do psicoterapeuta submeter-se a psicoterapia com o objetivo de possibilitar a emergência e o trabalho com suas situações inacabadas que, atuando como uma fisiologia secundária (PHG, 1997), está presente no campo terapêutico, como um fundo habitual que orienta sua compreensão e suas intervenções.

Miller(1997) destaca o quanto nossas experiências infantis, particularmente quando se apresentam na forma de situações inacabadas, ocupam um lugar bastante significativo em nosso campo vivencial, influenciando sobremaneira a escolha por trabalhar como psicoterapeutas e a condução e manejo do processo terapêutico.
Culkier (1998), ao falar sobre como uma criança “sobrevive” emocionalmente face aos impedimentos, interrupções, humilhações e desqualificações que comumente sofre ao longo de seu desenvolvimento, diz que:

“Nesta tentativa desesperada de esconder de si mesma a realidade do abandono e desvalia em que vive, a criança nega ou substitui suas próprias emoções criando uma forma alternativa de ser que supõe ser mais valorizada pelas pessoas com quem vive e que não tenha aquelas características vergonhosas e defeituosas de antes” (p.35)
E partindo de sua experiência clinica com adultos, constata que:
“por trás das dificuldades de meus clientes adultos, comecei a perceber a existência quase sistemática de uma criança com seus projetos de vingança e resgate da dignidade perdida” (p. 24)

Ainda sobre a importância do passado na terapia, PHG (1997) nos trazem a compreensão de que os efeitos passados aparecem como formas fixas no presente.
Algumas dessas formas fixadas são neuróticas enquanto outras são saudáveis, como a habilidade de andar de bicicleta, por exemplo. Porém, sejam elas saudáveis ou neuróticas, “o passado e toda outra fixidez persistem por meio de seu funcionamento presente” (p.100)

Tentativas de resolução de situações dolorosas vividas na infância, reprodução de situações infantis cristalizadas e a busca de fechamento de situações inacabadas com os próprios pais, irmãos e professores, muitas vezes se encontram presentes e atuantes na escolha e na atuação profissional, conforme podemos identificar na experiência de supervisão de gestalt-terapeutas para o trabalho psicoterapêutico com crianças, adolescentes e adultos. A posição de “autoridade” do psicoterapeuta facilita a ocorrência desse tipo de situação, onde na maioria das vezes, ele encontra-se ignorante de sua implicação.
E é dessa forma que, muitas vezes, psicoterapeutas tentam reeditar suas experiências infantis, buscando soluções para essas situações na relação terapêutica, usando seus clientes para satisfação de suas próprias necessidades, atendendo seus apelos neuróticos e conformando suas intervenções a serviço de seus ajustamentos evitativos e mantendo deliberadamente inibidas, características típicas da infância, vitais para o estabelecimento de uma relação nutritiva, tais como espontaneidade, imaginação, expressividade, curiosidade, flexibilidade e criatividade.

Miller (1997) continua nos alertando:
“Não devemos menosprezar essa tentação. Nunca ou quase nunca nossos pais nos ouviram com atenção, da maneira que os pacientes geralmente o fazem, e jamais nos revelaram seu mundo interior de maneira tão clara e honesta.” (p.32)

Entendemos a partir disso, que o desenvolvimento pessoal do psicoterapeuta é condição básica para que ele possa relacionar-se terapeuticamente e instituir uma clinica que trabalhe no sentido da abertura para o inédito e permita a manifestação da espontaneidade criadora do cliente e não esteja a serviço da reedição neurótica de sua história.
Ribeiro (1997), na apresentação a nova edição em Português da obra de Miller (1997), enfatiza que:
“(...) continuaremos a ser reféns dessas emoções reprimidas em nossas infâncias enquanto continuarmos negando o fato de elas terem existido e nos marcado, tendo, dessa forma, estabelecido um padrão que prevalecerá em quase todas as nossas relações.” (pag.9)
No que a própria autora confirma quando diz:

“Precisamos aprender a experienciar nossos sentimentos infantis e entendê¬los, a fim de não precisarmos mais manipular inconscientemente nossos pacientes com nossas teorias, e permitir que se tornem o que realmente são” (p.32)

Assim, como diz Loffredo (1994), “(...) se as características pessoais do terapeuta são enfatizadas como instrumento de trabalho numa abordagem fenomenológico-existencial, esse instrumento deve tornar-se cada mais afinado e único, para que ele possa colocar-se na relação terapeuta-cliente de forma mais genuína.” (p.93)

O trabalho terapêutico com o psicoterapeuta, não consegue devolver sua infância perdida, modificar os fatos ou reverte-los. Seu objetivo é fazer com que ele tome responsabilidade por seu comportamento atual, compreendendo distorções e o forte impacto das experiências precoces da infância em suas vidas, criando alternativas de satisfação em sua situação atual para o outrora interrompido, e abrindo espaço para o livre fluir das denominadas “características infantis” mencionadas acima que, em Gestalt-Terapia, são todas vistas como sinônimo de saúde.

Para isso é fundamental que ele não apenas rememore cognitiva e verbalmente o que se passou na infância, mas reexperiencie a emoção desses eventos no presente. Em Gestalt-Terapia, o uso do experimento nos proporciona a possibilidade da identificação e vivencia corpórea no espaço terapêutico, da situação inacabada, num contexto de emergência segura, possibilitando a criação de novas alternativas para o excitamento envolvido.
O experimento possibilita a sensação concentrada e a lúdica manipulação do meio, tal qual a brincadeira da criança ou a criação do artista. Tal como o artista, é a sensação vivida e a brincadeira irrestrita destas, aparentemente sem objetivo, que permite a energia fluir espontaneamente e chegar a semelhantes invenções fascinantes (PHG,p.59)

Dessa forma, entendemos que o caráter lúdico do experimento torna-se um facilitador para o afrouxamento da inibição deliberada e a emergência dos excitamentos bloqueados e impedidos de desdobramento e resolução junto aos dados da situação presente.
Assim, acreditamos que ao propormos experiências lúdicas aos participantes, estaremos criando a possibilidade não só da emergência e identificação de formas habituais reprimidas, como a eventual descoberta de possíveis caminhos criativos para o fluxo do excitamento.

Ao discutirem a importância da recuperação da infância, PHG (1997) destacam que o conteúdo das vivencias infantis é bastante sem importância, mas que o sentimento e a atitude infantis que viveram as cenas são da máxima importância, pois costumam estar bloqueados impedindo a vivencia de grandes parcelas vitais da vida adulta e promovendo formas neuróticas de satisfação.
“Os sentimentos infantis não são importantes como um passado que deve ser desfeito, mas como alguns dos poderes mais belos da vida adulta que precisam ser recuperados: espontaneidade, imaginação exatidão da awareness e manipulação.” (p.105)
Assim, a relevância desse trabalho resume-se em possibilitar a recuperação da maneira como a criança experiência o mundo e promover a chance de identificarmos aquilo que sorrateiramente nos impede de fazê-lo; é libertar não a biografia, os fatos, os acontecimentos, esses imutáveis, mas o processo espontâneo, através do reconhecimento da forma como nos bloqueamos e nos impedimos no livre curso do excitamento em nossas vidas.


PROCEDIMENTOS

1. Apresentação da proposta e estabelecimento de limites de trabalho (contrato)

2. Aquecimento: exploração livre do ambiente e posterior contato com os demais participantes ao som de fundo musical infantil. Mover-se ao som da musica e interagir com os demais a partir do que surgir espontaneamente.

3. Atividade 1: divisão em subgrupos de aproximadamente 6 pessoas. Distribuição de fichas com nomes de sentimentos para cada sub-grupo com a instrução de que realizem uma brincadeira de mímica, onde um dos integrantes sorteia uma ficha e demonstra com seu corpo e expressão fácil o sentimento sorteado. Permitir que cada sub-grupo experimente 3 rodadas.

4. Atividade 2: ainda no subgrupo, cada integrante sorteará uma ficha de sentimento e tentará identificar uma situação infantil onde vivenciou de forma intensa o sentimento em questão.
a. Cada integrante compartilhará sua situação com os demais participantes do sub grupo.
b. O sub-grupo escolherá uma situação para dramatizar.

5. Atividade 3: cada sub-grupo encenará diante do grupo maior a situação escolhida.

6. Troca grupal: será solicitado que cada um verifique em que medida o que foi trazido em sua cena vem sendo reproduzido em sua vida atual e de que forma isso está presente em sua escolha e sua pratica psicoterapêutica.

 

MATERIAL A SER UTILIZADO
• Equipamento de som para uso de musica
• Fichas com nomes de sentimentos

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, L. Gestalt-Terapia com crianças: teoria e prática. Campinas: Livro Pleno, 2005.

CULKIER, R. Sobrevivência emocional: as dores da infância revividas no drama do adulto. São Paulo: Ágora, 1998.

LOFREDDO, A. A cara e o rosto: ensaio sobre Gestalt-Terapia.São Paulo: Editora Escuta, 1994.

MILLER, A. O drama da criança bem dotada:como os pais podem formar (e deformar) a vida emocional dos filhos. São Paulo: Summus, 1997.

PERLS, HEFFERLINE & GOODMAN. Gestalt-Terapia. São Paulo: Summus, 1997.