MINI-CURSO 16: PSICOTERAPIA DE CASAL: A COMUNICAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE E A CONSTITUIÇÃO DA CONJUGALIDADE
Autoras: Cibele Mariano Vaz e Marta Carmo
RESUMO
O presente artigo percorreu o caminho histórico da constituição do casamento e da conjugalidade até a contemporaneidade, passando pelas formas de interação e comunicação existentes no contexto conjugal no decorrer das épocas. Destacou-se a importância da comunicação para o processo psicoterapêutico e para a conjugalidade, além do papel essencial do psicoterapeuta, ao demonstrar sensibilidade, disponibilidade e inclusão durante a sessão, possibilitando que a livre comunicação aconteça. Observou-se que os momentos de livre comunicação são momentos em que há uma mudança no processo psicoterapêutico, no qual casal e psicoterapeuta encontram-se mais conscientes dos aspectos significativos da relação. Dessa forma, o casal apresenta mais disponibilidade para estabelecer uma conjugalidade mais saudável.
Palavras-chave: psicoterapia de casal, comunicação, conjugalidade.
ABSTRACT
This article the path traveled history of the constitution of marriage and the
couple to the present, through the forms of interaction and communication exist
in the marriage context during the seasons. The importance of communication
is highlighted for the process to psychotherapy and to the relationship of the
couple, in addition to the essential role of the psychotherapist, to demonstrate
sensitivity, availability and inclusion during the session, enabling the communication
intense happen. It was observed that the moments of free communication are times
when there is a change in the psychotherapeutic process, in which spouses and
psychotherapist are more aware of the significant aspects of the relationship.
Thus, the couple has more willingness to establish a more healthy conjugality
Keys word: Couple Psychotherapy, communication, conjugality.
A contemporaneidade estrutura-se em avanços tecnológicos, em fronteiras
fluidas, no consumo de novidades, no cruzamento entre tempo e espaço,
no qual inexistem modelos pré-concebidos. Nesse contexto, o casamento
preserva sua importância institucional ao mesmo tempo em experimenta a
necessidade de adaptar-se para se constituir, ao relacionar-se com famílias
de origens distintas, negociar papéis para conseguir estabelecer uma
identidade conjugal. Assim, o casamento encontra-se imerso na diversidade dos
casamentos tardios, informais, ou homoafetivos e do recasamento, nos quais não
há um modelo universal.
Refletir sobre o modo de comunicação dos casais contemporâneos e como tal comunicação influencia sua conjugalidade tornou-se importante, principalmente no contexto da psicoterapia de casal, por ser temática frequente entre os casais. Tal reflexão encontra-se presente no pensamento de Féres-Carneiro (1996), para a autora a forma como o casal estabelece a sua comunicação está relacionada à forma com que ele constituirá a sua vida conjugal, como cada membro do casal negociará a sua individualidade e a sua conjugalidade e como instituirá suas alianças. Nesse sentido, de acordo com Zinker (2001), a constituição e a manutenção do casamento são profundamente influenciadas pelo modo como o casal comunica seus sentimentos, anseios e insatisfações.
Nos próximos itens serão delineados o desenvolvimento histórico do casal, com o intuito de favorecer a compreensão de como as relações conjugais se deram nos diferentes momentos sócio históricos. Passa-se ao estudo da comunicação estabelecida entre o casal e, para a comunicação do casal na psicoterapia, na qual se observa que, com muita frequência, a queixa principal dos casais diz respeito às dificuldades em comunicar sentimentos e ser ouvido.
1. PANORAMA HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DO CASAL
A constituição conjugal, em seu desenvolvimento histórico, passou por inúmeras mudanças, que muitas vezes representaram momentos de crises.
Entretanto,
as dificuldades nos relacionamentos íntimos sempre existiram. Nesse sentido,
Engels ([1884] 1986) esclarece, que ao contrário do que possa parecer,
o casamento monogâmico surgiu não como fruto do amor sexual ou
uma forma superior de relacionamento, mas dando início à escravização
de um sexo sobre o outro, baseado em condições econômicas
e para garantir a legitimidade dos filhos. Contexto em que a comunicação
de sentimentos era pouco relevante ou não era aceita.
De acordo com Ponciano e Féres-Carneiro (2003) nos casais dos séculos
XVI e XVII a posição ocupada pelo marido, que detinha total poder
de vida e morte gerava como consequência sentimentos de dor e raiva. O
casal ocupava-se apenas em exercer seus papéis, de marido provedor e
esposa responsável pelo lar e filhos, sem questionar a relação
ou mesmo se ela propiciava satisfação ou não. Assim sendo,
Féres-Carneiro (1996) ressalva que a grande diferença entre os
casais dos séculos XVI e XVII e os contemporâneos é que
nos primeiros os problemas não eram discutidos.
Ponciano
e Féres-Carneiro (2003) ressaltam que, somente a partir do século
XVIII os jovens iniciaram a valorização dos sentimentos em detrimento
de aspectos financeiros ou do desejo dos pais na escolha do cônjuge. E
a partir do século XIX o casamento por amor começou a ser defendido
de forma mais aberta. Entretanto, até a década de 1970 o marido
era o chefe da família e detinha total poder, a mulher que quisesse administrar
seus bens ou abrir uma conta bancária precisaria da autorização
por escrito de seu marido, por exemplo, (ARIÈS & GEORGE, 1992). Cabe
ressaltar que ainda é possível encontrar modelos conjugais desenvolvidos
sob essa base.
O enfoque na comunicação do casal, de acordo com Ariès
(1974) pode ser encontrado em relatos na literatura a partir do século
XVII, época em que destacavam a importância da comunicação,
a necessidade de conhecer sua arte e saber se portar durante uma conversa. Nesse
contexto, surgiram os manuais de convivência ricos em seus detalhes de
como estabelecer um convívio social, restringindo assim a conduta da
pessoa acerca do que seria adequado e ao mesmo tempo, deixando pouco ou nenhum
espaço para a autenticidade e espontaneidade no diálogo.
Féres-Carneiro
(2003) observa que as interações entre o casal pressupõem
a constituição de uma nova identidade para eles, na qual um eu-conjugal
é construído. Ainda segundo autora, o casamento exige que cada
cônjuge modifique sua individualidade e se reorganize enquanto casal.
Pensamento já revelado por Minuchin (1990), ao considerar necessário
que o casal ceda em alguns aspectos de sua individualidade para ser capaz de
construir sua conjugalidade. Nesse sentido, Zinker (2001) define o casamento
como um sistema, no qual duas pessoas se comprometem em viver juntas, o que
torna o casamento uma relação diferente de todas as outras.
Na contemporaneidade, processos rápidos de mudanças são
impostos ao casal, possibilitando a evidência de conflitos, as inúmeras
configurações conjugais, a instabilidade das relações,
e ao mesmo tempo, nota-se uma disponibilidade maior para compreender os acontecimentos
que atravessam a relação (OLIVEIRA, 2002). Para Ponciano e Féres-Carneiro
(2003) a relação conjugal moderna baseia-se no comportamento expressivo
e mais espontâneo, na qual o diálogo substitui os roteiros tradicionais
de relacionamento usados durante o século XVII e abertura para procurar
a psicoterapia de casal quando a comunicação não é
satisfatória para um dos cônjuges ou para ambos.
2. A COMUNICAÇÃO NO CASAL CONTEMPORÂNEO
A todo instante as pessoas emitem e recebem uma variedade de mensagens, verbais ou não, que segundo Calil (1987), transformam tanto o emissor quanto o receptor. A autora acrescenta que na comunicação humana não há uma mensagem que seja simples. Nesse sentido, Ribeiro (1986) considera que as interações humanas consistem em um sistema, isto é, as pessoas estão permanentemente interagindo e se influenciando mutuamente.
Tudo comunica, desse modo a comunicação constitui-se constantemente, sem começo ou fim, seja pela atividade ou inatividade, palavra ou silêncio, assim um comunicador influencia o outro, que em resposta à interação também se comunica. A comunicação, como Féres-Carneiro (1996) sustenta, exige envolvimento e, portanto, interfere nas relações, pois comunicar-se é relacionar-se. Tudo pode ser e é comunicado. Ribeiro (1986) enfatiza que, para além da palavra, as ações ou movimentos também são formas de comunicação. Até mesmo o não dito deixa-se perceber pelo seu contexto, pela sua história e por fazer parte da comunicação tanto quanto o que é dito, conforme Bucher (1989).
Razões diversas possibilitam que qualquer tipo de comunicação sofra interferências e seja distorcida, como em virtude da complexidade do vocabulário, da resposta à comunicação feita, ao significado pessoal do que é comunicado, ou de quem recebe a comunicação. Ribeiro (1986) acrescenta outras formas de interferência da comunicação em decorrência da palavra comunicada não apresentar coerência com a expressão, gesto ou atitude, ou quando a pessoa tem a percepção do outro e do meio de forma unilateral, fragmentada, ou ainda, quando a pessoa que comunica sofreu traumas profundos em relação à expressão de seus pensamentos e sentimentos.
Ao ato de expressar-se claramente incorre um risco iminente que, muitas vezes está relacionado ao medo de não ser aceito ou de ser abandonado. Tanto assim, Zinker (2001) assegura que a pessoa sente-se à vontade para dizer o que realmente pensa, quando confia que o outro a receberá com gentileza. Para o autor, há um salto de confiança ao dizer a verdade, nele a pessoa redescobre a si mesma ao permitir-se expressar suas necessidades mais íntimas ligadas ao relacionamento. Sendo a comunicação um ato de comunhão com o outro, que exige que as pessoas envolvidas desejem abrir-se verdadeiramente para o outro, percebê-lo em sua plenitude e totalidade, conforme Ribeiro (1986) assegura.
Zinker (2001) avalia que o acúmulo de coisas não ditas ou situações que não sejam esclarecidas provoquem a sensação de insatisfação, em conseqüência da não abertura ao diálogo com o parceiro. Em decorrência, toma-se a decisão de não conhecer e não ser conhecido pelo outro, ao manter uma relação de distanciamento. Nesse contexto, a possibilidade de alcançar uma comunicação satisfatória está comprometida e torna-se um paradoxo, de um lado, há o medo da não-aceitação e, de outro o descontentamento da expressão não espontânea.
Para que a constituição da conjugalidade se dê, os parceiros precisam conversar sobre seus pensamentos, seus sentimentos, suas experiências e suas atitudes e assim, estabelecer uma comunicação autêntica (Zinker, 2001). A comunicação autêntica acontece quando o casal consegue um contato profundo, quando há coerência entre comunicação verbal e não-verbal, quando a comunicação é aberta, positiva e solidária e não baseada em personagens ou máscaras.
Da mesma forma, Ribeiro (1986) reitera que “a afetividade é a chave que melhor abre o ser a uma real experiência com o outro e possibilita uma comunicação sincera e autêntica” (p. 106). O amor consiste em entregar-se, sem ressalta Spangenberg (2004), tornar-se disponível, alegrar-se com a alegria do outro, sem esperar ser recompensado por isso, é abandonar o controle e as defesas. Giddens (1993) conclui que, o compromisso e o empenho em desenvolver a conjugalidade surgem da doação de uma pessoa a outra.
3. A COMUNICAÇÃO
NA PSICOTERAPIA DE CASAL
Alguns casais, de acordo com Guerin, Fay, Burden, e Kautto (1987), negligenciam
a necessidade de desprender tempo e dedicar-se ao cuidado da relação,
quando isso acontece observa-se que a comunicação do casal limita-se
a troca de informações e não se encontra aberta para tocar
em temas que sejam problemáticos ou gerem qualquer tipo de incômodo.
Quando o casal busca a psicoterapia Oaklander (1980), assim como Zinker (2001)
ressaltam a possibilidade de sentimentos e pensamentos estarem interrompidos
ou mesmo não serem ouvido, reconhecidos e aceitos pelos parceiros, acontecimentos
que repercutem de forma negativa na conjugalidade do casal.
O momento
em que o casal busca a psicoterapia e relata como problema a comunicação,
alguém pode estar se sentindo manipulado, impotente ou sem saída
em uma luta de poder, de acordo com a perspectiva de Oaklander (1980). Da mesma
forma, Garcia e Tassara (2003) consideram que, no casal, nem sempre aquilo que
é definido por um como problema, é percebido por ambos como tal.
O intuito do trabalho psicoterapêutico busca a restauração
e ressignificação da funcionalidade e do compromisso do casal
com o relacionamento. O que no entendimento de Teani (1997) seria o resgate
do processo interno de constante movimento. Na resolução de conflito,
o casal necessita ultrapassar a disputa pelo poder e chegar a uma nova perspectiva
da relação, baseada no impulso para a união, como Miller
(1995) descreve. Nesse sentido, o potencial de união e de compartilhamento
do casal, segundo Zinker (2001), está na expressão da verdade,
das necessidades e desejos.
Na psicoterapia, o casal é convidado a experienciar suas habilidades e suas interrupções, a refletir sobre como está a relação no aqui-agora, como ela foi no passado e como eles desejam que ela se torne (ZINKER, 2001). Nesse contexto, o autor acredita que cabe ao psicoterapeuta apontar as competências do casal, antes de intervir nas interrupções. Zinker (2001) acrescenta que o foco nas competências fortalece o casal, ao mostrar o esforço criativo para tornar a relação melhor.
Zinker
(2001) ressalta ser papel do psicoterapeuta auxiliar o casal a compreender como
suas interrupções acontecem e como usar suas habilidades para
superar suas interações fragmentadas. E assim, a psicoterapia
alcançará seu objetivo quando o casal for capaz, por várias
vezes, de começar, desenvolver e finalizar uma conversa de forma saudável.
Guerin et all (1987) sintetizam alguns indicadores a serem ressaltados na psicoterapia
de casal, como o clima emocional, os aspectos que mantêm o relacionamento,
as fusões e limites e a divisão do poder, a fim de reduzir a tensão
e criar um clima seguro, cordial e tranqüilo, com o objetivo maior de que
esse clima possa ser reproduzido em casa.
A capacidade
do psicoterapeuta de intervir nas habilidades do casal, para Zinker (2001) é
de fundamental importância para reconhecer os esforços despendidos
pelo casal para tornar a relação melhor e assim, resgatar a fluidez
de suas interações. O papel do psicoterapeuta mostra-se essencial
ao processo do casal, sendo ele o responsável por favorecer ao casal
o contato com suas vivências, através da expressão do que
o psicoterapeuta percebe da vivência do casal naquele momento.
Tal atitude exige habilidades específicas do psicoterapeuta de casal.
Zinker (2001) aponta como a primeira habilidade a ser desenvolvida é
estar presente, para ser capaz de centrar-se, ter uma visão ampla e relacionar-se
compreensivamente com o casal. Tal atitude exige do psicoterapeuta uma disponibilidade
para abrir-se à atitude da relação dialógica, nos
termos de Buber (1982), experienciando e expressando sua capacidade de confirmar,
estar presente e “permanecer-junto-com-o-outro” (p.55), diante da
vivência do casal.
Da mesma
forma, há necessidade que o casal esteja disponível e seja capaz
para estabelecer uma comunicação fluida e, assim, proporcionar
uma experiência que provocará alguma mudança no processo
psicoterapêutico, em função da riqueza de sentido que acompanha
o momento em que algo de fundamental importância ao processo do casal
pode ser verbalizado.
Rogers (1980) acredita que a pessoa necessita comunicar-se, o que constitui
uma vivência essencial e a vida carece de sua presença. Pensamento
que é corroborado por Amatuzzi (1989). Na perspectiva de Buber (1982),
o que é comunicado não encontra seu sentido nem em um e nem no
outro parceiro, nem nos dois, e sim entre os dois. Para este autor o diálogo
ocorre na mutualidade da relação, quando é carregado de
sentido.
Na psicoterapia de casal, além da capacidade de comunicar algo profundo, torna-se necessário uma escuta atenta, capaz de alcançar com sensibilidade o que foi comunicado. Tal escuta parte tanto do psicoterapeuta, quanto dos membros do casal. Teani (1997) ressalta a importância do psicoterapeuta demonstrar interesse, respeito e disponibilidade verdadeiros para o casal, dessa forma torna-se possível o contato com a vivência dos membros do casal de um modo completamente autêntico e integrador.
O comunicar-se livremente, segundo Amatuzzi (1989), propicia um momento de grande criatividade para o processo psicoterapêutico. Nesse sentido, o casal sente-se mais compreendido e se expressa mais facilmente. Evidencia-se uma energia especial, que se distingue da dos acontecimentos cotidianos, nesse quadro tem-se a sensação que psicoterapeuta e casal estão mais inteiros, conclui o autor.
No decorrer do processo psicoterapêutico pode-se observar o caminho que o casal percorre, que passa por sentimentos não ditos ou não reconhecidos, interações fragmentadas até alcançar a possibilidade de comunicar-se espontaneamente. O que constitui, para Zinker (2001) uma nova possibilidade que surge ao casal quando um membro amplia a percepção de seus aspectos internos, sendo esse o meio pelo qual o casal consegue ampliar aspectos de sua conjugalidade que antes não eram reconhecidos, ao ampliar a sua awareness43.
43 - Awareness -definido por Yontef (1998) como “uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato vigilante com o evento de maior importância no campo indivíduo/meio, com total suporte sensoriomotor, emocional, cognitivo e energético [...] é em si a integração de um problema” (p. 215).
A possibilidade de abrir-se à comunicação, tanto para o
casal, como para o psicoterapeuta propicia que entre em cena uma relação
mais profunda, na qual a relação interpessoal estabelecida durante
o processo psicoterapêutico permite dizer de si. Estando todos disponíveis
para experienciar uma relação aberta as importantes mudanças
necessárias à constituição da conjugalidade do casal.
Nesse sentido, comunicar-se passa a ter outro sentido, quando a fala é comunicada como extensão do vivido, como Amatuzzi (1989) afirma. No entendimento de Zinker (2001) o comunicar vem acompanhado de um contato profundo, uma comunicação aberta e coerente. O que pode ser entendido como a expressão de algo de si, algo que está vivenciando no momento exato da sessão psicoterapêutica, que o deixa em contato com significados sentidos, que permitem ao casal alcançar novas compreensões, novas simbolizações sobre si mesmo e sobre sua conjugalidade.
A autenticidade do momento de comunicação está relacionada ao fato do que é dito, além de possuir papel central nas questões do casal, é dito ou genuinamente ouvido pela primeira vez no processo psicoterapêutico ou mesmo na vida do casal, o que o torna mais relevante. Momento em que cada membro do casal está voltado para seus aspectos internos, e de alguma forma, consegue ultrapassar as deficiências do contato presentes na relação.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No percurso da história, os processos de mudança sempre estiveram presentes na constituição do casal e da conjugalidade. No contexto contemporâneo, tais processos estão presentes na revisão de papéis sexuais, nas novas formas de arranjos entre as pessoas e nas indefinições das diretrizes dos relacionamentos, ocasião em que os casais necessitam estabelecer novos contratos e novos padrões de convivência, travando uma luta para constituir sua conjugalidade saudável. Para tanto, a comunicação apresentou representativa importância, por ser ela componente fundamental no processo de desenvolvimento do casal.
Percebeu-se que a forma como o casal se comunica vincula-se à forma como o relacionamento é estabelecido entre eles. O casal que apresenta uma fluidez da comunicação, um grau de liberdade que o permite compartilhar suas satisfações ou não, encontra-se mais próximo de uma comunicação autêntica.
Pôde-se verificar que para a comunicação fluida aconteça precisa-se estabelecer um diálogo, no qual um conteúdo repleto de significado sentido é comunicado e recebido dessa mesma forma, tanto para o casal, como para a psicoterapeuta, sendo possível dizer que se estabeleceu uma abertura à relação dialógica, nos termos de Buber (1982).
Nesse sentido,
a atuação do psicoterapeuta exerce influência significativa
para que o casal se disponibilize à possibilidade de comunicar-se. Ao
estar presente, envolvido, incluído, sensível, ao oferecer suporte,
confirmação, fazer leituras e propor reflexões ao casal
o psicoterapeuta percorre junto ao casal o caminho de expressão mais
autêntica de suas necessidades.
Os passos traçados por este estudo contribuem para a prática psicoterapêutica
no sentido de apontar a importância dos momentos de comunicação
no processo psicoterapêutico de casal e, sobretudo, a importância
da atitude do psicoterapeuta para que esses momentos aconteçam. Uma atitude
sensível, reflexiva e de inclusão, na qual psicoterapeuta e casal
experienciam juntos tais momentos, responsáveis por proporcionar mudanças
significativas no processo psicoterapêutico e consequentemente na conjugalidade
do casal.
Por fim, pôde-se concluir que mesmo quando autores como Oliveira (2002), Ponciano e Féres-Carneiro (2003) e Zinker (2001), para citar alguns, afirmam que, no mundo contemporâneo, as pessoas e os casais, em especial, estão mais abertos ao diálogo, mais disponíveis à expressão de seus desejos e ideias, as dificuldades em estabelecer uma comunicação autêntica e genuína persistem. As muitas décadas de repressão das formas de expressão autêntica ainda permanecem cravadas na herança cultural de homens e mulheres. Estas parecem sofrer mais, pois muitas vezes permanecem atadas aos papéis ocupados por suas mães e avós, que abnegaram, se submeteram, se anularam em prol de maridos, filhos e obrigações domésticas, aspectos que permanecem como prioridade para muitas mulheres contemporâneas.
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