MINI-CURSO 14: GESTALT-TERAPIA E TERCEIRA IDADE: VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS

Autores: Danilo Suassuna e Arminda Brito de Sousa e Bárbara Spenciere

 

RESUMO

O mundo enfrenta um processo de envelhecimento populacional e os olhares para o estudo com a terceira idade estão em crescimento. Diante dessa realidade, desenvolveu-se um trabalho com idosos na UNATI-UCG baseado na Abordagem Gestáltica. O presente artigo mostra algumas das vivências e experiências colhidas nesse programa assim como a realidade vivida pela terceira idade na contemporaneidade.

É certo que os avanços da ciência e da tecnologia, bem como as medidas sanitárias, veem garantindo a redução da mortalidade e o aumento da expectativa de vida. Segundo estatística apresentada pela Organização Mundial de Saúde – OMS/PNAD projeta-se para 2025, 32 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais, o que privilegiará nosso país como tendo a 6ª população mais envelhecida do planeta.

Estudos transculturais do envelhecer apontam, segundo Moreira & Nogueira (2008), para diferentes experiências a cerca do envelhecimento. Historicamente, segundo Sanches, Lebrão & Duarte (2008), o envelhecimento era mais presente nas classes sociais mais elevadas, os pobres dificilmente chegavam à velhice.

Em especial em sociedades orientais, este é visto em termos de progresso e assim os idosos são respeitados por sua sabedoria adquirida ao longo de sua vida e por ensinamentos que podem ser transmitidos aos mais jovens.

Sousa (2004) afirma que na cultura esquimó, trabalha-se até estar incapacitado a se autoprover e então se comete suicídio. Já os índios Caiapós no Brasil, possuem um Conselho de Velhos responsável por estabelecer regras comportamentais no âmbito político e social.

Nas culturas ocidentais, pode-se perceber, como característica marcante, o individualismo, narcicismo onde “o envelhecimento é investido de valores negativos, tornando o velho, a velhice e o envelhecer algo indesejável e gerador de sofrimento” (Moreira & Nogueira, 2008 p. 62).

Quase sempre, vincula-se o envelhecimento a efeitos indesejáveis decorrentes da passagem do tempo e dificilmente a processos de amadurecimento ou conquista de características positivas, como sabedoria e virtude (Negreiros, 2003).

Beauvoir (1990) já apontava para o fato de que para assumirmos a totalidade da condição humana, é necessário reconhecermos quem seremos (aquele velho, aquela velha) para, então, sabermos quem somos. Afinal, a velhice se trata de uma etapa de difícil aceitação: “será que me tornei, então, uma outra, enquanto permaneço eu mesma?” (p.348).

A opinião social a respeito da terceira idade influencia a atitude da pessoa idosa, pois ela sabe que os velhos são vistos como inferiores e muitos tomam esse olhar como insulto e buscam crer que são jovens. Muitas vezes chegam a preferir assumir um mau estado de saúde do que assumir o avanço da idade (Beauvoir 1990).

A visualização que a sociedade passa do velho faz com que os idosos se sintam como tal. Portanto, o idoso passa a se sentir velho através dos olhos do outro sem ter experimentado as mudanças respectivas à velhice. Assim Beauvoir (1990) coloca que “interiormente, não adere à etiqueta que se cola a ele: não sabe mais quem é” (p.358).

Atento a essa realidade e deparando-se com a escassa bibliografia, o NEPEG (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gerontologia), vinculado ao ITGT Instituto de Treinamento em Gestalt Terapia de Goiânia, surgiu com o intuito de estudar e produzir conhecimento acerca da terceira idade bem como todos os processos psicossociais que envolvem a temática do idoso.

Dentre os trabalhos desenvolvidos pelo grupo, existem as oficinas ministradas na UNATI/UCG (Universidade Aberta à Terceira Idade da Universidade Católica de Goiás). Percebeu-se nos idosos que ingressaram nesse programa, a presença de limitações físicas, dores, perdas (mortes), relações interpessoais satisfatórias diminuídas, ameaça constante de doenças e aposentadoria como elementos que acarretam sensação de vazio, desconforto, inutilidade e em muitos casos chega à depressão.

A velhice é representada como um processo contínuo de perdas, em que os indivíduos defrontam-se, muitas vezes, com uma situação de abandono, de desprezo e de ausência de papéis sociais. Essa representação gera uma extensa gama de esteriótipos negativos relacionados aos idosos.

Da família, passando por instituições e chegando-se à sociedade como um todo pode-se perceber o isolar do idoso. Seu dia-a-dia é caracterizado por monotonia e inatividade o que agrava a situação de descaso para com o idoso. Conseqüentemente, o mesmo é privado de sentimentos como alegria e prazer. Isso o distancia do mundo e de si mesmo, isolando-o. Seu direito à vida e a aceitação enquanto ser humano vão ficando para segundo plano.

No trabalho com a UNATI pode-se perceber que, no início, os idosos chegavam nessa situação de isolamento. Porém, ao término do semestre, eles haviam retomado sentimentos como a alegria e a vontade de viver. Outro fator que ficou muito evidente foi o relato de alguns deles a respeito da melhor convivência com a família após a ida para o programa.

A auto-estima é outra questão extremamente afetada na terceira idade frente à representação social que o idoso tem na sociedade contemporânea. Segundo Braden (1992), a auto-estima tem dois componentes básicos: o sentimento pessoal e o sentimento de calor pessoal, ou seja, a auto-estima é a soma da autoconfiança com o auto-respeito (p.28).

Pode-se perceber que houve uma elevação da auto-estima após o desenvolvimento do trabalho com os idosos na UNATI. Foi notório a forma com que passaram a se cuidar, as atividades, as viagens e passeios que passaram a desenvolver independentemente. O que mostrou-nos também um aumento da autonomia dos mesmos, retomando as rédeas da própria vida.

Outro trabalho desenvolvido pelo grupo é o estudo da grande presença de violência contra essa população dessa faixa etária. Ao se estudar acerca dessa temática, pode-se então deparar-se com uma realidade social brasileira de omissão dessa violência. Só recentemente, a questão da violência contra o idoso foi levantada como temática de estudos acadêmicos, fato este que ocorreu trinta anos após o início dos estudos sobre a violência infantil (Sanches, Lebrão & Duarte, 2008).

No artigo 230 da Constituição Federal é assegurado que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo¬lhes o direito à vida” (Brasil 1998).

Porém, o que se tem atualmente em todo país é um quadro totalmente diferente do proposto pela Constituição. É importante ressaltar o dado de que o estado de Goiás está entre os seis Estados do país que se destacam como os mais violentos para os idosos (Minayo, 2003).

Baseados nessa realidade, em 1992, a cidade de São Paulo, na estação Barra Funda e, em 1998, a cidade do Rio de Janeiro, criaram Delegacias do Idoso para atendimento desta população carente de assistência. Já em Brasília, tem-se atendimento de idosos, em seções especiais, dentro das delegacias já existentes (Malagutti, 2000).

Segundo Minayo (2003), é nos lares que existe a maior incidência da violência contra idosos. A autora considera como possíveis causas desse dado o fato de que no ambiente doméstico e familiar ocorrem choques de gerações, problemas de espaço físico, dificuldade financeiras, entre outros.

Em pesquisa a mesma autora, após estudos nacionais e internacionais, conclui serem os “filhos homens mais que as filhas e a seguir noras e genros; e esposos” aqueles que mais abusam de idosos em geral, dado que reforça a importância de se desenvolver esse estudo no ambiente doméstico e familiar.

Ainda segundo ela, a violência contra o idoso deve ser vista sob pelo menos três parâmetros: “demográfico, sócio-antropológico e epidemiológico” (p. 784). Seguindo a proposta sócio-antropológica, por estarmos inseridos em uma perspectiva psicológica, ressalta-se aqui a necessidade de se discutir acerca dessa temática.

 

CONCLUSÃO

De posse desses dados, percebe-se a importância e a necessidade de se estudar e produzir, cada vez mais, novas pesquisas abordando a temática do idoso. Tema esse que envolve não somente o idoso, mas também sua família, os profissionais que deles cuidam e o sistema de saúde (Sanches, Lebrão & Duarte, 2008).

Após o trabalho desse grupo na UNATI/UCG, a partir do enfoque da Gestalt-terapia, abordagem, atitude ou postura em relação à existência humana em geral que tem como enfoque a preocupação com a pessoa como um todo, não se detendo apenas em aspectos ou dimensões específicas (intrapsíquica, interpessoal ou transpessoal) (Ribeiro, 1999), pode-se favorecer a ressignificação das relações estabelecidas pelos (as) idosos (as) participantes bem como o aumento de relações interpessoais que puderam se tornar, segundo relato das idosas, satisfatórias.

O trabalho a partir da perspectiva gestáltica proporcionou uma nova forma de se regular de cada um, favorecendo o processo Figura-Fundo no que tange a temática da solidão vivenciada pelos (as) idosos (as) participantes.

Este fator fora de suma importância visto contribuir no suporte para o enfrentamento frente a situações adversas a que são expostos a todo instante, como por exemplo as questões relativas a violência sofridas pelas pessoas dessa faixa etária.

O trabalho seguiu no sentido de resgatar as dimensões do humano o que favoreceu, segundo relato informal de algumas alunas, “Nasci de novo, agora tenho vontade de viver!!”, que segue a proposta da abordagem gestáltica que tem como finalidade o encontro da pessoa com a sua capacidade de fluir, de ser espontânea. Já que essas capacidades pertencem à natureza humana, e provém de um mecanismo inato, que é o de auto-regular-se – ser harmonicamente com o meio circundante (Ribeiro, 1999).

Desse modo, pode-se perceber que o trabalho se expandiu para fora das paredes das salas de aula, onde ocorria a oficina, o que contemplou a vivência de cada com uma perspectiva preventiva e ativa em relação a sua realidade na sociedade contemporânea. Visto que são escassos os trabalhos direcionados a essa faixa etária. Assim sendo, torna-se importante estabelecer parcerias no sentido de promover ações efetivas conjuntas. E a participação da Gestalt-terapia no âmbito clínico e não obstante no comunitário se faz imprescindível. Afinal, se, atualmente, a problemática do atendimento ao idoso não se encontram condizentes com as necessidades que se apresentam, o que se esperar dos próximos anos?

O objetivo desse mini-curso, portanto, é o de compartilhar trabalhos desenvolvidos com a terceira idade com vistas à mobilizar os psicólogos gestaltistas frente ao tema.

REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, S. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

BRANDEN, N. Auto-estima: como aprender a gostar de si mesmo. 4ªed. São Paulo:Saraiva, 1992.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

MALAGUTTI, A. Segurança e Defesa Nacional. O. Delegacia do idoso no âmbito da segurança pública. Brasília, 2000. 20p. (Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, Consultor Legislativo da Área XVII, nota técnica).

MINAYO, M. C. S. Violência contra idosos: relevância para um velho problema. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 783-791, 2003.

MOREIRA, V.; NOGUEIRA, F.N.N. Do indesejável ao inevitável: a experiência vivida do estigma de envelhecer na contemporaneidade. Psicologia USP, v.19, n. 1, p. 59-79, jan/mar, 2008.

NEGREIROS, T. C. G. M. Espiritualidade: desejo de eternidade ou sinal de maturidade? Revista Mal-Estar e Subjetividade, v. 3, n. 2, p.275-91, 2003.

RIBEIRO, J. P. Gestalt-terapia de curta duração. São Paulo: Summus, 1999.

SOUSA, A. M. V. Tutela jurídica do idoso: a assistência e a convivência familiar. Campinas: Alínea, 2004.