MINI-CURSO 10: A IDADE DO TERAPEUTA

Autores: Mauro Figueiroa, Patricia Lima (Ticha) e Ronaldo Miranda Barbosa

 

“A verdade não está na partida nem na chegada, é na passagem que ela se apresenta”. (Guimarães Rosa, em Grande Sertão Veredas)


Em parceria anterior, coordenamos um fórum interativo chamado “O pão nosso de cada dia” no Congresso Nacional de Gestalt-terapia, ocorrido na cidade do Rio de Janeiro em 2007, tivemos a oportunidade de desenvolver uma proposta de caráter dialógico, junto a um grupo de colegas de congresso e sobre um tema que visitava os bastidores da clínica, entendendo por bastidores aquilo que está fora do palco teórico-técnico – um espaço de troca das intimidades do cotidiano de cada um no seu fazer terapêutico. Naquela ocasião nos ocorreu abordar como cada um encontrava, na sua vida pessoal, elementos suportivos para o desempenho do papel de psicoterapeuta. Ficamos agradavelmente surpresos pela riqueza da conversa entusiasmada que ali ocorreu, da qual muitos de nós saímos um pouco mais cientes de si pessoalmente e também enquanto gestalt-terapeutas. Saímos também mais convictos da importância que os aspectos da vida pessoal do terapeuta têm no desempenho do seu trabalho. Diante do que foi vivido no fórum mencionado, nos animamos agora a reeditar a nossa parceria com uma proposta nos mesmos moldes, desta vez focando o tema “A idade do terapeuta”. Esta proposta de trabalho, portanto, se fundamenta na idéia de que a troca de experiências é de extrema importância para o desenvolvimento pessoal de cada um dos seus participantes. A metodologia a ser utilizada neste mini-curso será a dos grupos dialógicos, nos modelos dos grupos de encontro propostos por Carl Rogers. Dentro deste modelo não nos apoiaremos em material didático previamente preparado, mas sim privilegiaremos o espaço de troca e de convivência como sendo o lócus privilegiado para que o Encontro aconteça e para que todos os participantes possam, a partir das trocas vividas -sejam estas de ordem intelectual ou puramente afetivas crescer e se alimentar desta tão frutífera oportunidade de estar entre “semelhantes”. Queremos pensar juntos como esta variável, a idade da pessoa que é terapeuta, se reflete no exercício da profissão, de um modo geral, e em particular na experiência de cada um. Por exemplo, o que marca o jovem terapeuta e o velho terapeuta? De que forma o tempo, com todo o seu conteúdo existencial, repercute sobre nós ao longo do caminho de nossa carreira profissional? Quais as diferenças que notamos no modo com nos investimos do papel de terapeuta, no decorrer de nossas vidas. Nosso campo de reflexão pode se estender em direções variadas: do entusiasmo juvenil à maturidade ponderada, da fé ingênua ao conhecimento crítico, da glamourização idealizada a simplificação banalizada, da rigidez de modelos pré¬definidos a liberdade incontinente , da autorização externa ao direito auto-concedido, da onipotência resistente ao humilde reconhecimento dos limites, do horizonte promissor distante a finitude limitadora que se aproxima, etc.

Até que ponto a nossa idade facilita ou atrapalha, quando as diferentes necessidades do cliente se apresentam na situação terapêutica. Quando, por exemplo, se faz necessário um terapeuta criança, brincalhão que se permite sentar no chão e brincar com tintas, ou um terapeuta sério, maduro e suficientemente forte para suportar e compartilhar dos pesos e perdas sem aliviar a balança, ou ainda a leveza do jovem que destemido não se prende as agruras da vida e dobra a aposta no futuro incerto.

Temos usado neste texto o termo reflexão, mas mais que isso, o que pretendemos é constituir um campo afetivo que permita uma troca sutil e efetiva de experiências, sentimentos, histórias e tudo o que mais surgir pertinente ao tema proposto. Queremos que este seja tão somente uma semente para que algo original e autêntico ali ocorra despretensiosamente. Em relação ao tema proposto “A idade do terapeuta”, pensamos que é de fundamental importância que o psicoterapeuta integre, a partir de sua vivência, todas as reflexões pertinentes a este tema. Que possa partir da sua própria experiência de como é passar por cada fase da vida em especial, envolvendo-se com seu sentido de juventude ou de envelhecimento, estando em contato com os prazeres e as dificuldades experimentadas em cada idade. Enfim, que se use como seu próprio instrumento a partir do contato com esta realidade tão absolutamente humana e intensa que é o sentido que atribuímos a cada fase da vida e a cada idade em que nos encontramos. No livro “Gestalt Terapia Integrada” (1979), Erving e Miriam Polster escrevem um capítulo onde sistematizam a idéia do psicoterapeuta como seu próprio instrumento. Eles definem, metaforicamente, o papel do psicoterapeuta como o de uma “câmara de ressonância para aquilo que se passa entre ele e o paciente” (p.35) Para que o psicoterapeuta possa exercer esta função é necessário que ele faça uso de sua própria “reatividade” de modo a “reverberar tudo aquilo que acontece nesta interação (idem). Dentro deste ponto de vista, os autores compreendem o psicoterapeuta também como um artista, que “age a partir dos seus próprios sentimentos, utilzando-se do seu estado psicológico como um instrumento de terapia”. (Op. cit., p. 35) Em artigo publicado no livro “As Psicoterapias Hoje” (1982), Tellegen enfatiza a importância do suporte próprio, não só do cliente, mas igualmente do terapeuta, no exercício da psicoterapia: “(...) também o terapeuta precisa saber do seu auto-suporte na situação terapêutica, pois só assim se garante a qualidade de sustento do campo terapêutico e a possibilidade de investigar novas dimensões de contato”. No mesmo texto, encontramos:

“Se o contato sempre se dá no aqui e agora, o suporte se fundamenta no conjunto dos recursos desenvolvidos ao longo da história pessoal de cada um. O contato se passa na fronteira eu – não eu; o suporte é tudo que se tem à disposição para este contato ser pleno e vivificante. O foco do trabalho terapêutico em Gestalt é precisamente a articulação das dimensões de suporte e contato”. (p.86)

Acreditamos que cada um de nós tenha algo a contar sobre a nossa vivência de idade, da conjugação dos três tempos (passado, futuro e presente) e como percebemos esta dimensão no nosso cotidiano de psicoterapeutas. Como, com o passar do tempo, fomos nos tornando nós mesmos, nosso melhor instrumento, ou não? Esta é uma indagação possível, outras surgirão em meio as histórias, idéias e cenas que certamente serão generosamente compartilhadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Polster E, Polster M. Gestalt Terapia Integrada. Belo Horizonte: Intelivros; 1979.

Rogers C. Grupos de Encontro. São Paulo: Martins Fontes; 1982.

Tellegen, TA. Gestalt-Terapia. In: Porchat I, As Psicoterapias Hoje. São Paulo: Summus; 1982.