MINI-CURSO 09: ATENDIMENTO AOS CASAIS: PRÁTICAS CLÍNICAS E FUNDAMENTAÇÃO FENOMENOLÓGICA

 

Autor: Hugo Elidio Rodrigues


Eixo Temático: Práticas da Gestalt-terapia na atualidade e seus caminhos

 

RESUMO

Este mini-curso apresentará uma introdução teórica baseada na fenomenologia husserliana para -a partir da compreensão de conceitos como expressão, manifestação, intenção e preenchimento de sentido, redução eidética entre outros -articular tais conceitos com a prática clínica da Gestalt-terapia, reconhecendo-a como uma abordagem que utiliza-se de uma metodologia descritivo-fenomenológica, e como empregar este método no atendimento clínico aos casais.


Palavras-chave: fenomenologia, metodologia, casais, experimentos.


Como objetivo, este mini-curso tem o interesse de compartilhar com a comunidade de Gestalt-terapeutas as experiências clínicas e as pesquisas teóricas concernentes ao atendimento clínico aos casais.

A metodologia deste mini-curso será apresentada a partir de duas práticas didáticas distintas. Primeiramente, será conduzida em forma de palestra expositiva com o apoio de equipamento áudio-visual (apresentação em data-show), uma contextualização teórica do tema, com as pesquisas realizadas tendo como fundamento a obra de Edmund Husserl e sua articulação com a teoria gestáltica. Após tal contextualização, será aplicada uma metodologia participativa, em forma de experimentos no grupo, onde situações de atendimentos aos casais serão simuladas, com o apoio de técnicas baseadas na Gestalt-terapia.

Em relação ao material didático, para a primeira parte do trabalho, resume-se ao equipamento áudio-visual (data show ou similiares). O material para a segunda parte consiste apenas no estabelecimento das condições para o experimento ser realizado (sala com espaço e condição de privacidade).

Em relação à fundamentação teórica, de uma forma inicial, é reconhecida a postura de Perls, sobre a Gestalt-terapia ser fundamentalmente uma abordagem clínica que apresenta uma maior eficiência quando aplicada às situações de grupo (Perls in Stevens,1977, p. 29). Ela tem recursos cujas especificidades se adequam em muito ao trabalho para além da díade terapeuta/cliente. Considerando tal característica da Gestalt-terapia, neste mini-curso é considerado o trabalho com casais como também um tipo de atendimento clínico que muito tem a se beneficiar com a prática gestáltica.

Aplicando a Gestalt-terapia na terapia para casais, efetuada pelo autor deste presente trabalho há alguns anos, foi verificada uma situação cuja recorrência tornava-se inquestionável. A grande maioria dos problemas encontrados ao longo dos atendimentos aos vários casais que se estabeleceram sob variadas formas (casais hetero ou homossexuais, de namorados, casados ou vindo para terapia como “separados”) se trataram de problemas de comunicação. Como “problemas de comunicação” o autor deste trabalho se refere à concomitância com a qual ocorriam os seguintes problemas: “a” pensava algo sobre “b” porém aquele não conseguia expressar o que efetivamente estava pensando sobre este, e manifestava uma comunicação deturpada para “b”. A outra pessoa,“b”, que já ouvia algo que não correspondia exatamente ao que “a” pensava, ainda colocava um sentido ao que ouvia que apenas ao longe correspondia ao que “a” havia dito (este “ao longe” sendo um referencial checado pelo terapeuta junto ao emissor da comunicação, ou seja, checado junto a “a”). Este “b”, a partir de sua escuta contaminada pela própria história, respondia para “a” algo que apontava freqüentemente para um contexto de temas diferentes daqueles trazidos originalmente por “a”. Então “a”, que inicialmente também não “se compreendia” -pois logo de imediato não manifestava uma comunicação em coerência com aquilo que queria expressar -diante da divergência de foco produzido pela comunicação de “b”, com freqüência reagia de forma agressiva, diante da não compreensão de seu parceiro à sua comunicação. Tudo isso acontece, obviamente, também na condição inversa, iniciando em “b” para “a”.

Diante deste aspecto relacionado aos problemas com a comunicação, neste presente trabalho há a intenção de focalizarmos dois principais temas. Primeiramente, a compreensão sobre o que se presentifica na comunicação humana em termos das etapas que constituem a possibilidade de se comunicar e, em segundo lugar, sugestões de trabalhos descritivo-fenomenologicos, com o material que se presentificou na comunicação. Para esclarecer este segundo tema melhor, será apresentado um terceiro tema, que é um exemplo de atendimento onde tais aspectos metodológicos, no entender do autor deste presente trabalho, não foram utilizados de forma fenomenologicamente fundamentada.

Nos próximos parágrafos serão esclarecidos estes três principais temas.


Tema 1: Sobre as etapas constituintes da comunicação humana

Husserl -em sua necessidade de fundamentar as questões que ele levaria à frente para apontar como as ciências precisariam de uma base ontológica prévia, que lhes serviriam para discernir quais seriam, efetivamente, seus objetos de estudo -aprofunda-se sobre os problemas da linguagem, criticando a forma com a qual simplifica-se, de maneira geral, o que é a comunicação humana. Sob uma ótica simplista, vê-se a comunicação humana pelo seu aspecto prático, tangível, que engloba um emissor, o conteúdo comunicado e o receptor. Husserl, entretanto, colocando seu olhar fenomenológico sobre a comunicação humana, vai nos mostrar que existem vários outros aspectos envolvidos. Devido aos limites deste presente mini-curso, não há espaço para trazer todos os aprofundamentos que Husserl realizou. Serão eleitas apenas algumas destas questões que mais claramente se relacionam com o tema aqui trabalhado. Dentre estas, por exemplo, temos uma importante diferenciação conceitual que verifica-se ainda na situação na qual há algo a ser comunicado. Esta diferenciação ocorre entre “expressão” e “manifestação” (Husserl, 2007, p. 60). Há algo a ser comunicado, e este algo surge como uma expressão, que poderia ser entendido como um desejo de algo comunicar. Porém, uma expressão não necessariamente precisa ser comunicada... Quando esta comunicação é feita, Husserl chamará mais propriamente de manifestação. Nas próprias palavras de Husserl (2007), temos :

“... todas as expressões funcionam como índices no discurso comunicativo. Elas servem, para aquele que ouve, como signos para os “pensamentos” daquele que fala, isto é, para as vivências psíquicas que conferem a significação, assim como para as outras vivências psíquicas que pertencem à intenção de comunicação. A esta função dos signos lingüísticos chamamos nós a função de manifestação.” (p. 60).

Nos consultórios, é muito comum quando um cliente chega a um insight (Yontef, 1998, p.16 e 31) sobre algo importante, e ele escolhe não colocar aquilo em palavras ou também escolhe “não querer entender para não estragar” e silencia-se sobre o que lhe surge como expressão. Quando tal expressão alcança uma condição de comunicabilidade, seja pela clareza alcançada, seja por uma necessidade que precisa ser atendida ou por outra questão qualquer, a pessoa então se manifesta, ou seja, compartilha uma comunicação. É ressaltado aqui que é importante se diferenciar estes dois momentos, porque eventualmente nos relacionamentos humanos íntimos, o manifestado torna-se mais relevante do que aquilo que é expresso, quando na verdade, ontologicamente, este fundamenta aquele. Ou seja, um cliente manifesta: “-Eu te odeio”, mas queria expressar : “-Te amo e é difícil perceber que você não me ama mais.” Com estes aspectos mais explorados, torna-se mais preciso o foco descritivo-fenomenológico sobre o que é mais importante considerar.

Na clínica, procura-se fomentar o contato com a própria forma de escutar, como é captado aquilo que é ouvido. Fenomenologicamente, “evidente” é que capta-se algo, é que algo é compreendido, sendo o conteúdo desta evidência algo que vem a ter seu sentido preenchido de acordo com as possibilidades concernentes ao mundo que é o da pessoa. É neste aspecto – concernente à forma com a qual se percebe o que se percebe -que Husserl nos falará de “vivências puras”, no sentido de algo não empírico. Em suas próprias palavras, Husserl nos fala:
“... a Fenomenologia que, como vemos está dirigida para as estruturas essenciais das vivências “puras” e para os elementos de sentido que lhes pertencem. Ela não contem, nas suas verificações científicas, desde o início e em todos os passos subseqüentes, a menor afirmação sobre o ser real, portanto, nenhuma afirmação metafísica, nenhuma afirmação científico-natural e, especialmente, psicológica deve funcionar, nela como premissa.” (p.47/48)

Ao captar o que se escuta, imediatamente, emerge o sentido da comunicação que, porém, pode não conferir com o objetivo da pessoa que se manifestou. Logo, há ainda uma questão importante em relação à manifestação, que pode ter uma intenção de significação, que não necessariamente pode ser preenchida de significação, ou seja, ao expor não conseguir efetivamente transmitir o que queria como também, mesmo sendo bem sucedido em relação ao que queria expor, gerar na pessoa que escuta uma percepção diferente, um entendimento diferente.

No ato de comunicar, quem fala possui exatamente isto: “uma fala”, ou seja, uma intenção de algo comunicar, que vai muito além das palavras, conforme o próprio Perls considerou ao assimilar à Gestalt-terapia alguns conceitos advindos da obra “Semântica Geral” de Alfred Korszybski (Yontef, 1998, p. 24). Perls, fundamentando-se em Korsybski, aponta como – fazendo uma analogia entre as palavras e seus correlatos afetivos e uma representação de uma cidade por um mapa – se deve considerar que “um mapa não é um território”. Segundo Korsybski (1958, p.58 – texto originariamente em inglês):

“Duas importantes características dos mapas precisam ser notadas. Um mapa não é o território que representa, mas, se correto, ele tem uma estrutura similar ao do território...Caso o mapa seja idealmente correto, ele incluiria, em escala reduzida, o mapa do mapa; o mapa do mapa do mapa, e assim indefinidamente... Uma palavra não é o objeto que representa, e as linguagens exibem também essa peculiar auto-reflexão, através do qual podemos analisar as linguagens através dos meios lingüísticos.”(p.58)

Desta forma, também é importante considerar que uma intenção de significação, ou seja, o desejo de algo comunicar a alguém, ao se tornar um ato comunicativo ao manifestar-se, precisa alcançar seu objetivo, que é ter o significado preenchido por aquele que escuta. Esta etapa é também crucial para o trabalho psicoterápico, já que nem sempre a intenção significativa é preenchida por quem escuta, conforme a significação originária de quem emitiu. Efetivamente, entre pessoas diferentes, um preenchimento significativo idêntico à intenção significativa originária seria impossível, mas uma adequabilidade é relativamente esperável de se alcançar, sem o qual qualquer espécie de comunicação seria impossível.

Para o escopo deste presente trabalho, é importante sensibilizar os Gestalt-terapeutas exatamente sobre os limites entre a intenção significativa e o preenchimento de significação, posto que ambos sempre se darão de acordo com os limites compreensivos do mundo de cada um, já que, tomando o pensamento heideggeriano, um ser-aí, sendo, só poderá se relacionar sempre a partir do mundo que é o seu (Heidegger, 2000 – parágrafo 9 e quarto capítulo). No caso dos casais, este aspecto é tema freqüente nas sessões, pelas duas conseqüências imediatas decorrentes, quando se considera a questão da intimidade/tempo que nele está implícito. Ou seja, quando no casal há pouca intimidade, suas visões de mundo diferentes contribuem para a tendência da comunicação se frustrar, pois a intenção de uma significação pode encontrar pouca familiaridade com o mundo do outro, sendo que este, por sua vez, preencherá de significação a partir de seu mundo e de sua condição existencial, então, vendo com estranheza ou até não alcançando a intenção do outro. Na situação inversa, quando há uma “longa história juntos”, a própria intimidade/tempo do casal pode também contribuir para uma frustração na comunicação, porém agora pela inundação dos “velhos significados”, pois uma intenção de significação de um pode abrir-se para algo novo, criativo, apontando para novas fronteiras, porém receber do outro um preenchimento limitado ao mundo já conhecido, restrito somente ao que é familiar.

Encerrando esta parte, é salientado que outros aspectos referentes à comunicação entre os casais também poderão ser explorados, de acordo com o interesse dos participantes deste mini-curso.


Tema 2: Sobre a metodologia descritiva-fenomenológica própria da Gestalt-terapia aplicada ao atendimento aos casais.

Tomando o início do Tema 1 acima, é possível verificar que, de um modo geral, a cultura de cunho naturalizante(*1) ao qual pertencemos, tenderá a achar que a solução para os problemas da comunicação no casal, é simplesmente buscar o que realmente quer se dizer e trabalhar para que a comunicação seja feita com mais precisão, entre “a” e “b”. Neste mini-curso, será apresentado um exemplo de atendimento ao casal, que foi publicado por J. Zinker (2001), onde é possível captar este tipo de orientação naturalizante. Porém, diante de uma metodologia de inspiração fenomenológica (Gingers, 1995, p. 19), percebemos que esta atitude negligenciaria uma questão mais fundamental, que é a própria descrição fenomenológica de cada pessoa sobre como ela faz contato com a comunicação que faz. Ou seja, contato com “as coisas mesmas” no sentido husserliano.

Em Husserl, “ir às coisas mesmas” não é algo que se remeta às situações concretas vivenciadas pelas pessoas mas, sim, ir à origem do conhecimento possível que temos sobre as vivências, que é exatamente a intuição originária que temos, sempre imanentemente acessível, de perceber o que percebemos e como percebemos tal percepção e, de forma correlata, como lembramos nossas lembranças, imaginamos nossas imaginações etc e como percebemos tais processos. Para cada uma destas possibilidades, Husserl apontará um tipo de consciência diferente. Citando Husserl (2007) :

“Discutiremos, no que se segue, três conceitos de consciência, pertinentes para os nossos
interesses:

1. Consciência como a consistência fenomenológica real total do eu empírico, enquanto entrelaçamento das vivências psíquicas na unidade da corrente de vivências.
2. Consciência como o interno dar-se conta das vivências psíquicas próprias.
3. Consciência como designação global para todo e qualquer tipo de “actos psíquicos” ou “vivências intencionais”. (p. 377/378)

Fundamentalmente, a questão principal é que o acesso a esta intuição originária, sempre se dará necessariamente através de uma atitude de suspensão de pressupostos sobre o quê perceber. O acesso à intuição originária não pode ser reflexiva, não pode ser alcançada se pensando sobre ela; também não pode ser causal-explicativa, tentando-se achar uma cadeia de causas e conseqüências para ela; o acesso se dá estando perante ela, com ela, descritivamente nos atendo às formas (Gestalten) com as quais esta percepção percebida se dá. É neste sentido que Perls(1979) poeticamente nos fala:

“Realidade nada mais é do que a soma das consciências experienciadas aqui e agora. Aparece então a última ciência como a unidade do fenômeno que Husserl descreveu e a descoberta que Ehrenfeld realizou: o fenômeno irredutível de toda consciência, o nome que ele deu ainda hoje nós usamos: GESTALT” . (pág. 44/45)

É compreendido aqui, que o conceito husserliano de “ida às coisas mesmas”, pode inspirar metodologicamente a prática clínica gestáltica, que é evidenciada no método de “privilegiar a forma mais do que o conteúdo das situações vividas”.

Serão explorados um pouco mais profundamente estes aspectos conceituais nos parágrafos à frente.

Na Gestalt-terapia, o método descritivo-fenomenológico husserliano traz muitos recursos que se aproximam dos pressupostos que fundamentam esta abordagem, sendo então um método convergente com seus objetivos, sendo este ponto de vista algo defendido por vários notórios Gestalt-terapeutas (Ginger,1995; Muller-Granzotto, 2007; Ribeiro,1985; Yontef, 1998). Este método descritivo-fenomenológico, se preocupa em fundamentar como efetivamente é possível conhecer e, com isso, também como fazemos para efetivamente não conhecermos....

Em Husserl, temos que conhecer é algo que só é possível mediante o que ele chamou de “redução eidética”. Este conceito nos diz que nunca podemos efetivamente ter acesso ao “mundo em si”, conhecê-lo como sendo algo posicionado, ocupando um lugar no espaço exterior, uma vez que só podemos acessar a percepção percebida deste mundo, e nunca ao mundo diretamente. Citando Zilles (in Husserl, 2002), temos :

“A fenomenologia propõe-se como tarefa analisar as vivências intencionais da consciência para aí perceber o sentido dos fenômenos. O próprio da estrutura noético-noemático ou intencional da consciência é fazer-me descobrir, na consciência ou no sujeito e somente aí, um objeto (fenômeno)”. (ps. 34/35)

Logo, para trabalhar sobre o que é efetivamente possível perceber, ou seja: a percepção-percebida (a estrutura noética-noemática), Husserl fará uma crítica incisiva ao que dificulta a percepção destas “coisas mesmas”( ou seja, a percepção do perceptível): as teorias. Ou seja, quando lidamos não com o como percebemos o que percebemos, mas lidamos com as teorias que nos dizem como perceber o que percebemos. Baseado neste crítica, Husserl estabeleceu um método que visa preservar nosso potencial de percepção intuitiva das coisas mesmas e, para isso, adota, entre outros, um aspecto fundamental: não ter pressupostos. Sobre isso, citamos Zilles, (in Husserl, 2002):

“A epoqué filosófica, que nos propusemos praticar, deve consistir, formulando-o expressamente, em nos abstermos por completo de julgar acerca das doutrinas de qualquer filosofia anterior e em levar a cabo toda as nossas descrições no âmbito desta abstenção. “ (p.22)

Considerando então esta fundamentação metodológica, temos que, durante o atendimento terapêutico ao casal, o que emerge e que é o foco do trabalho, é a descrição do modo com a qual cada um pode perceber a forma com a qual constitui sua vida, como age, como se comunica, verificando então o que acontece no ato de manifestar-se, no aqui-e-agora da experiência compartilhada. Retomando aos aspectos comunicativos já citados, o mais importante não é tanto o que ela diz, mais o modo com a qual esta manifestação expressa uma atitude sua perante ela mesma e o mundo. Não é somente o “como ela diz”, em termos de foco sobre gestos, expressões corporais etc. É muito além disso... O modo da manifestação da comunicação abre-se para uma ampla gama de informações, tais como perceber as escolhas comunicativas feitas ou o “recorte” dado ao mundo ao escolher algo para se comunicar; sua própria satisfação ou não perante o dito; as articulações que esta comunicação realiza com a situação vivida em geral ou a rede referencial existencial que tal comunicação contempla, em detrimento de outras redes; seu acompanhamento da intenção original e o alcance de tal intenção pela fala do outro; entre outras possibilidades.

O foco principal é que toda a amplitude existencial continue disponível para o contato da pessoa com ela mesma, sem sofrer reducionismos propiciados por técnicas que, visando tal contato podem, adversamente, perdê-lo.


Tema 3: Crítica ao modelo proposto por Zinker :

No livro, “A busca da Elegância em Psicoterapia”, Zinker apresenta um modelo de atendimento a um casal, cuja forma exposta apresenta algumas características que este presente trabalho entende como algo passível de críticas ligadas a uma compreensão superficial do potencial da metodologia fenomenológica. Zinker defende o uso da metodologia fenomenológica em seu livro, em várias passagens. Por exemplo, das páginas 57 a 59, Zinker defende a “apreensão fenomenológica e intuição” como sendo um das “quatro modalidades investigativas” que um terapeuta precisa ter para ser bem-sucedido. Zinker (2001) nos fala:

“Ao olhar para um sistema de casal ou de família olhamos para aquilo que se saliente para nós em nossa própria percepção de seu processo imediato. Sempre que possível, evitando o conteúdo, buscamos a apreensão perceptual direta “daquilo que é”. À medida que os diversos aspectos comportamentais do sistema se tornam evidentes para nós, fazemos intervenções¬observações baseadas apenas nesses dados fenomenológicos. Embora não seja uma “redução fenomenológica” pura no sentido husserliano do termo, ela é uma metodologia de intervenção baseada na análise descritiva dos fenômenos holísticos. “(ps. 57 e 58)

Embora assuma que se utiliza de um olhar que não é propriamente uma “redução fenomenológica no sentido husserliano”, de todo modo Zinker aponta para a importância de, “sempre que possível” evitar os conteúdos dos processos imediatos. Não será aqui estendida, ao nível filosófico, a discussão sobre a descrição fenomenológica ser ou não “propriamente uma redução fenomenológica”. Aqui nos deteremos à questão de se utilizar uma metodologia que aponta para uma qualidade descritiva da totalidade da percepção percebida das situações, onde a própria forma com a qual percebemos o que percebemos é o aspecto mais importante do que aquilo que é conteúdo destas mesmas percepções.

Voltando ao escopo deste presente trabalho, o objetivo apresentado é apontar uma coerência entre tal método fenomenológico apresentado e sua aplicação na prática clínica. No livro de Zinker, embora defenda o uso da metodologia sob o mesmo enfoque (evitando os conteúdos e buscando a apreensão perceptual direta “daquilo que é“), sua demonstração aplicativa não parece ser coerente com tal metodologia.

Zinker, em seu livro, das páginas 102 a 107,apresenta um exemplo de atendimento cujo foco, sob a ótica deste mini-curso, é algo que permanece muito mais sobre o conteúdo das falas, na “ajuda para resolver as resistências” (idem, p. 108) do que em uma análise fenomenológica mais profunda sobre a condição ontológica de tais falas. Foi transcrito todo o conteúdo do atendimento no anexo “1” (parte final do trabalho), para o qual solicitamos que o leitor deste presente trabalho se remeta para, tendo uma leitura prévia, compreender melhor as críticas aqui realizadas.


Tema 3-a: Análise do exemplo de atendimento segundo Zinker:

Zinker, na pág. 103, na terceira intervenção que faz, já apresenta dois comentários que entendemos como não fundamentados fenomenologicamente, (obs. 1, do anexo 1) . Primeiramente, o casal “se apresenta”, eles manifestam suas formas de ver o mundo, se comportando como são. Desta forma, o julgamento se tal comportamento é algo “mal” ou “bom”, seria somente justificável se proveniente dos próprios clientes, e não do terapeuta. É entendido neste presente trabalho que a “apreensão perceptual daquilo que é”, conforme transcrito acima, deve ser uma atitude de permitir que o fenômeno revele-se por si mesmo, e não uma atitude de ter idéias prévias sobre ele. Ou seja, neste exemplo, a idéia de algo “mal” pode até ser congruente com o fenômeno mas, já sendo “qualificado” pelo terapeuta, não permite que ele surja para os clientes como algo que “é”, ou seja, não potencializa a percepção dos clientes sobre suas próprias condições ou habilidades auto-críticas.

Em segundo lugar, Zinker faz outro comentário que indica uma afastamento de um importante foco no aqui-e-agora da situação do casal. Ou seja, a questão dos clientes já se apresenta, está lá, e parece ao autor deste presente trabalho um contra-senso sair da situação presentificada para uma inferência se tal comportamento acontece em outro tempo e lugar, ou seja, se “também acontece em casa”. Fenomenologicamente falando, não importa se acontece ou não em qualquer lugar: já está acontecendo ali.

Prosseguindo, o casal do exemplo presentifica algo que o terapeuta qualifica como uma “dificuldade de escutar”. Zinker então faz uma intervenção que ele deixa bem claro o que é: uma “ajuda a ouvir melhor o outro” (obs. 2 do anexo1). Ou seja, diante do problema (que nem sequer foi identificado pelos próprios clientes mas, sim, pelo terapeuta) há uma atitude que ultrapassa a conscientização do que efetivamente é “óbvio”. Ou seja, o que há, é que um diz algo e o outro parece escutar algo diferente e retorna com uma comunicação sobre outra coisa. Logo, como isso acontece? Ou seja, este comportamento do casal é o material que há, é o que existe, o que eles manifestam. Propor uma “ajuda para ouvir melhor” é efetivamente ultrapassar o fenômeno, indo diretamente para algo que poderia ser “a solução” sem, contudo, obter uma conscientização do que torna a existência do problema possível. Criticando de forma mais clara, entende-se através deste exemplo que não só Zinker se fixa no conteúdo do problema ( o que já seria metodologicamente incoerente) como, além disso, parece funcionar sobre uma linha metodológica cartesiana, um raciocínio causa-efeito, pois uma vez reconhecendo o efeito, busca imediatamente solucionar com a busca da causa.

Mais adiante, Zinker afirma que uma “boa compreensão” (obs. 3 do anexo 1) foi alcançada quando, na verdade, os clientes foram orientados pelo terapeuta para enxergarem aquilo, ou seja, que não ouviam (caso realmente fosse este o problema). Logo, a compreensão só é possível sobre como é “agir diferente”, mas não foi possível a compreensão sobre como é agir do jeito que agem (aceitando que há algo que interfere na escuta. Como este algo interfere ? ). Temos a continuidade deste tipo de intervenção logo a seguir, quando Zinker parece tentar consolidar como é lidar com a escuta (obs. 4 do anexo 1). Talvez de forma inadvertida, Zinker traz um comentário da cliente Diana, que torna possível inferir como sendo uma reação saudável para a atitude indutiva que o terapeuta adota. Mesmo quando o terapeuta induz um comportamento, o cliente não é uma “tabula rasa” sem reação. Neste trecho, há um breve comentário da Diana, onde captamos que algo efetivamente não foi assimilado. Ela diz não saber “se é sempre assim” e diz também que, “de algum modo”, ela “sai de si” e deseja responder ao marido. Ou seja, ela falar de algo que “não sabe ser sempre assim” e algo que ‘de algum modo acontece”, aponta para uma limitação da compreensão sobre o que ela apreendeu, pois viu apenas que , uma vez agindo (causa) , tem a resultado desejado( efeito). A própria cliente aponta para a falta de uma compreensão maior, pois não é vislumbrado o contexto e as forças presentes no campo que impelem a tal atitude de não escuta por parte dela.

Agora, sob a ótica descritiva-fenomenológica que é defendida neste presente trabalho, são apresentadas algumas possibilidades de intervenções que são entendidas como sendo mais coerentes com a metodologia gestáltica, facilitando ao cliente atingir uma compreensão muito mais profunda sobre como age. Desta forma, sobre as mesmas falas dos clientes acima, são sugeridas algumas das seguintes intervenções:


Na situação da obs. 1:

TERAPEUTA: “-Gostaria que cada um de vocês pudesse me dar uma palavra sobre o que vocês estão percebendo agora, em relação ao sentimento ligado a forma com a qual vocês estão iniciando,neste momento, o contato um com o outro... Como é iniciar uma conversa assim?

Ou TERAPEUTA: John falou sobre “querer agradar e não conseguir e se ver sendo culpado pela Diana” e Diana, falou sobre “querer algo só para os dois e achar John mesquinho”. Estas frases ouvidas e faladas provocam algo em vocês ? (caso a resposta fosse positiva) Como você se sente provocado por elas ?


Na situação da obs. 2:

TERAPEUTA: Diana, estava dizendo sobre o cansaço que você sente e o silêncio que surge. Eu gostaria de sugerir que você pudesse olhar para este silêncio que você aponta, e pudesse me dizer se tal silêncio “diz”algo para você... Qual o sentido deste silêncio entre você e John, neste momento da conversa de vocês ? Ou TERAPEUTA: John, a partir da fala da Diana sobre você não ter ouvido o pedido de aniversário, você falou “aqui vamos nós mais uma vez”. Eu gostaria que você focalizasse esta frase e ampliasse seu sentido... Você sente que você e Diana “vão para algum lugar mais uma vez?” (Caso a resposta fosse positiva) Como é este lugar que você sente que ambos vão? Você pode me descrever?

Na situação da obs.3, não há uma intervenção mas, sim, uma avaliação do terapeuta sobre como o casal desenvolveu uma boa compreensão. Na situação da obs.4, há uma nova intervenção do terapeuta, diante da qual são sugeridas outras como seguem:

TERAPEUTA: Vocês podem permanecer um tempo com o que você está sentindo neste momento ? Antes de compartilhar com os outros, vá deixando mais claro qual é a qualidade deste momento para você. Ou TERAPEUTA: O que você está fazendo que está tornando possível que este momento exista agora, com esta qualidade emocional que você está sentindo ? Qual a sua co-responsabilidade nisto ?

Em coerência com o próprio método gestáltico e, nas próprias palavras de Perls(1981, p. 76) : “A terapia gestáltica é uma terapia experiencial, mais que uma terapia verbal ou interpretativa”, neste presente trabalho é apresentada a postura de que a melhor forma de avaliar a pertinência, congruência ou aplicabilidade do tipo de trabalho é colocá-la à prova, através de experimentos. Devido a isto, será proposta ao grupo de participantes uma outra etapa no trabalho, com esta metodologia. A descrição da proposta deste experimento será feita a seguir .

Para um melhor esclarecimento do que se propõe que seja colocado à prova, é tecido o seguinte resumo metodológico para o atendimento clínico aos casais na abordagem gestáltica :

1) Uma visão descritiva-fenomenológica sobre o que cada pessoa manifesta. 2) Descrevendo sua forma de se comunicar, buscamos uma “perscrutação eidética” do ato comunicativo: qual a essência do comunicado?
3) Eideticamente orientados, buscamos uma atitude de aceitação do que há, do que se apresenta à consciência, do que existe.
4) Recusamos uma atitude normativa de lidar com “mudanças” ou “soluções para os problemas”, mas sim uma atitude reflexiva de cada pessoa na aceitação daquilo que ela pode enxergar de si mesma nos atos compartilhados na fronteira de contato.
5) Terapeuticamente, buscamos então que a pessoa possa sensibilizar-se para entrar em contato com sua capacidade originária de perceber o que percebe, ou seja, deixar emergir o conhecimento advindo das intuições originárias de perceber o que percebe no ato perceptivo. Em outras palavras, dar-se conta de sua existência do aqui-e-agora.

 

Segunda etapa do mini-curso – Experimentos no atendimento aos casais

Um experimento para atendimento aos casais em condições reais, em um ambiente acadêmico é virtualmente impossível de se obter, porém podemos propor um experimento aos moldes das técnicas já consagradas pela Gestalt-terapia, como por exemplo, a técnica do “hot-seat” ( cadeira quente). Neste presente trabalho, esta técnica é ampliada para uma melhor adaptação ao foco necessário.

Formulação da proposta do experimento:
A proposta visa realizar um atendimento pedagógico-terapêutico a um casal, onde teríamos uma pessoa do grupo de participantes que poderia se voluntariar (pessoa “A”), e que tivesse interesse em ter sua vida enquanto casal trabalhada. Esta pessoa escolheria alguém do grupo que simbolizaria seu companheiro/a, ou seja, a outra pessoa do casal (pessoa “B”). Caso “B” aceitasse, ela seria instruída por “A” sobre como esta pessoa que “B” interpretará, é vista por “A”: ou seja, como é seu modo de falar, seu estilo de comentários, sua personalidade, seus termos mais comuns que repete, quais sentimentos mais freqüentemente são manifestados. Com esta instrução, “A” senta-se na cadeira-quente, enquanto “B” se senta em outra, de frente. O responsável pelo presente trabalho se colocará como terapeuta para atender a este casal simbolizado. Cabe ressaltar alguns aspectos desta proposta vivencial. Primeiramente, ela já foi colocada em prática algumas vezes nos cursos dados pelo autor do presente trabalho relativos à prática clínica com casais, e em todas as ocasiões o resultado do trabalho é surpreendentemente pertinente ao tema que a pessoa traz para o trabalho. Em segundo lugar, é entendido que é a forma mais próxima de lidarmos com uma situação real, onde o próprio envolvimento da voluntária com o tema proposto vai sendo checado, para averiguar o quanto está atendendo sua solicitação e, no caso negativo, o que pode ser corrigido para o trabalho, então, tornar-se mais próximo. Em terceiro lugar, esta prática visa ressaltar os aspectos projetivos com as quais “A” enxerga “B”.

Em função do tempo que até este momento estiver disponível, será avaliada a possibilidade da experimentos com outras duplas que se voluntariem, para ampliar a possibilidade de teste da metodologia aqui apontada.

Avaliação dos resultados deste mini-curso será feita através de uma proposta de discussão com os participantes, ao final do encontro, onde os próprios participantes discutirão como compreenderam a proposta do trabalho, se a apresentação do tema coincidiu com o conteúdo apresentado de forma satisfatória, e se o coordenador do mini-curso conseguiu contribuir com novos conhecimentos e dirimir dúvidas do grupo.

Como comentários finais, este presente trabalho visa ressaltar que a clínica na abordagem gestáltica, voltada para casais, apresenta uma grande variedade de recursos terapêuticos cuja potência junto aos problemas trazidos pelos casais, de maneira geral, é muito alta. Porém, esta potência, no entender do autor deste presente trabalho, só pode ser existencialmente alcançada de forma plena, se o terapeuta compreender a profundidade que as técnicas apontam, compreender a complexidade das sabotagens que nos tiram do contato com o estar se percebendo, e render-se à simplicidade reinante advinda da escolha de não mais sabotar-se e viver.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_____________ “Investigações Lógicas. Segundo Volume, Parte I: Investigações para a Fenomenologia e a Teoria do Conhecimento”. Tradução Pedro M.S. Alves e Carlos Aurélio Morujão. Lisboa: Editora Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2007.

Korzybski, Alfred “Science and Sanity – An Introduction to non-aristotelian systems and general semantics”. Fourth edition. Lakeville: Internation Non-aristotelian Library Publishing Company, 1958.

Müller-Granzotto, Marcos José & Muller-Granzotto, Rosane Lorena “Fenomenologia e Gestalt-terapi”. São Paulo: Summus, 2007).

Perls, Frederick Salomon, “A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia”. Tradução de José Sanz. São Paulo: Summus, 1981.

________________, “Escarafunchando Fritz: dentro e fora da lata de lixo”. Tradução de George Schlesinger. São Paulo: Summus, 1979.

Ribeiro, Jorge P. “Gestalt-terapia: Refazendo um Caminho”. São Paulo: Summus, 1985.

Stevens, John O. “Isto é Gestalt”. Tradução: George Schlesinger e Maria Julia Kovacs. São Paulo: Summus, 1977.

Yontef, Gary M. “Processo, Diálogo e Awareness – Ensaios em Gestalt-terapia”. Tradução: Eli Stern. São Paulo: Summus, 1998.

Zinker, Joseph C. “A Busca da Elegância em Psicoterapia – Uma abordagem gestáltica com casais, famílias e sistemas íntimos”. Tradução de Sonia Augusto. São Paulo: Summus, 2001.

 

OBSERVAÇÃO NO TEXTO

(*1) o termo “naturalizante” é empregado e entendido aqui como representando o olhar “ingênuo”, não fenomenológico, que Husserl criticava, no sentido de ser um olhar que acredita que as coisas “estão realmente lá”, dando um status de evidência aquilo que é percebido com os sentidos.

ANEXO 1
Exemplo de atendimento na abordagem gestáltica apresentado no livro “A Busca da Elegância em Psicoterapia”, de Zinker , Joseph C. – das págs. 102 a 107. As passagens sublinhadas são comentadas na seção “tema 3-a”, da página 10 em diante. John e Diana: movendo-se pelo ciclo (de contato)

A sessão a seguir ilustra o movimento de um casal pelo ciclo interativo. Esta é a terceira sessão do casal. Eles estão casados há sete anos e têm dois filhos. John é engenheiro e Diana é psicóloga e trabalha com reabilitação. Eles vieram nos ver porque sentem que, embora nada tenha se deteriorado dramaticamente, existe uma “brecha”, um “tédio” entre eles, como diz Diana. John diz: “Nós temos bom sexo, mas não fazemos amor”. Os dois estão começando a passar menos tempo juntos, só os dois, e parecem ter mais interesse por outras pessoas do que um pelo outro. TERAPEUTA: Eu gostaria que vocês se voltassem um para o outro e falassem sobre algo importante para os dois. Eu me sentarei com vocês, ouvirei e se vocês ficarem num impasse ou precisarem de alguma ajuda, por favor, voltem-se para mim e ficarei feliz em ajudar. Tudo bem ? JOHN: Falo com ela o tempo todo e tudo que ouço é que a culpa é minha, que algo está errado com aquilo que eu fiz ou disse. Quero agradar e não agrado. TERAPEUTA: Fico feliz por você ser capaz de dizer isto. Apenas diga-o diretamente para Diana, e se eu perceber que está acontecendo isso que você diz, prometo comentar.

JOHN: Como eu estava dizendo, você sempre me culpa.
DIANA: (começa a chorar levemente) Eu sou uma mulher romântica e quando
estávamos em Nova York, no verão passado, pedi que você me levasse a um lugar especial, só nós dois. E o que aconteceu? Acabamos indo com outras pessoas. Por quê? Por que você é tão mesquinho comigo?
JOHN: Convidei todos e paguei a conta, não foi ? Eu gostaria que você apreciasse
minha generosidade.
DIANA: Não estou falando sobre generosidade, John.

Aqui há um longo silêncio. Tanto John quanto Diana parecem emudecidos, desanimados. Diana se volta para o terapeuta, só olhando, sem dizer nada. (obs.1) TERAPEUTA: Vocês começaram mal e agora estão num impasse. Isso também acontece em casa ? DIANA: Sim. Depois de algum tempo parece que ficamos cansados e então há longos silêncios. TERAPEUTA: No ínicio, vocês têm boa energia. Tentam resolver o problema e fazem o que podem para entrar com todos os seus sentimentos.
O terapeuta fala sobre a competência deles, sobre aquilo que fazem bem. JOHN: com certeza, eu sinto não poder ser apreciado. TERAPEUTA: Vocês têm sentimentos fortes, mas não ouvem muito bem um ao outro. Cada um diz algo importante que o outro não reconhece. Vocês dois conseguem sentir isso ?
Por causa dos repetidos fracassos anteriores em se fazer ouvir pelo outro, o casal fica sem energia já no início da fase de awareness do ciclo. Eles não são capazes de manter por tempo suficiente a conversa, nela colocar mais energia, para comunicar-se plenamente com o outro. DIANA: Ele não ouviu o meu pedido de aniversário. JOHN: Você vê, doutor, aqui vamos nós mais uma vez.
Aqui o casal está no estágio de awareness ou de esclarecimento. Eles estão tentando identificar o problema – para articulá-lo e depois encontrar um terreno comum com o terapeuta e chegar a uma awareness sobre o ponto de vista do outro.
(obs.2) TERAPEUTA: Eu gostaria de ajudá-los a ouvir melhor o outro. Quero que vocês tentem começar de novo, mas desta vez, antes de responder, quero que digam o que ouviram o outro dizer. Entenderam? DIANA: Sim JOHN: Acho que sim. Quero ser apreciado; quero ser elogiado pelo que faço de bom. Eu sempre me sinto criticado por você, Diana. DIANA: (para o terapeuta)Agora, antes de responder, você quer que eu diga a ele o que o ouvi dizer ? TERAPEUTA: É isso. DIANA: Ele diz que deseja ser apreciado. (Ela faz uma pausa como se as palavras estivessem presas em sua garganta. Ela pigarreia). TERAPEUTA: Por favor, diga isso ao John. JOHN: (parece animado e um pouco bravo) Qual o problema? Não pode dizer na minha cara ?
Aqui é difícil perceber a crescente excitação a partir das palavras deles. Mas eles parecem mais animados e atraídos pelo trabalho exigido. TERAPEUTA: (para John) Por favor, não interfira com Diana. Ela está fazendo o melhor que pode. Sua vez chegará. DIANA: Você é um homem difícil de elogiar e apreciar. Mas é verdade... Eu ouvi você me dizer que deseja ser elogiado pelo que você faz de bom. JOHN: Sim, é isso. Quero que você veja como me esforço para lhe agradar em outros momentos. Talvez não seja exatamente do seu jeito, talvez não seja muito romântico, mas é por amor que eu o faço.
Ser ouvido tocou John e ele pôde falar com sentimento, até mesmo com paixão. TERAPEUTA: Agora é sua vez, John. Diga a Diana o que você a ouviu dizer. Diga a ela, não a mim. Estou ouvindo.

les praticam ouvir um ao outro por algum tempo. Embora o casal agora seja capaz de alcançar um pouco mais de contato por intermédio da awareness, a energia deles não aumentou porque eles não estão se olhando ou vendo um ao outro. Cada um está programando o outro com palavras, mas sem paixão. TERAPEUTA: Vocês estão indo bem na tarefa de ouvir o outro, mas náo estão olhando... Vocês se lembram de quando se conheceram? ... Como vocês não conseguiram tirar os olhos um do outro? O que aconteceu? Agora quero que vocês experimentem outra coisa: olhem um para o outro em silêncio, por alguns momentos, e depois se alternem dizendo o que estão vendo. Sem comentários, apenas aquilo que realmente vêem. JOHN: A primeira coisa que vejo são seus olhos azuis. Nem sempre sei o que você está sentindo quando olha para mim desse jeito... só que eu amo esse olhar. DIANA: Gosto de seus olhos românticos. Eles são sonhadores... Você se lembra de como costumávamos olhar nos olhos um do outro enquanto dançávamos ? JOHN: Sim! No Pump Room do Ambassador em Chicago? Sim, e eu olhava para o seu decote! TERAPEUTA: Vocês poderiam contar um ao outro alguns dos sentimentos que têm enquanto continuam olhando ? DIANA: Sentimentos nostálgicos! Quando olho para você e seu rosto parece mais suave, sinto-me aquecida e à vontade com você.

(Seus rostos se suavizavam como se entrassem numa camada de sentimento mais profunda um com o outro). JOHN: Eu sou tão tolo ! Tive uma chance de ter você só para mim e a estraguei! Cheguei às lágrimas (seus olhos estão marejados) como um tolo. Não sei por que sou tão estúpido algumas vezes. Você quer que eu faça coisas especiais em seu aniversário, como essa viagem a Nova York. Você queria estar sozinha comigo e eu não lhe dei atenção em Nova York. (Os olhos de Diana ficam vermelhos e ela estende uma mão hesitante para John. )
O terapeuta havia estendido o tempo, de modo que cada um pudesse pensar e sentir o problema do outro e permitir que o casal passasse à resolução . Os dois experienciam suas energias, levando-os a um maior entendimento do outro. DIANA: Nem posso lhe dizer o quanto é significativo para mim quando você me mostra seus sentimentos e sua vulnerabilidade. ( A cabeça de Diana está inclinada e John está olhando para o chão, timidamente).
Aqui começa a fase de contato. JOHN: Vou dizer o eu podemos fazer. No fim da próxima semana terei terminado meu projeto do Metrô. O que você acha de deixar livre o próximo fim de semana... e eu planejarei uma surpresa para nós. Conseguirei a babá e tudo o mais !
DIANA: Oh! Querido, você pode ser tão doce. Podemos pedir a Robin que venha.
JOHN: Eu ligo para ela, tudo bem ?
DIANA: Ótimo!

(obs.3) Como John e Diana desenvolveram uma boa compreensão da experiência do outro, foram capazes de criar espontaneamente uma situação que desse prazer a ambos. Era possível ver e sentir o pertencimento mútuo e o brilho de seu carinho. Eles se conectaram. Eles fizeram contato.
(Os dois ser viraram espontaneamente para o terapeuta, sorrindo). (obs.4)
TERAPEUTA: Então, o que acontece quando vocês ouvem um ao outro e reconhecem aquilo que a outra pessoa deseja ?
DIANA: eu não sei se é sempre assim, mas parece que se eu repetir aquilo que John deseja, então, de algum modo, saio de mim e desejo responder a ele. JOHN: É, comigo ocorre o mesmo!
Ao rever brevemente a experiência, o casal sabe o que os ajudou a fazer contato e age como se no futuro pudesse repetir esta experiência bem-sucedida. A fase de resolução do processo ocorre com essa sensação de congratulação mútua. TERAPEUTA: Bom ! Vocês saíram do impasse muito rapidamente e quando ouviram o outro e ficou claro para vocês o que era importante para o outro e, assim, puderam ser generosos.