MESA REDONDA 09 – PARTE II: IDEAL MATERNO, GESTAÇÃO E SEXUALIDADE: UM RECORTE DO FEMININO

Autor: Julia Gama Tourinho

 

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo refletir sobre universo feminino, fazendo um recorte sobre as questões do ideal materno e da gestação com uma ponte para a sexualidade. Buscando através da Gestalt-terapia aprofundar e entender as modificações e os mecanismos envolvidos nesse processo de tornar-se mãe. Em linhas gerais essa proposta visa interrogar a inserção da mulher na cena social. Maternidade e sexualidade. História e corpo. A concepção, os valores sociais e a sexualidade feminina na atual sociedade em transformação.


Palavras-chave: Gestalt-terapia. Maternidade. Gestação. Sexualidade. Feminino.

 

OBJETIVO

A proposta desse trabalho é refletir sobre universo feminino, fazendo um recorte sobre as questões de âmbito dominantemente feminino: Ideal materno e Gestação e sua ligação com a sexualidade. Buscando através da Gestalt-terapia aprofundar e entender as modificações e os mecanismos envolvidos nesse processo de tornar-se mãe.

As transformações femininas ocorridas ao longo da história foram acompanhadas por produções teóricas dentro da psicologia, sobretudo na abordagem psicanalítica. O tema: “Mãe”, foi papel central da teoria de Freud, por exemplo, assim como estudado por Winnicott, Melanie Klein, entre outros. Entretanto, nós Gestalt¬terapeutas pouco temos de teoria sobre a maternidade e sobre o poder transformador da gestação, para sexualidade e para a vida da mulher de uma forma geral.

O fato de haver pouca produção teórica em Gestalt-terapia sobre o tema, maternidade, gestação e sexualidade tornou-se um incentivo a mais para a produção desse trabalho, para mim tão apaixonante e de grande relevância.

Considero que pensar a condição feminina na atualidade através de um olhar para historia é estarmos conscientes de que somos, também, a nossa história. Uma forma de refletir sobre o contexto social vivido e repensar nossos valores adquiridos.

Esse trabalho que apresento hoje é fruto de minha vivência pessoal e acadêmica e tem o intuito de investigar e questionar a maternidade, a gestação e a sexualidade sobre o prisma da Gestalt-terapia, como um recorte sobre o universo feminino, tão amplo e rico de significações.

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O papel social da mulher-mãe se modificou muito nas últimas décadas e vem sofrendo constantes reconfigurações. Dentro da correria do dia a dia, tem sobrado pouco tempo para reflexão e para vivenciar a gestação como elemento transformador. Sem preparo, muitas mulheres se deparam com uma maternidade conturbada e uma série de conflitos pessoais. Nesse sentido a Gestalt-terapia é de fundamental importância na descoberta de novos caminhos e na possibilidade de uma maior conscientização nesse processo de transformação.

 

a) A Construção do Ideal Materno Apesar da maternidade sempre ter existido, o conceito de ideal materno, muito difundido em nossa sociedade, surgiu a partir do século XVII junto ao movimento higienista e ao iluminismo. Até então, cuidar de uma criança era um estorvo e as famílias mais abastadas tinham o hábito de entregar seus filhos às amas.

Poucas mulheres tinham condições e desejo de ter uma ama junto a si para cuidar de seu filho. A maioria as entregava as amas que muitas vezes mal tinham condições de cuidar de si. Entregar seu filho a uma ama era muita das vezes um infanticídio disfarçado e nos trás indícios de que o amor materno não é algo inato, e sim aprendido, inclusive culturalmente.

Como forma de reduzir a grande número de mortes de crianças enviadas as amas, os especialistas começaram a fazer campanhas para que as mulheres amamentassem seus filhos. Para eles, serem boas reprodutoras, era o que convinha às mulheres. Elas não deveriam sentir prazer ou se envaidecer de seus órgãos, pois sua função essencial é gerar e amamentar.

Assim como na natureza, Deus criou as fêmeas para que gerasse e alimentasse seu o filho com o próprio leite. A comparação com as fêmeas do reino animal não as convenceu que deveriam amamentar, afinal de contas isso era considerado um ato menor, despudorado, indigno de uma dama. Apesar de sempre ter sido considerada uma função feminina, maternar, não oferecia nenhuma gloria ou reconhecimento.

Apenas quando se glorificou a função materna é que se começou o processo de construção do ideal de mãe que conhecemos. A comparação da mulher a uma santa (um exemplo de devotamento e abnegação) que faria coisas que apenas ela tinha a capacidade de fazer deu a mulher um lugar de importância até então desconhecido. Ela virou a rainha do lar, terreno onde mandava e desmandava – na educação dos filhos e nas tarefas domésticas – e nenhum homem deveria ousar se interferir.

Nesse momento a maternidade deixou de ser uma experiência exclusivamente feminina, transmitida entre mulheres, para transformar-se em um saber emergente de um discurso profissional da medicina – na verdade, um discurso masculino sobre as mulheres. Este movimento muito antigo se acelerou no século XVIII, levando à patologização da mulher. Por fim seu corpo tornou-se objeto médico por excelência, tornando-se alvo do poder/saber normativo da higiene.

As mulheres da época foram reduzidas ao seu sexo, sempre frágil e doente que precisavam de cuidados e supervisão, sendo sua única função ser mãe, amamentar e cuidar dos filhos. Quando tentavam ser mais que isso eram quase sempre consideradas indutoras de doenças.

As mudanças fluidas e sutis envolvem até aqui três enfoques: a natureza instintiva, a exigência de resignação com devotamento e o incondicional desejo de ser mãe. O caráter de novidade era a nova percepção do "ser mãe", que estava agora naturalmente vinculada à feminilidade, ou seja, para ser completamente mulher ela precisava cumprir a vocação materna.

Essa mãe de amor incondicional encarregava-se insistentemente de tudo, assumindo sozinha a educação completa dos filhos. Ser mãe não deixava tempo livre para a mulher. Houve uma verdadeira profissionalização da maternidade e uma conseqüente abertura a novas possibilidades que o exercício da função materna trazia.


b) Sexualidade, Identidade Feminina e Construção do Self

O amor romântico completou essa jornada de transformação da maternidade, que em realidade, não alterou só a função materna, mas também as relações conjugais e de gênero. O amor, de uma forma geral, serviu como um mecanismo de união do casal e como uma estratégia para definição dos papeis que seriam representados por homens e mulheres, o que colaboraria para uma maior rigidez e diferenciação entre eles.

As relações deviam ser duradouras, mesmo que fossem sustentadas na duplicidade das experiências masculinas e no confinamento da sexualidade feminina. Em verdade, este contexto reafirmava a separação entre o público e o privado, entre a tranqüilidade do ambiente doméstico e a sexualidade da prostituta, servindo de referência para a construção de valores sociais que se encarregaram de manter os comportamentos sexuais em níveis compatíveis com o convívio familiar e social.

Numa sociedade feita e pensada por homens, se explicava cientificamente as características ‘supostamente’ típicas de cada sexo, apresentando-as como imperativos da natureza: para o homem a força física e o prazer sexual, para a mulher a submissão e a fidelidade, sendo a castidade um aspecto muito importante para a preservação da virgindade antes do casamento.

A sexualidade ficou também circunscrita as normas higiênicas, quer dizer:

Homens e mulheres adultos casavam e praticavam o acasalamento monogâmico e heterossexual com a finalidade exclusiva de procriação. Os homens, com seus apetites sexuais impulsivos e lascivos, podiam desfrutar do sexo, e as mulheres, usualmente, não. A ausência de realização sexual para as mulheres não era especialmente critica, porquanto não se esperava que as mulheres tivessem necessidades sexuais. De fato, as mulheres eram vistas como seres inferiores e subordinados aos homens, em todos os aspectos. [...] Uma vez casada, não se esperava que a mulher fosse erótica, mas era intimada a oferecer-se obedientemente ao marido sem participar ativamente no próprio sexo. (LEIBLUM, 1982; p. 24)

Sexo virou pecado, o corpo da mulher transformou-se em corruptor e o prazer proibido. O ato sexual por prazer era considerado sujo, além de um pecado. Os genitais transformaram-se em fonte de todos os males do mundo. A mulher, um ser inferior, estava na Terra para procriar e servir.

Foi ao longo do século XIX que surgiram os primeiros estudos sobre a sexualidade feminina. Sendo os de maior dimensão e renome os estudos feitos por Charcot e Freud. Tais estudos contribuíram e muito para estigmatização da condição feminina.

Desejar ser qualquer outra coisa que não ser mãe era uma inaceitação da condição feminina e rivalidade com a figura masculina. Em resumo a famosa frase: ‘inveja do pênis’”

Reich, contemporâneo de Freud, relata seu estranhamento com relação ao tratamento das histerias. “Parecia que a inibição sexual de uma garota bem educada da classe média era exatamente o que deveria ser [...] não ocorria a ninguém indagar a respeito da inibição que a impedia de experimentar a satisfação sexual.” (REICH, 1975; p. 88).

Conhecer um pouco mais de onde viemos e a historia das mulheres, em especial da maternidade, tende a ser uma profilaxia contra os mecanismos neuróticos que tem, em sua maioria, origem na culpa e no medo. A neurose é sempre de origem social. (BUARQUE, 2007) Afinal, “Todos os distúrbios neuróticos surgem da incapacidade do indivíduo encontrar e manter o equilíbrio adequado entre ele e o resto do mundo [...]” (Perls in BUARQUE, 2007; p. 158)

Uma abordagem que valoriza uma visão global do ser humano como a Gestalt-terapia não poderia deixar de dar relevância a influência do social para a construção da subjetividade. Questões aprendidas quanto ao universo feminino aqui abordado (ideal materno, sexualidade, gravidez) fazem parte da construção do Self.

O Self se constrói na fronteira de contato, na medida em que nos deparamos com o que é estranho a nos, não é uma entidade psicológica separada do organismo, pelo contrario, o corpo é o lugar onde tudo acontece, que nosso Self ganha propriedade no espaço tempo. (RIBEIRO, 2007) “O self [...] integra sempre funções perceptivo¬proprioceptivas, funções motor-musculares e necessidades orgânicas [...] e sente emocionalmente a adequação entre ambiente e organismo.” (PERLS, 1997; p.179)

[...] nosso self é temporal, nasceu conosco, como uma entidade, como um proprium, que vai registrando dia a dia nossa caminhada do hoje de cada dia. Nosso jeito de pensar, de sentir, de fazer, de falar, nossa síntese contativo-existencial, é nosso self visível, uma estrutura processual que se atualiza cotidianamente, como um retrato eternamente retocado. (RIBEIRO, 2007; p.44)

Em Gestalt-terapia, o conceito de self é processual, estando sempre em constante construção e transformação. “Self [...] não designa uma entidade determinada [...] mas um processo: o que acontece na fronteira de contato entre o organismo e seu meio” (GINGER, 1995; p. 262)
Sobre esse prisma, podemos especular que a gestação e o parto fazem parte desse processo de construção do self.

A gestação é um período de transformação e uma crise, como define Maldonado (1980) “uma pessoa em crise não tem escolha: simplesmente tem que mudar, em alguma direção e de uma maneira nova.” (p. 13) Entretanto, esses momentos não acontecem somente durante a gestação, mas em muitos momentos durante a vida como: puberdade, casamento, menopausa, entre outros.

A gestação produz uma reconfiguração do Self, independendo de ser a primeira, a segunda ou a terceira gestação, “pois ser mãe de um filho é diferente de ser mãe de dois e assim por diante porque com a vinda de cada filho toda a composição da rede de intercomunicação familiar se altera” (MALDONADO, 1980; p. 13)

A gravidez trará elementos novos em todos os seus aspectos – incluindo a sexualidade – e promoverá alterações momentâneas ou permanentes. No entanto essas mudanças não ocorrem aleatoriamente, a gestante altera seu comportamento tendo como parâmetro o seu próprio Self, a pessoa que é e que se construiu até então.

A gestação altera enormemente a estrutura do organismo e desorganiza toda ‘economia’ da mulher. A alteração do eixo de gravidade é a mudança corporal mais significativa durante a gestação, e ocorre de forma involuntária.

Quando o tronco da grávida se projeta para trás, também "encurvam-se o segmento dorsal e o lombar, esse mais discretamente, e se modifica o eixo da bacia. Grupamentos musculares que originalmente não tem função nítida ou constante passam a atuar, estirando-se e contraindo-se." (REZENDE.; p. 110). Sendo assim, toda a estrutura corporal da mulher se altera e ela passa a utilizar recursos antes desconhecidos.

É interessante refletir sobre esse aspecto: ‘todo eixo da mulher se altera e se reestrutura durante a gestação’. Considerando que o corpo guarda os registros das nossas emoções, podemos inferir que, a reestruturação corporal durante a gravidez, traz a tona registros de gestalten inacabadas35 e emoções até então desconhecidas.

35 “Quando há uma solução para essa necessidade, que surgiu com base no contato entre o homem e o meio externo, dizemos que houve um ‘fechamento de Gestalt’. Quando essa solução não for viável, falamos que surgiu uma ‘Gestalt inacabada’.” (LIMA, 2007; p. 127) Essa Gestalt inacabada tende a emergir novamente até ser solucionada, nesse caso a alteração corporal pode evocar essa emersão.

[...] pensando o organismo a partir de uma concepção unitária e o corpo sede das emoções, podemos inferir que essas transformações têm uma inter-relação direta com o estado psicológico da mulher, provocando, na estrutura emocional e corporal dessa mesma mulher, uma desorganização, que é muitas vezes vivida como uma sensação de perda de ‘controle’ de suas emoções, sentimentos, esquema corporal etc (BARCELLOS, 1991; p. 137)

Embora não tenhamos encontrado na bibliografia levantada, em Gestalt-terapia, textos específicos sobre as alterações corporais, em Ginger (1995), encontramos: “o corpo-a-corpo desencadeia gradativamente uma emoção profunda e costuma permitir a emergência de um material arcaico do período infantil pré-verbal, ao qual é difícil ter acesso pelo meio de mediação puramente verbal.” (p. 167-8)

Uma emoção é [...] uma relação entre o organismo e o ambiente [...] por meio da contração e de exercícios musculares é possível mobilizar combinações especificas de comportamento corporal, e estas estimulam um tipo de excitamento desassossegado [...] Mas se acrescentarmos a essa propriocepção a awareness ambiental, seja a fantasia, seja a percepção de alguma coisa ou alguma pessoa com a qual podemos zangar, a emoção se desencadeará imediatamente com plena força e clareza. (PERLS, 1997; p. 212)

Quando, na gravidez, toda a estrutura do organismo-mãe é alterada em função das mudanças de seu corpo grávido, podemos supor que movimentos diferentes ocorrerão na musculatura, mobilizando, assim, esses afetos guardados. São emoções de difícil decodificação, muitas vezes referentes a situações pré-verbais, geralmente não compreendidas pela mulher que as vive, na medida em que a inibição das nossas expressões afetivas é traço característico da nossa cultura. (BARCELLOS, 1991; p. 138)

A alteração de todo eixo da mulher e sua reestruturação durante a gestação pode evocar sentimentos injustificáveis como tristeza, angustia, entre outros; assim como influenciar a vida sexual.

O parto é ponto final da gestação e o ápice dessa jornada. As sensações evocadas durante o parto são muito fortes e intensas.

Na hora do parto, produz-se um fenômeno [...] Confrontada com essa experiência arcaica, que consiste em dar a vida e que, a despeito das estratégias utilizadas para mantê-la sob controle, vai sempre além da imaginação, a mulher social (que o médico conhece até então) desaparece e, em seu lugar, surge a mulher arcaica que ela mesma desconhece e que a transcende. Essa mulher reúne todas aquelas contidas na sua história. Em primeiro lugar, é claro, é a futura mãe que está lá, mas, de acordo com sua história, todas as filhas e todas as mães que ela foi, ao longo se sua existência, ali estão presentes [...] Não se pode generalizar porque cada história é individual, mas o mecanismo psíquico é comum e explica o fato de que cada mulher que está em trabalho de parto está dando à luz a si mesma [...] Vem daí o caráter revolucionário dessa experiência [...] (SZEJER, 1997; p. 244-5)

Na fase de expulsão, um dos momentos mais intensos do trabalho de parto é quando o bebê começa a coroar (a cabeça do bebê começa a aparecer no canal vaginal). Acontecem intensas descargas de energia, que mesclam prazer e dor.

Essa abertura total do útero acontece somente uma vez, ou poucas, durante sua vida. É uma experiência emocional muito profunda que envolve uma regressão aos sentimentos mais básicos e primitivos, como se tudo que você tivesse sido na sua vida estivesse presente naquele momento. Provavelmente acontece um relembrar inconsciente do que você viveu no útero da sua mãe, no seu nascimento e na sua primeira infância, tudo isso misturado com a emoção de virar mãe e uma comunicação muito intima entre seu corpo e seu bebê. (BALASKAS, 1993; p. 138)

A gestação, o parto e a maternidade são eventos de potencial transformação na vida de uma mulher. Podemos pensar no caso do parto vaginal como uma possibilidade de novas vivencias frente à sexualidade, já que a passagem do feto e a dilatação de músculos, podem alterar a consciência corporal da mulher.

c) Sexualidade na gestação
A gestação pode trazer para algumas mulheres situações de impasse, em especial com relação à sexualidade. Pode ser um momento de confrontação entre o que foi aprendido socialmente, as expectativas e experiências individuais.

O impasse faz parte do processo de amadurecimento e da mesma forma que apresenta o problema, fornece também a solução. No nosso caso a gestação pode oferecer a mulher uma grande oportunidade de crescimento, superação e re-significação de seu comportamento e suas expectativas.

[...] o enredo de vida de uma pessoa [...] tem uma quantidade de outras pessoas envolvidas, visto que necessitamos de outras pessoas para um certo montante de sustentação de nossa auto-estima. Necessitamos de outras pessoas para necessidades alimentares e sexuais. (PERLS, 1981; p. 144-5)

As dificuldades que surgem com relação à sexualidade, durante a gestação, na maioria das vezes trazem a tona um impasse do casal. Que está muitas das vezes ligado as suas famílias de origem, entre outras coisas, um dilema entre a lealdade familiar e a unidade do casal. A solução vem principalmente, e acima de tudo, de um diálogo honesto entre eles.

Ter um diálogo honesto, segundo Perls (1981) é não utilizar máscaras para se esconder, ao contrário, é conscientizar-se e informar ao outro sobre o que sente.

Como por exemplo: estou paralisado, não sei o que dizer agora, você me deixa embaraçado. É muito simples, se você se dá conta de você mesmo, então só fazendo essa afirmação produzirá imediatamente algum tipo de reação e alguma comunicação. (PERLS, 1981; p. 153)

De uma forma ou de outra a gestação marcará a sexualidade da mulher e de que forma isso acontecerá não tem como ser previsto antecipadamente, pois “se a história precede cada um de nós e nos influencia, a história continua, também, a ser escrita todos os dias.” (SZEJER, 1997; p. 74)

Apesar do enorme valor social atribuído à maternidade, algumas gestantes, sentem-se feias e deformadas durante esse período. As alterações corporais são muito significativas e podem ser vividas como desestabilizantes e angustiantes, nesses casos a mulher tende a se sentir ameaçada.

De modo geral, a mulher reagirá de uma maneira ou de outra a essas mudanças. Poderá exaltar seu corpo que ela vê, com grande satisfação, tomar formas diferentes, mais femininas. Ou odiá-lo, pela aparência física que desagrada [...] Nesse sentido, a relação do casal tem grande influência e o olhar do homem tanto poderá acentuar a insatisfação da mulher, como, ao contrário, poderá contrabalançá-la. (SZEJER, 1997; p. 121)

A gravidez é o único momento da vida da mulher em que ela realmente não tem preocupações em engravidar, pois já está. A prática de sexo nesse momento fica caracterizada pela busca do prazer e pode ser vivida por algumas mulheres com um conflito. A dificuldade de adaptação da vida sexual nesse caso, em específico, tem raiz na separação e diferenciação entre maternidade e sexo, vivenciado como coisas inconciliáveis. (MALDONADO, 1983)

É importante ressaltar que não são apenas as questões emocionais que interferem na atração sexual, as alterações hormonais, também fazem parte do processo.

Em algumas etapas da vida de um casal, a falta de desejo da mulher aparece graças a um mecanismo da natureza criado para a preservação da espécie. [...] Muitas crises poderiam ser facilmente resolvidas com a constatação de que a fase é natural e vai passar. (BERENSTEIN, 2001; p. 38).

Quase todos os casais passam por mudanças no seu relacionamento sexual durante os nove meses de gravidez. [...] Ao entendermos porque o sexo durante a gestação é diferente do sexo em outros períodos da vida, conseguiremos atenuar os medos e as preocupações e tornar a vida sexual (ou sua abstinência) mais aceitável e mais prazerosa. (MURKOFF, 2006; p. 335-6)

Entretanto nem só as mulheres sentem dificuldades durante esse período. Alterações da região pélvica da mulher, associadas ao aumento do volume abdominal e o aumento do peso podem reduzir a atração e o desejo e influir negativamente no desempenho sexual masculino.

Existem, inegavelmente, modificações anatômicas e funcionais no organismo da mulher, quando grávida, que podem alterar a resposta sexual. [...] Há maior vascularização dos órgãos pélvicos, ocasionando maior lubrificação vaginal na fase de excitação. Pelo edema e congestão da parede vaginal, além do aumento do volume do útero, pode ocorrer desconforto à penetração do pênis. (CONCEIÇÃO, 1986, p. 35)

Além disso, para alguns homens, o aspecto do corpo da esposa durante a gestação é belo; para outros, não. Esposas cujos maridos se afastam durante a gestação podem ter dificuldades para não se sentirem rejeitadas, infelizes, inseguras sobre seus atrativos sexuais (HEIMAN, 1992; p. 145)

Muitos homens, por terem idealizado a maternidade, podem apresentar dificuldades em se sentir atraídos por suas companheiras durante a gestação.

Em contra partida, superada as dificuldades, a gravidez pode ser um período de grandes descobertas amorosas. Se o casal encontra-se disposto a vivenciar novas formas de fazer sexo – descobrir novas sensações sem que haja, necessariamente, penetração, assim como novas posições – e se a intimidade lhes possibilita utilizar sua criatividade sexual tudo é permitido e a chegada de um bebê poderá uni-los ao invés de afastá-los.

Embora a relação sexual durante a gestação possa ser diferente do que se vivenciava antes, é na maioria dos casos perfeitamente segura. De fato, faz bem à gestante tanto física quanto emocionalmente: pode manter a mulher e o marido mais próximos; pode ajudar a manter a forma, preparando a musculatura pélvica para o parto; e é relaxante – o que é benéfico para todos, inclusive para o bebê. (MURKOFF, 2006; p. 340)

Apesar de todos os possíveis empecilhos à prática sexual as estatísticas demonstram que a grande maioria dos casais praticam atividades sexuais até o oitavo mês de gestação. (HEIMAN, 1992).

A penetração pode ocorrer normalmente se não houver nem dor nem incômodo. É apenas necessário que a barriga fique livre ou apoiada em almofadas. A posição mais recomendada pelos especialistas em sexualidade é a posição em que casal deita de lado e a mulher apóia a barriga. (MULLER, 2001) Embora permitida, a penetração não é a única forma de obtenção de prazer do casal durante a gravidez.

Esse período é vivido de maneiras diferentes em cada cultura. Algumas tradições interditam a prática da sexualidade durante a gravidez; outras, ao contrário, a recomendam, considerando que para o bebê ‘crescer’ ele deve ser regado com o esperma do pai. [...] Mas, seja qual for a orientação adotada – abstinência ou prática intensa –, todas essas superstições populares dizem bem, a seu modo, que a sexualidade do casal tem a ver com essa gravidez e será modificada por ela. (SZEJER, 1997; p. 151)

É importante ressaltar a gravidez é um evento único e significativo que, de uma forma ou de outra, modifica a sexualidade. Muitas vezes as mudanças são difíceis, pois toda mudança traz o risco de se encarar o novo e o medo do desconhecido. Para que as experiências sexuais durante a gravidez sejam positivas é fundamental que exista intimidade, diálogo e contato entre os parceiros.

COMENTÁRIOS

A relevância desse trabalho está em revisitar questões aparentemente tão óbvias quanto maternidade, gestação e sexualidade podendo re-descobrir e colocar luz sobre possíveis formas de ser e descobrindo novos caminhos.

A falta de contato com as sensações e emoções nesse período pode levar às cristalizações e sofrimentos. Nesse sentido é tão importante estudarmos esse tema. É fundamental para a Gestalt-terapia buscar o aprofundamento dos mecanismos envolvidos nesse período tão importante na vida de todo ser humano: O nascimento de outro ser.

A gestação é o momento da vida da mulher que representa a possibilidade de maior conexão com o feminino – o que para algumas mulheres inclui o resgate da auto-estima – mas que depende essencialmente de como vai será vivenciado. Esses eventos estão claramente relacionados ao nosso Self processual e é importante ao gestalt-terapeuta refletir sobre esse tema.

O terapeuta que decide trabalhar com mulheres (ou casais) gestantes deve estar alerta que esse é um momento de profundas transformações – como uma condição psicológica especial – que exigem suporte afetivo. Ele deve estar atento às necessidades da mulher ao longo de sua gestação, auxiliando-a, para que as mudanças normalmente existentes não gerem descompensações. A função do terapeuta é, basicamente, oferecer suporte ajudando a grávida na manutenção de equilíbrio emocional.

Acompanhar terapeuticamente uma gestante é um privilégio que requer alguns cuidados, pois esse é um dos períodos mais ricos em subjetividade e também um dos mais delicados. Ao longo do processo poderão emergir conteúdos intensos, gestalten inacabadas muito vívidas e sentimentos difíceis de compreender, entre outros. Nesse momento o terapeuta deve estar afinado com seus sentimentos e expectativas e ao mesmo tempo atento às necessidades da cliente para que possa perceber os limites do processo, auxiliá-la sem desestabilizá-la. “A mudança não ocorre através de uma tentativa coercitiva por parte do indivíduo ou de outra pessoa para mudá-lo, mas acontece se dedicarmos tempo e esforço a ser o que somos” (Beisser in Fagan, in ORGLER, 2007; p. 214)

Essa proposta visa interrogar os temas: maternidade e sexualidade; história e corpo; a concepção de mãe, os valores sociais e a sexualidade feminina na atual sociedade em transformação. E, principalmente, a contribuição da Gestalt-terapia na busca dessas respostas.

 

BIBLIOGRAFIA

BALASKAS, J. – Parto ativo: guia prático para o parto natural/ Janet Balaskas: Tradução Adailton Salvatore Meira – São Paulo: Graund, 1993.

BARCELLOS, C. – Da gestação à aquisição do olhar / Claudia de Oliveira Barcellos, Maria Lygia G. Daflon. In Instituto de Orgonomia Ola Raknes. Energia, Caráter e Sociedade n 2 – Ago/91. Rio de Janeiro: Conexão projetos gráficos, 1991.

BERENSTEIN, E. – A inteligência hormonal da mulher / Eliezer Berenstein. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

BUARQUE, Sergio. Neurose In: Gladys D’Acri; Patrícia Lima; Sheila Orgler. Dicionário de Gestalt-Terapia: “Gestaltês”. São Paulo: Summus, 2007.

CONCEIÇÃO, I. S. C. – Gravidez e Sexualidade In: Nelson Vitelo. Sexologia – II Comissão Nacional de Sexologia da FEBRASGO. São Paulo: ROCA, 1986.

GINGER, S – Gestalt-uma terapia do contato / Serge Ginger, Anne Ginger. São Paulo: Summus, 1995.

HEIMAN, J. – Descobrindo o prazer: Uma proposta de crescimento sexual para mulher / Julia Heiman, Joseph Lopiccolo. São Paulo: Summus, 1992.

HYCNER, R. Relação e cura em Gestalt-terapia. Richard Hycner e Lynne Jacobs. São Paulo: Summus, 1997.

LEIBLUM, S. – Princípios e Prática de Terapia Sexual / Sandra R. Leiblum, Laurence A. Pervin. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

LIMA, P. – Gestalt, Gestalt Aberta, Gestalt Fechada, Gestalt Inacabada / Patrícia Lima. In: Gladys D’Acri; Patrícia Lima; Sheila Orgler. Dicionário de Gestalt-Terapia: “Gestaltês”. São Paulo: Summus, 2007.

MALDONADO, M. T. – Psicologia da gravidez: parto e puerpério / Maria Tereza Pereira Maldonado. Petrópolis, Vozes, 1980.

__________________Nós estamos grávidos /Maria Tereza Maldonado, Jean Claude Nahoum, Júlio Dickstein. Rio de Janeiro: Bloch, 1983.

MULLER, L. – 500 Perguntas sobre sexo: Respostas para as principais dúvidas de homens e mulheres / Laura Muller, Nelson Vitiello. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

MURKOFF, H. E. – O que esperar quando você está esperando/ Heidi Murkoff, Arlene Eisenberg, Sandee Hathaway; tradução Paulo Fróes; co-tradução e cotej Rosa Eugênia Lima Peralta e Emile Jair Guerra Labelle – Ed. Revisada e atualizada. – 5ª Ed – Rio de Janeiro: Record, 2006.

ORGLER, Sheila. Teoria Paradoxal da mudança In: Gladys D’Acri; Patrícia Lima; Sheila Orgler. Dicionário de Gestalt-Terapia: “Gestaltês”. São Paulo: Summus, 2007.

PERLS, F. – Gestalt-Terapia / Frederick Perls, Ralph Hefferline, Paul Goodman. São Paulo: Summus, 1997.

___________A abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia. Rio de Janeiro: Zahar, 1981

REICH, W. – A Função do orgasmo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1975.

REZENDE, J. de – Obstetrícia. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991.

RIBEIRO, Jorge Ponciano. Ciclo do contato In: Gladys D’Acri; Patrícia Lima; Sheila

Orgler. Dicionário de Gestalt-Terapia: “Gestaltês”. São Paulo: Summus, 2007.

SZEJER, M. – Nove meses na vida da mulher: uma aproximação psicanalítica da gravidez e do nascimento / Myriam Szejer, Richard Stewart. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

YONTEF, G M. – Processo, Diálogo e Awareness. São Paulo:Summus, 1998.