MESA REDONDA 05 – PARTE I: AÇÃO E GESTALT-TERAPIA

 

Autor: Enéas Lara


“nada no universo é ontologicamente estático, caso contrário, ele não existiria. O movimento é a essência do universo, por isso nada, absolutamente nada, é estático.” (RIBEIRO,2005, p.51)

 

RESUMO

O artigo destaca o tema da ação na Gestalt-terapia. O conteúdo apresentado é fruto de pesquisa bibliográfica e o objetivo é levantar as diversas relações estabelecidas entre o tema e construtos desta vertente psicoterápica. Apresenta a ação na teoria de campo de Kurt Lewin, no ciclo de contato, na perspectiva organísmica e sua importância no humanismo e existencialismo. Salienta os dados encontrados na pesquisa, bem como a carência de estudos em pesquisa de campo. Conclui ressaltando a necessidades de investigação sobre o tema e apresenta a relevância do mesmo para a realidade social e o seu diferencial em relação a outras linhas de psicoterapia.

 

INTRODUÇÃO

Estudos sobre a “ação” na Gestalt-terapia são um diferencial metodológico de vanguarda, em relação a outras perspectivas psicoterápicas. Uma análise detalhada dos aspectos físicos e da estrutura lógica das leis relacionadas à ação transcende ao escopo deste estudo, cujo propósito é de utilizá-la como ponto de partida para uma reflexão teórica da relação estabelecida entre a Gestalt-terapia e a vertente da ação, como diferencial teórico psicoterápico.

Este estudo é fruto de pesquisa bibliográfica e indica alguns aspectos relacionados à ação, tanto físicos quanto psíquicos, dentro da perspectiva da Gestalt-terapia. O tema é abordado através da percepção de diversos autores desta perspectiva psicoterápica. Pesquisas de campo relacionadas ao tema, em Gestalt-terapia, aguardam maiores investimentos e investigações. Este cenário indica a necessidade de investigação teórica para posterior desenvolvimento de estudos de campo. Para este estudo, a pesquisa bibliográfica, segundo Barros (2007) é um levantamento do tema em seus tipos de abordagem, por outros estudiosos, assimilando os conceitos e explorando aspectos já publicados, onde, Odília (2006) cita que fontes primárias possibilitam o embasamento teórico do assunto pesquisado.

As investigações sobre o tema surgem em função da queixa de clientes, alunos e trabalhadores que necessitam realizar ações para o alcance dos seus objetivos e que, por diversas razões, não o fazem. Esta é uma indicação da lacuna entre o querer e o fazer. Há aqueles que se queixam de realizar ações sem perceber o sentido das mesmas. As ações e movimentos relacionados ao não atendimento das necessidades dos indivíduos geram incômodos, tanto em seus aspectos físicos quanto psíquicos.

É possível resistir à aplicabilidade das leis físicas à complexidade da existência humana em pesquisas. No entanto, admite-se que elas estão ligadas à realidade do existir humano, fazendo parte de um sistema universal regido pelas mais diversas leis. O ser humano, pertencente a um planeta em constante rotação, é colocado em processo interativo com as leis físicas e transcende estas dimensões para uma perspectiva mais ampla, aqui aplicada à realidade da Gestalt-terapia.

Esta visão é ressaltada por Ribeiro (2005) ao referir-se sobre o universo que, além de estrutural, é sistêmico. Estrutura e processo caminham juntos, vivendo uma continuidade, embora ao contemplá-lo, ou às suas partes, tenha-se a impressão de uma estaticidade. Na realidade, atomicamente, tudo está em movimento. O Universo e todos os elementos que compõem a existência do ser humano, dentro da perspectiva de movimento e ação, trazem uma visão atualizada e científica para o desenvolvimento de estudos em Gestalt-terapia.

 

AÇÃO E A TEORIA DA GESTALT-TERAPIA

A Gestalt-terapia é considerada uma teoria de ação. A partir desta afirmação este estudo utiliza, dentre outras, a Teoria do Ciclo de Contato e a Teoria de Campo de Kurt Lewin. Estabelece uma relação com outros construtos, a partir da visão de diversos autores, gestalt-terapeutas, aplicando-os aos propósitos da ação nesta vertente psicoterápica. Os conteúdos aqui abordados são parcialmente explorados em ordem aleatória e contemplam aspectos tais como os filosóficos, de campo, organísmicos e cíclicos, relacionados ao tema.

A ação é elemento de interesse, implícita em teorias como a de Köhler, através do senso de necessidade, onde um comportamento explicita a necessidade do homem. O tema suscita, ainda, uma reflexão sobre ações e re-ações humanas, no sentido de que:

O organismo é o fator primário e o mundo é criado por suas necessidades? Ou há primariamente um mundo ao qual o organismo responde? Ambas as visões estão corretas in toto. Não são, de forma alguma, contradições: ações e reações estão entrelaçadas. [...] A reação, a réplica, é uma sequência, algo secundário a algo que aconteceu em primeiro lugar. (PERLS, 2002, p.82).

A teoria da Gestalt-terapia ainda aborda a questão de ações/reações, não necessariamente causais, uma vez que as reações podem seguir as ações, de forma esteriotipada, como um reflexo, onde as decisões não influenciam a sequência dos atos. Há de se considerar ainda uma civilização cheia de exigências, convenções, leis, compromissos, dificuldades sociais e econômicas que promovem um determinado número de obrigações a serem acatadas. Perls (2002) ao tratar destes aspectos, denomina-os de “realidade coletiva”, poderosa e objetiva em seu efeito, em detrimento do seu sentido.

A realidade coletiva, por sua vez, suscita a reflexão sobre o campo, onde os indivíduos são ações e reações, aqui denominados de pessoação e pessoareação. A Teoria de Campo Lewiniana, aplicada à Gestalt-terapia, é um conjunto de princípios epistemologicamente coerentes, congruente com a realidade moderna, usado em aprofundamentos teóricos dedutivos/qualitativos. Nela se encontra suporte para a compreensão do comportamento humano no ‘campo’, onde o contato se estabelece no existir humano. A teoria de campo, para Yontef (1998) é parte vital, sobre a qual se constrói a metodologia da Gestalt-terapia. Essa teoria engloba a teoria mecanicista newtoniana e encerra fenômenos que expandem a anterior e a torna mais abrangente. Neste estudo, vale considerar que as necessidades humanas e as demandas sociais ocorrem dentro do campo e podem ser focadas na perspectiva da ação.

A perspectiva da ação pode ser expandida quando nela é considerada a “pessoação”, sendo esta uma unidade de atitudes. Nela estão implícitas necessidade e intenção. Na ação, onde a pessoa se revela, existe energia e valoração mobilizando-a, indicando uma direção e/ou um objetivo, um alvo que através dela se pretende alcançar. A ação, ainda que em termos epistemológicos, aqui fragmentada nos seus diferentes aspectos, é, em si, o existir humano.

Explicitando os conceitos contidos na Teoria de Campo de Lewin, Ribeiro (2005) aborda vários termos, como posição, locomoção, força ou tendência a locomoção e objetivo. Para fins deste estudo, dentro dos propósitos da Gestalt-terapia, estes termos estão implícitos na idéia de ação, uma vez que o indivíduo, ao interagir em um determinado campo, revela-se em ações a partir de um valor, de um alvo a ser alcançado. Ação é também uma realidade vívida do homem e esta transcende o seu desejo, mesmo porque, ainda que o indivíduo se encontre parado, o próprio corpo continua a se movimentar e o campo, ao seu redor, também continua em movimento.

A partir da visão organísmica, o movimento da terra no universo pode estar atrelado a toda existência humana inserida no planeta. Viver é uma oportunidade de relação de contato, ação e experimento com todas as possibilidades de troca advindas do estar neste universo em movimento. O próprio indivíduo, assim como a terra, é uma unidade em movimento, que comporta outras unidades que também se movem, fazendo parte de um todo. O sentido de impermanência, tanto na terra quanto no homem, promove um sistema de mudanças, completa ciclos como as estações, não havendo uma só estação igual a outra, como também não existe um único período igual ao outro na existência da pessoa, onde cada etapa tem o seu momento histórico.

Tudo muda e está em movimento-ação. Ao abordar a questão da homeostase, Perls (2002) salienta que há fluxo em tudo e que a própria densidade de uma mesma substância muda, por diversas razões, de pressão, gravitação e temperatura. As idéias de ação, transitoriedade e “impermanência” somam para esta vertente teórica uma perspectiva dinâmica e exigente. Traz o sentido de fluidez, de captar o momento exato onde todo o sentido se revela no indivíduo/ação, que se mantém em transformação. Ao abordar tais aspectos, segundo Parlett (apud YONTEF, 1998, p.201), “O Princípio do Processo em Transformação refere-se ao fato de a experiência ser provisória, em vez de permanente. Nada é fixo e estático de maneira absoluta”. Para Ribeiro (2005, p.59), “Pela impermanência tudo está em contínua mudança. Nada é dinamicamente fixo, fixado, absolutamente permanente e igual. [...] O todo na parte, a parte no todo, de modo diferente, criador, relacional, transformador”.

 

DESEQUILÍBRIO NA AÇÃO

O confronto entre a necessidade percebida, a ação proveniente da “realidade coletiva” e o reflexo coopera para uma cisão no campo, interferindo na troca saudável do organismo/meio. Ribeiro (2006) afirma que o campo reflete a relação da pessoa com seu meio, num determinado lugar e momento. Ele é um campo energético e a energia que nele está precisa circular livremente e que:

[...] é possível afirmar que muitas patologias são disfunções energéticas, tendo em vista que as pessoas não conseguem lidar com a tensão, a valência e a força dos vetores presentes no campo, como condutores de necessidades. (RIBEIRO, 2006, p.86).

Ao abordar a interrupção entre mobilização de energia e ação, para Zinker (2007, p.123), “[...] a pessoa trabalha inutilmente, incapaz de agir com base em seus impulsos. Ela pode ser mobilizada, mas não consegue usar a energia a serviço da atividade que lhe proporcionaria aquilo que quer”. Para este autor, esse processo acontece normalmente com o que a clínica denomina de comportamento “histérico”.

A interrupção no fluxo de uma ação, por sua vez, pode indicar a presença de algum obstáculo. Perls (1997) considera obstáculo como parte da forma existente que precisa ser destruída e é atacado com ardor. Para ele, na medida em que a natureza frustrante do obstáculo se revela, o self se envolve numa tensão progressiva, havendo uma junção entre o apetite destrutivo com a necessidade de aniquilamento. Polster (2001, p. 237), amplia a visão, alertando para o fato de que “a ação que se baseia exclusivamente na deliberação passada, sem a influência facilitadora da invenção presente, tem grande possibilidade de se tornar mecânica e sem vida”. Interromper uma ação, ou escolher a “ação de não agir”, também encontra na Gestalt-terapia suas formas de expressão. A teoria aponta para aspectos onde a “ação de não agir” denota um tipo de movimento. A Gestalt-terapia também promove outra reflexão sobre a ação de congelar um possível movimento. Isso pode refletir a melhor escolha para o momento ou, ainda, o consentimento dado pelo indivíduo em permitir uma interferência na finalização de algo, na completude ou “fechamento de uma gestalt”, o que já indica outro tipo de necessidade. Perceber o tipo de ação tomada promove a melhor compreensão dos eventos da vida, a configuração de um campo e os tipos de movimentos em um ciclo de contato.

Na ação interrompida a pessoa-ação perde sua fluidez. Higy-Lang (2008), alerta para o fato de que a liberdade se torna inútil, se as escolhas do indivíduo não se transformarem em ação, uma vez que a pessoa é capaz de se transformar, bem como a situação no seu entorno, pois o ser humano possui a ferramenta necessária para tal. Destaca também o fato de que os mecanismos de ação devem incluir a capacidade de reajustar nossas ações e nossas escolhas, à luz dos resultados que obtemos.


AÇÃO E FLUIDEZ

De maneira implícita ou explícita, a proposta da reflexão sobre ação na abordagem da Gestalt-terapia, traz um diferencial, um avanço, uma singularidade para a perspectiva teórica. A abordagem Reichiana, por exemplo, destaca os bloqueios corporais, enquanto a Gestalt-terapia sugere uma expansão e revisão teórica através dos componentes agressivos, como os da destruição, aniquilação e a iniciativa. Perls (1997, p.150), propõe “[...] A passagem do impulso para a tomada de providências e a iniciativa: aceitar o impulso como nosso próprio impulso e aceitar a execução motora como nossa própria execução motora”, ainda que se reconheçam os movimentos provenientes de outros fatores que não os das necessidades pessoais ou orgânicas. Tomando o homem como um ser em relação, o seu organismo está em auto¬regulação com o meio. Ele é um ser em constante mudança e sua adaptação ao meio requer um movimento, no sentido de se ajustar às suas necessidades momentâneas, traduzindo-se numa existência essencialmente dinâmica, cíclica e fluida.

Tanto Zinker, como Clarkson e Ribeiro utilizam o termo ação em seus diferentes ciclos da teoria da Gestalt-terapia, variando na ordem e na nomenclatura deles. O primeiro denomina de Ciclo de Consciência-excitação-contato, onde a ação é o quinto item na ordem, a seguir: sensação, consciência, mobilização de energia, excitação, ação, contato e retraimento. Ribeiro o denomina Ciclo de Contato, considerando a proposta Gestáltica de fluidez e movimento, que promove crescimento e cura. Tanto ele quanto Clarkson mencionam a ação como elemento do ciclo. A concepção de Ribeiro segue a ordem conforme a figura abaixo:


CICLO DO CONTATO E FATORES DE CURA

Fonte: Ribeiro, 2007 (p.45).

Observando as diversas concepções dos ciclos na Gestalt-terapia, a ação está contida no indivíduo e vice-versa, enquanto organismo no ambiente. O self está diretamente ligado à ação, a qualquer forma de expressão pela ação, a não ação, ao congelamento ou a forma como o indivíduo busca seu equilíbrio.

Em termos didáticos, a ação, no ciclo, é uma etapa que após o indivíduo sentir, tomar consciência e mobilizar energia, prepara o mesmo para interagir, possibilitando-o a experimentar, com contato, a busca da realização da sua necessidade, satisfazer-se e prosseguir com fluidez. Vale ainda destacar que a ação na perspectiva cíclica, também está contida na própria sensação, pela sensação de agir, no agir sentindo, como se uma e outra fizessem parte de um mesmo tópico. Neste sentido, a ação faz parte de todas as etapas do ciclo. Conscientização, por exemplo, é expressão profunda da ação de se perceber. Experimento é ação em expressão. Experimentar e agir unem-se como expressão de uma necessidade. Esta é a fonte da ação. Agir sem experimentar, não estabelecer contato com a ação, nem estar conscientizado dela, é estar distante de si mesmo e de perceber-se. É automatizar-se e perder a conexão com o movimento no entorno da vida. Por esta razão, a ação tem sido colocada como etapa permanente no ciclo de contato. Por ela há alívio e fluidez.

Para a Gestalt-terapia, na ação, encontra-se uma chance, entre outras, de compreender os elementos que possibilitam uma melhor relação entre experimento, contato e conscientização, já que ela contém e revela a expressão do self. Ribeiro (2006) ressalta que os mecanismos de bloqueio de contato permitem um funcionamento precário do ciclo, uma vez que o contato frágil interfere no fluir do processo da pessoa e na forma como a caminhada se realiza, influenciando a possibilidade de um contato pleno. Por outro lado, quando o ciclo está colocado de maneira saudável, a fluidez perpassa os outros pontos, fechando cada ciclo, possibilitando uma continuidade para o próximo ponto até a retirada e a preparação para uma nova experiência, onde novo ciclo se abre para novas ações. Fluidez, movimento e ação, neste sentido, caminham juntos para a possibilidade de novas experiências, a partir das interações estabelecidas. Este processo revela um viver, um estar-no-mundo.

Conforme Ginger (1995, p.106), o interesse, dentro dessa perspectiva, deixa de ser em fatos e estrutura das coisas, direcionando-se para suas interações, para a energia que circula no espaço-tempo, que faz a materialidade viver, separando ou unindo, revelando um estar-no-mundo.

[...] para a física quântica pós-einsteiniana “as partículas subatômicas não são ‘coisas’, mas interconexões entre as coisas” (Capra, 1983) existentes num universo quadridimensional de espaço-tempo ou que certas partículas (as “antipartículas”) não hesitam em se deslocar do futuro para o passado, sem nenhuma cadeia linear de causa e efeito. Sabemos agora que a massa nada mais é do que uma forma de energia e que não é mais associada a uma substância material [...]. Enfim, os átomos não são senão uma dança perpétua de energia.

Homem e terra, estações do ano e fases da vida possuem um elo ou eixo comum, encontrado na ação, na “impermanência” e nos fatores deles decorrentes, chamados de troca, mudança e equilíbrio. Para Perls (1997, p.32), “[...] o organismo cresce ao assimilar do ambiente o que precisa para o seu próprio crescimento. [...] Somente por meio da assimilação completa é que substâncias heterogêneas podem ser unificadas num novo todo.” As estações do ano também dependem da estrutura da terra, sua atmosfera e as transformações que ocorrem no planeta, de forma bem dinâmica, dentro da perspectiva do espaço-tempo. O ser humano depende da sua energia em um determinado momento, da sua escolha, do se perceber enquanto organismo em interação com o meio, bem como da percepção da maneira pela qual se relaciona com os diferentes obstáculos nos seus diversos momentos de vida. Na Gestalt-terapia, a relação que o indivíduo estabelece com o seu entorno, seu conhecimento das reações e relações “intra”, “inter” e “extra” corpóreas, indicam sua relação e a maneira que ele percebe, vivencia e reage aos eventos. A Gestalt-terapia ao apropriar-se de conceitos relacionados à ação através dos conceitos de energia, direção, vetor e ponto de aplicação, se coloca, então, como uma perspectiva dinâmica, moderna e fluida. Ribeiro (2007) ressalta que o grau de fluidez de uma pessoa indica o seu nível de mudança. Quanto mais fluidez houver, menor será a necessidade de força para a mudança, sendo função da psicoterapia, facilitar o processo de fluidez dos indivíduos.

 

A PROPOSTA TERAPÊUTICA COM FOCO NA AÇÃO

Para fins deste estudo, relacionado à Gestalt-terapia, cabe aplicar o apelo humanístico de Heidegger ao fato que:

[...] a essência do agir é o consumar. Consumar significa: desdobrar alguma coisa até a plenitude de sua essência: levá-la à plenitude: producere. Por isto, apenas pode ser consumado, em sentido próprio, aquilo que já é. O que todavia, já é, antes de tudo, é o ser. (RIBEIRO, 1985, p.30).

É, portanto, no agir que “aquilo que já é” se revela em necessidades, integração e contato. Segundo Perls (1997), o self, o sistema de contatos, integra sempre funções perceptivo-proprioceptivas, funções motor-musculares e necessidades orgânicas. É consciente e orienta, agride e manipula e sente emocionalmente a adequação entre ambiente e organismo. Não há boa percepção que não envolva a muscularidade e a necessidade orgânica; uma figura percebida não é vívida e nítida a não ser que o indivíduo esteja interessado e concentrado nela e a examine. De modo análogo, não há graça ou destreza de movimentos sem o interesse e a propriocepção dos músculos e uma percepção do ambiente. E a excitação orgânica se expressa, torna-se significativa, precisamente ao emprestar ritmo e movimento aos objetos da percepção, como é óbvio, em música. Expressando isso de outra maneira: é o órgão sensorial que percebe, é o músculo que se movimenta, é o órgão vegetativo que sofre de um excedente ou de um déficit; mas o organismo-como-um-todo em contato com o ambiente que é consciente, manipula e sente.

A figura (gestalt) na awareness é uma percepção, imagem ou insight claros e vívidos; no comportamento motor, é o movimento elegante, vigoroso, que tem ritmo, que se completa etc. Em ambos os casos, a necessidade e energia do organismo e as possibilidades plausíveis do ambiente são incorporadas e unificadas na figura. (PERLS, 1997, p.45).

A proposta de Ribeiro (1985, 2007) é o cliente agir com radicalidade, no sentido de consumar sua essência. É um produzir existencial permanente, onde são aplicadas as suas potencialidades desconhecidas ou não usadas, buscando a totalidade significativa onde o agir, o pensar e o expressar pela linguagem completam a relação entre o expressar-se e consumar-se da essência. Esta consumação, o desdobrar-se até a plenitude da essência é a finalidade psicoterapêutica. Para o autor, na perspectiva existencialista, o agir se auto-informa, onde na intencionalidade do ato está a figura-desejo, na qual estão presentes vontade e liberdade.

Expandindo as propostas da Gestalt-terapia, Polster (2001) sugere que, através do experimento, o foco do indivíduo seja um sistema de ação dentro do consultório, privilegiando o agir, evitando falar sobre um evento. Por meio do experimento o indivíduo se mobiliza a confrontar o que emerge na sua vida, opera sentimentos e ações, num espaço que lhe proporciona segurança relativa. Ribeiro (2007) sugere que a Gestalt-terapia é uma Terapia do Contato em ação, onde se requer atenção aos modos pelos quais se procura satisfazer as necessidades num determinado campo. Nesse sentido o ser humano é visto como os contatos que fez e continua fazendo.

Confirmando e acrescentando as idéias anteriormente expostas, Zinker (2007, P.141, 174), é enfático ao afirmar que “[...] O experimento é a pedra angular do aprendizado experiencial. Ele transforma o falar em fazer” [...] “o experimento criativo brota de uma diversidade de imagens, de modo que a ação escolhida corresponda à experiência do cliente, referindo-se ao núcleo do problema em vez de a algum fenômeno tangencial associado a ele.”

 

CONCLUSÃO

Investir numa psicoterapia que trata da ação humana é uma proposta atualizada e necessária ao cenário atual. É um diferencial, uma exigência, uma oportunidade. A Gestalt-terapia propõe um cuidar do processo da existência humana, sugerindo a compreensão das suas ações nas relações que estabelece com o ambiente e na maneira como se regula neste existir. Propõe que as ações sejam uma denúncia do existir humano, na maneira como elas se apresentam, permitindo um fechamento, uma retirada para o equilíbrio micro, meso e macro das Gestalten expressas.

A espécie humana, ao habitar a terra, adquire a plena possibilidade de se relacionar com o universo que a circunda e com tudo que nele habita. Toma atitudes e muda cada vez mais o meio-ambiente, a fim de que este se ajuste às suas necessidades e desejos. A pessoa muda seu entorno, a si mesma e promove crescimento. Cada momento do dia e cada fenômeno têm o seu nascer e brilho, sua própria juventude, plenitude, produz frutos e passa por um recolhimento. Cada dia tem um início, seu auge e fim. Cada vida tem suas estações, necessidades, ações, completude e retirada. O enriquecimento da ação está no contato, conscientização e experimento de cada evento, bem como no movimentar-se, para que as coisas nasçam, vivam seu auge, produzam seu fruto e se recolham para um novo momento, deixando como saldo o crescimento humano.

No campo científico, a gestalt-terapia, a partir da perspectiva da ação, oferece aos seus pesquisadores uma vasta possibilidade de investigações. Pesquisar a ação pode contribuir para o crescimento desta vertente teórica, uma vez que este tema se estabelece como um diferencial a ser enriquecido, como, por exemplo, com pesquisas de campo.

O cenário atual indica, objetivamente, a necessidade de investigações e investimentos em estudos acadêmicos e em atividades práticas voltadas ao tema da ação. Pessoas, empresas, escolas e diversos grupos sociais focam a necessidade de tomarem atitudes, ocuparem seus lugares no espaço onde se encontram, no momento histórico que vivenciam. Este tema sugere uma, entre outras possibilidades, atender às demandas pessoais e sociais e buscar atividades, quer terapêuticas, individuais ou de grupo, de consultoria ou pesquisa científica. O momento histórico revela um senso de urgência e tomada de atitudes coerentes com as necessidades e consequente sentido de realização dos indivíduos.


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