Resiliência: uma perspectiva para a Educação
Myrian Bove Fernandes e Ananda Maidlinger representado a Equipe de Reflexão
Clínica do Instituto Gestalt de São Paulo
Em um contexto fortemente marcado por adversidades, as questões
de como enfrentá-las e conseguir manter um caminho de crescimento e desenvolvimento
vem se colocando de forma cada vez mais urgente. Por esta razão, a resiliência
tem gradativamente tomado mais espaço entre teóricos e pesquisadores
ligados ao comportamento humano.
Há mais de dois anos o tema da resiliência se destacou para nós
como instrumento poderoso de ampliação de horizontes e de possibilidades
de intervenções. Desde então, nossas atividades na Equipe
de Reflexão Clínica do Instituto Gestalt de São Paulo tem
se constituído em estudos, elaboração e concretização
de projetos em torno dessa temática.
Entendemos a resiliência como a capacidade do indivíduo realizar
ajustamentos criativos funcionais diante de situações adversas.
Podendo contar com o suporte de pelo menos uma pessoa e/ ou auto-suporte, o
indivíduo amplia awareness e, transcende a dor, mergulha em si mesmo
e na relação que estabelece com seu entorno, contatando e integrando,
então, uma nova potencialidade de seu processo de existir como constante
vir-a-ser. Assim, não só enfrenta a adversidade, como se transforma
e cresce a partir dela.
A resiliência também vem sendo vista como um processo que se desenvolve
ao longo da vida a partir do binômio fatores de risco e fatores de proteção.
Desenvolvemos esta temática segundo a ótica da Gestalt Terapia.
Fatores de risco têm sido considerados pela literatura situações
adversas tais como perda de entes queridos, desastres, catástrofes, violência,
miséria, abuso de drogas, baixo nível de escolaridade etc. Em
Gestalt terapia entendemos que tais situações são potencialmente
de risco e serão definidas como tal dependendo da experiência única
que cada indivíduo tem ao vivenciá-la.
Fatores de proteção, por sua vez, referem-se a características
individuais e do entorno que potencializam o enfrentamento das adversidades.
Consideramos fatores de proteção poder contar com a ajuda de pelo
menos uma pessoa que possa desempenhar o papel de figura de apego seguro. Ter
a habilidade de efetivamente pedir ajuda; capacidade de ampliar a awareness;
confiar em suas percepções ainda que dissidentes; desenvolver
talentos que tragam prazer e um senso de competência; saber planejar mais
do que agir por impulso; ter bom manejo de fronteiras de contato; responsabilizar-se
por si mesmo e pelas próprias ações; fazer um bom uso dos
mecanismos de defesa; tolerância a frustração; boa auto-estima;
crenças positivas em relação a vida; ter metas.
Observamos que a aplicação desse conceito tem se dado em diferentes
áreas, sob diversos enfoques. Dentre tantas possibilidades fomos percebendo
que contextos de educação revelavam ser muito promissores, a partir
da percepção de que o professor é, potencialmente, uma
figura de apego seguro (compreendida segundo o referencial gestáltico,
tal como apontado por Fernandes [et al.]) e, portanto, um promotor de resiliência.
Assim, mais do que promover resiliência em uma determinada população,
tornou-se possível desenvolver um trabalho que criasse multiplicadores,
os quais poderiam tanto atuar na formação de novos multiplicadores,
quanto como promotores de resiliência junto aos seus alunos.
Para tal, consideramos que formatar um curso sobre o assunto poderia ser um
bom caminho. Ao delineá-lo, percebemos que discutir o conceito de resiliência
não seria suficiente. Resolvemos, então, integrar também
a teoria do apego e oficinas, não só, de promoção
de resiliência, como de gestaltpedagogia. Para finalizar, os professores
seriam supervisionados na elaboração de pequenos projetos de promoção
de resiliência em sua escola.
Nossa primeira experiência foi com uma escola da rede pública,
que logo nos fez perceber que nosso público não seria apenas de
professores, mas também de coordenadores, diretores, e outros profissionais
como, por exemplo, bedéis. Essa, na verdade, era uma escola um pouco
diferente das que geralmente conhecemos; havia, ali, uma preocupação
profunda de lidar com as dificuldades inerentes ao sistema público de
educação e transcendê-las, assim como de criar possibilidades
de transformação no cotidiano de seus alunos. Ou seja, essa era
uma escola resiliente.
Assim, embora já fizesse parte do projeto inicial partir da experiência
de resiliência ao longo da vida desses profissionais, para então
entrar com o conceito e discutir possibilidades de atuação, percebemos
que esse era não apenas um caminho natural, como também algo de
fundamental importância. Atolados pelas dificuldades do cotiadiano, a
maior parte desses professores não se dava conta de sua capacidade de
transformar o vivido – e atuar como promotor de resiliência; e um
ponto essencial do curso acabou sendo propiciar um espaço em que eles
pudessem se apropriar de tal capacidade. Além disso, também ficou
patente a necessidade de um espaço de cuidado – ser resiliente
não implica, de forma alguma, ser um herói invencível e
esses professores estavam precisando, desesperadamente, serem cuidados; aspecto
fundamental para poder cuidar.
A experiência em escolas da rede privada desvela, sem dúvida, um
contexto mais diferenciado. Muitas vezes, os profissionais de educação
que participam do curso já ouviram falar do conceito; às vezes
já até conhecem um pouco sobre ele. Embora, vale ressaltar, essa
parcela se refira mais a coordenadores, psicopedagogos e psicólogos do
que aos professores que, mesmo na rede privada, costumam se apresentar ávidos
por novos recursos. Entretanto, mesmo apesar do tema não se revelar como
grande novidade para alguns, parece que falta algo; algo que impede que apliquem
esses conceitos com maior propriedade em sua prática; como se, embora
estivessem munidos de algum conhecimento, ele não fosse suficiente para
mudar sua postura. Temos percebido que, nesses contextos, aprofundar a teoria
do apego, relação dialógica e gestaltpedagogia tem sido
interessante recurso para trabalhar com esse “algo” que falta.
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