Mesa 7: A Gestalt-terapia além da clínica - Ampliando fronteiras

Palestrantes: Ingrid Canedo, Madelon Schamarella e Mayla Cosmo.

Moderadora: Paula Nascimento.

 

Resumo:
Esta mesa reflete sobre a prática de gestalt-terapeutas que expandiram sua atuação, saindo do setting terapêutico tradicional, e assim, ampliando suas fronteiras para o campo hospitalar, corporativo e da orientação vocacional.

 

7.1 A Gestalt-terapia e a Orientação Vocacional - Contribuições para uma Prática

Ingrid Canedo

Resumo
A minha vivência enquanto orientadora vocacional e gestalt-terapeuta me
faz refletir sobre a relação existente entre Orientação Vocacional e Abordagem Gestáltica. Descreverei como alguns fundamentos do método gestáltico já são utilizados na prática dos orientadores, e como um maior aprofundamento deste referencial contribui para a compreensão da problemática vocacional.

Proposta
Rodolfo Bohoslasky descreve a orientação vocacional como um processo que se dá frente a uma situação de escolha e que deve levar os orientandos à reflexão sobre a sua problemática vocacional. Nesta modalidade, denominada por ele de orientação vocacional clínica, abandona-se a visão do adolescente como objeto de observação e diagnóstico – reator, levando-o para a posição de sujeito – proator, ou seja, um indivíduo capaz de decidir-se e fazer escolhas. Os testes deixam de ser o centro do processo, sendo substituídos por técnicas que intensificam a participação do orientando e auxiliam a caracterizar a intervenção do psicólogo como de ajuda e não mais, o de fornecedor de respostas prontas. O método passa ser a estratégia clinica onde o centro do processo passa a ser ocupado pelo encontro entre orientador e orientando, criando-se assim, um espaço onde o adolescente poderá elaborar o seu projeto vocacional- ocupacional.

Já Gestalt- Terapia surge enquanto abordagem terapêutica em 1952 com a fundação do “Gestalt Institute of New York” por Frederick e Laura Perls. Seus primeiros fundamentos contudo estão presentes desde 1942 no livro “Ego, Hunder and Agression”, considerado pelo próprio Perls como a sua transição da Psicanálise para a Abordagem Gestáltica. Esta abordagem tem como preocupação básica à promoção do processo de crescimento e desenvolvimento do potencial humano, recebendo diversas influências, entre as mais marcantes, a Psicologia da Gestalt de Max Wertheimer, Wolfang Kohler e Kurt Koffka, a Fenomenologia e a Teoria Organismica de Goldstein.

A Gestalt-terapia e Estratégia Clínica de Orientação Vocacional se fundamentam numa concepção humanística, assim muitos dos pressupostos filosóficos que estruturam a prática do gestalt-terapeuta, encontram-se presentes no dia a dia do orientador vocacional.

Entre estes, podemos destacar a compreensão do homem como:
• um ser responsável e digno de confiança. Capaz de escolher, responsabilizando-se por suas escolhas e tendo por isso liberdade para mudá-las;

• um ser em relação com o mundo, que só pode ser apreendido através de um olhar holístico;

• um ser que busca equilíbrio e auto-realização, organizando-se naturalmente para alcançar suas preferências e satisfazer suas necessidades, através de trocas com o meio;

• um ser que busca respostas existenciais para suas vivências, encontrando-as apenas no seu momento experencial presente;

• um ser voltado para a consciência, ou seja, atento ao mundo que o cerca e a si mesmo.

Na minha prática enquanto gestalt-terapeuta e orientadora vocacional observo como alguns dos conceitos teóricos e metodológicos da gestalt -terapia contribuem para o aprofundamento e compreensão da modalidade clínica de orientação vocacional, assim como auxiliam na construção de um modelo teórico da problemática vocacional. Dentre os diversos aportes teóricos que compõem esta teoria destaco, a capacidade de auto-regulação do organismo (ciclo de contato), o conceito de figura e fundo (parte/todo) e o tripé do método gestáltico: aqui-agora - contato - fluxo de conscientização (awareness).

O ciclo de contato é um conceito fundamental na formulação da Abordagem Gestáltica. Ele provém das influências que Perls recebeu da Teoria Organísmica de Kurt Goldstein. Esta compreende o homem, como um organismo que interage com o meio através do processo de homeostase, estando por isso em constante relação de troca com este.
Tomando por base a frase - “O que quero fazer envolve quem quero ser”, introduzo outro fundamento da Gestalt-terapia: o conceito de figura e fundo - parte/todo. Sabe-se que a estruturação da percepção de um objeto-estímulo se dá a partir de uma figura em relação a um fundo e que a nossa percepção sempre apr eende qualquer estímulo a partir de uma gestalt - visão do todo. A figura é par te de um todo e só pode ser compreendida em relação ao fundo, não existindo sem este.

O gestalt-terapeuta trabalha o tempo todo no aqui-agora do comportamento do cliente. Este se torna, através da relação com o terapeuta, capaz de focalizar suas dificuldades (figuras) e atualizar seu passado (fundo = situações inacabadas), de modo a dar-se conta (conscientizar-se) de como o seu passado aparece em seus comportamentos atuais, impedindo-o muita das vezes de ter relações satisfatórias e prazerosas. A terapia se dá através do contato do sujeito com suas áreas alienadas, suas dificuldades, seus conflitos, sua criatividade, experenciadas no presente da relação terapêutica. O terapeuta, em conjunto com o cliente, dá luz a este processo, levando-o a conscientizar-se e responsabilizar-se cada vez mais, pelo seu si mesmo.

No processo de Orientação Vocacional procura-se levar o orientando a fazer contato com suas dificuldades e possibilidades com relação a sua escolha profissional. Durante as sessões o adolescente descobre o que está interrompendo o seu livre fluir, ou seja, conscientiza-se de como ele está bloqueando o seu processo de se auto-regular e assim se impossibilitando de fechar uma gestalt, que no caso da orientação vocacional é a escolha por uma profissão. As sessões de orientação vocacional fornecem ao orientando um espaço para que ele entre em contato com seus desejos, interesses, aptidões, conflitos, identificações (etapa do autoconhecimento), assim como, com o meio ocupacional e social (etapa da informação profissional). A partir dessas etapas o adolescente torna-se capaz de estabelecer uma nova percepção do seu momento e da sua decisão, tornando-se consciente da sua responsabilidade, e do seu compromisso com suas escolhas.

Ele passa a compreender que sua opção profissional, ou seja, o alcance da sua identidade vocacional-ocupacional se dá a partir de um processo e não de uma resposta, percebendo que a escolha é sua e não do outro e que possui liberdade para mudá-la, já que esta lhe pertence.

Finalizo com a fala de três adolescentes ao final de um trabalho grupal de orientação que resume e complementa o que já foi dito anteriormente:

R. 17 anos - 3º ano do 2º grau: “Quando me perguntam agora o que deu na OV, eu respondo: Deu EU e EU escolhi ser advogado”, A. 17 anos - 3º ano do 2º grau: “Este trabalho foi a melhor coisa que me aconteceu pois eu estou mais consciente de mim mesma e sou capaz de assumir minhas dificuldades e minha necessidade de ter mais tempo para poder optar. O melhor para mim foi ter aprendido a dizer que agora não é o meu momento de escolha”. V. 17 anos - 3º ano do 2º grau: “Eu vou fazer Jornalismo. Entendo que esta é a melhor opção que posso fazer no momento e que tenho a possibilidade de mudá-la mais à frente, caso queira”.

Bibliografia

BOHOSLAVSKY, R. Orientação Vocacional - A Estratégia Clínica. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1981.

FAGAN, J.; SHEPHERD, I.L.Gestalt - Terapia. Teoria, Técnicas e Aplicações, Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1970.

KOFKA, K. Princípios de Psicologia da Gestalt. São Paulo: Ed. Cultrix, 1982.

MULLER, M. Orientação Vocacional - Contribuições Clínicas e Educacionais. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 1988.

PERLS, F. S. Gestalt-terapia Explicada. São Paulo: Summus Editorial, 1977.

PERLS, F. S. Ego, Fome e Agressão – Uma revisão da teoria e do método de Freud. São Paulo: Summus Editorial, 2002.

PERLS, F.S. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular Terapia. Rio de Janeiro, Zahar Ed., 1981.

PIMENTA, S.G. Orientação Vocacional e Decisão. Estudo Crítico da Situação no Brasil. São Paulo: Ed. Loyola, 1981.

POLSTER, M.; POLSTER, E. Gestalt-terapia Integrada. Belo Horizonte: Interlivros Ed., 1979.

RIBEIRO, J.P. Gestalt-terapia: Refazendo um Caminho, São Paulo, Summus Editorial, 1985.

YONTEF, G.M. Processo, Diálogo e Awareness – Ensaios em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus Editorial, 1993.

ZINKER, J. Processo Criativo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus Editorial, 2007.

 


7.2 Avaliação de Desempenho sob um olhar da Gestalt

Madelon Schamarella

Resumo
Esta apresentação foi elaborada sob uma perspectiva da abordagem gestaltica, e reúne reflexões sobre o trabalho de desenvolvimento de pessoas no cenário corporativo, colhidas ao longo da minha trajetória profissional como gestora de profissionais de alta performance e gestora de projetos de desenvolvimento de executivos.

O ponto de partida desta reflexão será o processo de gestão do desempenho existente nas grandes empresas, e que traz em sua metodologia, práticas de aconselhamento, mentoria e coaching, que contribuem para o desenvolvimento pessoal e profissional do empregado, além de promover melhorias em sua performance no trabalho, e conseqüente geração de resultados para a empresa.

Proposta
Uma empresa é um ambiente vivo, que carrega em sua missão e valores, a definição da sua identidade para o mercado, a estratégia de gestão de pessoas e dos seus negócios, e a orientação de conduta a ser praticada por seus profissionais.

Como influenciadores diretos do comportamento, missão e valores corporativos estabelecem também o tipo de relação entre empregador-empregado, não somente pelo contrato formal que fazem entre si, mas pela história de carreira que cada profissional construirá dentro da organização. Relação essa, que será delineada por expectativas, de desempenho, por parte do empregador, e de recompensas por parte do empregado.

O contexto de recompensa aqui abordado, deve ser entendido como reconhecimento, respeito e valorização. Reconhecer o empregado pela dedicação e comprometimento investidos na empresa, é um dos principais fatores de retenção de talentos em uma organização, e um grande fator motivacional para desempenhos de alta performance, é o que aponta recente pesquisa publicada pelo Instituto Gallup.

Cada vez mais profissionais estão optando trabalhar em empresas com práticas justas de reconhecimento; e que tenham um modelo estruturado de gestão de talentos, com reais oportunidades de desenvolvimento e carreira. Além disso, muitos profissionais priorizam projetos que possam desafiar sua capacidade intelectual e de execução, bem como ambientes éticos e íntegros.

O alinhamento das expectativas entre indivíduo e organização é um fator essencial para criação de todos os projetos da área de desenvolvimento de pessoas de uma organização.

Um valioso instrumento de gestão que permite alinhar expectativas, comunicar papéis e responsabilidades e orientar os caminhos de carreira de um profissional, é a Gestão do Desempenho para Resultados. Essa ferramenta é também uma excelente oportunidade para os envolvidos entrarem em contato com aspectos do seu perfil profissional, que impactam no bom desempenho das suas funções, e planejar planos de melhorias que contribuam para o crescimento pessoal e profissional.

A gestão do desempenho deve, periodicamente, possibilitar avaliar quanto os resultados alcançados por cada profissional, no cotidiano das atividades rotineiras e imprevistas que enfrentam, de fato, expressam as competências desejadas pela empresa na busca por resultados. Em geral, as empresas definem competências, considerando três núcleos centrais de conhecimentos essenciais para o bom desempenho das funções:

• Técnicas
– relativas ao conhecimento técnico-específico de uma determinada
área de atuação considerando as especificidades dos diferentes cargos e
responsabilidades;

• Negócio
– conhecimento do mercado e visão das perspectivas futuras de
desenvolvimento do negócio em questão;

• Comportamentais
– habilidades e atitudes que sugerem maturidade e equilíbrio emocional para gerenciar processos, projetos e pessoas.

Orientar e acompanhar o desempenho de um profissional de alta performance é uma atividade educativa e desafiadora, que requer do gestor habilidade para compreender o comportamento humano e suas transformações. Uma das maneiras de orientar o desempenho, e que é objeto de reflexão deste trabalho, é a gestão centrada no diálogo.

Para melhor analisar a importância do diálogo no processo de desenvolvimento de pessoas de alta performance, vamos primeiramente refletir sobre alguns conceitos em gestalt, em especial o conceito do
diálogo.

Sabemos que a Gestalt-terapia busca compreender o homem em sua totalidade, e percebe o comportamento humano como um constante processo de adaptação e busca de equilíbrio; a gestalt considera que a experiência resultante da interação do homem com o meio, proporciona referenciais perceptivos, que integrados, permitem uma consciência estruturada e clara dos acontecimentos que experimentamos.

Tendemos a lidar com a nossa realidade de forma criativa, porque somos
constantemente estimulados a descobrir algo novo para nos adaptarmos ao meio.

Possuímos recursos próprios que nos possibilita novas descobertas pessoais.

Entre esses recursos podemos destacar: flexibilidade, a capacidade de avaliar a realidade experimentando novas possibilidades, aceitação de críticas e ausência de preconceitos.

Partindo do princípio de que mudar, crescer e aprender no decurso da vida depende da criatividade; podemos afirmar que somos indivíduos capazes de admitir novos padrões de comportamento, avançando na direção do novo, a partir dos nossos próprios recursos internos. Essa evolução, entretanto, torna-se possível na relação, e pelo diálogo existencial, onde o terapeuta funciona como pessoa, engajando-se para construir um ambiente que permita o outro explorar seus sentidos de forma criativa, trazendo awareness pela experiência dos fenômenos vivenciados.

O diálogo em gestalt sugere ao terapeuta, estar inteiro na relação, posicionando-se de forma isenta de julgamentos ou interpretações. Quando o terapeuta se inclui como pessoa, ele trabalha para favorecer um ambiente mais aware ao paciente, a partir do compartilhar da experiência vivida. A presença do terapeuta deve ser colaborativa visando o encorajamento do paciente a ser quem é, até ele chegar ao seu objetivo de desenvolvimento.

Assim como para a Gestalt-terapia, o diálogo, no cenário corporativo, tem propósitos muito semelhantes, no que tange ao crescimento individual. Na orientação do desempenho, o diálogo traz para o profissional a
aware sobre o que ele está fazendo, como está fazendo, e possíveis caminhos para melhorar sua performance e transformar seu comportamento. A experiência de conhecer e aceitar o modo de funcionamento do outro, é fundamental no processo de orientação, por parte do gestor, uma vez que estabelece uma relação de confiança e aceitação, essencial para o processo de aprendizagem e crescimento.

No cenário corporativo o diálogo é a fundamentação para diversas metodologias de orientação de desempenho. Analisando as diferentes metodologias dialógicas praticadas nas empresas, fica possível constatar que cada uma possui objetivos próprios que refletem em diferentes resultados.

No processo de aconselhamento, cabe ao gestor a orientação baseada na recomendação de ações que mais se aproximem ao perfil e necessidades do profissional. Este método, em geral, não é efetivo para o processo de orientação do desempenho.

O mentoring também é uma forma de aconselhamento, onde o mentor se utiliza da sua própria vivência para compartilhar conhecimentos e orientar os objetivos de carreira. Pode-se dizer que o mentoring também não é o método mais efetivo para orientar performance.

No processo de coaching, o gestor por meio de perguntas assertivas, facilita o profissional a perceber novas possibilidades para as questões que o impedem de avançar em seus objetivos, possibilitando awareness
a partir da experimentação das possibilidades.

O coaching é também uma metodologia estruturada que inclui uma análise mais ampla de novos caminhos, permitindo ao profissional a escolha consciente pelo melhor percurso a percorrer; além da definição de uma estratégia clara de desenvolvimento. A escolha consciente torna-se possível pela aware sobre sua própria existência, evidenciada na relação de confiança estabelecida com o gestor, e que é base para o início de um processo de coaching.

Em geral, o gestor-coach, ou coach, acompanha o desempenho do profissional de forma colaborativa e engajadora, oferecendo suporte para que as transformações advindas do processo sejam facilmente adaptadas a sua rotina de vida. O coach não é, portanto um aconselhador, mas sim um facilitador que caminha junto com seu cliente, em uma relação de parceria e confirmação, e que valoriza o estímulo pela descoberta de si mesmo como estratégia de sucesso.

A prática do coaching nas organizações tem sido uma estratégia vencedora de orientação do desempenho, principalmente em executivos e profissionais de alta performance. A experiência de aplicar coach em determinados profissionais me faz buscar um ponto intermediário entre minha experiência como gestalt-terapeuta na clínica, e meu papel como profissional de desenvolvimento de pessoas nas empresas. De fato, o limite entre essas duas fronteiras é bem estreito, entretanto, o ponto de partida que faço para conduzir um trabalho de coaching, sendo uma gestalt-terapeuta, é a escuta ativa sobre a demanda, e a disponibilidade em
estar presente inteiramente na relação dialógica, estabelecendo total interação com o cliente, aceitando suas possibilidades e necessidades, sem uma intenção manipulativa.

Certamente, a formação em gestalt favorece um melhor aproveitamento do meu trabalho como coach. Em alguns momentos, se faz necessário utilizar um diálogo assertivo e franco mesmo que isso envolva uma não-confirmação aparente.

Constatei na minha prática profissional, que confirmar o cliente, em muitos momentos é não confirmá-lo, e que estar desta escolha, traz segurança e aware estímulo para o cliente seguir na direção do seu crescimento.

Pude observar em minha experiência prática na orientação dentro das empresas, que a transformação do outro podia ser mais facilmente alcançada, quando a relação dialógica tinha no coach a figura da pessoa. A percepção do outro que diante dele está uma pessoa que compartilha suas próprias experiências, traz um novo sentido de organização da sua própria existência, na busca por uma forma de poder ser autêntico e responsável por si mesmo. E isso é Gestalt.

Referência bibliográfica

DARTIGUES, A. O que é a fenomenologia? Rio de Janeiro: Eldorado, 1973,p. 33 – 89.

PERLS, F. A abordagem fenomenológica e testemunha ocular da terapia Rio de Janeiro: LTC, 1988.

RIBEIRO, J.P. Gestalt – refazendo um caminho. Gestalt terapia e fenomenologia São Paulo: Summus, 1994, p. 42-65.

YONTEF, G.M. Processo, diálogo e awareness . Ensaios em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1998.


7.3. A Gestalt-terapia além da clínica – Ampliando fronteiras – Interfaces entre a Gestalt-terapia e a Psicologia Hospitalar.

Mayla Cosmo

Resumo
O objetivo desta apresentação é relacionar os princípios e técnicas da Gestalt-terapia ao trabalho do psicólogo clínico em hospitais, que é prestar assistência psicológica ao paciente e família, entendidos como uma Unidade de Cuidados.
O atendimento se dá à luz da perspectiva holística, da auto-regulação organísmica e dos princípios da relação dialógica.

Proposta
O objetivo desta apresentação é relacionar os princípios e técnicas da Gestalt-terapia ao trabalho do psicólogo clínico em hospitais, que é prestar assistência psicológica ao paciente e família, entendidos como uma Unidade de Cuidados.

O trabalho do psicólogo hospitalar vem ganhando cada vez mais espaço e importância em função da mudança de paradigma em saúde (que vem valorizando, além dos aspectos físicos, o emocional, social, cultural e espiritual) e dos avanços técnico-científicos que trazem em seu bojo dilemas éticos e bioéticos.

Romano (2001) afirma que o ser-humano é resultante de vetores biopsicossociais. O biológico no processo de doença está em desequilíbrio. O psíquico é resultante, por sua vez, de outros vetores, tais como a estrutura de personalidade e a interpretação da antecipação e da vivência dos acontecimentos (isto é, do imaginário e do real). O social compreende a família, a sociedade em seu sentido mais amplo (os amigos, o trabalho, etc.) e também a equipe dos profissionais que se relacionam com o paciente.

Portanto, é necessário compreender o significado biográfico do padecimento, conforme destaca Valejjo (apud ROMANO, 1999): “(…) ao invés de doenças, existem doentes. Independentemente da etiologia, a doença está encravada na biografia do doente (...) e tem um ciclo vital que se modifica, não tem só uma causa,e, o mais importante, traz consigo um sentimento, tem um significado que influi, altera, determina seu próprio curso”.

Ao lado de todo progresso técnico-científico da medicina nos últimos anos, tem-se um movimento que resgata a assistência humanizada, com base na visão integral do ser humano. Daí a importância do psicólogo hospitalar, cuja tarefa é focalizada totalmente na atenção direta ao paciente e a sua família (ROMANO, 1999).

Os objetivos da assistência psicológica no hospital, de maneira geral, são:

• Intermediar a relação equipe / paciente / família;

• Identificar as necessidades dos pacientes e das famílias a fim de minimizar ansiedade e desencontros de informações gerados pela hospitalização e adoecimento;

• Atuar de forma preventiva e profilática sobre os fatores de risco para as doenças, em sua maioria comportamentais;

• Sensibilizar equipe de saúde para um “novo olhar” sobre o paciente e família.

• Identificar os aspectos psicossociais do paciente

• Proporcionar expressões de sentimentos e emoções

• Promover acolhimento

A internação significa, para o paciente, uma interrupção em sua rotina, geralmente de forma abrupta. Ao chegar ao hospital, este precisa submeter-se a atividades e regras pré-estabelecidas (horário do banho, das refeições, sequência de exames, etc), havendo uma despersonalização e sensação de perda do auto-controle.

Ficar doente é um confronto com a vulnerabilidade do corpo e com a temporalidade da vida. O psicólogo deve procurar a compreensão da dimensão da doença na vida do paciente e de sua família.

A adaptação do indivíduo à internação depende: da personalidade, de sua história de vida, de como ocorreu a internação, seu prognóstico, e também da relação médico-paciente.

A visão de totalidade do ser humano orienta a busca pela compreensão da doença na sua multidimensionalidade (bio-psico-ambiental). Na Gestalt-terapia, o indivíduo é visto como um ser relacional, em constante troca criativa com o meio.

De acordo com Ribeiro (2007), encontra-se na literatura gestáltica a denominação do ser humano como um “organismo total”, ou seja, a pessoa vive no mundo num constante processo de auto-regulação organísmica. O ser humano é um organismo vivo, em processo de inter-relação com o meio (LUCCA, 2007).

“Pela auto-regulação, a necessidade predominante é a que, de alguma forma, organiza nossa percepção e faz algo se transformar em figura, abrindo assim um novo ciclo de experiência. A figura emerge de um fundo, contrasta com ele e clama pela satisfação de uma necessidade.” (op cit, p. 31).

Diante do atendimento aos pacientes e suas famílias, o gestalt-terapeuta deve ajudá-los a discriminar o que é figura no momento e o que fazer para satisfazer as necessidades daí advindas.

Perls (1997) ressalta que em sua interação com o mundo, o ser humano vai construindo diversas formas de estar e relacionar-se, denominadas de ajustamentos criativos. Estes podem se apresentar de formas mais ou menos saudáveis. Em função da vulnerabilidade física e psíquica durante a internação, percebe-se que muitos pacientes apresentam reações de medo, ansiedade e angústia, entendidos como ajustamentos criativos, nem sempre saudáveis.

Mendonça (2007) afirma que no ajustamento saudável “a criatividade pode ser entendida como a posse pelo indivíduo da aptidão de se orientar pelas novas exigências das circunstâncias, possibilitando uma ação transformadora”. No ajustamento não saudável, o indivíduo mostra-se incapaz de satisfazer suas necessidades e em permanente estado de desequilíbrio e tensão (MENDONÇA, 2007).

Um outro instrumento terapêutico fundamental da GT para o trabalho em hospitais é a, o processo de estar em contato vigilante com os eventos awareness mais importantes do campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensório-motor, emocional, cognitivo e energético (YONTEF, 1998, p. 31). Laura Perls (1973 apud YONTEF, 1998) acrescenta que:

“O objetivo da GT é o continuum da awareness, a formação continuada e livre de Gestalt, onde aquilo que for o principal interesse e ocupação do organismo, do relacionamento, do grupo ou da sociedade se torne gestalt, que venha para o primeiro plano, e que possa ser integralmente experienciado e lidado (...) para que então possa fundir-se com o segundo plano (ser esquecido, ou assimilado e integrado) e deixar o primeiro plano livre para a próxima gestalt relevante.”

Trabalhar para que o paciente se torne aware é um dos objetivos da atuação do gestalt-terapeuta. Como diz Yontef (op cit) a pessoa que está aware, sabe o que faz, como faz, tem alternativas e escolhe ser como é. A
Awareness tira o paciente de seu lugar passivo e o faz apropriar-se de sua situação, de sua doença.

Entretanto, é importante ressaltar que o trabalho em hospitais exige flexibilização e adaptação, principalmente no que diz respeito ao modelo clínico. Este não pode ser transposto ao setting hospitalar, em função das
diversas variáveis que o compõem, tais como: interrupções, falta de privacidade, interferência de aparelhos, medicamentos, etc. Porém, a marca do gestalt-terapeuta aparece na postura dialógica, na forma como busca relacionar-se com o paciente, sua família e equipe de saúde, entendendo que cada um tem uma forma única e singular de apreender os significados da doença e internação.

Para nos afastar da gama de sentimentos que surgem, podemos reagir defensivamente, comprometendo a relação. Por isso, é preciso dar voz ao paciente e estar disponível para entrar na “experiência subjetiva” deste, deixando de lado temporariamente nossa visão do mundo, conceitos, valores e preconceitos, para construir junto com ele a melhor forma de enfrentar a situação. Só assim seremos capazes de estabelecer uma escuta empática e oferecer uma assistência humanizada. Isso requer esforço, envolvimento e compromisso.

Bibliografia

LUCCA, F de. Auto-regulação organísmica. In: D’ACRI, G; LIMA, P; ORGLER,S. (orgs). Dicionário de Gestalt-terapia: Gestaltês. São Paulo:Summus, 2007.

MEND ONÇA, M.M. Ajustamento criativo. In: D ’ACRI, G; LIMA, P; ORGLER,S. (orgs). Dicionário de Gestalt-terapia: Gestaltês. São Paulo: Summus, 2007.

PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997.

RIBEIRO, E.C. A questão da psicossomática à luz da fenomenologia-existencial e da abordagem gestáltica. Revista IGT na Rede, v. 4, nº 7, 2007, p. 158-166. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs. Acesso em 30/10/2009.

ROMANO, B.W. Psicologia e Cardiologia – encontros possíveis. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.
_____________ Princípios para a prática da psicologia em hospitais
. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

YONTEF, G.M. Processo, diálogo, awareness. São Paulo: Summus, 1998.