Workshop 2: Experienciando a dimensão corporal.

 

Eliane de Oliveira Farah

 


Resumo:
A dimensão do corpo será apresentada como uma condição fundamental para a concretização da orientação fenomenológica da Gestalt-terapia, em sua busca de ampliação de awareness.
Para tal, serão propostos exercícios de consciência corporal e integração dos níveis da experiência organísmica.

 

Proposta
A referência ao dar-se conta das sensações e sentimentos é um ponto essencial em qualquer livro sobre Gestalt-terapia, seja ele introdutório ou de conteúdo avançado, bem como é tema obrigatório em todo e qualquer curso de introdução ou formação dessa abordagem.

Todavia, tenho observado que na prática cotidiana dos consultórios pouco se enfatizada a experiência do corpo. Isso é reforçado pelo relato de atendimentos dos terapeutas, nas supervisões que realizo, bem como na configuração dos consultórios que muitas vezes tem espaço apenas para duas pessoas sentadas, isto é, onde é impossível qualquer trabalho que exija movimentos corporais mais amplos ou permita ao cliente ficar deitado para o trabalho com a respiração.

Como é possível dizer-se orientado por uma abordagem organísmica, sem que o trabalho com o corpo possa ser favorecido plenamente?

Chamo de favorecimento pleno do trabalho com o corpo, especialmente, à possibilidade de exploração da função de contato movimento a qual, acredito ser negligenciada em favor das outras funções de contato, especialmente a fala.

O terapeuta olha para o corpo do cliente, mas pouco oferece a ele em termos de experimentação de seu corpo.

Como sugerem Polster & Polster (2001):

“Existem dois passos principais quando se trabalha com o movimento. Um deles é chamar a atenção para os aspectos observáveis do movimento conforme eles aparecem no primeiro plano. O outro é criar um experimento que proporcione a oportunidade de acompanhar as direções sugeridas por seu movimento ou pelas palavras que possam ter acompanhado o movimento.” (p. 167)

Acredito que muitos gestalt-terapeutas não passem do primeiro passo. Mas exatamente qual a razão para a ênfase na experiência corporal?

Em primeiro lugar devemos chamar a atenção para o fato de que a GT é uma abordagem holística e organísmica e isso significa a inclusão do corpo em todas as suas possibilidades.

Laura Perls (apud Ginger, 2007), afirma:

“Há um ponto que eu jamais sublinharei bastante: o trabalho corporal faz parte integrante da Gestalt-terapia. A gestalt é uma terapia holística – o que significa que ela leva em conta o organismo total e não simplesmente a voz, a ação, ou seja, lá o que for.” (p. 124)

Em segundo lugar assinalamos que ter a Fenomenologia como uma de suas bases filosóficas, indica que a GT enfatiza o fenômeno tal qual ele acontece aqui-agora, o que implica que em termos práticos é a experiência imediata do corpo que expressa o agora e como da realidade organísmica.

Também devemos levar em conta que para a GT o self é conceituado como um sistema de contatos na fronteira organismo/ambiente e: “integra sempre funções perceptivo-proprioceptivas, funções motor-musculares e necessidades orgânicas. (...) Expressando isso de outra maneira: é o órgão sensorial que percebe, é o músculo que se movimenta, é o órgão vegetativo que sofre de um excedente ou de um déficit; mas é o organismo-como-um todo em contato com o ambiente que é consciente, manipula e sente.” (PHG, 1997, p. 179-180)

Isso significa que entender o organismo como um todo não significa menosprezar suas partes e sim abordá-las como integradas a um todo e em interação com o ambiente.

É do conhecimento de qualquer gestalt-terapeuta o fato de que o ciclo de contato, isto é, a sequência de ajustamentos que o organismo precisa fazer em busca da auto-regulação, é iniciado pela emergência de uma necessidade, o que só é possível pela consciência das sensações. PHG (1997) descrevem esse momento, o contatar, como sendo a passagem da função conservadora de auto-regulação do organismo (fisiologia) para a função de ajustamento criativo do self. O fundo, de onde as figuras emergem, vai se deslocando do organismo para o ambiente, até que no momento do contato organismo e ambiente formem uma totalidade.

Uma vez que é a consciência das sensações que permite direcionar os movimentos de ajustamentos criativos do organismo e seu campo, para a assimilação da novidade e crescimento do organismo, e uma vez que é no corpo que as sensações se mostram como figuras, é de extrema importância a atenção sobre as excitações ou pré-contatos. Portanto, investigar o como e para quê a consciência das sensações é interrompida é essencial para o processo de contatar.

PHG (1997) chamam a atenção para esse aspecto: “Assim, as situações fisiológicas inacabadas excitam com periodicidade a fronteira de contato devido a algum déficit ou excesso, e essa periodicidade se aplica a todas as funções, seja metabolismo, a necessidade de orgasmo, a necessidade de dividir, a de exercitar ou repousar etc.; e todas estas ocorrem no self sob a forma de anseios ou apetite, fome, ânsia de excretar, sexualidade, cansaço etc.” (p. 206)

Quanto maior o grau de neurose da pessoa, tanto mais suas situações fisiológicas se manterão inacabadas, fato decorrente da fixação em esquemas obsoletos de tentativas de auto-regulação, isto é, na confluência neurótica, num “apego a um comportamento consumado para obter satisfação, é como se a nova excitação fosse roubá-lo” (PHG, 1997, p. 252), evitando assim a experiência do contato que trás a novidade e com isso ameaça os sistemas rígidos de ajustamentos. No pré-contato o self está diminuído e a função organísmica predominante é do id. É um estado de não-contato. Mente e corpo, organismo e ambiente se polarizam.

Segundo Kepner (2001): “Nós cindimos nosso organismo em um ‘Eu’ que consiste em pensamentos e verbalizações e em um ‘isso’ que consiste em sentimentos e expressões não-verbais. Nós, então, experienciamos muito daquilo que vem em forma de experiência corporal como alienado do self e, portanto, irracional e experienciamos muito daquilo que vem na forma de pensamento e expressão verbal como racional e, sendo assim, aceitável para a nossa auto-imagem. (...) desapropriar os aspectos ou funções do self, requer que desapropriemos aspectos corporais do self que estão envolvidos.” (p. 14)

Perls (1981) define a saúde e a maturidade psicológicas como sendo a capacidade de emergir do apoio e da regulação ambientais para um auto-apoio e uma auto-regulação. Para ele o processo terapêutico representa um esforço na direção desta emergência e o elemento crucial no auto-apoio e na auto-regulação é o equilíbrio.

Perls considera o ritmo de contato/fuga com o meio ambiente como componente principal do equilíbrio do organismo e defende que a imaturidade e a neurose implicam numa percepção imprópria do que constitui este ritmo ou uma incapacidade de regular seu equilíbrio. Segundo ele, as condições para realizar esse equilíbrio envolvem uma conscientização desobstruída da hierarquia de necessidades e isso, em última análise, só é possível através da consciência corporal.


O principal objetivo da GT é o de ajudar o cliente a alcançar awareness, e para isso o gestalt-terapeuta deve auxiliá-lo no desenvolvimento de uma atitude permanente para alcançá-la, a partir de um investimento na congruência entre o pensar, o sentir e o agir.

Em termos práticos, o cliente deve aprender a discriminar sensações e sentimentos, identificar quais necessidades estão relacionados a esses e se responsabilizar pela satisfação dessas necessidades.

Do ponto de vista terapêutico, o trabalho com o corpo tem como objetivo principal a integração do todo da experiência organísmica e pode se constituir na utilização de uma infinidade de possibilidades de exercícios, que tenham como propósito específico aumentar a consciência da pessoa sobre o significado de uma postura particular ou de uma tensão, sempre com o apoio na respiração.

PHG (1997) apontam a importância da respiração no processo de contato ao lembrar que embora ela seja uma função fisiológica, sua ligação com o ambiente é tão contínua que exemplifica de forma inequívoca que o organismo e o ambiente formam um campo.

Desse modo, todo e qualquer distúrbio na relação organismo/ambiente se expressa na função respiratória o que é descrito, na mesma obra, onde os autores justificam a relevância da respiração no processo terapêutico, afirmando que:

“E assim, a ansiedade, a perturbação da respiração, acompanha qualquer distúrbio da função-self; desse modo, o primeiro passo na terapia é entrar em contato com a respiração”. (op cit, p. 206)

O experimento com o corpo não busca a interpretação da postura ou da tensão e sim o significado, o sentido desses, como tentativa de ajustamento criativo.

Não visa à mudança da estrutura corporal, busca através da consciência da postura corporal a ampliação da awareness e a possibilidade do sujeito atualizar suas experiências organísmicas no aqui-agora e assim ajudá-lo a fazer escolhas mais congruentes com a sua busca de auto-regulação.

É claro que a consciência corporal não é suficiente para a awareness, mas é somente a partir dela que a experiência autêntica do organismo pode ser revelada.

Tampouco, estamos aqui enfatizando o Experimento em detrimento do dialógico, ambos os métodos são igualmente relevantes para a GT, mas sem o trabalho com o corpo a prática da GT se torna um eterno “falar sobre”. Sem o trabalho com o corpo a GT deixa de ser fenomenológica e passa a ser apenas existencial.

Um trabalho não seguido de uma partilha verbal deixa geralmente emocional poucos traços duráveis e exploráveis – enquanto que um trabalho verbal não acompanhado de uma participação emocional e corporal acarreta poucas modificações profundas a curto prazo e necessita de muitas repetições. Só a – emoção e verbalização – parece permitir transformações ao conjunção dos dois mesmo tempo rápidas, profundas e duráveis. (GINGER, 2007, p. 138-139, grifos do autor)

Desse modo, a proposta do presente workshop é o de favorecer a experimentação de alguns exercícios de consciência corporal como tentativa de fortalecimento de uma atitude de valorização do trabalho corporal por parte dos gestalt-terapeutas.


Bibliografia

GINGER, S. Gestalt: a arte do contato. Petrópolis:Editora Vozes, 2007.

KEPNER, J.I. Body Process: A Gestalt Approach to Working with the Body in Psychotherapy. Santa Cruz, CA: GestaltPress, 2001.

PERLS, F. HEFFERLINE, R. GOODMAN, P. Gestalt-terapia. São Paulo: Editora Summus, 1977.

PERLS, F. Abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia. Rio de Janeiro:Zahar, 1981.

POLSTER, M.;POLSTER, E. Gestalt-terapia integrada. São Paulo, Editora Summus, 2001.