Mini curso 3: A busca da boa-forma: construindo possibilidades através do vazio fértil

 

Daniel Canguçú de Mesquita Sá

 

Resumo

A experiência com o vazio fértil pode promover o fechamento de gestalten abertas, bem como facilitar contato com a energia criativa em busca de uma boa forma, favorecendo o organismo em harmonia ao desenvolvimento de novos padrões e possibilidades de interação - congruente com o que é, sente, experiencia e faz.

 

Proposta

A abordagem gestáltica acredita que a tomada de consciência é o caminho para o crescimento e desenvolvimento humano. Esse dar-se conta refere-se a capacidade do indivíduo estar atento a como se relaciona com o mundo no momento presente em nível corporal, cognitivo e emocional. Para que esse processo aconteça é necessário que a pessoa amplie sua percepção de como faz contato com suas necessidades e como busca atendê-las. De acordo com Perls (1988), sem dar-se conta, não há conhecimento ou habilidade de escolha, o que compromete diretamente a liberdade de ação do indivíduo.

Nossa abordagem é orientada pela filosofia existencialista que acredita que o homem enquanto ser responsável por suas próprias escolhas tem a possibilidade tanto de se habituar a padrões de comportamentos repetitivos, quanto fazer contato com seu impulso transformador, que promove interação, crescimento e fluidez.

“A Gestalt-terapia é um método para compreender e possivelmente mudar a nós mesmos como seres criativos. antes que qualquer coisa possa brotar da terra, é preciso compreender a configuração do solo, e
estar disposto a limpar as pedrinhas e a arar bem o terreno.” (ZINKER, 2001)

A partir dessa crença supõe-se que a pessoa quando em harmonia e integrada seorienta de forma funcional e é capaz de mobilizar energia suficiente para atender suas necessidades e fazer uma entre tantas escolhas que satisfaça aquilo que é imprescindível para seu desenvolvimento físico e emocional em um determinado momento. E mesmo quando ela se desloca de maneira inadequada, está à procura de sua boa forma.

Entretanto, existem necessidades que por motivos diversos não podem ser atendidas e ficam inacabadas “pedindo” por fechamento. Além disso, é comum haver mais de uma necessidade no campo experiencial e essas várias demandas quando incompatíveis também não podem ser concluidas. Essas interrupções geram conflitos internos, ou seja, impasses que paralisam, impedem ou dificultam a tomada de consciência e o poder de decisão.

“a repetição compulsiva... é uma tentativa de lidar com uma situação difícil. As repetições são investimentos no sentido da complementação de uma gestalt de modo a liberar as energias para o crescimento e desenvolvimento. As situações inacabadas impedem o trabalho; são empecilhos no caminho da maturação.” (PERLS, 1988)

A retenção do processo de mudança ocupa o indivíduo com o passado não resolvido e se transforma em padrões e repertórios empobrecidos e/ou repetidos.

O preço pago pela retomada do movimento é abrir mão de conceitos, crenças, hábitos e ações que impedem o sujeito de vislumbrar outras formas de ser e estar no mundo, e prejudicam o crescimento e o contato positivo através de respostas inadequadas ou pouco integradas.

Os gestalt-terapeutas acreditam que o direcionamento fluido da energia organísmica é fértil. Porém, muitas vezes o indivíduo limita seu potencial de crescimento ao introjetar crenças que fazem com que ele responda de maneira igual ou desatualizada a novos estímulos. O livre fluxo pode ser facilitado no terapêutico através do trabalho vivencial com situações inacabadas que tem setting como objetivo buscar no momento presente soluções para vivências do passado que continuam a gastar energia vindo a tona sem chegar definitivamente ao fim.

A terapia é o lugar adequado e protegido onde é possível ter o suporte necessário para reexperienciar sentimentos, sensações, pensamentos e comportamentos do passado que ainda se fazem presentes através de comportamentos repetitivos que geram grandes frustrações.

“Existem algumas pessoas que incentivam os outros a explorar sua novidade e a interagir com elas, e desse modo essas pessoas crescem. Existem outras que permanecem fechadas, permitindo apenas um
contato mínimo nas fronteiras do eu, mantendo a separação e não permitindo o crescimento.” (POLSTER, 2001)

De acordo com Polster (2001) é importante ressaltar que “todas as pessoas administram sua energia de modo a obter um bom contato com seu ambiente ou para resistir ao contato”.

Em relação ao processo terapêutico, reviver em ato uma situação inacabada, pode ser o início do processo de fechamento de antigas pendências organísmicas. Perls (1988) compreende uma gestalt aberta, algo que: “ainda está vivo e interrompido, esperando pra ser assimilado e integrado. É aqui e agora, no presente, que esta assimilação deve ocorrer.” Os terapeutas gestálticos acreditam que o fechamento de situações inacabadas provoca mudanças e altera comportamentos tornando-os mais harmônicos e integrados. Quando há conclusão daquilo que é pendente e gasta energia vital, a pessoa avança, abandona posturas
antigas e disfuncionais e se abre livremente para novas perspectivas, ampliando sua capacidade de escolha.

Hycner & Jacobs (1997) chamam atenção para a atitude zen que influencia a prática clínica da abordagem gestáltica, que acredita que com o esvaziamento do self um vazio criativo pode se instalar permitindo a possibilidade de preenchimento pela experiência do encontro. Porém, para haver abertura para essa energia criativa, a pessoa precisa se organizar em busca da boa forma que significa ser congruente com que se é, com aquilo que sente, com a forma como experiencia e age. Assim, é possível desenvolver padrões mais assertivos e ampliar as formas de interação. Segundo Ponciano (1985): “Sem vazio,... sem o nada, não
existe mudança. O vazio é o momento que antecede a criação.”

“O vazio em minhas mãos significa tudo em minhas mãos: a própria fonte de onde tudo nasce e para onde tudo volta, retorna. O vazio em minhas mãos significa tudo em minhas mãos.” (RAJNESH 1975, apud
PONCIANO, 1985)

Ainda de acordo com Ponciano (1985): “desfazer significa destruir, desmanchar algo já existente, significa ir contra o movimento presente nas coisas, ao passo que fazer significa criar, apontar caminho novo ou diferente”. Esta mudança envolve a necessidade do contato com o ‘novo’, com o vazio fértil de possibilidades; confrontando introjeções, conjecturas e construções que demandam e consomem energia sem proatividade.

O pressuposto que direciona este Mini-curso é a crença que toda experiência é responsável por construir a histór ia de vida de uma pessoa. Sendo assim, tudo o que é experienciado contém sabedoria e produz aprendizado. Creio que se o indivíduo é capaz de reverenciar sua caminhada e os momentos determinantes de sua biografi a é possív el que ele reconheça que qualquer situação tem no mínimo dois pólos, aquele inicialmente considerado “positivo” e o outro considerado “negativo”. Reconhecer que aquilo que ficou cristalizado como “ruim” em uma experiência tem seu lado “bom” e vice- versa é um passo importante para u m contato integral onde todas as perspectivas podem ser consideradas.

Este mini-curso tem como objetivo refletir acerca das técnicas e experimentos em Gestalt-terapia utilizando como norteador o ciclo do contato. O ciclo do contato ser á usado pedagogicamente com propósito de tornar mais explícito como as interrupções e impedimentos se transformam em gestalten abertas, deixando necessidades não atendidas e desejos incompletos “clamando” por fechamento.

Acreditando que quando uma gestalt fica incompleta ela continua mobilizando energia do organismo para que aja uma ação que a conclua, trabalharei utilizando recursos teóricos e práticos que facilitem a percepção e exploração de uma situação inacabada de cada integrante do grupo, com objetivo de tornar mais consciente qual é a sua necessidade não atendida e de quais são as possibilidades de resolução e fechamento. Suponho que se o indivíduo consegue manter algum distanciamento da situação que o paralisa pode ampliar sua consciência e estar mais atento na forma como se relaciona consigo, com os outros e com o mundo. Estender a visão é importante para o movimento rumo ao novo. É através do processo de awareness que a pessoa pode escolher ações congruentes com aquilo que precisa no momento presente.

Este trabalho pretende ajudar seus participantes a buscar teórica e metodologicamente o contato criativo e desenvolver recursos integrados através da ampliação das fronteiras de contato. Neste trabalho darei foco a importância do esvaziar-se de “certezas”, crenças e abrir mão de velhos padrões para que seja possível experimentar a novidade. O objetivo deste trabalho é promover a awareness necessária par a que a pessoa possa evoluir de uma auto-regulação deverística - a partir de um maior contato com suas necessidades, sentimentos e sensações - para uma maior capacidade de experienciar e permanecer em contato com uma forma de auto-regulação que priorize o organismo total.

Para isso, compartilharei intervenções que facilitem um dar-se conta congruente com as necessidades organísmicas indo em direção a conclusão de gestalten abertas – ajudando o grupo a perceber a importância de se atender as necessidades no momento em que estas ocorrem e fluir de modo a satisfazê-las de acordo com sua hierarquia de prioridades, e assim, transformar figuras ‘congeladas’ em fundo harmonicamente. Abrindo espaço para outras figuras de maior pertinência e melhor qualidade energética. Acredito que ao ter clareza de como se relaciona no mundo e de como se interrompe a pessoa pode satisfazer
suas necessidades, ampliar habilidades e assim iniciar u m processo de busca da “boa forma”.

 

Referência bibliográfica

HYCNER, R. JACOBS, L. Relação e cura em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997.

HYCNER, R. De pessoa a pessoa. São Paulo: Summus, 1995.

PERLS, F.S. A abordagem gestáltica; testemunha ocular da terapia. São Paulo: Summus, 1988.

PERLS, F.S. Escarafunchando Fritz. São Paulo: Summus, 1979.

POLSTER, E.; POLSTER, M. Gestalt-terapia integrada. São Paulo: Summus, 2001.

RIBEIRO, J.P. O ciclo do contato: Temas básicos na abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 1997.

RIBEIRO, J.P. Gestalt-terapia: Refazendo um caminho. São Paulo: Summus, 1985.

ZINKER, J. Processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007.

ZINKER, J. A busca da elegância em psicoterapia. São Paulo: Summus, 2001.