Fórum 1: Por uma “Tropa de elite” - uma experiência gestáltica de supervisão em grupo.

 

Renata Escarlate C. Neto, Cláudia Muniz Vieira e Suelen P. R. Cernadas

 

Resumo
O presente trabalho visa à reflexão e o debate sobre a contribuição e a relevância da supervisão gestáltica em grupo onde as interações relacionais contribuem para o crescimento profissional dos gestalt-terapeutas.

 

Proposta
O presente trabalho tem como proposta promover a discussão acerca da contribuição da experiência de supervisão em grupo, na abordagem gestáltica, no treinamento e evolução das práticas clínicas dos gestalt-terapeutas, através do compartilhamento, debate, observação, percepção e criatividade de um grupo voluntário e emocionalmente disponível.

Quando falamos em supervisão clínica, muitas vezes o enfoque principal da supervisão é o caso clínico, o proceder terapêutico ou a relação terapeuta-cliente.

O grande diferencial deste trabalho de supervisão clínica gestáltica é o foco no terapeuta, no “ser-no-mundo” do terapeuta, em suas possibilidades, impasses e em como seus casos clínicos o refletem: é uma observação e um questionamento constante de como o próprio terapeuta faz contato, tanto na relação terapeuta-cliente, quanto nas relações terapeuta-supervisor, terapeuta-colegas, individualmente e terapeuta com seu grupo emocional.

O grupo
O princípio desta reflexão é a análise dos processos grupais: “Não se pode dizer que existe um grupo só porque pessoas foram colocadas juntas em algum lugar. Todo grupo é um sistema único com um caráter próprio e especial e uma noção peculiar da própria força; um conglomerado de energias emanadas por seus membros individuais, inter-relacionadas num padrão sistemático. É um todo, uma entidade, uma Gestalt cuja natureza é maior do que a soma de suas várias partes.” (ZINKER, p. 178, 2007)

Por isso o trocadilho com o nome do filme de José Padilha, de 2007: “Tropa de Elite”. Segundo a Enciclopédia livre Wikipédia, é um termo militar que se refere a unidades treinadas de forma especial e especialmente exigente, para que somente os soldados mais qualificados se destaquem em ações militares de forma decisiva.

Como nos grupos militares, nos grupos de supervisão gestáltica destaca-se a necessidade de construção de um pensamento clínico, uma afinidade entre seus membros e entre os membros e o supervisor, a serviço de um objetivo comum a todos: o crescimento emocional do terapeuta.

Como aquele, este grupo precisa ser caracterizado por suas relações e seu empenho em trabalhar as relações para que, de fato, seus membros tenham suas habilidades cuidadosamente desenvolvidas.

Para tanto, torna-se fundamental a existência de um líder grupal (supervisor) especialmente sintonizado com seu grupo: “Esse esforço cooperativo requer, por parte do grupo, aceitação e consideração por seus membros individuais; e requer do líder a habilidade especial de transformar os talentos e as resistências do grupo
em um sentimento de comunidade unificada. (...) O líder gestáltico, portanto, precisa se manter continuamente sensível ao leque emocional e estético do grupo.” (ZINKER, p. 178, 2007)

Claro que os processos de um grupo de supervisão, como todos os processos grupais, não se dão sem conflitos: as relações, de forma geral pressupõem o encontro e os encontros pressupõem ajustamentos, diálogo, afinação. Não buscamos a integração do grupo a qualquer custo, menos ainda uma integração prematura, por isso o trabalho grupal precisa ser dialógico e para tanto precisa haver, não só a referida habilidade do supervisor, mas também muita disponibilidade emocional dos terapeutas envolvidos no processo de construção da identidade deste grupo.

O terapeuta
O gestalt-terapeuta não se relaciona com seu cliente de forma isenta, mas sim mantendo sua totalidade emocional a serviço de sua relação com ele. Segundo Rodrigues, “O terapeuta não é um ser-que-observa apenas, mas também faz parte da relação na medida em que é atingido por ela. A este aspecto denominamos implicação do terapeuta.” (p. 155)

Para que possa atuar com segurança, em suas intervenções clínicas, é muito importante que o gestalt-terapeuta esteja muito seguro e muito bem trabalhado em seus próprios processos emocionais, uma vez que estará implicado em uma relação interpessoal, mas cuja natureza profissional impõe exigências e limites éticos, sendo assim, torna-se fundamental que esteja e sinta-se bem trabalhado em suas questões pessoais, seus processos emocionais e suas posturas técnicas e teóricas como profissional. O trio perfeito para que se consiga tal desenvolvimento, segundo nossas considerações, são: uma boa formação em Gestalt-terapia, psicoterapia gestáltica pessoal e supervisão gestáltica (individual ou em grupo).

No caso do nosso trabalho, temos vivido a experiência de lidar com outros terapeutas e nossas relações enquanto grupo, o que tem sido muito enriquecedor, uma vez que nosso trabalho como terapeutas é sempre muito solitário, dividir nossas experiências em grupo geralmente leva ao aprofundamento das questões levantadas na relação com os clientes. Ouvir as inferências de outros terapeutas auxilia muito no desenvolvimento da percepção, uma vez que um olhar externo pode ser capaz de traduzir um aspecto da relação que passa despercebida para aquele nela envolvido.

“Supervisão indica alguém olhar por outro ângulo.” (FERNANDES, in CIORNAI, p. 244, 2004)

A construção do pensamento clínico gestáltico
O principal objetivo, ao unirmos terapeutas em um grupo de supervisão gestáltico é a construção de um pensamento clínico gestáltico e isso só pode acontecer no contato, de forma vivencial, relacional e no aqui-agora.

A participação dos membros do grupo nas intervenções tanto do terapeuta com seu cliente, quanto do supervisor com o terapeuta gera uma multiplicidade de olhares sobre as questões apresentadas. Estas participações interativas acabam por gerar um sentimento de unidade no grupo e permite que cada terapeuta aproveite a supervisão, ainda que seus casos não estejam em debates, uma vez que o enfoque da supervisão é emocional.

Outro aspecto muito importante na formação do pensamento clínico é a aplicação prática da teoria. É função do supervisor fazer com que as aprendizagens teóricas se manifestem de forma clara, assim como fundamentar teoricamente as práticas orientadas de forma que todo o grupo possa compreender as aplicações práticas da teoria da Gestalt-terapia, bem como “metabolizá-las” de forma a desenvolver sua criatividade e seu próprio estilo, enquanto terapeuta.

Em muitos momentos a indicação de textos, a demonstração teórica, a exemplificação através de casos clínicos atendidos pelo próprio supervisor, todas estas coisas se farão necessárias e podem auxiliar muito no desenvolvimento de um caso. Por isso propomos, no presente trabalho, um enfoque mais no profissional e em suas relações do que nos relatos dos casos propriamente ditos: o que se aprende com um caso poderá, facilmente, auxiliar no trabalho com outros muitos que virão, se o terapeuta tiver seu pensamento clínico bem trabalhado.

Por fim, o processo de crescimento não estaria completo se não pudéssemos experimentar o terapeuta como um ser humano integral, que não traz consigo apenas suas aprendizagens teóricas, mas toda a sua experiência de vida, por isso o grupo de supervisão gestáltica não pode se manter focado apenas na teoria gestáltica, mas em toda a formação cultural, um olhar para tudo o que possa acrescentar informações e criatividade a nossos terapeutas.

Muitas vezes em nosso grupo fizemos reflexões com letras de músicas, assistimos e debatemos filmes, comentamos notícias e atualidades, fizemos até um “clube do livro”. Todas essas experiências têm como objetivo ampliar os horizontes culturais dos terapeutas, assim como motivar os relacionamentos e as trocas emocionais dentro do próprio grupo.

Mas para que isso aconteça, concordamos com Selma Ciornai, quando diz: “considero muito importante que a supervisão se dê num contexto em que os alunos (terapeutas) possam encontrar apoio, ou seja, um contexto de crescimento.” (p. 242).

A identidade grupal
“Em sua melhor forma, o grupo não é só uma pequena comunidade coesa, na qual as pessoas se sentem recebidas, aceitas ou desafiadas, mas também um lugar e uma atmosfera em que elas podem se tornar criativas juntas. O grupo ideal é um local para cada pessoa testar seus limites de crescimento, uma comunidade em que os componentes podem desenvolver ao máximo seu potencial humano.

Nesse contexto, o grupo pode ser definido como uma comunidade de aprendizagem, ou seja, indivíduos que, com o objetivo de resolver problemas pessoais e interpessoais, se reúnem com um líder treinado.” (Zinker, p. 177, 2007).

Um grupo de supervisão gestáltica precisa trazer em sua identidade um campo de amorosidade, respeito e dedicação, no qual todos são co-laboradores do crescimento emocional de todos os seus membros, inclusive do supervisor. Há que se ter disponibilidade e responsabilidade, pois o que está em jogo não é a carreira de ninguém. São seus sentimentos.

Nestes anos, tivemos ganhos e perdas, pessoas que vieram e se foram, outras que chegaram e ficaram e com todas elas pudemos contar, com todas aprendemos e sabemos que a todas ensinamos também.

No processo de nosso eterno treinamento, crescemos e continuamos buscando a excelência de ser tropa, muito mais do que ser “elite”. Por isso, mais do que apenas um trabalho, que fique nossa gratidão e nossa homenagem a todos os gestalt-terapeutas que se disponibilizam sempre para trocar!

 

Bibliografia

CIORNAI, S. Percursos em Arteterapia – Arteterapia Gestáltica, arte em psicoterapia e supervisão em Arteterapia. São Paulo: Summus Editorial, 2004.

ROBINE, J.M. O Self Desdobrado – Perspectiva de campo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus Editorial, 2006.

RODRIGUES, H.E. Introdução à Gestalt-terapia: conversando sobre os fundamentos da abordagem gestáltica. Petrópolis, Editora Vozes, 2000.

ZINKER, J. O processo criativo em Gestalt-terapia. São Paulo: Summus Editorial, 2007.