Temas-livre 2: Psicoterapia: o contato e seus impasses

2.1 Egotismo e eficácia terapêutica - atualizando o processo terapêutico através de um álbum de fotografias

 

Fernanda Galhardo de Castro e Guilherme de Carvalho


Resumo
O mecanismo do egotismo possui uma expressão de difícil acesso no cenário clínico, a partir da abordagem gestáltica. O presente trabalho busca apresentar uma proposta terapêutica eficaz, denominada de álbum de fotografias, e alertar o profissional de Gestalt-terapia para a especificidade do manejo clínico deste bloqueio de contato.


Proposta
O objetivo do trabalho se concentra na revisão e atualização do processo terapêutico, com foco na atuação do terapeuta diante da identificação do egotismo enquanto mecanismo de bloqueio atuante no caso clínico em questão. No sentido de ilustrar esta proposta, é apresentada uma técnica/experimento que relaciona a vida do cliente, em processo terapêutico, a um álbum de fotografias. Esta idéia é sustentada pelo conceito de figura-fundo, diante do qual: “É pelo contato que figura e fundo seguem seu caminho de formação e destruição de novas gestalten, em um eterno renovar-se.

É neste movimento que nós mesmos nos fazemos presentes e nos reconhecemos, porque somos os contatos que fazemos ao longo da vida.” (PONCIANO, 2007, p.31).

Em um processo natural, identifica-se que antes do contato final (PONCIANO, 2007), ocorra um momento de preocupação no que se refere aos limites, no qual a pessoa se volta a si com o intuito de questionar-se antes de comprometer-se, experimentando suas escolhas. O egostismo, assim, vem a ser um momento importante de assimilação e desenvolvimento, caracterizado pelo controle rígido exercido em relação ao mundo fora de si. Perls, Hefferline e Goodman (1997) ressaltam que “o egotismo normal é hesitante, cético, arredio, obtuso, mas se compromete”. Assim, destaca-se a significativa dificuldade no que se refere ao processo terapêutico, considerando cada elemento que o compõe (a figura do terapeuta, o setting terapêutico, a dinâmica do processo), bem como a forma como estes interagem com o mecanismo em questão.

Termo pouco utilizado na literatura da abordagem gestáltica (ROBINE, 2006), o termo cunhado por Goodman pode ser definido como “(...) um tipo de confluência com a awareness deliberada, é uma tentativa de aniquilação do incontrolável e do surpreendente” (PERLS, HEFFERLINE & GOODMAN, 1997). Configura-se enquanto um retorno
para si de forma extrema, com objetivo de controle de si mesmo e do ambiente (D’ACRI, LIMA & ORGLER, 2007).

Quando se trata de um quadro de egotismo, o bloqueio proporciona um afastamento natural da possibilidade de ajustamento, lançando o indivíduo a uma hipertrofia artificial do ego. (GINGER & GINGER, 1995)

O álbum de fotografias, enquanto experimento proposto, atua respeitando a equação pessoal do indivíduo, na medida em que trabalha em acordo com o conceito de figura-fundo, oferecendo a possibilidade inédita de reconfiguração dos elementos do campo. Neste estudo, são considerados os aspectos do mecanismo e as características do contexto terapêutico a fim de elaborar uma estratégia que atenda à necessidade da demanda, que é sustentada a princípio, por dois pilares: a redução do controle, realizada na medida em que foi utilizado um conteúdo direcionado para o cliente, através de sua própria história contada pelas fotografias e; a redução da estruturação do discurso, visto que a presentificação dos eventos apresentados pelas fotografias ativa memórias afetivas e permite que o cliente usufrua as sensações relacionadas às mesmas em um movimento novo e que o aproxima de possibilidades de entrar em contato com a satisfação necessária.

A partir da compreensão do foco da terapia baseado na noção de awareness, entendida enquanto um “processo de estar em contato vigilante com o evento mais importante do campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensorimotor, emocional, cognitivo e energético” (YONTEF, 1998), avaliamos a importância de um estudo pormenorizado acerca das idiossincrasias do cuidado e manejo clínicos deste tipo de mecanismo e/ou bloqueio.

Considerando o controle excessivo comum ao mecanismo apresentado, é fundamental observarmos a sua relação com a própria dinâmica terapêutica, que compreende um ambiente exclusivo para o atendimento do cliente, durante um período de tempo reservado para tanto, no qual a figura do terapeuta estará presente e atenta às informações que forem expostas. Podemos observar, dessa forma, que o próprio contexto terapêutico é um fator que dificulta o processo clínico, uma vez que se relaciona com o egotismo de forma a favorecer o exercício do controle por parte do cliente. Assim, é importante ressaltar a necessidade de atenção relativa às próprias características do terapeuta como elemento inserido neste contexto.

Segundo Granzzoto (2007), “o clínico perceberá o momento de pontuar, o momento de frustrar o ajustamento neurótico”, isto é, o terapeuta é munido do conhecimento teórico, atribuindo-lhe uma participação instrumental diante do processo terapêutico. Pode-se sugerir a exploração do aspecto criativo do terapeuta, ampliando sua atuação, até então instrumental. Segundo Zinker (2007) “o terapeuta criativo é experimental.

Sua atitude inclui o uso de si, do cliente e dos objetos do ambiente a serviço da invenção de novas visões da pessoa”, o que implica na consideração da rica experiência pessoal do terapeuta. Ainda de acordo
com esta idéia, o autor afirma que “o terapeuta criativo proporciona o contexto, a atmosfera densa e rica em que a integridade do cliente pode alcançar uma realização mais completa”, ou seja, este possibilita explorar espaços e transitar por novas possibilidades. Com base nesta idéia a respeito de um terapeuta que corre riscos e faz uso de sua capacidade de realizar ajustamentos criativos diante das dificuldades referentes ao contexto do caso clínico, é possível desenvolver e sustentar experimentos, tais como o álbum de fotografia.

A proposta do álbum de fotografias se desenvolve, então, fazendo referência à vida do cliente, ou seja, compreende figuras que se destacam, e ganham sentido em contraposição a um contexto que as atribui sentido.

As imagens que o compõem, representam um conteúdo único e particular, o que garante a subjetividade do indivíduo em terapia, além de conter registros de experiências reais, possibilitando a expressão das próprias emoções referentes ao momento registrado. Desta vez, o indivíduo encontra-se perante si mesmo, através de momentos destacados e trazidos por ele próprio, e que remetem a momentos de destaque, diante dos quais busca-se a presentificação das suas emoções através das expressões retratadas. Para Zinker (2007), “A situação psicoterápica é um laboratório, uma oportunidade que a pessoa tem de se olhar em vários espelhos”.

Considerando que o controle relativo a tudo o que é externo ao cliente é a principal característica do egostismo, o fato de retirar o seu foco do mundo exterior, no qual o exercício deste controle é viabilizado, e redirecionar para o próprio sujeito, em função de sua própria história, é uma estratégia que atende ao objetivo apresentado anteriormente.

É realizada a movimentação do cliente através da promoção da frustração de seus apelos, fazendo uso de sua própria experiência. Esta intervenção tem como objetivo re-experimentar a sensação proveniente daquele momento, ou seja, trazer para o aqui-e-agora a sensação presente naquela imagem, explorando as reações decorrentes do estímulo afetivo. Toda reação racional é pontuada e afastada deste contexto, de forma a promover uma estratégia terapêutica criativa diante da situação em questão, e aproximando o indivíduo de uma reação puramente emocional. As reações racionais são naturalmente bem elaboradas pelo egotímico,
fazendo-se necessário o desenvolvimento do aspecto e uso do recurso emocional com o qual se vincula a satisfação. Visto que, segundo Grazzoto (2007) “o contato final, que inicialmente estava sob rígido controle do egotismo, foi se tornando uma possibilidade cada vez mais concreta”, busca-se fazer uma aproximação de possibilidade da pessoa usufruir suas próprias experiências. Aliado a este cenário, ressaltamos a importância do manejo clínico e de algumas características do terapeuta como mutualidade, reciprocidade e presença, de forma a contribuir criativamente com o cenário clínico relativo ao mecanismo no egotismo.

Bibliografia

D’ACRI, G., LIMA, P.; ORGLER, S. Dicionário de Gestalt-terapia: Gestaltês. São Paulo: Summus, 2007.

GINGER, S. & GINGER, A. Gestalt: uma terapia do contato. São Paulo:
Summus, 1995.

MÜLLER-GRANZZOTO, M.J. & MÜLLER-GRANZZOTO, R.L. Fenomenologia e gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007.

PERLS, F.S., HEFFERLINE, R. & GOODMAN, P. Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997.

RIBEIRO, J.P. O ciclo do contato: temas básicos na abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 2007.

ROBINE, J.M. O self desdobrado. São Paulo: Summus, 2006.

YONTEF, G.M. Processo, diálogo, awareness: ensaios em gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1998.

ZINKER, J. Processo criativo em gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 2007.