BULIMIA: Você tem
fome de que?
Aline
Ferreira Martins de Araujo
IGT
INSTITUTO
DE GESTALT TERAPIA
E
ATENDIMENTO FAMILIAR
MONOGRAFIA
BULIMIA:
Você
tem fome de que?
ORIENTADORA:
MÁRCIA ESTARQUE PINHEIRO
Aluna: Aline Ferreira Martins de Araujo
2005
Aline
Ferreira Martins de Araujo
BULIMIA:
Você
tem fome de que?
Monografia
exigida como requisito
final para conclusão do Curso de
Especialização
em Gestalt Terapia
com
ênfase no atendimento familiar.
Orientadora:
Márcia Estarque
IGT
Rio
de Janeiro
2005
Agradecimentos
A
Deus.
À
Regina Ferreira, minha mãe, pela disponibilidade e paciência, e por me
proporcionar condições de chegar até aqui.
A
Rafael Araujo, meu marido, pela confiança, companheirismo, paciência e
estimulo, durante todo o processo do trabalho.
Ao
Marcelo Pinheiro, meu professor e supervisor da formação em Gestalt-Terapia,
como também às minhas amigas da formação: Roberta Domingues, Daniela Cracel,
Fernanda Teixeira, Juliana Viegas, Ana Paula Veiga, Carmem Valéria e Verônica
Torres, que me incentivaram à realização desta monografia.
A
todos que, direta ou indiretamente, colaboraram para realização deste trabalho.
Enfim
à minha orientadora, professora e supervisora, Márcia Estarque, pelo grande
apoio, carinho, dedicação, compreensão, paciência, determinação e conhecimentos
compartilhados, por ter me motivado e orientado ao desenvolvimento deste
trabalho.
Dedico
esse trabalho, a todas essas pessoas, e principalmente a todos os meus
clientes, alvos de minha observação como também àqueles que responderam a
pesquisa que fiz para essa monografia.
Corpo
magro,
Corpo
gordo,
Corpo
esbelto,
Corpo
inscrito,
No
ser,
Ser
construído
numa
relação
boa,
quem sabe,
má.
Ser
que cresce,
Com
SEU TER,
Seu
FAZER,
Ser
Feliz,
Ser
Triste,
Ser
eu.
Luise de Souza Cozzolino Soares
SUMARIO
Agradecimentos........................................................................................................................III
1.0-
Introdução............................................................................................................................1
2.0-
Capitulo 1 - Fome de
emagrecer..........................................................................................4
2.1
– Descrevendo a
Bulimia......................................................................................................4
2.2-
Conseqüências....................................................................................................................8
3.0-
Capitulo 2 – Fome de
Aceitação........................................................................................10
3.1-
A influencia da
Sociedade.................................................................................................10
3.2
– A
Família..........................................................................................................................14
4.0-
Capitulo 3 – Visão Gestáltica: Fome de
que?....................................................................17
5.0-
Conclusão..........................................................................................................................24
6.0-
Bibliografia.......................................................................................................................xx
Anexos.....................................................................................................................................xx
1.0
— INTRODUÇÃO
Atuo
como psicóloga clínica e tenho recebido no meu consultório um número crescente
de pessoas que apresentam algum transtorno alimentar.
Transtorno
alimentar é quando uma pessoa estabelece uma relação doentia com a comida.
Existem algumas maneiras, aqui citarei apenas duas: a pessoa pode comer muito,
chegando a ingerir até 15 mil calorias em uma única refeição, e depois provocar
a eliminação do que comeu, através de vômitos, laxantes, ou diuréticos. Ou então, por achar-se fora dos padrões de
peso e medida, a pessoa passa dias sem se alimentar. Os transtornos alimentares
são problemas que atingem cada vez mais pessoas por todo o mundo. Em sua
maioria, mulheres entre 14 e 40 anos, levando muitas vezes à morte.
Nesse
trabalho, estarei abordando apenas a bulimia, pois tenho percebido um aumento
cada vez mais crescente em relação à quantidade de pessoas que tem desenvolvido
esse quadro.
Através
de troca de informações com colegas de profissão, conhecimento da existência de
comunidades para esse público em sites de relacionamentos na internet e o
espaço cada vez maior que o tema bulimia vem recebendo em veículos de
comunicação de massa, posso concluir que o aumento do transtorno é um fenômeno
amplo, que incide sobre pessoas de qualquer classe social.
De
acordo com o DSM4:
“As
características essenciais da Bulimia Nervosa consistem de compulsões
periódicas em comer (polifagia) e métodos compensatórios inadequados
posteriores para evitar ganho de peso. Além disso, a auto-avaliação dos
pacientes com Bulimia Nervosa é excessivamente influenciada pela forma e peso
do corpo, tal como ocorre na Anorexia Nervosa. Para qualificar o transtorno, a
compulsão periódica e os comportamentos compensatórios inadequados devem
ocorrer, em média, pelo menos duas vezes por semana por três meses”.
O
CID10 por sua vez define a bulimia como:
“Uma
síndrome caracterizada por acessos repetidos de hiperfagia e uma preocupação
excessiva com relação ao controle do peso corporal conduzindo a uma alternância
de hiperfagia e vômitos ou uso de purgativos.
Este
transtorno partilha diversas características psicológicas com a anorexia
nervosa, dentre as quais uma preocupação exagerada com a forma e peso
corporais. Os vômitos repetidos podem provocar perturbações eletrolíticas e
complicações somáticas.”
Através
do contato com pessoas que apresentam esse quadro, pude perceber que muitas
delas apresentam algumas características e vivencias em comum. Tais como a
insegurança, baixa auto-estima, visão distorcida do corpo, depressão, etc. O
conhecimento dessas vivências em comum despertou minha atenção em relação ao
Transtorno. Assim dei início as minhas pesquisas e percebi em minhas leituras,
que pouco se falava sobre os aspectos emocionais relacionados à bulimia, sendo
o assunto, mais abordado sob o aspecto técnico da doença.
O
objetivo desse trabalho é, mostrar a visão da Gestalt Terapia em relação à
bulimia, incluindo a influência que a família, a sociedade e a cultura exercem
sobre o indivíduo.
O
referencial teórico escolhido é o da Gestalt-terapia, por tratar-se de uma
abordagem que não rotula uma pessoa como doente e sim, busca encontrar sentido
no sintoma que a pessoa está apresentando naquele determinado momento.
A
Gestalt-Terapia é uma abordagem fenomenológico-existencial e tem uma visão
holística sobre doença. Através da Gestalt, compreendemos o adoecer como o
resultado de uma desarmonia relacional entre a pessoa e seu ambiente, pois
entendemos que ambos formam uma unidade dialética e que não se pode separa-los.
De acordo com Ribeiro (1997) "A doença é relacional. Não existe doença em
si. Doença é fenômeno como processo; como dado, existe em alguém, e não como
realidade em si mesma (...)" (p. 36).
A
Gestalt-terapia, portanto, visa ir além da descrição dos sintomas que definem
uma doença, busca o sentido da “patologia” e as vivências subjetivas da pessoa
adoecida.
2.0
– CAPÍTULO 1: FOME DE EMAGRECER:
2.1
– DESCREVENDO A BULIMIA
A palavra Bulimia vem do grego bous (boi) e
limos (fome), ou seja, uma fome tão grande que se pode comer um boi. O termo
boulimos já era usado séculos antes de Cristo. Hipócrates o empregava para
designar uma fome doentia, diferente da fome fisiológica.
A
Bulimia é considerada como um desequilíbrio alimentar de origem psicológica,
onde a pessoa, em sua grande maioria, mulher, começa a se incomodar com seu
peso e dá início a uma dieta rigorosa ou uma perfeita recusa alimentar para
emagrecer o mais rapidamente possível (anorexia) e passa por episódios de
compulsões periódicas de excesso alimentar. O excesso alimentar é caracterizado
por uma voracidade incontrolável, durante o qual o indivíduo come tudo que está
ao seu alcance, incluindo na maioria das vezes alimentos com alto teor
calórico, como sorvete, feijão gelado, biscoitos, bolos, sobras de carne,
doces, etc.
Os alimentos são ingeridos sem controle, em
um curto período de tempo onde a comida mal é mastigada, é praticamente
engolida, ou seja, a pessoa quase não sente o gosto do alimento, não o
saboreia. Esse empanturramento acontece
geralmente em um momento de ansiedade, raiva ou frustração, e não como uma
resposta à fome. Na maioria das vezes,
ocorre quando não tem ninguém por perto, é quase um segredo e costuma ser
interrompido apenas quando a comida chega ao fim, ou por um mal estar físico.
Esses episódios são chamados de hiperfagia ou hiperalimentação.
As
primeiras sensações de uma sessão de comilança desenfreada são maravilhosas,
geram alívio e saciedade que vem acompanhada de uma calma repentina. Porém, a culpa surge logo em seguida,
acompanhada de um sentimento de vergonha e raiva de si mesma por ter
apresentado tal comportamento. Além
disso, surge a preocupação em relação às conseqüências que esse excesso pode
trazer para sua imagem corporal, ou seja, surge um medo excessivo de ganhar
peso.
Essa
preocupação excessiva com o controle de peso corporal, leva a pessoa a adotar
medidas extremas e inapropriadas para não engordar, tais como indução do
vômito, abuso de laxativos ou diuréticos, dietas severas, anfetaminas,
exercícios em excesso, entre outros. Tudo o que puderem fazer para tentar
eliminar o que comeram, sem se preocupar se vai ou não fazer mal. A única
preocupação naquele momento é a de não engordar.
O
método mais comum é a indução de vômito. Vários artifícios podem ser usados
para a indução de vômito, incluindo os dedos ou instrumentos como escovas de
dente, canetas, e outros, para estimular o reflexo e a regurgitação. Com o
tempo e a prática, elas aprendem a vomitar quando querem. O ciclo de comer e
induzir o vômito se torna uma obsessão e pode se repetir com freqüência. Após o
vômito, costumam sentir um imenso prazer e muito alivio pela melhora do
desconforto físico e pela diminuição aparente do risco de engordar.
Quando,
por algum motivo, não conseguem vomitar, ou compensar a “comilança” de alguma
outra forma, sentem-se ainda mais culpadas, chegando a sentir, por diversas
vezes, um desejo de autopunição ou autodestruição, podendo leva-las a fazer
coisas contra elas mesmas, como se machucar, se cortar e até mesmo, a tirar
suas próprias vidas.
Outro
método que tem sido cada vez mais usado é o exercício físico em excesso.
Segundo
Sheila Assunção, psiquiatra do Ambulatório de Bulimia e Anorexia - Ambulim - do
Instituto de Psiquiatria - IPq - do HC, algumas pessoas com esse transtorno
alimentar, dependem da atividade física para seu bem estar geral, ficam
chateadas se não podem se exercitar e, quando isso acontece, compensam com
horas extras na sessão seguinte; têm rotina fixa para a prática de suas
atividades, se exercitam mesmo indispostas, cansadas ou machucadas e deixam de
participar de eventos sociais, caso possam atrapalhar a rotina do exercício.
Podemos
dizer então, que a Bulimia, é um ciclo vicioso: restrição alimentar, comer
compulsivo, purgação, comer compulsivo...
Se
imaginarmos um alcoólatra trabalhando em um bar, poderemos dizer que o processo
de cura seria bastante difícil, pois ele estaria diariamente em contato com a
bebida. Comparando as pessoas que sofrem a bulimia, podemos afirmar que, sobre
esse aspecto, seu grau de dificuldade é ainda maior, pois o álcool, não é
essencial para nossa sobrevivência, já a comida é fundamental. Aquele que passa
pela bulimia, como qualquer pessoa, precisa comer para o resto da vida.
Torna-se muito difícil se livrar de seu vício, tendo que encará-lo todos os
dias.
Para
qualificar os sintomas como sendo um transtorno, esse ciclo, da compulsão e dos
comportamentos compensatórios deve ocorrer em média, pelo menos duas vezes por
semana, o que não significa dizer, que no resto do tempo a pessoa esteja bem.
Na verdade esses episódios só não são diários ou mesmo mais de uma vez ao dia
na maioria das vezes, porque a pessoa está constantemente lutando contra eles.
Quem
sofre de Bulimia tem, normalmente, alguns comportamentos paradoxais.
Por
um lado "controlam" aquilo que comem, usando para isso o vomito, por
outro, têm crises de voracidade alimentar totalmente descontroladas. Essas
pessoas vivem sob o constante medo de não poder controlar esses ataques de
fome, o que acentua a doença, passando a dominar todas as suas experiências
emocionais.
É importante deixar claro o que se
entende por “compulsão”, segundo Freud (apud, Cozzolino) “seria o ímpeto de
praticar um ato não desejado, ou ato em si mesmo. Tendências repetitivas para
se comportar de um modo que não deseja”.
A
compulsão é dada, para substituir algo que o organismo precisa e com a
incapacidade que a pessoa tem de ouvir sua real necessidade, tenta colocar algo
no lugar, geralmente o objeto de sua compulsão. Com isso, podemos dizer que a
compulsão está ligada a dificuldade que a pessoa tem de se perceber, pois ao
final de um ato compulsivo, o vazio ainda estará lá, já que a o substituto não
consegue dar conta daquilo que o organismo precisa.
Existe
uma grande dificuldade de identificar que uma pessoa está com bulimia, pois
além dela fazer todo esforço para esconder seus sintomas, esteticamente, ela se
mantem dentro de um peso comum, ao contrário de quem apresenta um outro transtorno
alimentar que está bastante ligado à bulimia, a anorexia. Na anorexia, é muito
fácil perceber os sintomas, pois a doença se denuncia pela extrema magreza, já
que a pessoa se recusa a comer, por medo de engordar, o que quase sempre leva a
uma grave desnutrição. A pessoa que apresenta anorexia desenvolve um ritual
próprio de se alimentar, na maioria das vezes se isolando, já na bulimia, a
pessoa participa normalmente de refeições em grupos, mas com grande freqüência,
ao termino das refeições utiliza o banheiro. A bulimia tem muitos pontos em
comum com a anorexia, tanto que foi somente em 1979 que foi considerada como
uma síndrome específica, destacando-se do quadro de anorexia, antes disso, não
se fazia distinção entre elas, sendo a Bulimia considerada como um tipo de
Anorexia.
A
prevalência de anorexia e bulimia nervosa, nos Estados Unidos, em homens, é de
0,02% e 0,2%, respectivamente, e em mulheres varia de 0,3% a 0,5% e 6% a 1,1%
(Garfinkel, 1995; Garfinkel et al., 1995; Walter & Kendler, 1995; Woodside
& Kennedy, 1995). Não existem dados epidemiológicos brasileiros (Cordás et
al., 1998).
2.2
– CONSEQUENCIAS
A
purgação, que no começo parece uma saída fácil e maravilhosa logo revela sua
outra face. Que efeitos esse
comportamento alimentar pode trazer ao organismo dessas pessoas?
Os
repetidos episódios de auto-indução do vômito geram problemas no corpo. Ao vomitar
não se perde apenas o que foi ingerido, mas os sucos digestivos também. Isso
pode acarretar um desequilíbrio no balanço dos eletrólitos no sangue, afetando
o coração, por exemplo, que precisa de um nível adequado dessas substâncias
para ter seu sistema de condução elétrica funcionante com isso, podem ocorrer,
complicações cardiovasculares. É comum que quem sofra de Bulimia apresente
bradicardia (o coração bate mais devagar) e hipotensão (a pressão arterial é
baixa). A complicação mais freqüente é as arritmias cardíacas. Podendo ocorrer
ataque cardíaco em casos mais severos.
As
repetidas passagens do conteúdo gástrico (que é muito ácido) pelo esôfago
acabam por ferí-lo podendo provocar uma esofagite de refluxo - processo
inflamatório do esôfago. Em casos mais graves pode haver sangramento ou até
mesmo a sua ruptura, o que leva à morte. O vomito repetido pode levar também, a erosão
dentária, o desgaste do esmalte dos dentes, pelo excesso de acidez gástrica e
sensibilidade excessiva ao frio e quente. Lesões, cicatrizes ou calosidades no
dorso da mão, que é introduzida na boca para provocar o vômito, também são
facilmente notados.
Ainda
como conseqüência dos vômitos auto-induzidos podemos notar o aumento das
glândulas paratirótidas, conhecidas como glândulas salivares (situadas próximo
às mandíbulas e dão ao rosto uma aparência inchada) o que provoca dor e
raramente pode se transformar em câncer.
Casos
extremos de rompimento do estômago devido ao excesso ingerido com muita rapidez
já foram descritos várias vezes, um quadro grave e muitas vezes mortal. O uso de laxantes, além de serem
ineficientes, pois não alteram a absorção dos alimentos, pode causar ao intestino
grosso uma série de conseqüências, tais como a diarréia, constipação crônica,
hemorróidas, mal estar abdominal, prisão de ventre rebote e desidratação (o que
pode causar fraqueza muscular, câimbras, tremores, etc). A ocorrência de
anemias em vários graus também é bastante citada na literatura médica.
Tem
sido cada vez mais comum o uso abusivo de chás de plantas, que apesar de serem
consideradas naturais, pode causar doenças intestinais, conforme apontou estudo
realizado pelo Departamento de Cirurgia Coloretal da Cleveland Clinic Florida
(nos Estados Unidos).
De
acordo com os pesquisadores, 40% dos pacientes que fizeram uso de laxantes com
freqüência igual ou superior a três vezes por semana, por mais de um ano,
tiveram lesões na
anatomia
intestinal.
Segundo
o Dr. Flávio A. Quilici, médico e professor de Gastroenterologia da Faculdade
de Medicina da PUC Campinas, a substância liberada pelas plantas utilizadas no
preparo dos chás, como o sene, a cáscara sagrada e o extrato de ruibarbo,
causam irritação nas terminações nervosas da mucosa intestinal, provocando
lesão a longo prazo.
"O
uso prolongado pode danificar a sensibilidade da parede do intestino, agravando
ainda mais o problema. A perda dessa sensibilidade faz com que o usuário tenha
a sensação de que o laxante perdeu o efeito, o que leva a usar quantidades cada
vez maiores”. (Dr. Flavio A Quilici)
Os diuréticos são extremamente perigosos
quando usado em doses altas e podem causar desajustes capazes de provocar a
morte. O uso indiscriminado de laxantes e diuréticos pode afetar seriamente a
saúde dos intestinos, rins, fígado e pâncreas.
De
acordo com os médicos, a bulimia pode levar, se não tratada, a alterações no
metabolismo, problemas ósseos e até de fertilidade, diminuição no desejo
sexual, sem falar nos problemas de depressão, podendo levar até ao suicídio.
3.0
- CAPITULO 2 – FOME DE ACEITAÇÃO:
3.1-
A INFLUÊNCIA DA SOCIEDADE
A
sociedade, atualmente, tem sido apontada como uma grande influência para o
crescimento da bulimia e da anorexia. A beleza tem sido exageradamente
valorizada, sendo o corpo magro encarado como símbolo de poder, autocontrole e
modernidade e aquele que está “fora do peso”, portanto, fica excluído, sendo
considerado muitas vezes, como “deformado”.
O
cantor e compositor Ed Motta, por exemplo, em sua música “Espaço na Van”, faz
uma crítica à sociedade, de algo que a princípio é banalizado, a falta de
espaço na van, para pessoas com excesso de peso. Muitas vezes, as pessoas que
tem excesso de peso precisam pagar a condução por dois passageiros.
De
acordo com Adams (1977), percebe-se com clareza, que o “mundo social”,
discrimina as pessoas não-atraentes, numa série de situações cotidianas
importantes. Pessoas julgadas pelos padrões vigentes como atraentes parecem
receber mais suporte e encorajamento no desenvolvimento de repertórios
cognitivos socialmente seguros e competentes, assim, indivíduos tidos como
não-atraentes, estão mais sujeitos a encontrar ambientes sociais que variam do
não-responsivo ao rejeitador e que desencorajam o desenvolvimento de
habilidades sociais e de um autoconceito favorável.
As
pessoas estão se sujeitando a sacrifícios inimagináveis, para conseguirem se
adequar aos atuais padrões de beleza, afim de um ajustamento psicológico e
social. Mesmo que o excesso de peso não seja grande, dificilmente, a pessoa
fica satisfeita consigo mesma, pois é a todo tempo bombardeada por silhuetas
perfeitas em revistas, anúncios publicitários, novelas, academias, etc. A
temática “corpo” ganha cada vez mais espaço na mídia, onde são transmitidos
corpos perfeitos e formas para alcança-los.
Podemos perceber que atualmente têm crescido de maneira explosiva o
número de pessoas adeptas a dietas severas, atividade física em excesso e
cirurgia plástica.
Para
McNamara (apud, Saikali), crenças culturais determinam normas sociais na
relação com o corpo humano. Práticas de embelezamento, manipulação e mutilação,
fazem do corpo um terreno de significados simbólicos. Mudanças artificiais em
seu formato do corpo, tamanho e aparência são comuns em todas as sociedades e
têm uma importante função social. Elas comunicam a informação sobre a posição
social do indivíduo e, muitas vezes, demonstram um sinal de mudança em seu
status social.
O
corpo hoje carrega consigo, a responsabilidade de ser aceito pelo outro. Sendo
o indivíduo submetido a comparações despropositadas, pois é de fundamental
importância, considerar que os corpos apresentam estruturas diferentes. Nem todas as pessoas estão fisiológica e
organicamente preparadas para serem magras, mas buscam mesmo assim, padrões
físicos incompatíveis com sua constituição original. Nesses casos, na maioria
das vezes, apenas o adoecimento é capaz de mostrar os limites do próprio corpo.
Existe,
por exemplo, muita facilidade de encontrar pessoas que sofrem de bulimia em
algumas profissões específicas devido a grande exigência corporal. É o caso de
modelos, manequins, dançarinos, ginastas, atores, lutadores, etc.
Segundo
Palha, esportes que preconizam o baixo peso corporal e supervalorizam a
estética, utilizando-a como critério para a obtenção de bons resultados em
competições – como ocorre, por exemplo, na ginástica artística, natação
sincronizada, corrida e no balé, têm sido indicados, por pesquisas realizadas
nessa área, como os de maior incidência de Transtornos Alimentares.
“A
estreita relação entre imagem corporal e desempenho físico faz com que as
atletas sejam um grupo particularmente vulnerável à instalação desses
transtornos, tendo em vista a ênfase dada ao controle de peso. Estudos recentes
citam a influência exercida pelos treinadores, patrocinadores e familiares, por
meio de seus comentários relativos ao peso e à forma das atletas, como um
poderoso elemento de instalação de comportamentos alimentares anormais”.
(Fátima
Palha de Oliveira)
Para
Stice (2002), existem evidências que dão suporte de que a mídia promove
distúrbios da imagem corporal e alimentar. Análises têm estabelecido que
modelos, atrizes e outros ícones femininos vêm se tornando mais magras ao longo
das décadas. Indivíduos com transtornos alimentares sentem-se pressionados em
demasia pela mídia para serem magros e reportam terem aprendido técnicas
não-saudáveis de controle de peso (indução de vômitos, exercícios físicos
rigorosos, dietas drásticas).
A
Bulimia tem ganhado espaço na mídia, principalmente por algumas pessoas
públicas terem assumido ser “bulimicas. Como por exemplo, as atrizes Jane Fonda
e Natalia Rodrigues. A filha do presidente francês Jacques Chirac. A princesa
Diana também assumiu em seus últimos anos de vida que sofria de Bulimia. No
Brasil, a Leka do “Big Brother Brasil 1” em 2002, durante sua estadia na casa
dos BBB´s mostrou que tinha a doença nas inúmeras vezes que, após dias sem
comer, ingeria grande quantidade de comida e depois se trancava no banheiro para
forçar o vômito.
Um
caso recente tornou-se publico, por sua polêmica. Terri Schiavo, que ficou
quinze anos em estado vegetativo trouxe mais uma vez à tona a polêmica da
eutanásia. Poucas pessoas souberam o que a fez estar nesse estado vegetativo.
Os médicos disseram que o ataque cardíaco foi provocado por desequilíbrio de
sódio e potássio, desencadeado por uma desordem alimentar, a bulimia.
A
sociedade e a cultura têm grande influência nos hábitos alimentares. Segundo
Kreisler, (apud Cozzolino), Em certas etnias, a noiva é submetida a um
tratamento sistemático para engordar. Os hindus têm alto apreço pelos
alimentos, encarando-os como uma dádiva divina para sua manutenção. Na Índia,
como em todo exótico e cerimonioso Oriente, a refeição não é apenas um ato
alimentar, mas um verdadeiro ritual. Para os chineses, a arte culinária
constituía uma das maiores expressões de civilização.
“Na
cultura ocidental, que cada vez mais a magreza é valorizada, a incidência dos
transtornos alimentares tende a ser influenciada por tal pressão social, mas
não pode ser explicada somente por ela. Há, por exemplo, aqueles que comparam e
fazem a equivalência entre as santas mártires com seus rigorosos jejuns na
Idade Média e a anorexia atual, um exemplo bastante interessante da manifestação
psicopatológica influenciada pela cultura vigente. As dietas que fazem parte do
estilo de vida de hoje podem tornar alguns indivíduos vulneráveis ao
desenvolvimento da doença”. (Waller & Hamilton, 1993; Seligman, 1995; Woodside & Kennedy,
1995).
A comida tem sido considerada pela
nossa sociedade, como uma sedução irresistível, o alimento que é considerado
gostoso, passa a ser uma verdadeira tentação, pois é justamente aquele que
possui maior caloria, o que faz o indivíduo ficar em desespero, pois é a mesma
sociedade que considera o padrão estético de grande importância.
“É
por isso que remédios para emagrecer são usados até por pessoas de peso apenas
ligeiramente acima do padrão recomendável, como saídas milagrosas. Eles fazem o
candidato à magreza comer menos, fazendo-o, contudo à custa de viciar o seu
consumidor, e não aprendendo a lidar com o excesso. Assim, a cultura, baseada
em valores estéticos, materiais, morais que incentivam o consumo, criando
paliativos, sustenta a dificuldade de lidar com seus verdadeiros
sentimentos”.
(Cozzolino)
Outro
aspecto importante a ser ressaltado é a atual rotina das cidades, a falta de
tempo e a necessidade de tornar mais barata a refeição fora de casa,
transformaram a refeição num ato rápido e desvirtuado das suas funções
nutritivas e sociais.
Predominam
as refeições em pé e ao balcão, à base de salgados e refrigerantes. Come-se
apressadamente, sem saborear a comida e sem dar tempo para o convívio. Os
alimentos estão muito centrados em calorias e em gorduras, pobres em vegetais e
fibras, como também em vitaminas e sais minerais. Muitas vezes, destes
desequilíbrios alimentares resultam crises de compulsão.
As
pessoas com bulimia, geralmente se identificam entre si. Atualmente, podem ser
facilmente encontrados na internet, grupos de pessoas com transtornos
alimentares. Principalmente em sites de relacionamentos como o orkut, onde
possuem verdadeiras comunidades de pessoas com o transtorno. Tais como:
“Bulimia e Anorexia” (onde sua maioria é composta por pessoas que pedem
socorro), “Morro, mas morro magra”, “Pro-Ana, Pro-Mia” (pessoas que são a favor
dos transtornos, trocam informações para maneiras mais fáceis de vomitar,
etc.). Qualquer um pode encontrar, por exemplo, nessas comunidades, troca de
dietas e métodos para emagrecer, ensinamentos de como vomitar com mais
facilidade, que alimentos são mais fáceis de “colocar pra fora”, etc. Podemos
ver com isso, que existe uma necessidade de identificação e comparação, como
uma forma de sentir-se aceito, pertencente e menos estigmatizado socialmente.
3.2 – A FAMÍLIA
Podemos pensar a família como, a
primeira interação social, com quem aprendemos a nos relacionar. Muitas vezes,
nossa maneira de lidar com as pessoas tem inicio na família.
“A primeira gratificação que a pessoa
obtém do mundo externo é a satisfação que obtém ao ser alimentada. A partir
daí, a comida vai adquirindo novos significados durante toda a vida do sujeito,
que podem ser os mais variados possíveis, como compensação, amor, raiva, tristeza,
dependência, podendo culminar em patologias serias, como a bulimia”. (Bello)
Segundo o nutrólogo Durval Ribas Filho,
presidente da Abran —Associação Brasileira de Nutrologia, em Catanduva,
interior de São Paulo, se uma pessoa, na sua primeira infância, recebia uma
mamadeira cada vez que sentia um desconforto ou uma dor, é muito provável que,
anos depois, a associação continue fazendo sentido, ou seja, toda vez que se
sentir infeliz ou frustrada, vai buscar pelo equivalente àquela mamadeira. O alimento pode passar a ter então a função
de satisfazer não apenas a fome, como também as angústias, gerando uma sensação
de alívio ao ser ingerido. Às vezes ocorre justamente o oposto, enquanto
algumas pessoas, quando ficam nervosas não sossegam até devorarem algum
alimento, outras, na mesma situação emocional não conseguem nem pensar em
comer.
Se pararmos para pensar nessa situação,
onde o bebê está chorando, e os pais, sem saber o motivo do choro, querem de
alguma forma suprir a necessidade da criança, e sem antes conseguirem
distinguir o choro, já colocam uma mamadeira. Se formos um pouco mais além,
podemos imaginar, a possível dificuldade de percepção de si, expressão e
comunicação que aquela criança terá futuramente.
A bulimia tem gerado preocupação a
famílias do mundo inteiro, que acompanham suas filhas sempre em desespero para
conseguir manter uma dieta, e nem sempre sabem reconhecer o limite entre uma
simples preocupação com a beleza e a distorção da auto-imagem. O fato da bulimia não apresentar sinais
claros no corpo, diferente do que ocorre na anorexia, onde a pessoa tem uma
grande perda de peso, dificulta que a família tenha uma percepção do problema,
pois quem esta sofrendo com a bulimia, costuma manter um peso, considerado
normal. Por isso, o problema é detectado pela família, na maioria das vezes,
quando a situação já é de emergência e apresenta maiores riscos, o que faz com
que a família, se sinta mais culpada. É comum ouvir dos pais: “como pude não
perceber e deixar chegar a esse ponto?”.
A pessoa que está sofrendo de bulimia,
geralmente, se envergonha bastante por isso. Vêem a compulsão e a purgação como
fraqueza, gerando um sentimento de incapacidade e falta de controle, por isso,
escondem com freqüência de seus pais, amigos e familiares. O convívio com essas
pessoas, também não é nada fácil, pois ver alguém próximo sofrendo e não
conseguir ajudar pode trazer diversos sentimentos como culpa, raiva ou negação.
É muito comum ouvirmos familiares dizendo que isso não é nada, que é da idade,
e que logo vai passar. Ou simplesmente, fazerem de conta que não percebem nada
de errado. A raiva pode ser demonstrada em frases do tipo: "você é uma
maluca que não sabe se controlar". Muitas vezes os maridos ou namorados dessas
pessoas, julgam que ela faz tudo porque quer e a critica fazendo-a se sentir
ainda mais culpada.
Aquele que está sofrendo com a bulimia,
geralmente, faz parte de uma família onde a comunicação não é dada de forma
clara e eficiente. Em sua maioria, existe muito afeto, mas pouco diálogo, dessa
forma, acaba se dando uma grande dificuldade de expressão desse afeto. Os
problemas geralmente são sabidos por todos, mas de maneira subentendida, não
são facilmente expressos, “quase não se toca no assunto”.
Os pais costumam tratar as filhas, como
se fossem seres frágeis, sem capacidade de se “colocarem” no mundo, como se
fossem eternas crianças, que precisam ser constantemente vigiadas, cuidadas e
amparadas. Não conseguem ver essas filhas como pessoas completas e diferenciadas
deles próprios, capazes de enfrentar a vida. O que os fazem ter uma extrema
proteção, dificultando seu amadurecimento e que encontrem seus próprios
caminhos. Demonstrando assim, uma grande falta de autonomia e individualidade.
Segundo Belloti, esse zelo sem limites
acaba por tornar a relação familiar sufocante para ambos os lados, já que quem
o recebe acaba por sentir-se contido em suas escolhas e quem o dá, permanece
preso à vontade do outro, mesmo que as necessidades deste sejam vistas pela
ótica de quem oferece o apoio.
Por esse motivo, a relação com esses
pais (na maioria das vezes a mãe), geralmente é de amor e de hostilidade, até
por que, essa proteção exagerada, nem sempre é tão ruim assim. Na verdade,
apresenta algumas vantagens para quem é protegido, o que acaba deixando a
pessoa em um constante dilema com ela própria. Por um lado querendo as
vantagens proporcionadas pela super proteção e por outro se sentindo sufocadas.
Por isso, existe a necessidade de que
essa pessoa passe por uma fase de reflexões, questionamentos, reavaliações de
conceitos, valores, crenças, heranças transmitidas pela família as quais ela
passa a decidir se as aceita, se não, ou se as reformula a partir das suas
próprias experiências, do seu modo de ver e se posicionar diante da vida e do
mundo no qual participa.
Segundo Ginger (1995), a introjeção é à
base da educação da criança e do crescimento: nós podemos crescer, assimilando
do mundo exterior certos alimentos, idéias, princípios, mas se nos contentarmos
em engolir esses alimentos exteriores sem os “mastigar,” eles não são
digeridos, ficam em nós, como corpos estranhos parasitas.
Quando somos crianças, tomamos como
certo, os conceitos, crenças e valores de nossos pais. Somos como esponjas, que
sugam para si e retém tudo, mas a medida em que crescemos, já não aceitamos as
coisas com tanta facilidade, pois adquirimos um senso crítico. Para engolirmos
algo, precisamos mastigar antes, ou não teremos uma boa digestão. Desse ponto
de vista, a pessoa que introjeta pode ser comparada a uma criança, que assimila
conteúdos provenientes do meio externo, a ponto de parecerem pertencer a si
mesmo, tal sua identificação com eles.
“A introjeção, pois, é o mecanismo neurótico pelo qual
incorporamos em nós mesmos, normas, atitudes, modos de agir e pensar, que não
são verdadeiramente nossos. Na introjeção, colocamos a barreira entre nós e o
resto do mundo tão dentro de nós mesmo, que pouco sobra de nós”.
(Fritz Perls, 1988. p.48)
4.0 – VISÃO GESTÁLTICA: FOME DE QUE?
"A gente não quer só comida,
a gente quer comida, diversão e arte.
a gente não quer só comida,
a gente quer saída para qualquer
parte”.
Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sergio Brito.
A Gestalt-terapia é uma abordagem
fundamentada no diálogo interpessoal, na relação. A Gestalt nos oferece uma
visão dialética e processual do ser humano, através dela, podemos olhar o
individuo, não deixando de lado o seu contexto, e tendo a possibilidade de
vê-lo sem colocar um rótulo e de forma não estática.
Quando construímos teorias tendemos a
ver o homem através da “lente da teoria”.
“Quando um elemento na existência espiritual ou psíquica do homem
que previamente era pouco ou muito pouco percebido é então desvelado ou
clarificado, identificamo-lo com a estrutura total do homem, em lugar de inserí-lo
dentro da estrutura. (Buber)
Ou seja, acabamos por ter uma visão
restrita e limitada do homem, sem nos permitir olhar com uma verdadeira
curiosidade, pois tendemos a enquadrá-lo dentro de algo já conhecido.
A Gestalt Terapia, nos possibilita olhar para a pessoa e não
apenas para o sintoma. No caso da bulimia, não olhamos para “o bulímico” e sim
para uma pessoa, que entre outras coisas, está apresentando sintomas da
bulimia. Por esse motivo, não usamos a expressão conhecida e bastante usada por
profissionais da saúde: “o bulímico” ou “a bulímica”, fazemos questão de
identificar A PESSOA, que no momento está apresentando sintomas bulímicos.
Goldstein, estudioso da neurologia,
chegou à conclusão, através da Teoria Organísmica, de que um sintoma não podia
ser considerado ou compreendido a partir apenas de uma lesão orgânica, senão a
partir da consideração do organismo-como-um-todo.
“O organismo é uma só unidade, o que ocorre em uma parte, afeta o
todo”. (Kurt Goldstein)
O ser humano, ao se deparar com uma doença, costuma
desvaloriza-la e tenta a todo custo remove-la. Com essa atitude, é enfatizado
somente seu aspecto negativo, o que faz perder a oportunidade de encontrar
significado e propósito nesta condição. Perls dizia que a energia é preciosa
demais para ser jogada fora.
“Nas nossas neuroses e doenças físicas
estão encaixados valores e padrões inconscientes essenciais para a totalidade.
Para podermos descobrir seu significado, precisamos nos aliar as nossas
doenças. Isso quer dizer que devemos prestar mais atenção aos sintomas, sem
formular hipóteses a priori ou tentar muda-las”. (Werlang) – revista viver
–pg 30
Por isso a escolha do título. “Bulimia.
Você tem fome de que?” Pois dá a idéia de uma busca ao sentido da Bulimia.
A febre, por exemplo, é um sintoma que surge para
sinalizar que alguma coisa em nosso organismo não está bem. É necessário que se tome um remédio para
baixar a febre, mas isso não basta. É preciso descobrir o que está gerando essa
febre.
Pensando dessa forma, se não fosse a
febre, a sinalizar, não seria possível descobrir que algo não vai bem. Podemos
então deixar de vê-la como inimiga, pois se torna uma verdadeira aliada. Tendo
então a doença como caminho para a “cura” de seu verdadeiro sentido.
“Todo sintoma é uma forma desesperada,
criada pelo organismo, para tentar se auto-regular. Sintoma é, portanto, um
tipo especial de resistência. Não deve ser sufocado, destruído a priori, pois
sua função é revelar um aspecto oculto da totalidade, e é por intermédio dele
que poderemos atingi-la”.
(Ribeiro)
“As chamadas resistências são
verdadeiros processos de tentativa de auto-regulação e de autopreservação, são
caminhos sutis e racionalizados, onde todo processo começa, podendo a
organização adoecer, na razão em que esses processos se tornam contínuos,
intensos, desconectados de suas necessidades”. (Ribeiro)
Em sua grande maioria, as pessoas que
apresentam o quadro de bulimia, tem um bom nível social, são inteligentes,
porém com uma grande fragilidade emocional, são depressivas e se irritam com facilidade.
São bastante inseguras dando demasiada ênfase as opiniões das pessoas, chegando
até mesmo, muitas vezes, a terem suas próprias opiniões confundidas com as
opiniões dos outros e apresentam alterações de humor geralmente provocadas com
facilidade por um fator externo tão pequeno que eventualmente nem elas próprias
se dão conta.
Não são nem magras e nem gordas, são
consideradas atualmente pela sociedade como “gostosas”, por terem um corpo com
curvas acentuadas e ainda assim estão constantemente insatisfeitas com o
próprio corpo, se preocupando excessivamente com o peso, atribuindo a ele uma
ênfase excessiva na sua auto-avaliação, sendo o corpo então, um dos fatores
mais importantes na determinação da auto-estima, o que torna possível afirmar
que a pessoa que tem bulimia tem uma baixa auto-estima.
A psicóloga Yvone Poneet dedicada ao
estudo profundo da anorexia e da bulimia afirma: "as bulímicas mesmo que
tenham apenas alguns quilos a mais vivem sentindo os seus corpos como se fossem
desmedidamente disformes e monstruosos. O corpo torna-se uma obsessão...".
Segundo a psicóloga portuguesa Gia
Carneiro Chaves, não é um comer por fome, e sim por ansiedade, visto os
alimentos acalmarem a angústia dessas pessoas. A desnutrição afetiva conduz o
ser a uma fonte insaciável que é compensada desastrosamente por graves excessos
alimentares.
Quando se empanturram de doces e
alimentos, na maioria das vezes solitárias em suas orgias, as pessoas que estão
sofrendo à bulimia tentam abafar as gritantes reclamações afetivas, sem o
saberem ou poderem exprimir de outra forma. Ou seja, os desmedidos excessos
alimentares servem de válvula de escape às suas angústias.
“... talvez naquele momento, por uma falta de suporte interno, de
uma consciência maior, de uma vontade efetiva, isso seja a única coisa que a
pessoa possa fazer e isso se chama resistência, palavra sagrada, pois ela é a
força dos que não tem força, é a coragem dos que se sentem pequenos e
fracos”.
(Ribeiro)
“É nesse contexto que a resistência
adquire corpo, como algo que tem a finalidade primeira de regulação do
organismo, enquanto inibidora da ansiedade consciente. A resistência surge,
pois, como algo que se destina a provocar uma auto-regulação. Atrás de toda
resistência existem uma tensão e uma necessidade camufladas. Toda resistência é
um desequilíbrio em equilibração precária.”
(Ribeiro)
Para a Gestalt Terapia, o campo
organismo/ambiente, constitui uma unidade inseparável, uma totalidade. Dessa
totalidade, figuras emergem em relação a um fundo. Todas as vezes que existe um
desequilíbrio, este será experienciado como uma figura dominante em um fundo de
experiências pessoais.
“Uma boa gestalt é clara e a relação
figura/fundo reage a padrões mutantes das necessidades imediatas da pessoa.
Necessidades não atendidas formam gestalten incompletas, exigindo atenção e
interferindo na formação de novas gestalten” (Yontef, 1993/1998, p. 213).
Doença para a Gestalt Terapia,
representa a incapacidade de uma pessoa em reconhecer a necessidade dominante,
de discriminar o objeto que irá satisfazer sua necessidade, de permanecer em
contato com esse objeto e de se retrair após o fechamento de uma gestalt.
“O indivíduo que come compulsivamente distância cada vez
mais de suas necessidades, mantendo-se afastado de quaisquer sensações
desagradáveis. Descontrolados, engolimos por inteiro nossas angústias,
acreditando que a comida é o problema. O ato de comer torna-se um ritual
obsessivo (pensamento não desejado), expressando um lugar de segurança para o
indivíduo. Pensando terá um motivo concreto para sua tristeza, decepção, raiva,
afastando-se das suas reais emoções. Enquanto acredita-se no pressuposto que o
“alimento” é o problema, jamais curaremos as feridas cuja expressão nos
tornamos compulsivos.”
(Cozzolino)
Fica claro aqui, que a pessoa que está
vivendo o quadro de bulimia, não consegue perceber sua real necessidade,
colocando na alimentação e no corpo, toda a sua insatisfação, desviando do que
realmente a adoece. O ato de comer se sobrepõe a uma necessidade ou a um
sentimento. Fazer com que a pessoa entre em contato com essa necessidade e esse
sentimento é uma das principais metas de um trabalho terapêutico.
A partir do meu contato com as pessoas
que tem bulimia, pude perceber que geralmente, são pessoas que não sabem
expressar suas opiniões, tem medo de serem reprovadas, o que explica cederem de
forma tão rígida a moda, a exigências da sociedade, pois a opinião das outras
pessoas tem um valor tão grande que às vezes não sabem diferenciar da própria
opinião. Quando se chateiam ou não concordam com alguma coisa, dificilmente
falam, guardando e alimentando sentimentos como raiva, tristeza, etc, às vezes
até durante anos. Por não conseguirem se “colocar”, são pessoas que, como diz o
ditado: “engolem um elefante e engasgam com uma formiga” agüentam até que
explodem, mas nesse caso, encontram refúgio na patologia alimentar, tendo no
vômito, uma maneira de colocar pra fora, grande parte da angústia – o que pode
explicar o prazer que sentem ao fazerem.
É absolutamente necessário readquirir
auto-estima e afirmar a sua real personalidade perante os outros, afirma-nos a
psicanalista Catherine Hervais, uma ex-bulímica.
Segundo Monique Augras, o corpo
estabelece o espaço interno, ao mesmo tempo em que funciona como elemento de
comunicação com o espaço externo. É limite do indivíduo e fronteira do meio.
“A consciência de ser um corpo parece
indispensável à diferenciação entre eu e não-eu(...). Fazendo parte ao mesmo
tempo do sujeito e do objeto, o corpo tem por função estabelecer a relação
entre o eu e o mundo exterior”. (Sechehaye, cit. Por
Needleman).
O corpo é o que dá limite entre o
interior de uma pessoa e o mundo, é a fronteira. A todo tempo o corpo é
vivenciado. Quando praticamos esporte, quando sentimos dor, nos movimentos de
contração, nas relações com o tempo, ao experimentarmos um alimento, nas
relações com o outro. A pessoa que apresenta a bulimia, tem uma distorção de
sua imagem corporal.
Para Schilder (1994), a imagem corporal
é a figura de nosso próprio corpo que formamos em nossa mente, ou seja, o modo
pelo qual o corpo se apresenta para nós.
“Vê-se a totalidade do corpo de outra pessoa. Do próprio corpo, a
percepção é fragmentada, e o reconhecimento, dúbio. A visão repentina do corpo
revelado como um objeto qualquer dentro do mundo, tal como pode ocorrer perante
um espelho inesperado, costuma provocar estranheza e até espanto. O corpo do
outro me é mais familiar do que o meu próprio”. (Monique Augras)
Começa então a fazer sentido pensar que
as pessoas que estão passando por essa dificuldade alimentar não conseguirem
diferenciar o que é seu e o que é do outro, pois se o corpo é a fronteira e não
se tem a percepção clara do corpo, como então se diferenciar?
Segundo Jaques Thomas, um dos grandes investigadores da
medicina psicossomática, sabe-se que a bulimia assalta especialmente as
mulheres atingidas pelo exército dos medos. Medo de serem, medo de existirem,
medo de si mesmas. Elas existem apenas através dos pais, dos maridos, do
trabalho.
Steiner-Adair percebeu em seus estudos,
que os jovens que desenvolvem transtornos alimentares perderam suas vozes em um
momento de transição e passaram a estar desconectados tanto de suas
experiências intimas como do próximo. Essas pessoas contam suas histórias com o
corpo e anseiam estabelecer relacionamentos com as pessoas, por essa razão. Sem
saberem autodefinir-se e relacionar-se, no sentido de não desenvolver um
sentido de identidade pessoal nas relações.
É comum que elas reconheçam o próprio
comportamento como absurdo, mas não conseguem controlá-lo e por isso se culpam
ainda mais, sentindo-se inferiores, sem capacidade de autocontrole e com um
sentimento de vergonha de si mesmo. Por isso, geralmente escondem o problema
das outras pessoas, com medo de serem julgadas como pessoas incapazes.
Um passado de abuso sexual tem sido
bastante relacionado ao desenvolvimento da bulimia, sem ser, no entanto,
apontado como causador do transtorno.
“Alguns dos problemas mais
freqüentemente referidos em crianças e adolescentes que sofreram abuso
incluiriam ansiedade, raiva, queixas somáticas, distúrbios sexuais, do
aprendizado e do comportamento. Entre os adultos, haveria depressão, ansiedade,
uso nocivo e dependência de álcool e drogas, transtornos alimentares, do sono,
dissociativos e psicóticos, além de doenças orgânicas, como distúrbios gastrintestinais,
cefaléia e dor crônica”
(Bachmann
et al., 1988; Moncrieff et al., 1996; Charam, 1997; Miller et al., 1997).
Geralmente, quando se fala sobre o
assunto “abuso sexual”, não fica claro o que exatamente pode ser considerado
como sendo abuso. É comum se pensar, que, quando ocorre de fato o ato sexual
com penetração pode ser considerado como tal, quando na verdade para ser
considerado como abuso sexual, não precisa necessariamente que tenha havido
penetração. Muitas vezes ocorrem outros tipos de abuso sexual que geralmente
chamam menos atenção. Esses casos começam despercebidamente através de sedução
sutil, passando a prática de "carinhos" que raramente deixam lesões
físicas. Os tipos de abuso variam em gravidade, desde carícias leves até
estupro violento.
Para Cohen & Fígaro (1996), abuso
sexual pode ser entendido como qualquer relacionamento interpessoal no qual o
ato sexual é veiculado sem o consentimento do outro, podendo ocorrer pelo uso
da violência física e/ou psicológica.
Uma experiência de abuso pode dar
origem a uma baixa auto-estima, culpabilidade, auto-reprovação, dificuldade em
relações pessoais. A culpa vem,
geralmente, devido ao fato de a criança ter permitido que o abuso acontecesse
e, muitas vezes, de certa forma, ter experimentado sensações de prazer, o que
gera uma auto-reprovação e nojo de si mesmo. Sensações novas foram despertadas,
mas não integradas. É bastante comum também, que a pessoa tenha um grande
sentimento de vergonha, por achar que seu corpo está sujo ou contaminado, sentindo-o
como profano.
Algumas conseqüências do abuso podem
ser comparadas à bulimia. Vimos que alguns comportamentos de pessoas com
bulimia são de certa forma, paradoxais, no sentido de que, ao mesmo tempo em
que querem emagrecer, durante a hiperfagia, de uma maneira quase irracional,
agem de forma a proporcionar justamente o contrário.
Com a ocorrência do abuso sexual, há uma distorção da imagem corporal. A
pessoa que passou pela experiência de ser abusada sexualmente encontra muita
dificuldade para lidar com seu corpo considerando-o pouco atraente e adquirindo
uma representação anormal da sexualidade. Apresenta sentimentos e
comportamentos contraditórios, como, por exemplo, um interesse excessivo ou
evitação de natureza sexual, uma inclinação para a prostituição ou a evitação e
fobia de todos os indivíduos do sexo oposto, demonstrando um verdadeiro
conflito em relação a isso. As preocupações com dieta, perda de peso e
aparência seriam aí uma demonstração de defesa contra os sentimentos que não
podem ser elaborados após o trauma da violação do corpo. Elas associam seu
sentimento sexual com o peso corporal, gravidez, amamentação e o estado de seus
relacionamentos.
É comum, que na adolescência, em
conseqüência de um abuso sexual na infância, a pessoa tenha um comportamento
rebelde e impulsivo, muitas vezes violento, não sendo muito tolerante com o
outro e se mostrando irritada, com uma agressividade excessiva e mal
gerenciada. A agressividade pode também estar voltada para dentro, para si
mesmo, gerando um comportamento autodestrutivo.
“Estudos que abordaram o abuso sexual e
os transtorno alimentares destacaram sintomas depressivos graves, condutas de
auto-agressão, ideação suicida e, até mesmo, distúrbios dissociativos como os
mais freqüentemente associados à violência sexual”
(Herzog
, 1993; Andrews, 1995; Sullivan , 1995; Tobin & Griffing, 1996).
Pesquisas atuais tem demonstrado que
quem sofre de bulimia, é mais propenso a apresentar comportamentos arriscados,
como o abuso de drogas, álcool. O índice de suicídios entre quem tem bulimia é
alto, levando em consideração o fato de que apresentam traços fortes de
depressão e do transtorno obsessivo-compulsivo.
Com essas informações, não podemos
deixar de pensar na relação da compulsão com essa incapacidade que a pessoa tem
de lidar com sua real necessidade. Já vimos, aquele que está passando pela
bulimia, está propenso a ter uma série de compulsões além da compulsão com a
comida. Traços de um comportamento obsessivo costumam aparecer com relação a
jogos, compras e até sexo, além da comida. São diferentes expressões da mesma
ansiedade, que compromete, mais do que o peso, a qualidade de vida.
A pessoa pode, por exemplo, se manter
meses em uma dieta, o que não significa dizer, que seu desespero passou. Ela
simplesmente pode ter assumido uma nova forma, tornando-se compulsiva em sua
dieta.
Segundo Patrícia Albuquerque, ao
analisarmos a palavra “compulsão”, podemos perceber o que ela nos diz: Com +
pulsão= movimento de reter a pulsão. Essa pulsão que fica retida pode encontrar
várias formas de obter alívio. (trecho de aula dada por Patrícia Albuquerque no
Instituto de Gestalt Terapia e Atendimento Familiar.)
5.0 – CONCLUSÃO
Segundo o minidicionário Aurélio,
concluir significa, pôr término a, ou levar a cabo; deduzir, inferir, terminar
de falar. Ou seja, é na conclusão que se deve dar um fechamento, o que está
sendo ao mesmo tempo muito gratificante e também o experimentar de um luto.
Gratificante, por ter atingido o
objetivo ao qual me propus, de apresentar a visão da Gestalt em relação à
Bulimia, mas principalmente por ter me proporcionado, resultados surpreendentes
em alguns dos meus atendimentos.
Não quero, contudo, encerrar aqui,
minha busca pelo assunto, pois a visão que tenho hoje, em relação a esse
trabalho é de uma porta se abrindo, através da qual eu pretendo entrar e me
aprofundar cada vez mais.
Através desse trabalho, durante minhas
pesquisas, pude chegar a algumas conclusões em relação ao atendimento a pessoas
que estão vivendo um quadro de bulimia, que acredito serem fundamentais.
Fica claro aqui, que a “voz”, é um
instrumento fundamental para a superação do problema. No caso da bulimia, onde
é dada uma situação de silêncio, o corpo para se auto-regular, passa a ser a
voz. O ato de comer sem saber se
realmente está com fome, ou sem sentir o gosto da comida, mostra de forma
clara, como o comer parece sobrepor-se a uma necessidade ou a um sentimento. É
fácil notar a falta de contato no que se refere à percepção de sua real
necessidade. Contata-las torna-se então uma das principais metas do trabalho,
para que possa dar voz a ela.
O atendimento a pessoas com bulimia se
torna muito gratificante, pois o resultado tende a ser muito eficaz. Isso se deve ao relacionamento terapêutico,
que através do diálogo, escolhendo dar voz ao que emerge, a pessoa desenvolve
uma nova forma de comunicação que modifica os significados, as relações e sua
identidade, que deixa de ser através do outro.
O autoconhecimento, que o atendimento
psicológico proporciona, vai exercer um papel de fundamental importância para
possibilitar uma mudança, pois conforme a pessoa vai se conhecendo, aumenta a
possibilidade dela agir com congruência, do mesmo modo que conforme ela vai
agindo, vai também se conhecendo.
“Viver é como afinar um instrumento;
De dentro pra fora; de fora pra dentro.
O tempo todo; a todo o momento.
De dentro pra fora; de fora pra
dentro” (Leila Pinheiro)
A ampliação do autoconhecimento permite que a pessoa identifique
como está construindo tal sintoma, o que gera a possibilidade de uma natural
superação do quadro, através da auto-regulação, que vem trazer uma forma de
funcionamento mais harmônica e saudável.
“O homem é auto-regulado, ou seja, o
homem tende a homeostase, ao equilíbrio. Possui um impulso dominante de
auto-regulação pelo qual é permanentemente motivado. A idéia de auto-regulação
implica em uma concepção distinta, em Gestalt-terapia, de saúde e de doença.
Para os Gestalt-terapeutas as noções de saúde e doença são vistas, por exemplo,
em uma curva de energia proposta por Joseph Zinker (1979) onde a saúde
corresponde a um equilíbrio energético e a doença a um momento de desequilíbrio
de energia”. (Antonio Elmo de Oliveira
Martins)
BIBLIOGRAFIA
American Psychiatric Association
DSM-IV, Manual diagnóstico e estatístico de distúrbios mentais. (3ª ed.). São
Paulo: Manole. 1989.
AUGRAS, Monique. O ser da compreensão-
fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. Vol.10, Rio de Janeiro,
Petrópolis, 2002.
AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A. As
Políticas sociais e a violência doméstica contra crianças e adolescente: um
desafio recusado em São Paulo? In: AZEVEDO, M. A. 1998.
AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A.;
VAICIUNAS, N. O Incesto ordinário: a vitimização sexual doméstica da
mulher-criança e suas conseqüências psicológicas. In: AZEVEDO, M.
BELLO, BRUNA. Revista Viver. Matéria:
Porque as dietas não funcionam. Seguimento, Novembro 2003.
BELMONTE, Terezinha - Emagrecimento Não
é Só Dieta, São Paulo, 4ª Ed., Ágora, 1986.
BERGER,
D.; Saito, S.; Ono, Y.; Tezuka, I.; Shirahase, J.; Kuboki, T. & Suematsu,
H. – Dissociation and child abuse histories in an eating disorder cohort in Japan
– Acta Psychiatr Scand 90: 274-80, 1994. . Retirado em 02.05.05
, http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
CAMINHA, R. M. A. Violência e seus
danos à criança e ao adolescente. In: AMENCAR (org.). Violência doméstica.
Brasília: Unicef, 1999.
CAMPOS, ROSE. Revista Viver. Matéria:
Sinais que vem da emoção. Seguimento, Janeiro 2004.
CHAVES, Gia Carneiro. (2002).
Bulimia. Retirado em 04.08-2002,
http://www.portugal-linha.net/arteviver/bulimia.htm /
CLARKSON,
P. (1989). Gestalt counselling in action. London: Sage.
CONNORS,
M.E. & Morse, W. – Sexual abuse and eating disorders: a review – Int J Eat
Disord 13: 1-11, 1993. Retirado
em 02.05.05 ,
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
CONSTIN, Frank - Curso de Introdução
Programada. volII, São Paulo, Brasilience, 1975.
CORDÁS, Táki A; Hochgraf, Patrícia B. O
"BITE": instrumento para avaliação da bulimia nervosa - versão para
português. J. bra. Psiq, 1993.
CORDÁS, T.A. & Fleitlich, B.W –
Epidemiologia, In: Cordás, T.A. et al. Bulimia nervosa: diagnóstico e propostas
de tratamento. São Paulo, Lemos Editorial, pp. 19-22, 1998.
COZZOLINO, LUISE. Obesidade,
Monografia, Rio de Janeiro 2001.
DEBROITNER,
R. & Hart, A. (). Moving beyond ADD/ADHD – The book. Retirado em 07.02.2001,
http://www.magicnet.net/~joeg/beyond/book.html
DE
GROOT, J.M.; Kennedy, S.; Rodin, G. & Mcvey, G. – Correlates of sexual
abuse in women with anorexia nervosa and bulimia nervosa – Can J Psychiatry 37:
516-8, 1992. Retirado em
02.05.05 , http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
DREZETT, J. Aspectos biopsicossociais
da violência sexual. Jornal da Rede Pública, n. 22, p.18-21, 2000. . Retirado
em 01/05/05 ,
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742003000200006
FALLER,
Kathleen Coulborn, Child Sexual Abuse page 259
1988 Columbia University Press
Printing No. 4, ISBN
0-231-06471-3, Retirado em 01.05.05 ,
http://www.lucidpages.com/Sinais.html
QUILICI, Flavio A., Colonoscopia, São
Paulo, Lemos Editorial, 2000.
FOGEL, Marcia Rubinsztajn - Disfunção
Alimentar –Obesidade um Enfoque Gestálico – Revista Vita de Gestalt – Terapia –
nº 1 – Rio de Janeiro, 1995.
FOLSOM,
V.; KRAHN, D.; NAIRN, K.; GOLD, L.; DEMITRACK, M.A. & Silk, K.R. – The
impact of sexual and physical abuse on eating disordered and psychiatric
symptoms: a comparisonof eating disordered and psychiatric in patients – Int J
Eat Disord 13: 249-57, 1993. Retirado
em 02.05.05 ,
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
GUERRA, V. N. A. Infância e violência
doméstica: fronteiras do conhecimento. São Paulo: Cortez, 1997.
HENDERSON
M.; Freeman C.P.L. A self-rating scale for bulimia, the BITE. Br. J.
Psychiatry,1987.
HERZOG,
D.B.; STALEY, J.E.; CARMODY, S.; ROBBINS, W.M. & VAN DER KOLK, B.A. – Childhood
sexual abuse in anorexia nervosa and bulimia nervosa: a pilot study – J Am Acad
Child Adolesc Psychiatry 32: 962-6, 1993.
Retirado em
02.05.05 ,
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
MARTINS, Antonio Elmo de Oliveira –
Notas para um “Mini Manual” de Gestalt Terapia , 1995.
MONTEIRO, L.; ABREU, V. I.; PHEBO, L.
B. Abuso sexual: mitos e realidade. Petrópolis: Autores & Agentes &
Associados, 1997.
NEEDLEMAN,
“critical Introducion to Ludwig Binswanger´s Existencial Analises” (apud
Monique Augras)
Organização Mundial de Saúde (1993).
Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: Descrições
clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas.
PERLS,
F., Hefferline, R. & Goodman, P. (1997). Gestalt-Terapia. (F. R. Ribeiro, Trad.) São Paulo: Summus.
(Originalmente publicado em 1951).
PIRES, J. M. A. Violência na infância:
aspectos clínicos. In: AMENCAR (org.). Violência doméstica. Brasília: Unicef,
1999.
POLITO, F. M. A Polaridade Saudável no
Processo do Adoecer. Monografia apresentada como exigência parcial para a
obtenção do título de Especialista em Gestalt-terapia pelo Instituto Sedes
Sapientiae sob a orientação da Profa. Beatriz Helena Paranhos Cardella. São
Paulo, 1999.
RIBEIRO, J. P. (1997). O ciclo do
contato. São Paulo: Summus
ROSENTHAL,
R.H. – Psychology of chronic pelvic pain – Obstet Gynecol Clin North Am 20:
627-42, 1993. Retirado em
02.05.05 ,
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
SAFFIOTI, H. I. B. Quem mandou nascer
mulher? estudos sobre crianças e adolescentes pobres no Brasil. Rio de Janeiro:
Rosa dos Tempos, 1996. p.139-211. No fio da navalha.
SCHAAF,
K.K. & Mccanne, T.R. – Childhhod abuse, body image disturbance and eating
disorders – Child Abuse Negl 18: 607-15, 1994. Retirado em 02.05.05
, http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
SCHMIDT,
U.; EVANS, K.; TILLER, J. & TREASURE, J. – Puberty, sexual milestones and
abuse: how are they related in eating disorder patients? – Psychol Med 25:
413-7, 1995. Retirado em 02.05.05 ,
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
SULLIVAN,
P.F.; BULIK, C.M.; CARTER, F.A. & JOYCE, P.R. – The significance of a
history of childhood sexual abuse in bulimia nervosa – Br J Psychiatry 167:
679-82, 1995. . Retirado
em 02.05.05 ,
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
TICE,
L.; HALL, R.C.; BERESFORD, T.P.; QUINONES, J. & HALL, A.R. – Sexual abuse
in patients with eating disorders – Psychiatr Med 7: 257-67, 1989. . Retirado em 02.05.05 ,
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
TOBIN,
D.L. & Griffing, A.S. – Coping, sexual abuse and compensatory behavior –
Int J Eat Disord 20: 143-8, 1996. Retirado em 02.05.05. ,
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
VIZE,
C.M. & COOPER, P.J. – Sexual abuse in patients with eating disorder,
patients with depression and normal controls: a comparative study – Br J
Psychiatry 167: 80-5, 1995. . Retirado
em 02.05.05 ,
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
VOGELTANZ,
N. D.; DRABMAN, R. S. A Procedure for evaluating young children suspected of
being sexually abused. Behavior Therapy, n. 26, p.579-597, 1995. Retirado em 1/05/05 ,
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742003000200006
WILLIAMS,
M.H. Nutrition For Fitness and Sport. (1995).
WILLIAMS, L. C. de A. Abuso sexual
infantil. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE PSICOTERAPIA E MEDICINA COMPORTAMENTAL, 10.
Resumo de Comunicações Científicas. Campinas, 2001. p.197. Retirado em 01/05/05
,
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742003000200006
YONTEF, G. (1998). Processo, diálogo e
awareness: Ensaios em Gestalt-Terapia. (E. Stern, Trad.)
São Paulo: Summus.
(Trabalho original publicado em 1993)
WALLER,
G.; HALEK, C. & CRISP, A.H. – Sexual abuse as a factor in anorexia nervosa:
evidence from two separate case series – J Psychossom Res 37: 873-9, 1993. . Retirado em 02.05.05 , http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
ZLOTNICK,
C.; HOHLSTEIN, L.A.; SHEA, M.T.; PEARLSTEIN, T.; RECUPERO, P. & Bidadi, K.
– The relationship between sexual abuse and eating pathology – Int J Eat Disord
20: 129-34, 1996. . Retirado
em 02.05.05 ,
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/27(5)/artigos/art257.htm
ANEXO 1:
Depoimento
Bom, primeiro a minha tia (que trabalha
no HC de Ribeirão Preto) percebeu de cara, pois vê muitos casos no Hospital.
Ela alertou minha mãe que já estava preocupada, mas como na época não se falava
muito disso, foi procurar livros sobre isso. Nunca disse: coma filha, vc
precisa. Ela simplesmente começou a contar casos do Hospital que minha tia
havia falado. Não dei bola, achei que estava exagerando. Peguei uma foto da
Fernanda Tavares que é modelo e disse: quando eu ficar assim eu paro. Aí ela
disse: ela é horrível de corpo filha, vc está louca? Mas eu disse: mãe, eu não
quero beleza, eu quero leveza para o Ballet, estou machucando meus pés com esse
peso todo (eu estava com 54 KG). Ficou um mês tentando colocar suplemento
vitamínico no meu leite, que eu bebia de manhã, estimulador de apetite e fazia
coisas que eu amava comer para eu passar vontade. Dizia assim: não precisa
comer, mas tá uma delícia viu...
Ela não disse mais nada, fomos comprar
uma calça jeans pois fazia tempo que não comprava roupas. Estava usando dois
números à menos, não servia pra mim mais o 38. De lá passamos numa farmácia,
pesava 46 Kg, minha mãe disse: vc se viu no espelho hoje? Me colocou no espelho
do trocador da loja e puxou minha pele do lado eu disse que era gordura e ela
disse, vamos almoçar agora.
Chegando no restaurante, ela pediu um
prato super balanceado e eu disse que não adiantava ela tentar me engordar. Ela
disse: enquanto vc não comer, não vamos embora.O shopping fechou, estávamos lá
com a comida fria.O guarda disse que tínhamos que ir embora, comecei a chorar
de vergonha, dei duas garfadas e fomos pra casa.
No outro dia desmaiei na escola por ter
menstruado, chamaram minha mãe, ela disse que eu não estava comendo. Era época
de vestibular, ela me tirou do Ballet e disse que se eu não agüentava
menstruar, quanto mais dançar.
Aquilo foi o fim pra mim, não deixou
nem eu prestar vestibular, ela disse que o cérebro não funciona quando é
desnutrido. O médico confirmou isso na minha frente no mesmo dia.
No mesmo dia minha tia me levou no HC,
vi três meninas em fase grave, uma era terminal, todas anoréxicas. Me senti
idiota, elas estavam horríveis, parecendo desidratadas e monstruosas. O quarto
fedia, o hálito delas era repugnante e uma delas tirou o soro, pois disse que
aquilo podia ter açúcar. Queria morrer, eu tinha feito o mesmo na escola dentro
da ambulância, quando deram glicose pra mim na veia.Chorei na volta.Não queria
aquilo pra mim.
Eu sentia que todos estavam em complô
contra mim sabe. Parecia que quando alguém me oferecia algo, na verdade estava
querendo meu mal, queria me engordar. A família do me pai é numerosa e todos
estão gordos e/ou obesos. Sempre foi assim. Eu sempre fui a mais magra e me
orgulhava disso, pois em casa minha mãe sempre cozinhou bem e seus pratos eram
muito nutritivos e deliciosos. Doces e refrigerantes só nos domingos e festas.
Quanto mais tentavam me ajudar, mais eu
me sentia desafiada a continuar e enganar todos. O médico já sabia disso, a
nutricionista soube depois e então minha mãe me colocou num grupo de
transtornos alimentares. Foi pior, parecia que não tínhamos o mesmo problema,
parecia que só elas eram doentes. E algumas eu dava apoio, pois sabia que elas
me entendiam. Mas depois que vi as meninas em fase terminal no HC, vi que todas
do grupo poderiam tb acabar como aquelas meninas, inclusive eu.
Parei de menstruar, achava que estava
grávida e o médico disse que não tinha como alguém engravidar desnutrida
daquele jeito. Fiquei chocada. E disse que se um dia eu quisesse ter filho era
melhor voltar a comer rapidinho. Não queria pensar no futuro então não me
afetou. Só queria rapidez no emagrecimento.
Um dia voltava da escola e vi o Resgate
do Corpo de Bombeiros. Estava muito frio. Fui ver o que era, era uma criança
morta. Perguntei se era por causa do frio e o bombeiro disse: não, é de fome
mesmo, está seca e os dentes caíram.
Voltei pra casa a pé, chorei muito,
meus dentes tb estavam amolecendo. Pensei: estou me matando? Cheguei em casa,
contei tudo pra minha mãe, ela tb chorou, disse que eu só estava andando porque
ela enfiava suplementos líquidos no pouco que sabia que eu comia.
Fui visitar as meninas no hospital de
novo, contei a elas o que vi e vi que a Anorexia é uma doença às vezes sem
volta, pois uma delas ainda disse: prefiro morrer, mas morrer magra (e riu).
Fiquei revoltada. Uma semana depois
chegou meu aniversário, acordei diferente aquele dia. Disse que ia nascer de
novo. Minha mãe fez festa surpresa pra mim. Tinha amigos de fora, de cidades
que morei antes (mudei 11 vezes de cidade) e muitos se assustaram com minha
aparência. Uma amiga disse que sentia minha falta no Ballet, fiquei feliz e
disse que no próximo ano voltaria.
Minha mãe chorou quando me viu
experimentando um pedaço do bolo que fez pra mim. Eu adorei comer aquilo, pois
dessa vez, não senti culpa por comê-lo e não andei 7km na esteira para
compensar e nem fiz 100 abdominais em jejum ao lado da cama. Depois que
desmaiei na escola não fiz mais exercícios.
Fui pra faculdade com os 54 kg normais,
tenho 1,71m.
Lá até engordei, pois meu metabolismo
estava muuuito lento. Não deixei de dançar mais, comia bem e mesmo que alguns
professores diziam que havia engordado, não ligava, dizia: sinto muito, tenho
trauma de dieta.
Mas depois de um tempo comecei a
engordar pra valer e cheguei aos 70kg, comecei a tomar laxantes e fiquei
depressiva, não conseguia mais parar de comer e até hoje quando tenho estresse
ou tristeza, me controlo para não fazer isso. Não faço dietas de medo de voltar
à anorexia então tomei muitos laxantes. E depois tomava muito yakult para não
detonar a flora intestinal. Mas um professor da academia disse que isso retem
líquido e piora as coisas. Então faz dois meses que não tomo mais. Diminuí as
calorias e agora estou bem. Não me preocupo com o espelho, só com o peso nas
pontas dos pés. Enquanto eu dançar minha balança será essa. Não sei quanto eu
peso, mas estou feliz assim. Não quero medir minha cintura, essas coisas que
toda mulher olha nas revistas de beleza.
Sei que mereço ser bonita e feliz e não
quero me preocupar mais com isso. Vou voltar a comer como eu comia quando era
pequena, com cuidado e equilíbrio. Minha mãe está me explicando como sempre
fazia e está funcionando.
Espero que ninguém entre nessa, pois
duas das três que visitei faleceram e uma está internada há 6 meses e o que
mais assustou foi saber que por dois Kg a menos estaria na mesma situação de
uma das que morreram. Hoje eu sou formada em Letras, dou aulas de Francês e
Ballet, estou indo para França no fim do mês, mas se precisar de alguma coisa
me escreva. Se quiser perguntar algo é só me escrever. Espero ajudá-la sempre e
a outras meninas também.
Anexo 2
Depoimento
Tudo começou quando eu tinha 3 anos. Na
escolinha os meninos mais velhos vinham brincar conosco. Nos faziam tirar a
roupa, ficavam nos tocando... Não sei como, mas de uma hora pra outra, meus
primos também começaram a "brincar" disso.
Morávamos todos na mesma rua, estávamos
sempre juntos e esse tipo de brincadeira, ficava cada dia mais freqüente. Se
brincávamos de esconde-esconde, quando eu me escondia sempre algum me seguia.
Ou me trancavam dentro da casa da minha tia, e só me deixavam sair se eu
fizesse tudo o que queriam. Os anos foram se passando, eu fui crescendo. Mesmo
não gostando das brincadeiras, mesmo sentindo que havia alguma coisa errada
comigo, continuou a acontecer.
Quando eu tinha em torno de sete anos,
minhas primas também começaram a fazer isto comigo. Tiravam minhas roupas, me
tocavam, deitavam sobre mim, me beijavam. Cada dia eu sentia mais nojo de mim
mesma! Continuei a crescer e a freqüência começou a diminuir, mas as coisas a
se fazer, só aumentavam (sexo oral, anal, masturbação). Com uns 11 anos,
comecei a sentir nojo, muito nojo da comida, de mastigar, de engolir. Nojo da
minha própria boca. Comecei a comer só dentro do quarto e a jogar a comida pela
janela. Com 13 anos, parou de acontecer com minhas primas, restou apenas um
primo. Eu já não era mais criança, só que era tão difícil impedir. Eu não
freqüentava mais a casa dessa mina tia. Quando minha mãe me pedia para buscar algo
lá, eu ficava na porta pra falar com a minha tia, e meu primo ficava atrás dela
se masturbando.
Nos aniversários, minha mãe me mandava
cumprimentá-lo, e o abraço sempre vinha acompanhado de um carinho no bumbum, ou
uma "esfregadinha". E eu, sempre tinha que disfarçar. Espiava-me,
dava um jeito de entrar na minha casa quando eu estava sozinha. Jogava-me em
cima da cama, tentava arrancar minha roupa de qualquer jeito. Aí brigávamos...
Eu fazia muito esforço pra tentar não pensar nisso o tempo todo... Fazia o
possível pra parecer que nada acontecia. Tinha muito medo que alguém
descobrisse. Isso durou até os 17 anos. Que foi quando eu jurei pra mim mesma,
e pra ele, que iria contar pro meu pai. Ele invadiu o meu quarto, e meu pai
estava em casa. Eu comecei a gritar sem medo que meu pai escutasse, já estava
cansada e não ia aturar mais! Quando ele percebeu que eu finalmente estava
falando sério, foi embora, e nunca mais tentou! E foi nessa época que descobri
a bulimia.
Pode parecer ridículo, mas nada era tão
bom quanto vomitar! Antes eu mal comia. Era muito magrinha. Mas na adolescência
comecei a me achar gorda. Todos me cobravam muito! Além de ter que ser a melhor
filha, a melhor aluna, a melhor sobrinha, a melhor neta, tinha que ser magra!
Não comia nada sem ouvir a frase: Olha, você vai ficar gorda comendo isso! Eu,
sempre perfeccionista cobrava demais de mim mesma! Precisava ser magra! Mas
como se eu estava comendo demais? Vomitando tudo o que comia! E estava resolvido
meu problema. Pois, além de todo o nojo que sentia de mim e o grande prazer e
alívio que o ato de vomitar nos proporciona, eu estava me livrando de toda
aquela comida nojenta! Fiquei nisso até os 19, quando tive a "tão
sonhada" anorexia. Tinha o peso normal e acabei ficando abaixo do mínimo
que eu deveria ter. Hoje estou com o peso normal. Querendo emagrecer mais um
pouquinho, claro! Mas estou tranqüila. Não provoco o vômito a quase um mês. Não
passo mais horas seguidas malhando, correndo, pra emagrecer. Não faço mais
jejuns também. Sei que ainda não estou curada. Mas estou melhorando. E isso já
me deixa mais feliz! Estou progredindo, pois vomitava cerca de oito vezes por
dia, tomava tudo quanto é remédio controlado, sem acompanhamento médico. Fiz
poucos meses de terapia, e adorei. Mas como meus pais não sabiam de nada, não
podia dizer a eles. Afinal, a filhinha perfeita como uma filha que desejava ser
perfeita podia estar com uma doença dessa? Então, com medo que descobrissem,
parei com a terapia. Mas pretendo voltar! Hoje, eu já sinto vontade de namorar,
desejo. Cansei de ouvir que sou lésbica ou encalhada, por nunca aparecer com
namorado algum. Eu sentia muito nojo dos homens. Não podia, sequer, ouvir falar
em sexo! Mas hoje, finalmente, estou aprendendo a gostar. Já consigo abraçar,
beijar, fazer e receber carinho, sem ficar pensando que é ruim, nojento,
errado, ou no que passou... Nada é pra sempre! Nós só precisamos nos esforçar
pra deixar as coisas ruins no passado. Não se pode mudar o que passou, mas o
futuro somos nós quem fazemos. Então, vale a pena fazer o possível pra tentar
ser feliz daqui pra frente!