ARTIGO

A arte de cuidar e ser cuidado: cuidar-se para cuidar

The art of taking care and to be taken care


Vítor Fragoso1

USC - Universidde Sênior Contemporânea – Portugal



RESUMO

A arte de cuidar é a actividade humana por excelência, pois surge no seio da relação dialógica inter-humana, faz do homem aquilo que ele é. O ciclo do cuidado percorre toda a nossa existência, somos cuidados, cuidamo-nos e zelamos pelo cuidado do outro.
Para além de ser uma actividade eminentemente humana transmitida através da cultura e educação, também é uma profissão. Este artigo e reflexão destina-se, a todos aqueles que formal ou informal cuidam de idosos. São nossos objectivos reflectir e sensibilizar (de forma didáctica) para a importância da atenção e cuidado que o cuidador deve ter em relação ao seu próprio Ser, de forma a cuidar conscientemente do outro. Cuidar implica cuidar-se.

Palavras chave: Cuidar, saúde, prevenção, holismo.



ABSTRACT


The art of taking care of is the human activity by excellence because it
appears as a consequence of the dialogic relationship of the human beings, making them what they are. The cycle of the care, escorts us during all our existence: we are taken care, we take care of ourselves and we end up taking care of the others. Besides being an eminently human activity transmitted through education and culture, taking care of is also a profession. This article and reflection is addressed to all of those that formal or informally take care of seniors. The aims are to reflect and sensibilize (in a didactic form) for the importance of the attention and care that the caretaker should have in relation to his own, in order to consciously take care of the others. Taking care of someone implicates that the caretaker must at first take care of himself.

Keywords: Take care of, health, caretakers, prevention, holism.



INTRODUÇÃO


"A capacidade de cuidar é o que dá à vida seu mais profundo sentido e significado".
Pablo Casals

Cuidar do Ser é prestar atenção ao sopro que o anima.
Jean-Yves Leloup


O cuidado um actividade humana
Há algo nos seres humanos que não se encontra surgido em outras espécies. Há milhões de anos no processo evolutivo quando emergiram os mamíferos, dentro de cuja espécie nos inscrevemos, o nosso processo evolutivo desenvolveu: o sentimento, a capacidade de emocionar-se, de envolver-se, de afectar e de sentir-se afectado (Boff, 2000).

Só nós humanos podemos sentar-nos à mesa com o amigo frustrado, colocar-lhe a mão no ombro, tomar com ele um copo de cerveja e trazer-lhe consolação e esperança. Construiu o mundo a partir de laços afectivos. Esses laços tornam as pessoas e as situações preciosas, portadoras de valor. Preocupamo-nos com elas. Tomamos tempo para dedicar-nos a elas. Sentimos responsabilidade pelo laço que cresceu entre nós e os outros. A categoria cuidado recolhe todo esse modo de ser. Mostra como funcionamos enquanto seres humanos (Boff, 2000).

Cuidar e cuidados
Uma das tarefas humanas, em que a unidade culpabilidade/responsabilidade aparece mais evidenciada, é a de cuidar. Cuidar de Mim e do Outro (Guimarães Lopes, 1993).
O cuidar humano radica no amor.

Cuidar é actuar sobre o poder de existir, é possibilitar a libertação das capacidades de cada ser humano para existir, para viver, cuidar é definitivamente uma forma de promover a vida (Coliére, 1993).

O verbo cuidar em português denota atenção, cautela, desvelo, zelo. Assume ainda características de sinonimo de palavras como imaginar, meditar, empregar atenção ou prevenir-se. Porém, representa mais que um momento de atenção.

Cuidar é na realidade, uma atitude de preocupação, ocupação, responsabilização e envolvimento afectivo com o ser cuidado (Guimarães Lopes, 1993).

Os cuidados não se transmitem só de uma forma cultural, há que também apreende-los; cuidar é uma actividade, mas também uma profissão.

Quando se fala acerca da prestação de cuidados é importante definir o conceito de saúde versus doença, pois é na saúde e na doença que a relação de cuidar surge.

Saúde não é apenas a ausência de doença, ela corresponde ao bem-estar humano nas vertentes física, psíquica e social, tal como consta na definição mais conhecida, proposta pela Organização Mundial de Saúde, por oposição doença seria o contrário desta definição.

Embora como disse um conhecido médico alemão: “Saúde não é a ausência de danos. Saúde é a força de viver com esses danos”. Saúde é acolher e amar a vida assim como se apresenta, alegre e trabalhosa, saudável e doentia, limitada e aberta ao ilimitado que virá além da morte (Boff, 2000).

A saúde deve ser entendia e abordada por parte de quem cuida através de uma perspectiva Bio – psico – socio – espiritual. O ser humano dever entendido como um ser UNO e indivisível, concepção esta que vai ao encontro da noção de indivíduo (processo de individuação - SER integral), pois como a própria raiz da palavra indica individuo – in – divíduo (divisível), ou seja o Ser-humano não é divisível é um individuo (in-divisível) em que o “todo é diferente da soma das partes” (Rohden, 2006).



Porquê cuidar do cuidador?
É comum ouvirmos que para cuidar, antes de mais nada é necessário cuidar-se, pois o cuidador é aquela pessoa que, inspira confiança, acaba com o desespero, luta contra o medo, inicia acções positivas e produtivas, e sendo assim todos esses valores teriam que fazer parte das práticas de quem cuida (Guimarães Lopes, 1993).

Cuidar tem por essência prestar atenção a algo de importância primeira, já que nos é caro.
O que de mais caro podemos ter está resumido no pronome “quem”, incluído na frase “ quem sou eu” resultando do modo como me escolho (Guimarães Lopes, 2005).

A raiz latina da palavra “cura” é comum a palavra cuidado, a caro (no sentido de algo de valor elevado, precioso, querido), a caridade.
Assim prestar atenção à existência pessoal é a primeira forma de cuidado, a sua forma ética.
A partir daí já podemos ver o outro e prestar-lhe atenção (Guimarães Lopes, 2005).

No que se refere ao cuidado que prestamos ao Outro, São Bartolomeu alerta-nos para o excesso quanto desperta seus discípulos ao dizer “(…) não descuides por causa disso o cuidado de ti mesmo, e não te dês aos outros até ao ponto de não restar nada para ti, para ti próprio”.

A experiência de cuidar


A experiência de cuidar supõe importantes mudanças na vida das pessoas cuidadoras: mudanças sociais, nas relações interpessoais, estados emocionais, etc.
A situação de cuidar pode ser uma situação de stress.

As consequências do cuidado que mais stress gera na vida dos cuidadores são:
- a redução do tempo livre;
- o esgotamento físico e psíquico;
- e o mal-estar subjectivo.

Estratégias de controle do stress e de gestão da saúde:

Pedir ajuda;
Colocar limites;

Cuidar da sua saúde;
Organizar o tempo;
Gerir as emoções (inteligência emocional);
Planificar o futuro.

Porque surgem as dificulddes em pedir ajuda?
As principais dificuldades e barreiras identificadas e relatadas por muitos cuidadores:

- são o pensar que têm a obrigação de prestar os cuidados;
- que pedir ajuda supõe uma perda da auto-estima;
- a preocupação de sub carregar outras pessoas;
- o medo da vergonha e das respostas negativas dos outros e a falta de ajuda acessível e competente (real ou percebida).

Lembre-se que...
- Para cuidar tem que se sentir bem;
- Para além do cuidar tem outras “obrigações”: família, amigos, trabalho, e você mesmo.

Não se esqueça que...
- Descansar é imprescindível;
- É importante encontrar tempo para si mesmo;
- Conversar com os amigos ou fazer novos amigos, já que estes podem ajudar a suportar os momentos difíceis. Manter actividades que sempre se gostou como, ir ao cinema, passear, tomar café, etc…
- É importante tirar umas férias de vez em quando, mesmo que seja por alguns dias, já que seriam um bom revigorante físico e psíquico.
- Pedir ajuda. Os outros não têm que descobrir ou “adivinhar” o que se passa. Há que comunicar o que se passa.
- Procurar apoio, utilizar serviços de ajuda para o cuidador, consultar profissionais, informação e procurar apoio em familiares e amigos.
- Pedir ajuda não é negativo, é uma excelente forma de cuidar.
- Por limite à quantidade de cuidado. Isto é aprender a delegar tarefas, “saber dizer não”, promover hábitos saudáveis, gerir o stress e os sentimentos negativos.

Que pode fazer o cuidador quando se sente deprimido?


Identificar situações ou momentos se sente triste ou deprimido.
Evitar se possível, as situações citadas anteriormente, se não tentar mudá-las.
Realizar actividades gratificantes. A actividade é inimiga da depressão.
Não pretender fazer mais do que é possível.
Estabelecer metas realistas.
Não dizer “deveria”.
Não tentar resolver os problemas de uma vez. Abordar primeiro um problema e depois outro. Estabelecer prioridades. Se o problema é complicado, dividi-lo.
Procurar hábitos saudáveis.
Procurar o lado positivo das coisas, encarar o dia-a-dia com sentido de humor.
Procurar ajuda de um profissional (psicólogo ou psiquiatra)

Que pode fazer o cuidador perante sentimentos de culpa?
- Identificar as situações em que sente culpa.
- Não sentir-se culpado(a) perante sentimentos, atitudes, comportamentos passados, em relação há pessoa cuidada.
- O cuidador não é o responsável pela doença da pessoa cuidada.
- Manifestar incómodo perante comportamentos da pessoa cuidada.
- Descuidar outras obrigações familiares e profissionais.

O que fazer quando se sente culpado?
- Identificar sentimentos de culpa.
- Aceitar que o sentimento de culpa, por vezes é natural.
- Procurar razões para os mesmos e tentar compreende-los.
- Expressar os seus sentimentos e emoções.

Ressignificar práticas de cuidado e educação (em relação ao outro)

- Vão além do tratar ou tomar conta;
- Vão além das acções ligadas ao corpo e ao ambiente, visando o bem- estar e desenvolvimento da saúde;
- Não são actividades restritas ao atendimento das necessidades físicas;
- Cuidar são acções integradas no educar e voltadas para a totalidade do ser humano, envolvem compromisso e vínculo na relação.


REFERÊNCIAS

BOFF, L (2000). Saber Cuidar. Petrópolis: Editora Vozes.

GUIMARÃES, L. (1993). Clínica Psicopedagógica: perspectiva antropológica fenomenológica e existencial. Porto: Edição, Hospital Conde Ferreira.

________. (2005). Psicologia da Pessoa e Elucidação Psicopatológica. Porto: Higiomed Edições.

LELOUP, J. (2005). Cuidar do Ser. Petrópolis: Editora Vozes.

Matia Fundazioa. Guia para cuidadores. Disponível em : www.matiafundazioa.com

ROHDEN, H. (2006). Cosmoterapia. São Paulo: Alvorada.



Psicólogo/ Pós-graduado em Terapia Familiar : Intervenção Sistémica (prática privada).
Docente na Universidade Sénior Contemporânea (http://usc.no.sapo.pt)
Formador certificado pelo IEFP