ARTIGO

Aspectos Legais e Emocionais do Divórcio: O que o Psicoterapeuta Infantil precisa saber

Legal and Emotional Aspects of Divorce: What the Child Psychotherapist Needs to Know

 

Karol Rodrigues Maes*

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina – Florianópolis –SC.

Endereço para correspondência

 


Resumo

O objetivo deste artigo foi abordar sobre o que o psicoterapeuta infantil precisa desenvolver para atender crianças cujos pais estão em processo de divórcio conjugal, no que tange os aspectos legais e emocionais. Para isso, o primeiro capítulo explanou sobre: dados estatísticos sobre o divórcio conjugal no Brasil; o significado de divórcio disfuncional; e as implicações emocionais dessa circunstância nos filhos. No segundo, abordou-se sobre o manejo clínico com essas crianças e seus respectivos pais. No terceiro, discorreu-se sobre ferramentas específicas para trabalhar com eles. Por fim, o quarto capítulo trouxe informações sobre os aspectos jurídicos que implicam essa prática profissional. Concluiu-se que, com todos esses cuidados, conhecimentos, ética e humanidade, aumenta-se a probabilidade de o trabalho psicoterapêutico contribuir com essas famílias, para que o processo de divórcio conjugal seja mais saudável e consciente, principalmente, no que tange às crianças. Ou seja, aumenta-se a probabilidade do divórcio conjugal não permear numa ruptura parental.

Palavras-chave: Divórcio; Criança; Psicoterapia; Gestalt-terapia.


Abstract

This article aims to address what the child psychotherapist needs to develop to assist children whose parents are in the marital divorce process, regarding legal and emotional aspects.  For this, the first chapter explains about: statistical data on marital divorce in Brazil;  the meaning of dysfunctional divorce;  and the emotional implications of this circumstance for children.  In the second one, we approached clinical management with these children and their parents.  In the third one, specific tools to work with them were discussed.  And finally, the fourth chapter provides information on the legal aspects that imply this professional practice.  It was concluded that, with all this care, knowledge, ethics and humanity, the probability that psychotherapeutic work contributes to these families increases, so that the marital divorce process is more healthy and conscious, especially when it comes to children.  In other words, there is an increase in the probability of marital divorce not permeating a parental break.

Keywords: Divorce; Child; Psychotherapy; Gestalt Therapy.


Resumen

El objetivo del artículo fue abordar acerca de lo que es necesario a un psicoterapeuta infantil para atender niños cuyos padres se divorcian, en relación a los aspectos legales y emocionales. El primer capítulo explicó los datos estadísticos sobre el divorcio conyugal en Brasil; el significado de divorcio disfuncional; y las implicaciones emocionales a los hijos. En el segundo, se abordó acerca del manejo clínico con eses niños y sus respectivos padres. En el tercer, se discurrió sobre las herramientas para trabajar con ellos. Por fin, el cuarto capítulo trajo informaciones de los aspectos judiciales que están involucrados en la práctica profesional. Concluyese que, con todos eses cuidados, conocimientos, ética y humanidad, se aumenta la probabilidad de que el trabajo psicoterapéutico contribuya para que el proceso de divorcio conyugal sea más saludable y consiente, principalmente al que se refiere a los niños. O sea, se aumenta la probabilidad de que el divorcio conyugal no transcienda en ruptura parental.

Palabras clave: Divorcio; Niño; Psicoterapia; Terapia Gestalt.

 

INTRODUÇÃO

Desde as primeiras experiências como psicoterapeuta, a autora deste artigo atende crianças cujos pais estão em processo de divórcio conjugal. O termo processo, de forma mais ampla, pode referir-se ao planejamento; ao ato; ou aos momentos após o divórcio.

Além das experiências em consultório, esta autora percebe que, nas supervisões e nas aulas que ministra sobre a clínica infantojuvenil, muitos alunos possuem dúvidas e uma certa inquietação sobre as práticas profissionais, referente aos casos que circundam o divórcio conjugal e a relação parental. Essa inquietação, muitas vezes, deve-se pela falta de recursos para lidarem com essa demanda, inclusive, quando envolve questões jurídicas.

A partir dessas experiências, dúvidas e inquietações, buscou-se debruçar nos estudos que envolvem tais questões. Uma das pessoas que instigou esse aprofundamento teórico foi a gestalt-terapeuta Sâmia Gomes, de Fortaleza, quando promoveu uma Live1 e convidou a advogada Dayse Braga, também dessa cidade, para dialogarem. O tema dessa troca tratava sobre "Divórcio e filhos: implicações jurídicas e emocionais".

Devido à advogada Dayse Braga ser especialista em Direito das Famílias e, também, por ter uma prática profissional de forma mediadora e conciliadora, a escritora quis "beber dessa fonte" e pediu consultoria a ela. Nessa consultoria, muitas dúvidas foram sanadas, principalmente no que tange às questões legais.

Por fim, outra circunstância que agregou o conhecimento da autora foi as trocas com a gestalt-terapeuta Elisa Ferreira, de Florianópolis, que, além de clinicar, possui uma vasta experiência com avaliação psicológica e já foi conselheira num dos Conselhos Regionais de Psicologia. Essas trocas foram referentes aos aspectos do Código de Ética da Psicologia.

Logo, a autora resolveu unir o seu conhecimento, como gestalt-terapeuta, com os aprendizados que obteve com as outras profissionais para, então, construir este artigo.

Por isso que, além de autores gestaltistas, este artigo contará com referências da Psicologia Jurídica, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), de alguns Conselhos Regionais de Psicologia (CRP) e de outra área profissional: o Direito. Além disso, por perceber que há uma escassez de gestalt-terapeutas que tenham escrito, especificamente, sobre os aspectos emocionais das crianças cujos pais estão em processo de divórcio, o presente trabalho contará com o auxílio da Terapia Familiar Sistêmica para explanar essa questão.

Assim sendo, o primeiro capítulo deste artigo discorrerá sobre: dados estatísticos sobre o divórcio conjugal no Brasil; o significado de divórcio disfuncional; e as implicações emocionais desta circunstância nos filhos. Tal discussão será contemplada com autores de diferentes áreas e abordagem, como a Psicologia Jurídica e a Terapia Familiar Sistêmica.

Já o segundo capítulo abordará o manejo clínico com essas crianças e seus respectivos pais, os quais procuram a psicoterapia, muitas vezes, por estarem confusos e aflitos. Dessa forma, será refletido sobre a chegada dessas crianças ao "setting" terapêutico, sobre a entrevista inicial, o contrato terapêutico, as possibilidades de intervenção e o vínculo, o qual é imprescindível para que todos os outros processos aconteçam. Autores gestaltistas e autores que utilizam bases epistemológicas da Gestalt-terapia (GT) contribuirão com a sua visão de homem e de mundo para essa explanação.

Ao pensar nesse manejo, o terceiro capítulo trará ferramentas específicas para trabalhar com crianças e suas famílias no que tange o divórcio conjugal. Serão citados cinco livros infantis e, também, será explicado sobre uma Oficina oferecida pelo Conselho Nacional de Justiça e como essas ferramentas podem ser utilizadas pelo psicoterapeuta infantil.

Por fim, o quarto capítulo trará informações sobre os aspectos jurídicos que implicam essa prática profissional. Instruirá o psicoterapeuta, por exemplo, a como proceder, se um dos genitores pedir um laudo psicológico e, para isso, será explanado sobre os diferentes documentos psicológicos.

Além disso, explicará como proceder se o psicólogo clínico for convidado por um dos pais ou pelo advogado deste a testemunhar ou a ser parecerista do caso jurídico que envolva a criança. Esses esclarecimentos serão pautados pelo Conselho Federal de Psicologia, por alguns Conselhos Regionais de Psicologia, pelas leis do Código Civil e por autores que discorrem sobre essa temática. 

Assim, intenta-se deixar claro que este trabalho não tem a pretensão de ser um manual totalitário, fixo e rígido sobre a psicoterapia infantil com crianças cujos pais estão em processo de divórcio, e sim almeja trazer possibilidades, reflexões e questionamentos que enriqueçam o processo.

Portanto, espera-se que os psicoterapeutas, no meio das dúvidas e das inquietações que surgem em relação a essas demandas, possam se sentir mais amparados. Para que assim, possam acolher e orientar essas crianças e esses pais cujo estado psíquico e comportamental estão permeados, muitas vezes, de sofrimento e confusão.

 

MÉTODO

Foi realizada uma revisão de literatura (CRESWELL, 2010) a fim de averiguar a existência de artigos, trabalhos de conclusão, dissertações ou teses que abordassem sobre a prática clínica infantil com crianças cujos pais estão em processo de divórcio. Utilizou-se os portais de pesquisa: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS Brasil), Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES e Google Acadêmico. A pesquisa foi realizada em janeiro de 2020.

Dada a ausência de publicações sobre o tema dentro da Gestalt-terapia, lançou-se mão de uma proposta de escrita teórica de caráter ensaístico (LARROSA, 2004), que pudesse se configurar como ponto de partida para futuros estudos teóricos ou empíricos.

Para tanto, foi utilizada outras abordagens e áreas da Psicologia, como a Terapia Familiar Sistêmica e a Psicologia Jurídica, informações do Conselho Federal de Psicologia e de alguns Conselhos Regionais de Psicologia, além de outra área profissional, o Direito, para contribuir com a GT nessa toada.

Nas pesquisas encontradas na internet, o presente trabalho contou com: Barros (2019); Brasil (2015); Costa, Penso, Legnani & Sudbrack (2009); CFP (2018); CRP 12ª região (2019); Féres-Carneiro (1998); Féres-Carneiro (2003); Giannini (2019); Larrosa (2004); IBGE (2011); Jung (2014); Juras & Costa (2011); Rosa (2011); e Souza (2020).

Além das pesquisas na internet, foram utilizadas leituras de livros dos autores: Aguiar (2015); Ahrons (1995), Boszormenyi-Nagy & Spark (1973); Bowen, M. (1979); Cole (1998); Cornejo (1996); Creswell, (2010); Francotte (2009); Glasserman (1989); Isaac, Montalvo & Abelsohn (2001); Maichin (2004); Oaklander (1980); Perls, Hefferline & Goodman (1997); Schär & Gleich (2003); Silva (2003); e Zinker (2001).

Concomitantemente à apresentação dos conceitos teóricos, realizou-se uma análise crítica visando a uma construção harmônica da revisão bibliográfica e do posicionamento crítico adotado neste artigo.

 

1 – ASPECTOS EMOCIONAIS

Para refletir sobre a função do psicoterapeuta, os recursos terapêuticos e as questões legais que permeiam crianças cujos pais estão em processo de divórcio conflituoso, precisa-se primeiramente discutir sobre os aspectos emocionais, tal discussão será contemplada neste capítulo com autores de diferentes áreas e abordagem, como a Psicologia Jurídica e a Terapia Familiar Sistêmica.

Divórcio é um fenômeno pluridimensional e complexo, como argumenta Féres-Carneiro (2003). Além disso, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011), percebe-se o crescente número desse fenômeno na sociedade; a taxa geral de divórcio atingiu, em 2010, o seu maior valor desde o início da série histórica das Estatísticas do Registro Civil, em 1984. Dados mais recentes do IBGE (BARROS, 2019) comprovam a contínua expansão; entre 2017 e 2018 houve um aumento de 3,2%.

Há uma visão social de que o divórcio está associado à falência do casamento, Féres-Carneiro (1998) questiona essa associação ao refletir sobre a relação numérica entre divórcios e o insucesso do casamento. A partir dessa reflexão, a autora defende que, na verdade, ao invés de uma "falência familiar", há uma menor tolerância a casamentos destrutivos e um maior desejo por casamentos saudáveis.

Além do mais, Ahrons (1995) argumenta sobre a importância da estruturação saudável do processo de divórcio. Porém, comumente não é o que acontece, havendo muitos casos de divórcios destrutivos. Segundo Glasserman (1989), nessa forma de divórcio, a relação dos ex-cônjuges tem como base constantes conflitos, permeados por brigas permanentes que, muitas vezes, objetivam a conservação da união. Além disso, há a tendência de um culpabilizar e desvalorizar o outro.

No que tange aos filhos2, no processo de divórcio destrutivo, Isaacs, Montalvo e Abelsohn (2001) apontam algumas reverberações, entre as quais: os pais não protegem os filhos dos conflitos e da desorganização familiar; não conseguem controlar suas disputas; apresentam dificuldades em exercer as tarefas parentais; e fazem com que as crianças tomem partido na situação conflituosa.

Para melhor abordagem dessas implicações, este capítulo articula o divórcio destrutivo com alguns conceitos da Terapia Familiar Sistêmica, são eles: lealdades invisíveis, parentalização e triangulação, que estão intrinsecamente relacionados.

As lealdades invisíveis, conceito formulado por Boszormenyi-Nagy e Spark (1973), consistem na existência de expectativas geradas nas relações interpessoais, logo, todos os membros da relação adquirem um compromisso e estão unidos por lealdades aparentes e ocultas. Consoante Féres-Carneiro (1998), há o conflito de lealdade exclusiva: em casos de divórcio, por exemplo, ele pode emergir em questões de lealdade, quando um ou mais filhos se aliam a um genitor em detrimento do outro. Nessas configurações, conforme Costa et al. (2009), a criança sofre, pois quando ela agrada a um genitor, sente que está desagradando ao outro, e vice-versa. Normalmente, segundo Isaacs, Montalvo e Abelsohn (2001), logo após a separação, os filhos se aliam ao genitor com quem residem.

Parentalização, conceito também proposto por Boszormenyi-Nagy e Spark (1973), significa uma atuação - fantasiosa ou comportamental - distorcida de um companheiro ou filho, colocando-se no papel paterno. De certa maneira, toda criança precisa ser temporariamente parentalizada, a fim de que desempenhe e aprenda responsabilidades para sua vida futura.  Porém, quando a parentalização de uma criança torna-se rígida e frequente pode dificultar o seu desenvolvimento.

Por fim, o conceito de triangulação. Conforme a teoria de Bowen (1979), o triângulo encontra-se na base de qualquer sistema emocional familiar. Quando a tensão entre dois membros da família, habitualmente os pais, atinge um nível de ansiedade intolerável, uma terceira pessoa, geralmente um filho, é triangulada para reduzir a tensão familiar, a fim de chegar a níveis mais toleráveis. Mesmo que tais triangulações tragam algum benefício, como a redução do nível de tensão no sistema familiar, a permanência desse padrão relacional a longo prazo pode trazer significativos prejuízos a todos os envolvidos.

Quando a família não encontra formas para se autorregular, novos triângulos podem ser construídos com terceiros, fora do núcleo familiar, como parentes, profissionais e instituições (Ex: justiça), com o intuito de buscar autorregulação em instâncias externas escolhidas para abrandar o sofrimento da família, como salienta Miermont et al (1994).

Além da justiça, a psicoterapia infantil é um espaço que muitas pessoas procuram para lidar com as implicações do divórcio conjugal no que tange à relação parental e, nesse ponto, o presente trabalho acredita que a Gestalt-terapia possa contribuir.

 

2 – CONTRIBUIÇÕES DA GESTALT-TERAPIA PARA A PSICOTERAPIA INFANTIL QUADO ENVOLVE DIVÓRCIO DOS GENITORES

A partir do que foi discutido no capítulo anterior, há muito o que se refletir sobre o papel do psicoterapeuta infantil nos casos em que envolvem divórcio dos genitores. Para tal reflexão, acredita-se na importância de discutir esse papel sob a ótica da Gestalt-terapia. Portanto, este capítulo trará autores gestaltistas e autores que abordam bases epistemológicas da GT, como a fenomenologia.

De acordo com Zinker (2001), o significado e a constituição da família são criativos e não estáticos. Em outras palavras, a definição de família é que "quem está incluído muda continuamente, e os limites variam para os diversos acontecimentos da vida" (ZINKER, 2001, p.227). Segundo esse autor, ao aprender a redefinir constantemente a família, o psicoterapeuta expande o campo de observação e de intervenção, além do trabalho estruturalmente orientado à família nuclear, para abarcar as definições de famílias expandidas que modificam com o tempo.

Nessa vereda, consoante Aguiar (2015), a tarefa do psicoterapeuta, ao mesmo tempo que satisfaz e acolhe seus membros, permite frustrá-los, aceitá-los em suas diferenças e os convida ao desenvolvimento da autonomia.

A partir dessas reflexões, ao considerar a chegada da criança e de sua família ao "setting" terapêutico, será o próprio fenômeno que dará o caminho para desvendá-lo, tal como se apresenta, possibilitando a compreensão, descrição e análise que envolvem a criança em relação à sua história de vida, incluindo as dinâmicas pessoal e familiar, como também outros contextos nos quais está inserido, conforme Maichin (2004).

Dessa forma, a GT possibilita que cada psicólogo encontre sua forma singular de manejo clínico com cada criança e sua família. Porém, alguns gestalt-terapeutas trazem questões para refletir, que são importantes à psicoterapia infantil, inclusive quando envolve divórcio dos genitores. Algumas dessas reflexões permeiam sobre o primeiro contato, por parte de algum adulto, para agendar a psicoterapia à criança; a entrevista inicial; o contrato terapêutico; a compreensão diagnóstica; e a devolutiva.

Há diferentes formas de se iniciar a psicoterapia infantil. Por exemplo, Oaklander (1980) atende os responsáveis junto com as crianças nas primeiras sessões. Já Cornejo (1996) e Aguiar (2005) atendem separadamente: primeiramente os pais, para, então, conhecer a criança. Indo ao encontro de Cornejo e Aguiar, atender todos juntos na primeira sessão, sem conhecê-los ainda, pode ser uma violência à criança, pois ela pode ouvir muitas queixas dos pais sobre si ou ouvir ofensa do pai contra a mãe ou vice-versa, principalmente quando envolve divórcio disfuncional dos genitores.

Nessa toada, acredita-se na importância de o psicoterapeuta ter uma noção, quando entram em contato para agendar uma primeira sessão, se há algum processo de divórcio conjugal, para que ele saiba como proceder nessa fase inicial. Aguiar (2015), por exemplo, costuma atender aos responsáveis separadamente, quando os pais da criança são divorciados e inicia a psicoterapia por aquele que a solicitou em primeiro lugar.

Além dessas questões de manejo, conforme Aguiar (2015), interessa ao psicoterapeuta infantil saber quem são esses adultos, conhecer suas expectativas, suas formas de se relacionar e de perceber a situação atual. É necessário compreender o que estão pedindo e de que modo acham que o psicólogo pode satisfazer essa necessidade. Ademais, precisa-se compreender como esse pedido de ajuda relaciona-se com a criança identificada como "problemática" ou "doente".

A partir desse pensar, um dos grandes desafios do psicoterapeuta infantil, principalmente os que estão iniciando, é não se deixar envolver por essas expectativas trazidas pelos responsáveis ao buscar psicoterapia à criança. Quando isso acontece, o profissional faz, sem perceber, uma aliança com os responsáveis, deixando de pautar sua prática nos princípios básicos de respeito e aceitação pela criança, conforme ressalta Aguiar (2015).

Nessa senda, é importante salientar que, na psicoterapia infantil, o cliente é a criança e o serviço do psicólogo é ir ao encontro das necessidades dela e não ao encontro das expectativas e das alianças que muitos pais, principalmente aqueles que estão em processo de divórcio disfuncional, fazem. Ademais, manejar clinicamente essas questões requer muito cuidado e acolhimento, pois, além da criança, os pais também estão sofrendo com os funcionamentos cristalizados da dinâmica familiar.

Por isso, segundo Aguiar (2015), o vínculo é a condição básica para que a psicoterapia transcorra, é o suporte onde repousarão as intervenções e possibilitará que elas sejam efetivamente transformadoras. Para que a pessoa seja tocada pelo psicoterapeuta é preciso que ela se sinta respeitada e acolhida, em sua singularidade, em seu tempo e em suas possibilidades.

Aguiar (2015) ressalta que tão importante quanto o vínculo estabelecido com a criança é o vínculo que o psicólogo estabelece com os responsáveis. Precisa-se disso para que os pais autorizem o profissional a trabalhar com o seu filho e com eles mesmos. Outro aspecto a salientar, quando uma criança é trazida para a psicoterapia, é que não há "bandidos e mocinhos" disfarçados de responsáveis e filhos, porém pessoas, sempre pessoas, com sofrimentos e dificuldades.

Nesse diapasão, segundo Zinker (2001), é preciso lembrar que jamais se procura "culpados", pois, segundo a perspectiva de campo da GT, ninguém exclusivamente causa o problema; todos os membros agem em conjunto para organizar ou desorganizar a própria vida de modo que contribua para seu bem-estar ou para seu sofrimento.

Com base no que foi trazido sobre a entrevista inicial, outra questão fundamental para a psicoterapia infantil, inclusive nos casos em que envolvem divórcio dos genitores, é o contrato terapêutico. Segundo Rosa (2011) esse contrato é formulado e reformulado a partir das necessidades que o psicoterapeuta percebe dele mesmo, da família e da criança.

Aguiar (2015) afirma que, além das questões mais operacionais, como falta, pagamento e férias, outras são importantes serem discutidas. Por exemplo, é essencial que, no primeiro contato, os responsáveis sejam esclarecidos sobre seus questionamentos quanto ao que é psicoterapia; suas possibilidades; limites; a forma como ela procede; e as condições subjetivas e objetivas para que aconteça. Assim, eles podem escolher se realmente querem ingressar nesse trabalho.

Ademais, ressalta-se a importância da disponibilidade dos pais e da criança para viver o trabalho psicoterapêutico como uma parceria e não como algo unilateral, pois, segundo a visão de mundo da GT, o processo é contextual e relacional, como argumenta Aguiar (2015).

Com o vínculo sendo construído, a entrevista prosseguida e o contrato terapêutico estabelecido, o processo psicoterapêutico pode acontecer com a criança e os adultos envolvidos.

Quando envolve divórcio disfuncional dos genitores o convite em psicoterapia é o desenvolvimento de "awareness"3. Possibilitar esses adultos, através da escuta empática, do acolhimento, dos questionamentos e das devolutivas, a perceberem como estão agindo e as consequências disso para a criança.

Muitos pais, por exemplo, não se dão conta de que estão realizando uma aliança com seu filho, persuadindo-o para que ele fique contra o outro genitor. É comum no "setting" terapêutico eles se darem conta de que, quando brigam com o seu filho, dizem: "estás igual ao teu pai, fazendo tudo errado" ou "eu faço tudo por ti e tu te importas mais com a tua mãe do que comigo".

Quando eles se dão conta, muitas vezes, percebem o medo de perderem seu filho nessa briga conjugal. Podem perceber, também, que estão agindo da mesma forma disfuncional que seus próprios pais agiram.

Pode-se, então, convidar esses pais a: perceberem que houve um fim na relação conjugal, mas não na relação parental; refletirem sobre a co-responsabilidade de cada um e averiguar as consequências de culpar apenas o outro genitor; e olharem para o filho deles, como ele realmente está emocionalmente com todo o processo de divórcio e o que ele precisa referente a isso.

Nas sessões com as crianças, os gestalt-terapeutas também fazem convites a elas. Conforme Aguiar (2015), antes de qualquer intervenção com a criança, o profissional precisa adotar uma postura de respeito, acolhimento e aceitar a sua forma de estar naquele momento, independentemente do que possa acontecer. Isso significa que não se pode estabelecer, a priori, o modo como a sessão acontecerá, o que torna necessário estar preparado para lidar com diversas situações.

Segundo Cornejo (1996), muitas vezes, as crianças não gostam ou não querem falar dos seus conflitos e é preciso respeitá-las. Com isso, reforça-se o "pressuposto básico da psicoterapia com criança que privilegia a linguagem lúdica em detrimento da linguagem verbal", como salienta Aguiar (2015, p.127).

A partir do lúdico, do vínculo e da interação a criança vai mostrando ao psicoterapeuta o que ela consegue ou não expor naquele momento; o que ela precisa; e o que não faz sentido a ela.

No caso de crianças que envolvem o divórcio dos genitores, algumas não conseguem expor verbalmente, mas conseguem expressar sua raiva imitando um leão bem bravo, por exemplo. Outras não querem falar de um dos genitores, deixando claro ao fazer um desenho da família e não colocando-o nessa arte. Outras expressam o quanto ficam tristes por verem suas mães falando mal dos seus pais ou vice-versa.

Outras ainda comunicam o quanto sentem medo ao verem seus pais brigando; o quanto ficaram tristes devido aos pais não terem conversado com elas sobre a situação do divórcio e sequer sabiam que iriam mudar de casa ou de escola devido à circunstância; e verbalizam o quanto sua autoestima e sua insegurança estão sendo afetadas por tudo isso.

Com todas essas crianças e suas diferentes formas de expressão, o importante é ir ao encontro do que cada uma pode trazer ao "setting" terapêutico e trabalhar com isso, através do acolhimento, do respeito, das possibilidades, das limitações e também com certas ferramentas terapêuticas.

 

3 – FERRAMENTAS TERAPÊUTICAS

Muitos são os recursos que podem ser utilizados em psicoterapia com as crianças e seus respectivos pais no que tange o processo de divórcio, o objetivo deste capítulo é citar alguns deles.

Um desses recursos são os livros infantis, como O livro da família, do autor Tood Parr (2013), que aborda, de forma mais abrangente, as singularidades e comunalidades de cada família.

As seguintes citações de Parr (2013) elucidam como o livro pode ajudar as crianças, que estão, por exemplo, com dificuldade de se adaptar às mudanças ocorridas após o divórcio dos pais: "Algumas famílias têm madrasta ou padrasto, e irmão-postiço ou irmã-postiça"; "Em algumas famílias uns moram perto dos outros"; e "Em algumas famílias, uns moram longe dos outros" .

No que tange a essas mudanças, outro livro interessante é o Lá e aqui do casal Odilon Moraes e Carolina Moreyra (2016). Esse livro foi inspirado numa fase difícil deles, em que cogitaram o divórcio. Pensando como seria para o filho, o livro descreve as diferenças entre a casa da mãe e do pai, nessas diferenças há algo em comum: a presença e o afeto. Um livro para corroborar como é possível manter uma rotina leve e saudável, mesmo quando a criança ganha um novo lar.

Outro livro infantil importante para a temática do divórcio chama-se Dois de cada, de Babette Cole (1998). De forma divertida e, ao mesmo tempo, profunda, esse livro elucida como um relacionamento conjugal disfuncional pode gerar sofrimentos às crianças, a partir da história de dois irmãos que presenciam as brigas dos pais constantemente. Para resolver a questão, eles elaboram um plano cheio de minúcias e engenhosidades de criança para separar o casal. No final do livro, os irmãos ganham algo inesperado e a história passa o seu recado: às vezes, as questões da vida são mais simples do que se pensa, os adultos é quem têm o hábito de complicá-las.

"Mamãe é grande como uma torre", de Brigitte Schär e Jacky Gleich (2003), é outro livro repleto de ensinamentos. Nele, a separação dos pais é contada a partir do ponto de vista infantil. Para a menina dessa história, sua mãe é a maior do mundo e seu pai cabe dentro de uma caixa de sapato. Cheio de poéticas metafóricas, o livro simboliza a importância que os pais têm na vida dos pequenos e aborda o tema da solidão de um jeito sutil.

Por fim, o livro "A separação" de Pascale Francotte (2009) compõe uma narrativa sobre a separação contada a partir da percepção da criança sobre aquilo que está vivenciando. Na história, o menino percebe que algo está diferente entre os pais e, aos poucos, as tensões, as brigas e a falta de comunicação do casal geram sentimentos de tristeza, medo e solidão na criança. Quando a ruptura se materializa em um novo cenário familiar, tudo fica mais leve e confortável a todos. O livro chega ao fim com uma lição delicada sobre a aceitação daquilo que é melhor à criança e aos adultos envolvidos. 

Esses livros podem ser lidos para a criança em psicoterapia ou para a própria família ou, também, é possível convidar os pais a lerem para o seu filho, numa sessão em conjunto. Além dessas formas, outras podem ser criadas a partir da necessidade de cada criança e de seus respectivos cuidadores.

Outro recurso, além dos livros, é oferecer aos pais ou fazer juntos com eles a Oficina de Pais e Mães Online4, criado pelo Conselho Nacional de Justiça. Segundo o site do Conselho, a Oficina foi criada para ajudar os pais a entenderem melhor os efeitos da separação na vida deles e de seu filho e, ainda, para dar-lhes algumas ideias de como ajudar a si e ao filho a superar as dificuldades dessa fase de mudança.

A Oficina é realizada na modalidade a distância e no formato autoinstrucional, ou seja, sem a presença de um tutor. Ela é dividida em três módulos, os quais possuem os seguintes conteúdos programáticos: A experiência da separação para os adultos; A experiência da separação para seu filho; Você, seu filho e seu par parental; Alienação Parental; e Escolhas.

O psicoterapeuta pode sugerir aos pais para eles fazerem essa Oficina fora do "setting" terapêutico e, depois, este ser um local para tirar dúvidas ou para discorrer psicoterapêuticamente sobre o que aprenderam nas modalidades. Além dessa possibilidade, o psicólogo pode fazer a Oficina junto com os pais em sessão, tornando-se, nesse momento, um tutor.

Além dessas possibilidades, há muitas outras que o psicoterapeuta pode utilizar com a criança ou com os pais ou com ambos. O importante é ir ao encontro das necessidades deles, de forma acolhedora e respeitosa, para que, assim, haja um espaço que eles possam falar, escutar, perceber a si e ao outro.

 

4 – ASPECTOS JURÍDICOS

Além das questões emocionais, das reflexões sobre o papel da psicoterapia infantil e dos recursos terapêuticos, outra questão fundamental que o psicoterapeuta precisa ficar atento, quando atende crianças cujos pais estão em processo de divórcio disfuncional, refere-se às questões legais.

É comum os psicoterapeutas infantis terem dúvidas sobre questões referentes aos documentos psicológicos, a testemunhar e ao que fazer quando intimado para comparecimento em audiência. Essas dúvidas serão refletidas neste capítulo e serão pautadas pelo Conselho Federal de Psicologia, por alguns Conselhos Regionais de Psicologia, pelas leis do Código Civil e por autores que discorrem sobre essas temáticas.

Souza (2020) argumenta que, na tentativa de atender às demandas cada vez mais complexas que chegam ao Poder Judiciário, o Direito passa a contar com o auxílio da Psicologia. Nessa intersecção, é imprescindível que uma ciência reconheça as atribuições da outra e, inclusive, respeite seus limites.

Face ao exposto, Souza (2020) preocupa-se que a atuação do psicólogo seja conduzida via banalizações e simplismos. Preocupa-se ainda que, diante das demandas por resultados objetivos e rápidos, incorra no erro de culpabilizar e rotular individualmente os sujeitos, corroborando para a criminalização das relações familiares, sem ressignificar os pedidos que chegam ao profissional.

Esses apontamentos indicam reflexões importantes para a prática do psicólogo. Dessa forma, é necessário haver uma atuação que promova a adequação da demanda que chega ao profissional de acordo com a necessidade do cliente e não do demandante; que considere as pessoas atendidas em suas totalidades; e que seja sensível às suas possibilidades e dificuldades, sem torná-las cristalizadas. Logo, a busca é por caminhos em que a defesa dos Direitos Humanos seja a diretriz, como salienta Souza (2020).

Tais reflexões se fazem necessárias quando há, por exemplo, o pedido de um documento psicológico por parte de um dos genitores. Essa solicitação, muitas vezes, torna-se motivo de dúvida e angústia para o psicoterapeuta infantil, principalmente quando tange o tema divórcio disfuncional. Pois, frequentemente, o profissional sente-se convidado, por quem pediu, a se aliar a ele e ir contra o outro genitor. Também é comum o psicoterapeuta ficar preocupado com a questão do sigilo e muitas outras reverberações são frequentes. Por isso, deve-se ter mais esclarecimentos sobre esses documentos.

Segundo as orientações sobre a resolução 06/2019 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), o documento psicológico resulta:

"da prestação direta de serviços psicológicos a uma pessoa, grupo ou organização.  Pode ser o registro da conclusão de uma avaliação psicológica ou uma resposta a uma solicitação daqueles que estão diretamente envolvidos no processo de trabalho ou de autoridades legais" (CRP 12ª REGIÃO, 2019, p.4).

Além disso, o Conselho Regional de Psicologia (CRP), 12ª Região, afirma que, para a realização do documento psicológico, o profissional precisa avaliar se conseguirá sustentar tecnicamente as afirmações que compõem o documento; se a finalidade do documento é condizente com seu objetivo de trabalho; e, além disso, considerar o sigilo.

Diante do exposto, é necessário estar ciente de que é direito do cliente, ou do responsável por ele, pedir algum documento psicológico, como afirma o Art. 4. § 4.o da resolução CFP 06/2019 comentada por Giannini (2019). Dessa forma, cabe ao psicólogo saber as diferenças de cada documento e decidir qual, como e para quê utilizá-lo, conforme as demandas surgidas.

Segundo as orientações sobre a resolução CFP 06/2019 comentada por Giannini (2019), as modalidades de documentos psicológicos são: declaração, relatório, laudo, atestado, parecer psicológico e relatório multiprofissional, sendo que alguns deles serão esclarecidos a seguir.

Conforme o CRP 12ª Região (2019), a declaração psicológica é um documento que registra, de forma sucinta e objetiva, informações pontuais sobre a prestação de serviços, tais como: comparecimento e acompanhamento. Esse documento não pode ser utilizado para registrar sintomas ou estados psicológicos.

Já o relatório psicológico, como aponta CRP 12ª região (2019), comunica descritivamente a atuação profissional em determinada atividade, podendo gerar orientações, encaminhamentos, recomendações e intervenções. Ressalta-se que é necessário averiguar quais dados serão pertinentes à finalidade e aos destinatários do documento para, então, descrevê-los de forma fundamentada e contextualizada. Deve-se manter o sigilo do conteúdo da sessão e, por isso, a descrição literal deve ser utilizada apenas se justificada tecnicamente e acompanhada do raciocínio técnico.

Após a descrição do relatório, percebe-se que esse documento distingue-se do laudo psicológico. Enquanto o primeiro descreve o trabalho, seu desenvolvimento e sugere encaminhamentos, o segundo discorre sobre um processo de avaliação psicológica e faz recomendações com base nos seus resultados, como explica CRP 12ª região (2019).

Conforme essa distinção, como salienta Giannini (2019), o laudo psicológico relata as intervenções, a hipótese diagnóstica, o diagnóstico, o prognóstico, a evolução do caso, o encaminhamento, a orientação e/ou sugestão de projeto terapêutico.

Com base nessa descrição, compreende-se, portanto, que o laudo é um documento proveniente de uma avaliação psicológica, mais extenso, sendo um serviço específico, autônomo em relação à psicoterapia e, por isso, não é obrigatório o seu fornecimento a pedido do cliente em processo de psicoterapia, sobretudo se não tiver sido pactuado previamente.

Além dessas especificidades, há o perito. Segundo Jung (2014, p.1) "a perícia psicológica se difere de outros tipos de avaliação psicológica pelo fato do seu objetivo ser subsidiar decisões judiciais". Nesse diapasão, Silva (2003) descreve a perícia como um meio de prova no âmbito forense e sua construção se dá através da elaboração do chamado laudo pericial.

Mesmo que esse documento esteja inserido no campo interdisciplinar da psicologia forense e da psicologia clínica, conforme explana Jung (2014), e que aponte somente indícios e tendências, e não provas definitivas, como explicita Silva (2003), ressalta-se ser vedado figurar como perito em ação judicial se for ou tiver sido psicoterapeuta do cliente, com o intuito de preservar o direito à intimidade e equidade de condições deste, conforme aponta CFP (2018) na resolução Nº 8/2010 no Art.10.

Além desses esclarecimentos, é importante o psicoterapeuta infantil saber que ele não deve testemunhar, caso um dos genitores ou o advogado destes peça, pois há o código de ética de sigilo. Segundo a Lei no 13.105/2015, de 16 de Março de 2015, no Art.448, "A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos: (...) II. a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo".

Por isso, o juiz não pede ao psicoterapeuta da criança para ele testemunhar. Em última instância, se aquele intimar para tal, este deve responder, por escrito e/ou comparecer pessoalmente, mas não pode falar sobre fatos relatados pelo cliente, em razão da confidencialidade da psicoterapia.

A Lei no 13.105/2015, de 16 de março de 2015, em seu Art. 404, afirma: "A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juízo, o documento ou a coisa se: (...) IV - sua exibição acarretar a divulgação de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, devam guardar segredo".

A partir desses esclarecimentos, percebe-se a importância do psicoterapeuta estar ciente sobre os aspectos jurídicos que envolvem o seu trabalho, inclusive quando atende crianças cujos pais estão em processo de divórcio disfuncional. É importante, antes de responder qualquer pedido dos genitores ou advogados, averiguar se esse pedido vai ao encontro do serviço do psicoterapeuta, ou seja, se vai ao encontro das necessidades e do respeito para com a criança e dos direitos dos genitores.

Independentemente da escolha e do como proceder, é importante o psicotetapeuta responder o pedido dos pais com muito esclarecimento, cuidado e respeito, pois, assim como a criança, eles também estão em sofrimento e confusos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cada criança que chega ao "setting" terapêutico traz consigo sua história, seu contexto, suas alegrias e seus sofrimentos. Por isso, o psicoterapeuta precisa trabalhar com cada criança e sua família a partir das suas singularidades.

 Porém, dentre essas singularidades, há algumas comunalidades, e o psicoterapeuta precisa, também, ficar atento a elas e se instrumentalizar para tal. Uma delas, refere-se às crianças cujos pais estão em processo de divórcio conjugal.

 Dentro dessa comunalidade, há muitas especificidades também. Cada criança e sua respectiva família reagem e sentem de formas diferentes as consequências do divórcio. Logo, o objetivo deste trabalho foi abordar algumas questões no que tange essa temática, incluindo as singularidades e comunalidades, para subsidiar e agregar conhecimento e experiência aos psicoterapeutas infantis.

Como a autora deste trabalho é gestalt-terapeuta, a busca foi por autores dessa Abordagem. Porém, percebeu-se uma escassez de gestaltistas que tenham escrito sobre a prática clínica com crianças cujos pais estão em processo de divórcio. Para suprir essa falta, contou-se com a ajuda da Terapia Familiar Sistêmica, da Psicologia Jurídica, do Conselho Federal de Psicologia, de alguns Conselhos Regionais de Psicologia e de outra área profissional; o Direito.

No que tange os autores da Psicologia Jurídica, eles contribuíram com a discussão sobre o crescente número de divórcio conjugal. Diante disso, percebeu-se que muitas pessoas se divorciam na busca de romper com relações que não fazem mais sentido e na busca do bem-estar próprio e de seu meio.

Porém, muitos desses adultos estão confusos e em sofrimento devido ao processo de divórcio e não percebem como estão reagindo, inclusive os que possuem filhos. Os quais, não se dão conta, muitas vezes, de que a criança também é um ser humano implicado nesse campo de aflição.

Sobre essas implicações do divórcio disfuncional no que tange à criança, a Terapia Familiar Sistêmica pôde contribuir neste artigo com os seus conceitos chamados: lealdade invisível, triangulação e parentalização. Com esses conceitos, percebeu-se que, por exemplo, muitos filhos interferem na relação conjugal para amenizar o sofrimento dos seus pais, triangulando com eles.

Essa triangulação faz com que a criança exerça papéis que não são para sua idade, havendo troca de papéis, ou seja, pode haver a parentalização. Junto a isso, há a lealdade invisível, em que uma pessoa coloca a expectativa na outra de forma velada. No caso de divórcio disfuncional, pode haver a lealdade exclusiva, em que a criança alia-se a um genitor em detrimento do outro e, assim, ela sofre, pois sente-se fragmentada com toda essa situação.

Porém, não é apenas a criança que sofre, os pais também estão, muitas vezes, confusos e angustiados com todo o processo de divórcio. Por isso, quando eles chegam à psicoterapia infantil, é preciso acolher e respeitar não só a criança, mas também os seus responsáveis. Nessa toada, não há "bandidos e mocinhos", muito menos culpados, e sim pessoas, sempre pessoas em sofrimento.

Por isso, a visão de homem e de mundo da Gestalt-terapia contribuiu para refletir sobre o manejo clínico com crianças e seus respectivos pais que estão em processo de divórcio. Para a GT, o vínculo, o respeito e o acolhimento são imprescindíveis ao processo psicoterapêutico. Além disso, essa Abordagem acredita na indissociabilidade sujeito e meio, onde todos os envolvidos são corresponsáveis pelo processo.

A partir dessas comunalidades, pôde-se pensar em algumas singularidades de manejo, perpassando pela entrevista inicial, o contrato terapêutico e a devolutiva. Como, por exemplo, o manejo de atender os pais separadamente, no primeiro momento, caso eles sejam divorciados.

Além dessas singularidades, o artigo trouxe algumas ferramentas para utilizar com crianças e seus respectivos pais que estão em processo de divórcio: cinco livros infantis, além da Oficina de Pais e Mães Online, criada pelo Conselho Nacional de Justiça. Essas ferramentas podem ser utilizadas de diferentes formas pelo psicoterapeuta com as crianças ou com os pais ou com todos juntos, dependendo da necessidade deles.

Por fim, o presente trabalho citou o Conselho Federal de Psicologia, alguns Conselhos Regionais de Psicologia, as leis do Código Civil e outras referências para discorrer sobre as implicações jurídicas na prática clínica infantil com crianças cujos pais estão em processo de divórcio.

Com essas explanações, comprovou-se que os responsáveis pela criança possuem o direito de pedir e receber algum documento psicológico, caso ela esteja em processo psicoterapêutico, são eles: relatório, declaração, laudo, atestado, parecer psicológico e relatório multiprofissional.

Porém, é preciso que o psicoterapeuta tenha muita clareza sobre a demanda desse pedido; se vai ao encontro das possibilidades do profissional; e assim, escolher qual documento é melhor prescrever. Ou seja, precisa-se ter clareza se esse documento está a serviço da criança, se mantém o sigilo dos envolvidos e se está dentro das possibilidades do psicólogo.

É comum, por exemplo, um dos genitores pedir um laudo psicológico. Porém, esse documento é proveniente de uma avaliação psicológica, sendo esse um serviço autônomo à psicoterapia, cabendo o psicoterapeuta escolher fazer ou não esse tipo de trabalho.

Caso o profissional não queira realizar o laudo, cabe a ele explicar as diferenças dos documentos psicológicos e indicar outro profissional que realize esse tipo de avaliação. Entretanto, o psicoterapeuta pode e deve realizar um relatório ou uma declaração, caso algum dos genitores peça, mas, com todos os devidos cuidados.

Por isso, o contrato terapêutico é tão importante, principalmente, no início do processo psicoterapêutico com crianças, já que os genitores terão mais clareza qual é a real função do psicoterapeuta e o que cabe ou não a ele exercer.

O psicólogo pode explicar, por exemplo, que: sua função não é realizar avaliação psicológica, caso não queira; não pode ser perito psicológico de uma ação judicial que envolva a criança que esteja atendendo; e não pode testemunhar, também, nesta circunstância, apenas se intimado pelo juiz e não por um convite dos pais ou por uma carta extrajudicial dos advogados destes.

Ou seja, os pais terão clareza, se bem explicado pelo profissional, que a função do psicoterapeuta infantil é ir ao encontro das necessidades da criança. Logo, os pais entenderão que a psicoterapia será um processo para averiguar e valorizar o que está fluindo na vida do seu filho e checar quais são as limitações e sofrimentos dele, e trabalhar psicoterapeuticamente com isso.

Assim sendo, os pais, também, entenderão, que, na psicoterapia, a criança, os pais e o psicólogo trabalham ativamente e conjuntamente, numa busca de parceria e corresponsabilidade e não numa busca para encontrar culpados e, muito menos, fazer alianças exclusivas e disfuncionais. Dessa forma, os genitores terão clareza e poderão escolher se querem dar proseguimento ou não a esse trabalho.

Por isso que, para ter esses cuidados, é importante que o psicólogo esteja com suporte emocional, com bagagem teórica e vivencial para trabalhar com crianças cujos pais estão em processo de divórcio. Logo, percebeu-se a importância de o psicólogo fazer sua psicoterapia pessoal, para ter clareza das suas questões e saber separá-las das questões do cliente.

Além disso, percebeu-se a importância de o psicoterapeuta infantil ter especialização em psicologia clínica, além da formação acadêmica, e, mais especificamente, ter uma formação em psicoterapia infantil. Ademais, o estudo em outras áreas é fundamental, como o Direito, e a parceria com outros profissionais, como a consultoria com advogados em Direito das Famílias.

Logo, é importante que mais artigos sejam elaborados nessa toada para que os psicoterapeutas, que trabalham com crianças cujos pais estão em processo de divórcio, possam colaborar um com o outro nessa empreitada.

Com todos esses cuidados, aumenta-se a probabilidade do trabalho psicoterapêutico contribuir para que o processo de divórcio conjugal seja mais saudável e consciente, principalmente, no que tange às crianças. Ou seja, a busca desse trabalho é para que o divórcio conjugal não permeie numa ruptura parental.

 

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NOTAS

* Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina; Especialista em Gestalt-terapia pela Escola do Comunidade Gestáltica. Atualmente realiza orientação de prática clínica e atendimento clínico infantil/adolescente/adulto; faz parte da equipe e do corpo docente da Escola do Comunidade Gestáltica; e ministra disciplinas e palestras sobre a Clínica Infantojuvenil.
1 Live no Instagram é uma transmissão ao vivo. Dessa forma, ao invés de a pessoa gravar um vídeo, os seguidores podem acompanhar em tempo real. Além de poder interagir por meio dos comentários.
2 Juras e Costa (2011) comprovam as implicações do divórcio conjugal disfuncional no que tange às crianças através da pesquisa-ação com três famílias divorciadas e seus respectivos filhos com menos de 12 anos de idade.
3 "Awareness" é o sentir espontâneo do que surgir no indivíduo; do que está sentindo, fazendo, planejando (PHG, 1997).
4 Acesso em: https://www.cnj.jus.br/formacao-e-capacitacao/oficina-de-pais-e-maes-online-2/

 

Endereço para correspondência
Karol Rodrigues Maes
Endereço eletrônico:karolmaes.psico@gmail.com

 

Recebido em: 24/09/2021
Aprovado em: 17/06/2022