ARTIGO

A Música como Facilitadora do Processo Grupal

Music as a Facilitator of the Group Process

 

Márcia Cristina Baptista*

IGT – Instituto de Gestalt-terapia – Rio de Janeiro – RJ.

Endereço para correspondência

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é compartilhar minha experiência, no trabalho com grupo de música, com usuários que apresentam quadros compatíveis com transtorno mental e é a partir do meu olhar como Gestalt-terapeuta que tive a oportunidade de identificar benefícios que o uso da música, como recurso de socialização, pôde proporcionar no trabalho com essa clientela. Este artigo foi produzido a partir da minha atuação em um dispositivo de saúde denominado Centro de Atendimento Psicossocial - CAPS, enquanto atuava como coordenadora de um grupo/oficina de música com os usuários deste serviço e foi através de um levantamento bibliográfico e de um diário de bordo que obtive elementos que me permitiram desenvolver o presente artigo. A arte aparece aqui como um recurso valioso que traz benefícios aos que fazem uso dela e surge como um auxílio ou mesmo uma alternativa à terapêutica medicamentosa. Atuando como facilitador/mediador do processo grupal e sendo este trabalho realizado com um público com sintomatologia característica de graves transtornos mentais, o Gestalt-terapeuta pode se valer de importantes ferramentas como a criatividade e a presença para facilitar o encontro, permitindo o estabelecimento de um contato genuíno entre as partes que permitiu uma maior percepção das dificuldades e também das transformações vivenciadas por essas pessoas.

Palavras-chave: Gestalt-terapia; Caps; Arte; Música; Grupo/Oficina terapêutica; Transtorno mental.


ABSTRACT

The objective of this work is to share my experience in working with music group with users who present pictures compatible with mental disorder and it is from my look like Gestalt-therapist that I had the opportunity to identify benefits that the use of music as a socialization resource could provide year work with such clientele. This article was produced from my performance in a health device called Psychosocial Care Center CAPS, while acting as coordinator of a music group / workshop with the users of this service and was through a bibliographical survey and a logbook that obtained elements that allowed me to develop this article. Art appears here as a valuable resource that brings benefits to those who make use of it and comes as an aid or even an alternative to drug therapy. Acting as facilitator / mediator of the group process and being this work accomplished with an audience with symptomatology characteristic of serious mental disorders, the Gestalt-therapist can use important tools such as creativity and presence to facilitate the encounter, allowing the establishment of a genuine contact between the parts that allowed a greater perception of the difficulties and also of the transformations experienced by these people.

Key words: Gestalt-therapy; Caps; Art; Music; Therapeutic Group/Workshop; Mental disorder.

 

INTRODUÇÃO

 

"A arte é um caminho que estreita a relação entre loucura e saúde através da criatividade" - Wanderley (2002, apud SANTOS, 2008).

Trabalhar com grupos tem sido uma abordagem cada vez mais frequente nos serviços de saúde da cidade do Rio de Janeiro. A princípio pensava-se o atendimento psicológico individual como a principal ferramenta do psicólogo. Porém, têm sido relatados efeitos terapêuticos bastante satisfatórios com o atendimento em grupo.

A partir da Reforma Psiquiátrica, a área de saúde mental tem se colocado mais disponível para acolher diferentes propostas terapêuticas e o trabalho com grupos e oficinas tem sido considerados importantes instrumentos de tratamento para essa clientela.

A música, por sua vez, historicamente, como vamos ver ao longo do artigo, tem sido utilizada para tratar de "distúrbios" de toda ordem. Percebemos a música presente em todas as culturas, sendo utilizada, ora para facilitar as relações sociais, ora como facilitadora da comunicação, e sendo capaz de produzir efeitos terapêuticos notadamente reconhecidos em determinados segmentos da população.

Por atuar num dispositivo de saúde com indivíduos que vivem quadros de graves transtornos mentais, tive a oportunidade de entrar em contato com este tipo de terapêutica. Gostaria de descrever um pouco esses indivíduos, ressaltando que esses indivíduos não são definidos por suas patologias. Eles estão vivendo dificuldades, não são doentes. São indivíduos que estão vivenciando momentos de dor e de sofrimento, mas não podemos reduzi-los a uma síndrome ou transtorno qualquer. Aqui estamos falando de indivíduos que têm dificuldades de se relacionar com o mundo externo, que possuem fragilidades ao estabelecer contato com o outro. Indivíduos com grave sofrimento psíquico, como aqueles com diagnóstico de autismo e esquizofrenia. Estes indivíduos encontraram nesses serviços um lugar de escuta e de construção de novas formas de subjetividade.

A condução do tratamento, realizada no dispositivo que atuo, Centro de Atenção Psicossocial – CAPS, é baseada na clínica da reforma psiquiátrica e exige certo grau de criatividade e inventividade por parte dos profissionais, uma vez que lidamos com indivíduos com os mais variados sintomas e dificuldades de verbalização ou de expressão de afetos. A medicalização não parece suficiente para dar conta do sofrimento relatado pelos usuários1. O trabalho com esses usuários exige do psicólogo cautela, sensibilidade e paciência e demanda tempo para se poder explorar profundamente e experienciar com intensidade a "imensa dor, ferimentos, ira e desespero que subjazem aos processos psicopatológicos de pacientes perturbados" (SHEPERD, p.234-5). A psicologia atua nesse campo de forma a oferecer escuta, acolhimento e muitas vezes precisa inovar para atender à demanda dessa clientela. A arte parece ser um recurso eficaz e geralmente bem aceito pelos profissionais e usuários do serviço que se beneficiam dos seus efeitos, além da terapêutica tradicional medicamentosa.

Nesse sentido, a proposta do CAPS2 vem bem ao encontro desse objetivo que é o de oferecer a oportunidade desses indivíduos se expressarem de diferentes formas através inclusive do uso da arte. E esta se faz representar neste dispositivo de saúde, além da música e da dança, através de literaturas, ateliês de pintura, oficinas terapêuticas, como a de teatro e de imagem.

A partir dessa nova forma de compreender tratamento, isto é, que vai além da terapêutica medicamentosa, vemos alguns exemplos de autores que têm se interessado em estudar o tema e de mostrar contribuições sobre o mesmo para a saúde mental. Como podemos perceber com Ana Carolina Pacheco de Paula, psicóloga e gestalt-terapeuta, que durante sua atuação em um CAPS trouxe importantes contribuições teóricas ao publicar seu artigo sobre o seu trabalho em uma oficina de teatro com indivíduos com transtornos mentais. Segundo Paula (2013, p.358):

"A possibilidade de expressar através do teatro os sentimentos e pensamentos, além da oportunidade de compartilhar suas vivências através das artes cênicas, mostrava-se como uma ferramenta facilitadora de inserção social para os mesmos".

Em Gestalt-Terapia novas formas de tratamento são bem aceitas e essa abordagem psicoterapêutica trabalha com conceitos como inventividade e criatividade que por sua vez é inerente aos processos da vida e possibilita ao sujeito novas formas de se relacionar com o mundo e de se reestruturar internamente. Zinker (2007, p.30) nos conta de características importantes do terapeuta criativo como a habilidade para trabalhar com o lúdico, a curiosidade, a capacidade de celebrar a vida, a solidariedade. O terapeuta criativo é atento a si e ao outro e não tem medo de se arriscar. Faz uso de experimentos e faz bom uso do que o ambiente lhe proporciona.

 

Objetivo

O objetivo deste artigo é compartilhar minha experiência no trabalho com grupo de música com usuários que apresentam quadros compatíveis com transtorno mental3. A partir do olhar da Gestalt-terapia, busco descrever alguns dos benefícios que o uso da música como recurso de interação, pode proporcionar ao trabalho com grupos de indivíduos com esse perfil.

 

Justificativa

O interesse em abordar esse tema surgiu a partir da minha prática como psicóloga. Atuo em um serviço público na rede municipal de saúde da Cidade do Rio de Janeiro, num Centro de Atenção Psicossocial - CAPS. Neste serviço, coordeno um grupo com recurso terapêutico para promoção de saúde de usuários e familiares. Nele, tive a oportunidade de entrar em contato com a arte, onde a música se apresentava de uma forma criativa e representava ainda uma forma de acolhimento, comunicação e de interação que está muitas vezes prejudicada nesses indivíduos. A dança também é utilizada neste grupo como recurso expressivo que favorece a consciência corporal. Segundo Santos (2008, p.138), por meio da música, o sujeito pode se diferenciar de outro pelo ritmo, por um som produzido, pela repetição de sons, pela forma de tocá-la, pela intensidade. Tal ação produz um efeito energizante para quem compõe uma melodia.

No curso de especialização em psicologia clínica – Gestalt-terapia (Indivíduo, Grupo e Família), temos, como exigência para a conclusão do mesmo, a elaboração de um artigo científico sobre um tema que desperte nossa atenção e que possua alguma relevância acadêmica. Quando comecei a pensar em como cumprir essa exigência, me lembrei do Grupo de Música que coordeno neste serviço onde atuo, como sendo um tema interessante para explorar.

Procurei bibliografia na internet que abordasse o trabalho com música em grupo com pessoas que vivessem sintomas compatíveis com transtorno mental, em especial com referencial teórico da gestalt-terapia. Infelizmente, em minha busca, não localizei bibliografia com o viés específico de trabalhos com referencial da Gestalt-terapia com música para esse público.  Esta forma de trabalho com a utilização da abordagem gestáltica como referencial teórico e prático, em uma oficina de música, parece ser ainda pouco explorada, mesmo no campo da saúde mental que é considerado mais aberto às práticas menos ortodoxas. Esse contexto me levou a ficar mais motivada a produzir sobre o tema, visando contribuir para diminuir essa lacuna de produção científica na área de gestalt-terapia.

Considero, portanto, relevante compartilhar minha experiência nesta área para possibilitar aos gestalt-terapeutas e demais técnicos que atuem com essa clientela, a terem acesso a uma referência e alguns dados sobre esse trabalho no sentido de auxiliá-los na sua prática.

 

Metodologia de Pesquisa

A metodologia de pesquisa utilizada no artigo foi um estudo qualitativo e os dados foram coletados através de um diário de pesquisa. O registro das informações sobre o dia a dia do grupo de música foi realizado em um caderno. As anotações foram feitas sempre ao final dos encontros do grupo, com o intuito de registrar como foi o andamento dos encontros, sua dinâmica, e as trocas que se estabeleceram durante o mesmo. Para o presente artigo, foram utilizadas as anotações da dinâmica da oficina de música durante o período de setembro de 2017 até março de 2018,como base de referência.

Foi realizado, também, um levantamento bibliográfico sobre o tema nos indexadores Google acadêmico, Scielo, Pepsic, Periódico Capes, Latindex, Clase, Psicodoc e Revistas virtuais de Gestalt-terapia, como a Revista IGT na Rede. Esse levantamento abrangeu os últimos 10 anos e utilizou como palavras-chave: música/musicoterapia, transtorno mental, grupo e gestalt-terapia. Não encontrei em minhas buscas, na área de gestalt-terapia, artigos que atendessem aos requisitos dessa pesquisa com as palavras-chave grupo-música e gestalt-terapia. Porém, encontrei artigos na Musicoterapia de autores como Lenig, Sampaio e Zanini que contribuíram para a elaboração deste artigo.

No primeiro tópico, descrevi como ocorre o funcionamento do Grupo de Música. Já no segundo tópico, discorri sobre a Arte como recurso terapêutico singular, utilizado em serviços de saúde mental do município do Rio de Janeiro. No terceiro momento, discuti sobre a presença de um gestalt-terapeuta conduzindo um grupo. Ao final apresentei minhas reflexões mais atuais sobre essa atuação.

 

FUNCIONAMENTO DO GRUPO DE MÚSICA

O grupo de música que estou apresentando neste artigo foi criado em 2011 pelas coordenadoras: Janaína (musicoterapeuta), Inês (nutricionista) e Martha (terapeuta ocupacional). Foi pensado com o intuito de funcionar como um Coral, porém o próprio grupo foi se configurando mais como um espaço de trocas e de relações interpessoais, como funciona até hoje. O grupo tem frequência semanal, com duração de uma hora e meia, sendo coordenado atualmente por quatro técnicas, sendo uma delas a fundadora e musicoterapeuta, uma psicóloga, uma técnica de enfermagem e uma oficineira (profissional de nível médio que atua em oficinas terapêuticas).

O Grupo é realizado em um CAPS localizado na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Bangu. Os participantes se reúnem em uma área externa, uma vez por semana, às sextas-feiras, sempre às 14h, durante uma hora e trinta minutos.

É um grupo fechado, com limite de vagas. Somente podendo receber novos usuários, quando da desistência de algum. Conta com a participação de 40 a 50 pessoas, sendo composto por usuários do serviço e seus familiares. O número de participantes se altera por motivos variados, mas destaco principalmente os fatores climáticos: muito calor ou chuva contribuem para essa flutuação no número de participantes. Os usuários desta oficina, em sua maioria, têm o diagnóstico de autismo, mas também temos usuários diagnosticados com esquizofrenia, sendo de ambos os sexos e com idades variando entre 21 a 50 anos. Muitos destes indivíduos, com sintomas característicos de autismo, por sua vez, vieram encaminhados de outro serviço de saúde mental do território: os CAPSIs (Centro de Atenção Psicossocial Infantil) quando completaram a maioridade.

Para favorecer a compreensão do funcionamento da oficina, considero importante definir o que chamamos de quadros de autismo e de esquizofrenia para que o leitor se aproxime mais dos participantes da mesma e de algumas características que tendem a se repetir e ficar presentes no contato com eles. O autismo é considerado um transtorno evolutivo-comportamental e é caracterizado por repetição de sons ou expressões verbais, comportamentos estereotipados, maneirismos, dificuldades nas trocas sociais e desenvolvimento atrasado da linguagem. Corroborando nossa definição, Nunes e Valente (2017, p.9) descrevem melhor o de autismo:

Os traços presentes seriam: movimentos estereotipados, ecolalias e trocas pronominais, tendência ao isolamento e ausência ou atraso no desenvolvimento da linguagem. Sendo a característica mais marcante desses indivíduos a incapacidade de estabelecer relações interpessoais desde o início de suas vidas.

Do ponto de vista da Gestalt-Terapia, pode-se dizer que crianças com autismo possuem um "enrijecimento" nas fronteiras de contato. Desta forma, para elas, é difícil estabelecer relações satisfatórias com as pessoas e com o meio ambiente. O grau de comprometimento é variável de caso a caso. (MARTINS, 2015, p.333)

Em geral, indivíduos com quadro característico de autismo não conseguem filtrar os estímulos que recebem do ambiente externo. Todos os estímulos se tornam primários; elas podem não conseguir separar um estímulo principal de um estímulo secundário em um determinado momento. Estímulo primário é o estímulo mais importante em uma situação. Os estímulos secundários são os menos importantes. Normalmente, o nosso cérebro consegue filtrar o que é mais importante em cada situação e assim nos concentramos no estímulo primário. Entretanto, o cérebro de quem tem autismo recebe uma "enxurrada de informações", ou seja, não consegue separar o que é mais importante para cada momento – todos os estímulos se tornam primários ao mesmo tempo. Consequentemente, há uma sensação de ausência de controle e de previsibilidade sobre o ambiente. O sistema nervoso destes indivíduos precisa criar alguma maneira de retornar a um estado de controle e previsibilidade. A maneira que o cérebro encontra de fazer isso é criando os comportamentos repetitivos e estereotipados - estes são os chamados comportamentos "típicos" dos autistas, como balançar objetos, alinhar carrinhos, balançar o próprio corpo. Fazendo a mesma coisa inúmeras vezes, é possível para eles ficarem focados em apenas um estímulo que não irá mudar, conseguindo uma sensação de alívio sensorial, assim como controle e previsibilidade, já que irá fazer a mesma coisa com o mesmo objeto muitas vezes. Desta forma, eles poderão se sentir seguros e protegidos. (AYRES, 2005 Apud MARTINS, 2015, p.333)

Já a Esquizofrenia, de acordo com a DSM-IV, a é caracterizada pela presença de dois ou mais dos seguintes sinais/ sintomas: alucinações, delírios, discurso e/ou comportamento desorganizados ou catatônicos, sintomas negativos (embotamento afetivo, avolição, alogia) e disfunções sociais, no trabalho ou estudo, caracterizadas por perdas nas habilidades interpessoais e produtivas. Essa sintomatologia deve estar presente por, pelo menos, um mês. (DALGALARRONDO, 2000)

Segundo Vieira (2010), o indivíduo com psicose tem dificuldades de perceber seu senso de integridade, de perceber o que está dentro e o que está fora da sua fronteira. Em alguns momentos, não consegue diferenciar a sua própria experiência e a do outro. Neste caso, em Gestalt-terapia, compreendemos como presente o mecanismo de evitação de contato denominado confluência. Essa indiferenciação, entre o "eu" e o "não-eu", por sua vez, torna o indivíduo, em alguns momentos, alienado do meio. Aqui podemos exemplificar a ocorrência das alucinações nos indivíduos como quadro compatível com esquizofrenia. As alucinações são vividas como experiências reais e geram muita ansiedade aos mesmos. Em gestalt-terapia, percebemos nesses indivíduos um ajustamento criativo do tipo psicótico, onde o "self" pode ser entendido como um processo figura/fundo em situações de contato. Para Yontef (1998, p.177), algumas pessoas são bem-sucedidas em construir um self que apresenta continuidade e harmonia, mas nem todos possuem essa habilidade.

O processo de formação e transformação de figuras em movimentos fluídos confere o estado saudável ao indivíduo. Este estado, portanto, caracteriza-se por um processo permanente de manutenção de equilíbrio e de ajustamento às condições sempre flutuantes do meio interno e externo (RIBEIRO,1985; TENÓRIO,2003).

Porém, devemos salientar que o bloqueio no contato não configura necessariamente uma patologia. Os bloqueios são, num primeiro momento, estratégias saudáveis para a proteção do "self". Como afirma Augras (2002,p.57), esses bloqueios só efetivamente se tornam patológicos se a pessoa permanece presa à mesma estrutura, sem mudança e sem criação.

A pessoa estar consciente da situação permite que ela possa distinguir figuras e fundos. Sem estar em contato com os sentimentos, os ajustamentos criativos não aconteceriam de forma satisfatória. Os ajustamentos criativos são uma resposta do sujeito à satisfação de uma necessidade e relacionam-se à autorregulação do organismo diante de uma demanda que surja. Esses ajustamentos criativos também podem constituir-se em moldes neuróticos ou psicóticos.

Quanto maior a rigidez na fronteira organismo-ambiente, mais severos os efeitos no self. Nas neuroses, verificamos uma perda nas funções do Ego ou Personalidade e na Psicose, a perda se dá na função Id.

Conforme Perls et. AL. (1997, p.184):

"[...]O id, o Ego e a Personalidade são as etapas principais do ajustamento criativo: O Id é o fundo determinado que se dissolve em suas possibilidades, incluindo as excitações orgânicas e as situações passadas inacabadas que se tornam conscientes, o ambiente percebido de maneira vaga e os sentimentos incipientes que conectam o organismo e o ambiente [...]"

O sujeito com fixações psicóticas não responde adequadamente ao mundo externo e nem às suas próprias necessidades, como se estivesse desconectado da realidade. Trata-se de uma interrupção profunda do fluxo de "awareness"4. Por outro lado, pode ocorrer uma inundação do self por sensações que não adquirem significado porque não são reconhecidas em outro nível de consciência. As alucinações e delírios nada mais são do que formas criativas de tentar responder a essas excitações ou fantasias e, como afirma Belmino (2015, p.97), a atuação com esses indivíduos deve ser no sentido de acolher e manejar suas produções psicóticas, buscando uma ampliação das fronteiras de contato.

Após discorrer acerca das características dos indivíduos que frequentam a oficina, gostaria de enfatizar que a proposta de ressocialização destes usuários vem de encontro à forma como a mesma é conduzida. Ou seja, além dos encontros semanais, são realizadas uma ou duas atividades por ano fora do CAPS com a participação dos usuários, familiares e técnicos que integram o grupo.  Os lugares a serem visitados são escolhidos por eles, como praia, sítio, parques, museus, entre outros. Com o intuito de obtermos uma renda para nos auxiliar a financiar o aluguel de ônibus e pagamento de entradas nos passeios, criamos um brechó que é administrado por uma das coordenadoras, juntamente com um dos usuários do grupo de música. A outra parte da renda é obtida através da contribuição mensal de um pequeno valor pelo núcleo familiar.

No Grupo, são oferecidos a esses usuários alguns instrumentos musicais, como pandeiro, atabaque, chocalho, violão. Os membros se alternam na utilização dos instrumentos, acompanham batendo palmas, cantam e dançam músicas escolhidas por eles.

O papel das coordenadoras do grupo de música é de incentivar/motivar os integrantes nestes encontros, visando construir com eles laços de afetividade, onde as trocas se fazem presentes. Participamos da atividade junto com eles também cantando e dançando. A equipe atua incentivando e estimulando os usuários a cantar e a dançar.

Em alguns momentos da oficina, os usuários podem apresentar episódios de "crise", onde observamos exaltação do humor, pensamentos com conteúdo delirante, heteroagressividade ou agitação psicomotora. Nesses instantes, precisamos nos dividir para dar um suporte para aquele que está vivenciando esse episódio de crise e trabalhamos no sentido de minimizar os impactos no restante do grupo. Estas situações tendem a ser muito mobilizadoras para todos os envolvidos.

Devo enfatizar que o grupo também é atravessado por questões político-institucionais. Os instrumentos que usamos durante o grupo de música foram obtidos através de doações dos familiares ou dos próprios técnicos do serviço. Em nenhum momento contamos com qualquer apoio financeiro do Serviço para compra de qualquer material para essa Oficina ou qualquer outra.

O espaço onde o CAPS funciona é um espaço anexo a uma Policlínica, contrariando a Portaria 314 que afirma que os CAPS não deveriam ser anexados a nenhum outro serviço e deveria ter sua sede própria, independente. A sede do CAPS possui um espaço insuficiente à sua demanda e o Grupo de Música funciona nos fundos do mesmo, contrariando a portaria citada, e ainda por cima em um espaço aberto que sofre as influências climáticas, como chuva, frio, calor excessivo e pragas. Lembramos que o CAPS fica localizado em um bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, considerado historicamente o mais quente da cidade do Rio de Janeiro e o calor faz o processo extremamente desgastante.

Nessas ocasiões, temos de nos abrigar embaixo das árvores, onde colocamos cadeiras e bancos que se encontram em péssimo estado de conservação. E é nesse contexto que ainda temos de conviver: com fezes de gatos (que teoricamente são proibidos em instituições de saúde) no chão, a proliferação de caramujos africanos e o ataque de mosquitos que também proliferam mais no verão, quando temos mais água acumulada da chuva e o risco de desenvolver doenças como Dengue, Zica ou Chikungunya.

Quando chove, ficamos impossibilitados de fazer o Grupo, pois não dispomos de espaço suficientemente grande que contemple a quantidade de participantes. Atualmente, em 2018, ainda contamos com mais um dificultador: após chuvas intensas, o muro que separava essa área da rua desabou e temos de ter mais cuidado para os usuários não correrem para fora do local, onde existe uma rua. Nesses tempos de violência, nos sentimos preocupados e vulneráveis com relação à segurança. Fomos informadas de que no momento, não há recursos para consertar o muro ou erguer outro no local.

O Grupo de Música também sofre com a crise na saúde pública que atinge a cidade. É importante relatar sobre esse contexto, pois o mesmo afeta diretamente a condução da oficina: das quatro coordenadoras do grupo, duas são trabalhadoras contratadas por ONGs e não têm recebido o salário em dia e sofrem com pressões da direção para não deixarem de ir ao serviço, mesmo sem ter condições para pagar o transporte ou alimentação. Isso tem gerado nelas problemas de saúde como crises de hipertensão arterial de uma delas e de ansiedade por parte da outra. Uma outra coordenadora, contratada, que também fazia parte do grupo, no fim do ano passado, sucumbiu à pressão e ao adoecimento físico e mental e pediu demissão. Nós servidoras temos dado suporte emocional às contratadas e os familiares têm se organizado em comissões para protestar visando melhores condições de tratamento para seus filhos, irmãos.

Realizar um bom trabalho nas condições relatadas acima, se torna um desafio, ainda mais com o público também já citado que demanda cuidados contínuos. Porém, apesar das dificuldades relatadas acima, os ganhos no tratamento dos usuários são expressivos. Muitos desses usuários que participam do grupo de música quando chegaram ao nosso serviço possuíam muita dificuldade de se relacionar com o outro, apresentavam não raramente episódios de agressividade. Alguns tinham dificuldade de vestir roupas ou mesmo de permanecer com a roupa por períodos maiores e a autonomia era muito restrita. Ainda havia aqueles que pouco ou nada falavam. Percebemos melhoras no seu quadro clínico e essa percepção também é ratificada pelas falas dos familiares. Estes atestam uma melhora do grau de socialização, da autonomia e mesmo diminuição dos episódios de agressividade, como os que relatamos acima.

Um dos pilares do trabalho em um CAPS é a ressocialização dos frequentadores desse serviço. A partir da inserção no Grupo de Música, tivemos a oportunidade de realizar esse trabalho. Além dos encontros semanais, são realizadas uma ou duas atividades por ano fora do CAPS com a participação dos usuários, familiares e técnicos que integram o grupo. Os lugares a serem visitados são escolhidos por eles, como praia, sítio, parques, museus, entre outros. Com o intuito de obtermos uma renda para nos auxiliar a financiar o aluguel de ônibus e pagamento de entradas nos passeios, criamos um brechó que é administrado por uma das coordenadoras, juntamente com um dos usuários do grupo de música. A outra parte da renda é obtida através da contribuição mensal de um pequeno valor por núcleo familiar .Também podemos citar encontros que se dão a partir do contato com a comunidade, como por exemplo, a apresentação que fizemos do Grupo em espaços fora do CAPS, como a Nave Cultural e na Lona Cultural de Bangu. Espaços esses, onde contamos com a presença de pessoas que residem nas redondezas se que não possuíam qualquer contato com a área de saúde mental e ficaram bastante satisfeitos com o trabalho apresentado. Isso foi muito importante também para os usuários que se viram mais autoconfiantes e inseridos na sociedade.

É sabido que embora a reforma psiquiátrica tenha se dado há muitos anos, ao meu ver, os indivíduos com transtorno mental ainda enfrentam muitas dificuldades de aceitação e de inserção social. A substituição dos hospitais psiquiátricos, que foi um dos alicerces da Reforma Psiquiátrica, por serviços substitutivos como os CAPS, trouxe grandes benefícios para essa clientela, mas isso infelizmente não significou a inclusão total desses indivíduos na sociedade. A mesma até hoje parece receber com estranhamento a presença deles na sua vizinhança, onde os encontramos circulando pelos CAPS ou morando nas RTs (Residências Terapêuticas). E, nesses momentos onde se dá a integração da sociedade com os usuários desses serviços é um momento muito rico de trocas e ressignificações.

Quando fizemos um evento na lona cultural percebemos uma admiração daqueles que estavam assistindo o espetáculo e a partir daí foi possível se estabelecer parcerias culturais e esportivas.

Também percebemos, a partir do que foi relatado, que alguns usuários mais jovens que participam do grupo de música por vezes, têm conseguido se organizar, combinando atividades fora do CAPS, como ida a cinemas. O Grupo também tem exercido um papel de incentivar as potencialidades dos seus membros e temos inclusive o exemplo de um usuário do grupo, com diagnóstico de esquizofrenia grave, de 24 anos. Ele já tinha um interesse por música, e após a inclusão no Grupo de Música, e com apoio e suporte do CAPS, conseguiu aprofundar seus conhecimentos nessa área e fez o curso de música Vila Lobos. Cabe ressaltar que esse curso é considerado um dos melhores da cidade. Nesse ano de 2018 este usuário iniciou a faculdade de música numa universidade localizada em Realengo.

Com relação aos usuários com diagnóstico de autismo, percebemos que quando estes chegaram ao nosso serviço, como já foi dito, apresentavam mais marcadamente dificuldades nas trocas sociais e retardo no desenvolvimento da linguagem. Porém, ao longo do nosso trabalho no grupo pude observar que eles estavam e estão se colocando cada vez mais disponíveis para essas trocas o que do ponto de vista da Gestalt-terapia, contribui para a ampliação das fronteiras de contato. O outro não é visto mais tão ameaçador quanto antes e alguns que mal falavam, agora já conseguem verbalizar ou até mesmo cantar pequenos trechos de músicas.

O grupo é um lugar de encontro onde as trocas podem ocorrer e por estarem inseridos nesse espaço, estes indivíduos têm a possibilidade de experimentarem esse contato, não só consigo próprio, com o outro e com o mundo que o rodeia. Como afirma Ribeiro (1994, p.28):

O encontro não ocorre entre idênticos. É a diferença que permite o encontro. O contato me permite olhar para o outro, percebê-lo diferente de mim, maior ou menor que eu, me motiva a crescer.

Gostaria de salientar também que as trocas se dão a partir do momento em que as coordenadoras, com sua sensibilidade, conduzem o grupo de forma que o protagonismo seja exercido pelos próprios membros. Essa percepção pode ser corroborada pela afirmação de Pinheiro da Silva (2015, p.61):

Um dos momentos mais gratificantes que experimento quando estou acompanhando grupos, se dá quando um membro do grupo dá um retorno para um outro membro que eu jamais poderia dar. Simplesmente porque ele está olhando a partir de outro ponto de vista. Estes momentos são mágicos e neles percebo de forma nítida a riqueza e o potencial transformador dos grupos.

Ribeiro (1994) ratifica a importância do grupo como espaço para trocas e acredita no seu poder de transformação a partir da comunicação estabelecida entre seus membros, o que possibilita que determinadas atitudes aconteçam e comportamentos mais estáveis se façam presentes. Aqui estamos falando de um processo de autorregulação organísmica que se dá não apenas a nível individual, como numa instância grupal também.

Também destaco como característica importante presente nesse grupo o favorecimento de estabelecimento de laços de união que se criaram entre os familiares. Um fato que percebemos foi que este se constituiu num grupo que favoreceu o suporte entre os membros do grupo e possibilitou que novos arranjos emergissem. Considero o grupo de autoajuda, pois eles próprios conseguem tratar de situações difíceis, como destaco no próximo parágrafo.

Este grupo se encontra quinzenalmente, ao fim do horário da oficina de música, com duração de cerca de trinta minutos. Nestes encontros os familiares podem falar das suas dores e dificuldades no manejo com os filhos/parentes. Neste contexto, podemos dar um suporte mais próximo, e temas importantes como luto, adoecimentos e ideação suicida surgiram e foram acolhidos e manejados.

 

A ARTE COMO RECURSO TERAPÊUTICO

Vivemos em uma sociedade onde tentamos encobrir nosso mal-estar frente a qualquer problema utilizando medicamentos, como afirma Belmino (2015, p.64): Problemas de diferentes ordens são apresentados como "doenças", "transtornos", "distúrbios" que camuflam questões políticas, sociais, culturais, afetivas que atingem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos.

E a indústria farmacêutica tem se aproveitado dessa "medicalização" do cotidiano, contribuindo para uma psicopatologização da vida humana, aspirando incutir na cabeça das pessoas como se a única forma de tratamento adequada fosse o uso de medicamentos. É como se não fosse permitido ao indivíduo sentir, sofrer. "Tá triste? Toma um antidepressivo. Tá ansioso? Toma um ansiolítico..." e por aí vai... Apesar de existirem serviços substitutivos como os CAPS que vão contra essa ótica, no campo da saúde mental não é diferente, muitos serviços ainda possuem como recurso principal a medicalização.

Os CAPS foram criados a partir da Reforma Psiquiátrica Brasileira com objetivo da reinserção social dos usuários desse serviço. Entretanto, observo no cotidiano que muitos familiares ainda consideram o médico e a medicação mais do que essenciais no processo de tratamento, mas como estratégia única de tratamento. Estes dispositivos funcionam com equipes multiprofissionais, dentre as quais destacamos a presença de psicólogos, terapeutas ocupacionais, musicoterapeutas, enfermeiros, psiquiatras, assistentes sociais, educadores físicos, nutricionistas e técnicos de enfermagem. Estas instituições vêm com uma perspectiva de funcionar como um serviço substitutivo às internações, pois são considerados locais de acolhimento de crise e trabalham com a ótica da territorialidade, ou seja, se relacionam com a comunidade que o circunda, buscando estabelecer contato com os recursos da área para assim ampliar os laços sociais dos usuários que notadamente possuem dificuldades para estabelecer trocas com o meio.

Sendo um dispositivo alternativo aos hospitais psiquiátricos e às internações o CAPS também não trabalha com a perspectiva da medicalização. Ele trabalha com o recurso da arte como importante aliada no tratamento dos usuários. E a arte se presentifica principalmente nesses espaços, através da realização de oficinas terapêuticas, onde entre outras, a música e a dança são importantes instrumentos que são utilizados na área de saúde mental.

As Oficinas terapêuticas foram regulamentadas pelo Ministério da Saúde através da Portaria 189 de 1991 e são entendidas como atividades oferecidas nos serviços extra-hospitalares, incluindo Hospitais-Dias e Caps. (ERVEDOSA, MATOS, 2009)

As oficinas podem até mesmo, em alguns casos permitir o aprendizado de determinadas atividades, além de possibilitarem um espaço de trocas entre os integrantes. Segundo (ERVEDOSA, MATOS, 2009, p.2), é o dispositivo mais comum utilizado nos CAPS e levou inclusive a criação de cargos técnicos de nível médio. São as chamadas oficineiras.

Segundo (ERVEDOSA, MATOS, 2009, p.2):

"É fato que as oficinas terapêuticas no CAPS atuam como um dispositivo estratégico fundamental que estrutura ações com objetivo terapêutico, representando uma forma de intervenção potente e transformadora. Destaca-se, ainda que as oficinas possibilitam o encontro de coletivos, garantindo o espaço de diálogo e trocas afetivas, promovendo reflexão, movimentando pensamentos e sentimentos, favorecendo a produção de subjetividades e sociabilidades, estimulando a construção de vínculos pessoais e sociais, visando sempre à inserção social positiva e saudável".

Dentre os recursos da Arte, neste artigo, como já apontamos antes, destacamos a música e a dança como importantes ferramentas para o trabalho com usuários que vivam sintomas compatíveis com quadros de transtorno mental num CAPS.

Segundo Mauro Costa (1989) apud Silva (2008), historicamente, vemos a arte sendo utilizada visando o tratamento de transtornos ou distúrbios. E a música já era conhecida dos povos primitivos, como recurso terapêutico, e se presentificava pela figura do feiticeiro que auxiliava os doentes através do uso de danças e músicas cerimoniais, a "música de cura". A crença era a de que a música livrava o doente da possessão de espíritos, levando-o à cura.

Para Leinig (1977), os primeiros relatos escritos sobre a influência da música no ser humano se deram por volta de 1899 e eram relacionados à influência na fertilidade feminina. Também havia relatos na bíblia em que Davi, com o toque de sua harpa, aliviava a depressão do rei Saul.

Na Grécia antiga, a doença consistiria num estado de desequilíbrio dos elementos que constituíam a natureza humana e a música teria a função de reequilibrar esses elementos, através da harmonia dos sons. A música promoveria a catarse5 das emoções, enriquecimento da mente e domínio das emoções através de melodias que levavam ao êxtase. (COSTA, 1989, apud SILVA, 2008).

Para Zanini in Valladares (2004) apud Santos (2008), Platão, Aristóteles e Pitágoras, pensadores da Grécia Antiga, também eram adeptos à utilização da música. Platão indicava a música e a dança importantes para a recuperação da serenidade e combate dos terrores e as angústias fóbicas. Aristóteles falava sobre o valor terapêutico da música no que se referia às emoções incontroláveis e conferia seu resultado à catarse emocional. Já Pitágoras, que considerava a possibilidade de a música restabelecer a harmonia espiritual, a descrevia como a medicina da alma.

Na Idade Média, a medicina estava mais atrelada à conduta religiosa do que associada à música. Somente no século XIII, volta-se a fazer referências à música como tratamento para algumas doenças, principalmente para as "epidemias da dança". Nesse caso pedia-se que os doentes dançassem até a exaustão, ao som de músicas aceleradas. Também se utilizava música no tratamento dos melancólicos.

A partir do Renascimento, a doença mental deixou de ser considerada como algo sobrenatural para ser abordada de forma científica e, "entre os processos de tratamento (do doente mental) pela recreação, a música se impôs como um dos meios mais eficazes" (LEINIG, 1977, apud SILVA, 2008 p. 16). No século XVI, afirmou-se que os loucos eram doentes, necessitando de tratamento humano, médico e espiritual e a música seria a responsável por integrar esses tratamentos. Durante o século XVII a música foi recomendada quase exclusivamente aos casos hoje ditos psiquiátricos.

Esse mesmo autor destaca que no século XIX, Philippe Pinel, famoso médico francês, iniciou o trato moral nos asilos, onde incluía a música como recurso terapêutico. Destaca também que o médico Esquirol realizava tratamento coletivo com pacientes alienadas, através de concertos realizados por alunos e professores do Conservatório de Música de Paris. Com o surgimento da psicanálise observamos uma diminuição do relato do uso da música como terapia.

Durante a Primeira Guerra Mundial a música foi utilizada nos hospitais dos Estados Unidos por músicos profissionais, após serem comprovados os efeitos relaxante e sedativo da música nos doentes de guerra. Na Segunda Guerra Mundial ressurgiu a música como terapia nos Estados Unidos, em hospitais para recuperação de neuróticos de guerra.

Podemos pensar a música como um fenômeno presente em todas as culturas e tem sido utilizada em atividades variadas desde entretenimento até com objetivo de acalmar crianças agitadas, favorecer a coesão social, expressar consciência social e crenças religiosas, dentre várias outras funções (GFELLER, 2008; KOELSCH, 2014 apud SAMPAIO, 2015).

Estudos em neurociências têm demonstrado uma relação entre música e características biológicas inatas no ser humano. Os bebês humanos apresentam diversas habilidades musicais desde as primeiras semanas de vida, incluindo uma refinada percepção de alturas e padrões rítmicos, localização da fonte sonora, preferência por consonância à dissonância, correspondência entre som e movimento, dentre outros (TREHUB, 2005; ILARI, 2006 apud SAMPAIO, 2015).

Poch Blasco (1999) é outro autor que ratifica a importância da música na vida do indivíduo e dos efeitos que ela produz como os efeitos biológico, fisiológico, psicológico, intelectual, social e espiritual.

Entretanto, Moura Costa (1989) afirma que o valor terapêutico da música não está somente nos efeitos que o som pode provocar sobre o organismo e psiquismo humano, mas sim no significado que é dado à música por cada ouvinte.

No trabalho com indivíduos com transtorno mental, observamos outra característica relevante da música que é a capacidade de desenvolver a atenção, pois através dela, possibilita ao sujeito voltar ou permanecer na realidade (POCH BLASCO, 1999).

A música ainda pode ser utilizada como um meio de interação e comunicação entre o profissional da saúde e o paciente. No Grupo de música temos alguns indivíduos que apresentam sintomas característicos do quadro de autismo que não falam, mas mesmo quando as palavras faltam, a música aparece como uma linguagem não-verbal. Uma determinada canção que toque, um instrumento que seja manipulado por eles, percebemos olhares, sorrisos, trocas se dão nesse momento. Podemos considerar a importância da música enquanto elemento de comunicação não-verbal que poderá adquirir sentidos e significados de acordo com a cultura e o contexto no qual está sendo utilizada (LANGER, 2004).

Trabalho com a dança e com a música na minha prática e a meu ver, os seus efeitos são extraordinários. Já vi usuários que no início de seu tratamento se recusavam a sair de casa, passarem a comparecer semanalmente ao CAPS, a partir da inclusão nos grupos de música e/ou de dança. Pessoas que apresentavam grande dificuldade de se comunicar com o meio, conseguirem estabelecer contato com o outro, encontrando uma forma de se comunicar.

Temos um usuário chamado R que no nosso último passeio ao "Aquário"6, nos surpreendeu pela forma como conseguiu perceber e interagir com o meio, sentiu texturas com as mãos, sorriu ao ver determinados tanques com peixes e interagiu com o guia do passeio, abraçando-o. Isso emocionou a todos. Familiares também com frequência referem melhora no quadro clínico de seus filhos a partir da inclusão nesses grupos.

Por meio da música, o sujeito pode se diferenciar de um outro pelo ritmo, por um som produzido, pela forma de tocá-la, pela intensidade [...] O trabalho é voltado para a auto percepção e percepção do outro por meio do contato direto com a realidade ao compartilhar, terapeuta e cliente, o momento de fazer música (HOSPODAR,2009,p.15).

Ele acrescenta, ainda que a música resgata a capacidade criativa dos sujeitos através do uso dos instrumentos e essa criatividade é vivenciada pelo sujeito de forma espontânea. É o momento em que se aprende pela experimentação. É vivência. Presença. Temos um usuário chamado D. que se comunica apenas com sua mãe. Eu cheguei a ponto de acreditar que ele não falava, pois nunca tinha ouvido sua voz. Com a presença constante no grupo, D. em alguns encontros consegue cantar algumas músicas e mesmo dançar. Entendo que esse movimento só foi possível, não só por D. estar frequentando o grupo, mas pelo fato das coordenadoras do grupo se fazerem presentes, por e serem perseverantes e acreditarem no seu potencial.

Para (KOELSCH, 2011; RODRIGUES, 2012 apud SAMPAIO, 2015, P. 9):

"A música não somente pode eliciar emoções, mas também mobilizar processos cognitivos complexos como atenção dividida e sustentada, memória, controle de impulso, planejamento, execução e controle de ações motoras, entre outros. Em várias destas funções, um bom desempenho pode ser alcançado por meio da prática nas atividades musicais sociais cotidianas, enquanto um desempenho diferenciado na execução de instrumentos e outras práticas musicais avançadas necessitam de treinamento específico prolongado. Apesar de muitos estudos utilizarem apenas a audição musical para compreensão do processamento emocional de estímulos musicais, são nas experiências musicais ativas – ou seja, quando a pessoa toca um instrumento musical, canta, compõe, e improvisa – que se observam mais facilmente a presença destes processos cognitivos complexos e o desenvolvimento de habilidades relacionadas a eles".

Podemos pensar os efeitos da música no grupo no sentido de facilitar a comunicação e a expressão das emoções, diminuir ou minimizar estereotipias, agressividade e o isolamento social. Temos um usuário chamado Ra que possui delírios de cunho místico(religiosos). E por vezes esse delírio se apresenta em momentos do seu cotidiano, como quando está andando na rua ou no ônibus, e nesses casos, a exaltação de Ra pode ser tamanha, chegando a agressão física. No grupo, quando Ra é invadido por esses pensamentos, conseguimos manejar de forma acolhedora e empática e essa possível agressão é substituída por uma canção ou por um toque de violão, instrumento do qual ele aprecia.

Já a dança favorece a tomada de consciência corporal e permite que o sujeito compreenda sua existência bem como sua relação com o mundo e isso se dá a partir dos movimentos.

Para Wanderley (2002) "arte é um caminho que estreita a relação entre loucura e saúde através da criatividade". Em Gestalt-Terapia a criatividade é inerente aos processos da vida e possibilita ao sujeito novas formas de se relacionar com o mundo e de se reestruturar internamente. Essa arte se faz representar no CAPS em que trabalho, além da música e da dança, através de oficinas terapêuticas, literatura, ateliês de pintura, entre outros. Zinker nos traz a criatividade como uma ruptura de limites, como um ato de coragem, onde o terapeuta se permite experimentar, arriscar, não há certo ou errado. E ele afirma ainda a importância do uso de experimentos como instrumento valioso na prática do Gestalt-terapeuta:

A terapia criativa trata a pessoa como um meio para a arte. O terapeuta criativo vê o cliente em sua totalidade, maleável e rígido, brilhante e embotado, fluído e estático, detalhista e apaixonado. A Gestalt-terapia é na realidade uma permissão para ser criativo. Nossa ferramenta metodológica básica é o experimento(...)O experimento se dirige ao cerne da resistência, transformando a rigidez em um suporte elástico para a pessoa. Não precisa ser pesado, sério, nem ter uma comprovação rigorosa: pode ser teatral, hilário, louco, transcendente, metafísico, engraçado. Os experimentos não precisam brotar de conceitos; podem começar simplesmente como brincadeiras e desencadear profundas revelações cognitivas (ZINKER,2007, p.32).

 

O TRABALHO DE UM GESTALT-TERAPEUTA NUM GRUPO

O trabalho em grupos é algo desafiador, e na graduação não somos devidamente preparados para atuar com esse dispositivo e, quando nos deparamos com a prática, isso pode gerar em nós algum tipo de ansiedade. Na verdade, nos cursos de graduação há uma ênfase no atendimento individual, reforçando o lugar comum que a maioria das pessoas busca para alívio das suas dores. Para Dávila (2015, p.247), "O conceito de atendimento clínico em psicologia formou-se há muito tempo baseado na tríade de origem médica, doença diagnóstico-tratamento". É o que podemos constatar com Quadros (2012, p.190) apud Dávila (2015):

"Historicamente, a influência do modelo médico notadamente na psiquiatria interferiu em nossa prática gerando uma tendência à busca por uma atuação que visasse os ajustamentos e/ou as normatizações o que, muitas vezes resvalava para a constituição desse campo da clínica como um espaço hierarquizado e limitador, revelando não só aspectos de nossa herança como também o equívoco de reduzir-se essa prática ao seu local de realização, a saber, o consultório".

Bom, pelo menos eu também vivenciei esse distanciamento com atendimento em grupo e esse foi um dos motivos que me levaram a buscar um aprofundamento da linha teórica que acreditava: a Gestalt-terapia e que a meu ver me forneceria um bom instrumental e consequentemente aumentaria minha confiança para atuar em grupos.

Irei discorrer sobre o trabalho de um Gestalt-terapeuta num grupo, mas considero relevante nesse momento do artigo trazer um pouco da história do surgimento do trabalho com grupos em Gestalt-terapia. Aqui podemos citar Juliano (2004, p.9) Apud Pinheiro-da-Silva (2015, p 57):

"O início do movimento gestáltico no Brasil se dá em 1972, quando a Thérése, partindo em busca de maior lastro para o trabalho com grupos, vai a Londres, para uma reciclagem e volta entusiasmada com o workshop que fez lá, onde o que se destacou foi a forma com que a terapeuta-coordenadora se colocava no grupo, isto é, de forma pessoal e criativa, deixando clara a sua presença. Isso provocava uma igual resposta do grupo, que se dispunha, então, a correr o risco de ultrapassar um pouco seus limites habituais, e de experienciar formas alternativas de se relacionar e estar no mundo".

E, portanto, não por acaso, em 1984, foi publicado o primeiro livro de Gestalt-terapia no Brasil de autoria de Thérése7, cuja temática era o atendimento em grupos e nessa mesma época outras publicações surgiram com o mesmo teor. (JULIANO, 2004, p.9 apud PINHEIRO-DA-SILVA, 2015, p.58)

Porém, historicamente é sabido que a Gestalt-terapia se tornou mais conhecida à população em geral, a partir dos experimentos realizados por Perls em workshops. Nestes Perls solicitava que uma pessoa dentre tantas outras se sentasse numa cadeira: a técnica do "hot seat", e era trabalhada por ele. Na verdade, tratava-se mais de uma terapia individual num grupo do que a terapia de grupo que entendemos hoje e acreditamos no potencial dela, onde podemos trabalhar principalmente as relações que se dão entre os membros desse grupo. No grupo de Música temos a oportunidade de trabalhar os afetos e as relações que se dão naquele espaço.

Trabalhar na área de saúde mental para muitos, traz medo, insegurança, mas como já tinha experiência de atuar num hospital psiquiátrico, esse não foi um problema. Porém, a dinâmica das relações nesses dois tipos de instituições, a aquela com modelo asilar e a reformista é extremamente diferente. Estamos falando de contextos sociais distintos. Em Gestalt-terapia, trabalhamos com o conceito de campo e a dinâmica que se dá nesses lugares é diferenciada. No hospital psiquiátrico a reclusão é uma característica inerente e as relações se dão sob uma ótica de exclusão e no CAPS variadas possibilidades de lidar com a doença podem ser construídas que valorizem o reestabelecimento dos laços sociais e a construção de novas formas de subjetividade.

Entendo a posição do coordenador/Gestalt-terapeuta como a de um facilitador ou de mediador das relações e ao iniciar o grupo um dos seus papéis seria a de um realizar um enquadre a partir do que ele observa naquele campo. Quando iniciei meu trabalho como coordenadora no grupo de Música, o grupo já existia há 2 anos, mas pude perceber que um trabalho cuidadoso foi realizado a partir da observação dessa clientela e de suas necessidades. Por exemplo, o horário das 14h foi escolhido, pois na parte da manhã, vários dos usuários têm dificuldade para acordar e outros levam grandes períodos para se arrumarem.

O local do grupo escolhido possuía um espaço suficientemente grande que contempla cerca de 40/50 pessoas. O ambiente escolhido dava uma "sensação de proteção", uma vez que ficava relativamente distante da rua, risco para o indivíduo com quadro característico do autismo que, por vezes, têm o hábito de sair correndo.

O número de integrantes foi crescendo com o tempo e atualmente o grupo tem tido dificuldade para absorver novos membros, embora demandas nesse sentido apareçam. Alguns integrantes do grupo apresentaram melhora acentuada do quadro e serão encaminhados para novos serviços e então novas vagas devem surgir para esse grupo que é o grupo mais frequentado do serviço.

Embora as entradas tenham sido raras ultimamente quando se dão, ocorrem com muito cuidado, assim como as saídas. Exemplo disso foi a saída de um membro do grupo por falecimento: vamos chamá-lo de MC. MC fazia parte da ala jovem do grupo e apesar de pouco tempo inserido no mesmo era muito querido por todos. Era afável no trato com todos. Tinha a habilidade de compor e cantava músicas. Eu era sua técnica de referência e pensava em ajudá-lo a desenvolver seu potencial. Sua morte nos pegou de surpresa e foi necessário amparar a todos nesse momento, auxiliando-os a enfrentar esse momento de luto.

Quando vivenciamos uma situação de perda, afastamos do nosso contato e da nossa consciência, emoções e sentimentos que nos remeteriam a uma situação de dor. Dessa forma, como relata Souza (2016, p 268), o indivíduo não quer se arriscar a contatar estes sentimentos, experimentá-los em sua totalidade, impedindo uma mudança na percepção dos mesmos, uma nova maneira de vivenciá-los e de reajustar-se ao ambiente.

Foi realizado, portanto, um trabalho de escuta e acolhimento com os usuários quando tivemos a oportunidade de trabalhar com sentimentos que apareceram como tristeza e raiva e a partir daí foi possível para eles expressarem essas emoções.
 Essa mesma autora afirma ainda (2016, p.269):

"As emoções necessitam ser expressas, quando as expressamos estamos trabalhando para esgotá-las. Conflitos tornados conscientes e plenos de interesse funcionam como meio de crescimento, trazendo a ruptura de comportamentos estereotipados, destruição, assimilação e a construção de uma nova configuração. A experiência de perda implica em lidar com uma situação diferente, que requer a destruição de alguns hábitos para a assimilação de novas formas de ser".

Essas situações vivenciadas são momentos delicados e entendemos que a diferença entre os indivíduos no grupo possibilite uma maior troca entre os indivíduos e exige do terapeuta compreensão e disponibilidade para estar atento ao que emerge.

A confirmação e a presença também são fundamentais no processo terapêutico. "Confirmação se refere à validação da experiência do outro. Não o ato de aceitar ou concordar, mas compreender e autenticar a experiência do outro como sendo possível válida e real" (SANTOS, 2005, p.181). A mesma autora afirma, ainda, da possibilidade de se estabelecer vínculos com esses pacientes e da importância desses vínculos para o sucesso da terapia.

Tanto as pessoas que possuem características semelhantes ao autismo como aquelas que possuem quadro compatível com esquizofrenia têm dificuldade para estabelecer trocas sociais, portanto o estabelecimento de vínculos com o psicólogo é fundamental para o sucesso da terapêutica. Na esquizofrenia, como já foi mencionado anteriormente, o sujeito pode apresentar alucinações, dissociação do pensamento, delírios, comportamento desorganizado e embotamento afetivo, o estabelecimento desses vínculos pode permitir uma maior fluidez no trabalho do Gestalt-terapeuta com essa clientela. Com relação aos delírios e alucinações, muitas vezes, a intervenção é dificultada, pois nesse momento o cliente não apresenta um mínimo de contato com a realidade externa para que seja estabelecido um diálogo e incentivo à percepção de outros estímulos. Porém, o psicólogo deve se manter atento, pois as formas de expressão do cliente psicótico, em crise ou não, demonstram sua melhor maneira de se relacionar no aqui-agora; e mais, na crise, suas expressões devem ser acolhidas e contextualizadas, e não desconstruídas, lembrando que os delírios e surtos são únicos e exclusivos (D'ACRI, LIMA E ORGLER, 2007).

O trabalho do terapeuta será voltado, portanto, para a ampliação da consciência do indivíduo sobre o seu próprio funcionamento, observando os sintomas existentes e minimizando o sofrimento diante do encontro com o outro. (VIEIRA, 2010).

O trabalho com o Grupo não há uma rotina, cada encontro é único, individual, rico de significações e trocas, o imprevisível se faz presente, não há um modelo a ser seguido, um certo ou errado. É um trabalho desafiador, que ao mesmo tempo é instigante, na medida em que através do contato com o outro, possibilita o desenvolvimento de encontros, desencontros, a vivência de alegrias, tristezas, surpresas, é o novo emergindo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após todo o percurso da produção do presente artigo, pude refletir a minha prática e percebi que as dificuldades fazem parte do processo, mas a perseverança e o instrumental teórico nos preparam e nos motivam a buscar desempenhar o melhor papel possível. A Gestalt-terapia e dá suporte para não esmorecer frente aos obstáculos e nem desistir. Os recursos que obtive através do aprofundamento desta abordagem me deram subsídios para me arriscar, "me jogar" frente a uma imensidão de possibilidades que apareceram e me convocaram a atuar, a estar presente. É isso que fazemos: rimos, choramos, temos medo, aprendemos, erramos, mas estamos lá ao lado do cliente para que a sua caminhada não seja tão solitária. Isso também nos engrandece. Foi isso que vivi ao longo dos anos e vivo nos atendimentos que participo no grupo com usuários com sofrimento mental. A música tem servido como facilitadora desse processo.  Infelizmente esse tema tem sido pouco explorado em termos de produção científica. Este contexto que inicialmente me motivou a escrever o presente artigo trouxe a oportunidade de compartilhar um pouco de minha experiência nessa área com outros Gestalt-terapeutas que possam se identificar com a minha prática.

Atualmente, com a crise que enfrentamos na saúde os encontros que eram semanais estão ocorrendo quinzenalmente. Porém, apesar das dificuldades que citei ao longo do artigo que poderiam trazer um desinvestimento da minha parte, isto não ocorreu. Como Gestalt-terapeuta, atuei como mediadora e facilitadora do processo grupal e através do encontro, foi possível estabelecer um contato genuíno entre as partes que me permitiu perceber as transformações vivenciadas pelos usuários e os problemas acabaram por se tornar coadjuvantes. Os usuários assumiram o protagonismo das ações. Isso se deu através da utilização de ferramentas indispensáveis como a presença e criatividade, permitindo que a singularidade e novas formas de subjetividade destes pudessem emergir.

Destaco ainda a importância desse trabalho por possibilitar a reinserção destes indivíduos na sociedade, um dos pilares do trabalho em um Caps. É um trabalho que se encontra em permanente construção, é pesado, mas é gratificante. A riqueza de ver o outro se transformando não tem preço, principalmente quando este outro é usualmente excluído da sociedade. Sinto-me com esperança ao perceber que mudanças são possíveis.

Espero ter contribuído de alguma forma para que colegas psicólogos se aproximem e se apaixonem pelo tema como eu, e possam vir a trabalhar e trazer novas formas de ressignificá-lo.

 

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NOTAS

* Márcia Cristina Baptista – Psicóloga. Pós-graduanda em Gestalt-Terapia pelo IGT – Instituto de Gestalt-terapia ( individuo, grupo e família).
1 O termo usuário será utilizado ao longo do presente artigo para fazer referência aos indivíduos que frequentam o Serviço de Saúde.
2 CAPS segundo a PORTARIA Nº 336/GM, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2002. [...] Art.1º Estabelecer que os Centros de Atenção Psicossocial poderão constituir-se nas seguintes modalidades de serviços: CAPS I, CaAPS II e CAPS III, definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional, conforme disposto nesta Portaria; § 1ºAs três modalidades de serviços cumprem a mesma função no atendimento público em saúde mental, distinguindo-se pelas características descritas no Artigo 3o desta Portaria, e deverão estar capacitadas para realizar prioritariamente o atendimento de pacientes com transtornos mentais severos e persistentes em sua área territorial, em regime de tratamento intensivo, semi-intensivo e não-intensivo, conforme definido adiante. § 2º Os CAPS deverão constituir-se em serviço ambulatorial de atenção diária que funcione segundo a lógica do território; Art. 2º Definir que somente os serviços de natureza jurídica pública poderão executar as atribuições de supervisão e de regulação da rede de serviços de saúde mental. Art. 3º Estabelecer que os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) só poderão funcionar em área física específica e independente de qualquer estrutura hospitalar. Parágrafo único. Os CAPS poderão localizar-se dentro dos limites da área física de uma unidade hospitalar geral, ou dentro do conjunto arquitetônico de instituições universitárias de saúde, desde que independentes de sua estrutura física, com acesso privativo e equipe profissional própria.
3 A definição do perfil do grupo será melhor apresentada no item funcionamento do grupo de música do presente artigo.
4 Segundo Yontef (1998, p.215), "Awareness" é uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato vigilante com o evento mais importante do campo indiví­duo/ambiente, com total apoio senoriomotor, emocional, cognitivo e energético.
5 Catarse: segundo a Academia Brasileira de Letras (2008, p 280): purgação, purificação.
6 Aquário Marinho do Rio de Janeiro é um espaço de entretenimento e de cultura, de visitação pública, localizado na Praça Mauá com exposição de peixes e da vida marítima, através de diversos e diversificados tanques.
7 ThéréseTellegen é tida por muitos como a pessoa que introduziu a Gestalt-terapia no Brasil.

 

Endereço para correspondência
Márcia Cristina Baptista
Endereço eletrônico:marcrisbap@gmail.com

 

Recebido em: 06/12/2019
Aprovado em: 09/12/2019