ARTIGO

Revisão integrativa sobre o envelhecimento em Instituições de Longa Permanência: reflexões fenomenológico-existenciais

Integrative review about aging in Long-term Institutions for Elderly: phenomenological-existential reflections

 

Samara Sales de Brito*; Patrícia Carvalho Moreira**

Universidade Estadual do Piauí - UESPI - PI.

Endereço para correspondência

 


RESUMO

O envelhecimento é um fenômeno biológico, psicológico e social, que possui uma dimensão existencial e modifica a relação do homem com o tempo, o mundo e a sua própria história e é nessa relação que pode vir a institucionalização. Dessa forma, é relevante compreender como o ser-idoso vivência o envelhecer em uma Instituição de Longa Permanência, visto que ela deixa uma marca neste processo. O presente trabalho tem por objetivo geral compreender as experiências de idosos institucionalizados; e como objetivos específicos, conhecer as experiências dos idosos institucionalizados trazidos em pesquisas, descrever as vivências do envelhecer nessas instituições e relacionar os aspectos encontrados com as proposições da psicologia fenomenológico-existencial, em específico os relacionados às vivências conforme a Heidegger. Realizou-se uma revisão integrativa de literatura, utilizando as bases de dados SciELO, PePSIC e LILACS, buscando artigos que trouxessem os relatos de idosos sobre as vivências do envelhecer em Instituição de Longa Permanência. A partir dos quatro artigos analisados, foi possível perceber a escassez de trabalhos que enfoquem o vivencial. Analisando os resultados, observou-se que é na relação entre temporalidade e espacialização que as vivências na institucionalização se fazem e orientam atitudes. A partir das leituras e análises sob uma ótica fenomenológico-existencial, se propõe o trocar o "ser-idoso institucionalizado" por "ser-idoso-em-instituição". Neste sentido, se evidencia a necessidade de pensar intervenções terapêuticas que estejam no cotidiano do ser-idoso e que sejam solicitadas por eles, que derrubem os muros subjetivos e construam pontes para eles mesmos.

Palavras-chave: Envelhecer; Instituições de Longa Permanência para Idosos; Psicologia Fenomenológico-existencial.


ABSTRACT

Aging is a biological, psychological and social phenomenon that has an existential dimension and modifies the relationship of man with time, the world and his own history and it is in this relationship that can come to institutionalization. Thus, it is relevant to understand how the elderly being lives aging in a Long Stay Institution, since it leaves a mark in this process. This study aims to understand the experiences of institutionalized elderly people; and as specific objectives, to know the experiences of the institutionalized elderly brought in research, to describe the experiences of aging in these institutions and to relate the aspects found with the propositions of phenomenological-existential psychology, specifically those related to the experiences according to Heidegger. An integrative literature review was carried out using the SciELO, PePSIC and LILACS databases, searching for articles that would bring the reports of the elderly about the experiences of aging in a Long Stay Institution. From the four articles analyzed, it was possible to perceive the scarcity of works that focus on the experiential. Analyzing the results, it was observed that it is in the relation between temporality and spatialization that the experiences in the institutionalization are made and guide attitudes. From the readings and analyzes from a phenomenological-existential perspective, it is proposed to change the "institutionalized being-elderly" to "being-elderly-in-institution". In this sense, it is evident the need to think about therapeutic interventions that are in the daily life of the elderly and that are requested by them, that overturn the subjective walls and build bridges for themselves.

Keywords: Aged; Long-Term Institutions for the Elderly; Phenomenological-existential psychology.

 

INTRODUÇÃO

A população no Brasil e no mundo está envelhecendo: os números revelam que cerca de 8% da população mundial apresenta 65 anos de idade ou mais. Em 2050 espera-se que estes números tripliquem, chegando a representar 16% da população total. No panorama brasileiro, a população idosa representa, atualmente, 7,4% da população do Brasil e as projeções para 2050 apontam à 22,71% de pessoas com mais de 65 anos de idade (IBGE, 2011; OMS, 2011). Desta forma, o Brasil, o "Novo Mundo", acostumado com a ideia de jovialidade desde a colonização, se depara com o envelhecimento e muitas questões saltam desse fato.

De acordo com Correa (2011) é na velhice e sobre o velho que recai de forma mais intensa o isolacionismo da sociedade contemporânea, pois o idoso acaba por se afastar do mundo do trabalho, da vida social, do lazer e ser isolado no próprio espaço doméstico, em que possibilidades de contato e apropriação do mundo encontram-se em muito reduzidas. O velho é resguardado, ora visto como figura frágil, ora como incapaz, e a compreensão deste como um ser de possibilidades e crescimento é por vezes abafada pelas concepções e práticas do social.

Nesse contexto surgem como alternativa ao cuidado do idoso as Instituições de Longa Permanência, vinda da distribuição e do remanejo de responsabilidades, de modo a garantir os direitos da pessoa que envelhece. Ela se coloca em um momento em que adequar-se à realidade das perdas e de conflitos e violações, bem como limitações financeiras, na maior parte das vezes leva o idoso, a família ou mesmo o Estado a procurar as Instituições de Longa Permanência (ILPs) como nova moradia (BESSA & SILVA, 2008).

As Instituições de Longa Permanência para Idosos se configuram como um outro espaço onde o envelhecer se desvela, de um modo totalmente novo para o idoso. O indivíduo é lançado em um novo contexto em que muitas vezes se vê privado de projetos, pois se encontra afastado da família, da casa, dos amigos, das relações nas quais sua história de vida foi construída (BENTES et al, 2012). Entretanto, é possível pensa-la também como vivência benéfica, pois nas situações de maus tratos, negligência ou incapacidade, o habitar em uma instituição pode assumir outro caráter. Sob essa perspectiva, Abrunheiro et al (2016), coloca que é a interação com o contexto que influencia na percepção que o idoso tem de si e no desenrolar do seu envelhecimento, podendo ser de crescimento ou declínio.

A psicologia, diante dessa demanda, tem o desafio de procurar compreender as vivências e os discursos produzidos, tanto sobre os espaços, quanto das experiências, a fim de que se possa compreender os sentidos que despontam nos singulares processos de envelhecimento. Essa postura exploratória, de olhar o que se produz sobre e nas Instituições de Longa Permanência para Idosos é o primeiro passo na elaboração de estratégias e de um fazer psicológico que contribua para o desenvolvimento saudável, de valorização de potencialidades e possibilidades dos indivíduos e enfrentamento das barreiras institucionais, subjetivas e sociais que abarcam este contexto.

O presente estudo busca compreender e explorar a seguinte questão: o que caracteriza as vivências do processo de envelhecer em Instituições de Longa Permanência para Idosos e que olhar a psicologia fenomenológico-existencial pode trazer na análise dos aspectos destas vivências?

Sob tal perspectiva, esta pesquisa busca apresentar uma revisão integrativa cujo objetivo geral é compreender as experiências de idosos institucionalizados a partir da literatura. Como objetivos específicos, o presente estudo busca conhecer as experiências dos idosos institucionalizados trazidos em pesquisas, descrever as vivências do envelhecer em Instituições de Longa Permanência para Idosos e relacionar os aspectos encontrados com as proposições da psicologia fenomenológico-existencial, em específico os conceitos relacionados às vivências conforme a psicologia fenomenológico-existencial, com foco nos construtos e conceitos abordados por Heidegger em sua ontologia hermenêutica.

A despeito do aumento do número de idosos na população e a institucionalização enquanto alternativa diante das questões que estes enfrentam na sociedade, bem como do crescente volume de publicações sobre o envelhecimento nas Instituições de Longa Permanência para Idosos, há escassez de revisões de literatura na Psicologia dedicadas a essa temática. O presente estudo se propõe a contribuir com esse aparato teórico, na tentativa de explanar aspectos das experiências e relatos do envelhecer em tais espaços e contribuir nas reflexões da área.

 

REFERENCIAL TEÓRICO

Envelhe(ser) entre muros subjetivos

Envelhecer é um verbo repleto de possibilidades e, conforme Zimmerman (2000), implica em transformações biopsicossociais, sendo entendido como um processo multifatorial, natural e gradativo, que não tem o fim no se tornar idoso, mas no cessar da vida.

Mas, aliás, o que é ser velho? Simone de Beauvoir em seu livro "A Velhice", considera que "[...] a imagem da velhice é incerta, confusa, contraditória" (1990, p. 109). Minayo e Coimbra corroboram com essa citação, afirmando que a "velhice é um termo impreciso [...] nada flutua mais do que os limites da velhice em termos de complexidade fisiológica, psicológica e social" (2002, p.14). Dessa forma, é possível considerar que envelhecer é um processo e que ser velho não é um padrão, mas um estar singular que é ligado à fatores como o contexto, a família, gênero, situação de dependência e, sobretudo, à questões existenciais.

O envelhecimento é tido como um fenômeno biológico, psicológico e social, e possui uma dimensão existencial que se modifica na relação do homem com o tempo, o mundo e a sua própria história, de forma que envelhecer atinge o ser humano na plenitude de sua existência (MESQUITA & PORTELLA, 2004; CÓTICA, 2014). Além de tais aspectos, é importante salientar que o envelhecer e a velhice se relacionam com as representações que a sociedade faz de tal processo e etapa do ciclo vital, e são exatamente os sentidos e as relações entre o ser e o mundo, e não a materialidade em si, que orientam as atitudes, as ações, as práticas e outras produções pelas quais se concretizam o modo de ser e se construir na velhice.

Ao se buscar construções sobre a ideia de velhice, são perceptíveis os significados que se formaram acerca deste momento da vida. Além de ser um campo recente, envelhecer ainda tem representações negativas no social, muitas que decorrem das concepções formadas ao longo da história.

Hipócrates (460-377 a.C.) considerava a saúde como resultado do equilíbrio entre quatro humores: sangue, fleuma, bile amarela e bile negra, e a doença e a velhice como uma ruptura nesse equilíbrio. Galeno (século II) via a velhice como intermediária entre a saúde e a doença, não sendo ela propriamente um estado patológico, mas um estado em que todas as funções fisiológicas ficavam reduzidas ou enfraquecidas. Até o século XVIII, a grande preocupação dos médicos era prevenir a velhice, ainda encarando-a como doença, elaborando regimes de saúde e de longevidade. Com o predomínio do racionalismo nos modos de se pensar a vida e a saúde, Descartes introduziu a metáfora do corpo como uma máquina, e a velhice representaria, então, o desgaste de suas engrenagens (CRUZ & FERREIRA, 2011). Dessa forma, ao observar essas construções, que envelhecer surge como sinônimo de perdas e doença, de desgaste tanto da vitalidade quanto para o social.

De certo, pesquisas acerca do envelhecimento são recentes, sobretudo, segundo Griffa e Moreno (2001) por conta da pouca representação demográfica que havia. Desde a constituição de um saber específico sobre a fase idosa, entretanto, no início do século XX, em que se deu o nascimento da geriatria e da gerontologia, o interesse científico em relação à velhice permaneceu por muitos anos restrito à tentativa de se explicar as causas do envelhecimento e se identificar possíveis métodos para retardá-lo (TEIXEIRA et al, 2016). Há quase um imperativo e um pacto silencioso para o não envelhecimento.

A contemporaneidade, que promete a eternidade e alonga o "chronos" da vida, não reserva um campo de possibilidades à velhice, ficando esta confinada no plano das experiências possíveis do homem (CORREIA, 2011). Sendo assim, o envelhecer tem se construído como algo a ser interditado, feio e responsabilidade única do indivíduo, que, se não conseguir manter-se conforme os padrões, deve retirar-se ou camuflar-se.

A velhice é negada, de acordo com Veras (2015), em decorrência de uma sociedade que procura apagar ou disfarçar os indícios desse processo. Com base nisso, parecer mais jovem e esconder as marcas do corpo envelhecido remontam a uma visão estigmatizada da velhice como uma fase marcada por sentidos negativos (TEIXEIRA et al, 2016). Essas concepções, construídas historicamente, no homem que teme a fragilidade, e os modos da sociedade de ser e se relacionar com a velhice produzem processos de exclusão bem como estereótipos que influenciam diretamente no lugar social e na percepção que o idoso tem de si.

Entende-se, portanto, que essa fase humana é permeada por estigmas, justificando-se por meio das perdas corporais, financeiras, de produtividade e, muitas vezes, pela separação inevitável da família (CÓTICA, 2011). Entretanto, como os demais momentos em que o ser é, há ganhos que permeiam o ser idoso e estes são percebidos conforme o contexto, cultura e individualidade.

Dessa forma, o existencialismo vem romper com essa visão estigmatizada, colocando que o ser-idoso é abertura de sentido, pois, segundo Patrício et al (2009), essa linha de terapêutica enforca no significado da existência. Baseado no que fora colocado por Teixeira et al (2016) e Veras (2015) sobre a sociedade e o envelhecimento, é possível pensar que as elaborações do acerca do ser-idoso bem como o ir para uma Instituição não falam somente do velho como aquele frágil e incapaz e que por isso deva ser isolado, mas sobretudo, acerca dos seres que estão "fora dos muros", dos que não foram acometidos pelo que o tempo cronológico pode trazer: envelhecer coloca a fragilidade e a consciência da finitude, coisas que o homem nega à si mesmo e pouco vivencia no "cronus" cotidiano.

O homem isola aos outros e também a si em muros subjetivos e no caso do ser-idoso a vivência de ser deslocado – ou se deslocar – à muros reais também podem acontecer nesta troca entre o singular e o plural.

 

Envelhecer entre muros reais

Muitos grupos familiares apresentam dificuldades em cuidar dos idosos. Nesse contexto, as Instituições de Longa Permanência surgem como uma alternativa para reorganizar os papéis de cada instância da sociedade na atenção à pessoa idosa, de modo que a proteção desta seja garantida (CAMARANO & SCHARFSTEIN, 2010).

Conceitualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2007) define uma ILPI como a:

"Instituição mantida por órgãos governamentais e não governamentais, destinada a propiciar atenção integral em caráter residencial com condições de liberdade e dignidade, cujo público alvo são as pessoas acima de 60 anos, com ou sem suporte familiar, de forma gratuita ou mediante remuneração" (ANVISA, 2007, p. 02).

De acordo com Camarano et al (2010), a denominação Instituições de Longa Permanência para Idosos foi proposta pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia em substituição às diversas nomenclaturas existentes – asilos, abrigos, retiros, casa de repouso – e é derivada da expressão lançada pela Organização Mundial de Saúde. Com as especializações nos conhecimentos sobre a velhice e reorganizações nos sistemas de saúde e assistência, há um novo arranjo a tais locais, com a integração da atenção gerontogeriátrica ao mesmo tempo em que se procura oferecer um ambiente doméstico. Para Bueno et al (2012), entretanto, a troca do termo "Asilo" por outros termos são apenas terminologias paliativas para encobrir a realidade do significado "asilamento".

Asilar-se, retirar-se, abrigar-se ou institucionalizar-se são verbos que adquirem denotações negativas, mas ir e estar nesses locais são vivências singulares que podem extrapolar os sentidos e denotações dadas à estas palavras.

Autores como Porto e Koller (2006) afirmam que as ILPI's são lugares em que se constitui uma convivência positiva para o idoso ao oferecer um ambiente de encontro com amigos e companheiros, com pessoas que podem constituir uma nova forma de família. Ao mesmo tempo, como aspecto positivo, pode-se elencar que eles terão a assistência médica e em termos socioassistenciais que necessitam estando na instituição. Por outro lado, de acordo com os mesmos autores, estudos colocam aspectos limitadores do viver em uma Instituição de Longa Permanência, como a retirada do lar e dos papeis sociais, relações restritas bem como rotinas que não valorizam ou respeitam os gostos do grupo.

Desta forma, é imprescindível levar em consideração a historicidade do sujeito e os motivos que os levaram à instituição bem como os significados que esta possui para quem nela reside e as relações que são estabelecidas neste contexto. Estes aspectos devem ser salientados sobretudo em decorrência das Instituições de Longa Permanência para Idosos carregarem consigo a marca da rejeição social e do reestabelecimento da vida que acontece na sua integralidade, o que pode ser uma tarefa árdua, complexa e solitária (BESSA & SILVA, 2008). O porquê e os sentidos são, portanto, à chave para a compreensão de como é vivenciado pelo idoso o estar em uma Instituição.

Dentre os motivos assinalados para a institucionalização, Prado e Petrilli (2002) afirmam que a falta de respaldo familiar relacionada a dificuldades financeiras, distúrbios de comportamento e precariedades nas condições de saúde ainda constituem os principais motivos de admissão de idosos em asilos. Chaimowicz e Greco (1999) destacam que os idosos residentes nas principais capitais brasileiras apresentam alta prevalência de fatores de risco para a institucionalização, como doenças crônico-degenerativas e suas sequelas, hospitalizações recentes e dependência nas atividades da vida diária. Aquele que não pode gerir a si ou produzir para o social, bem como o que adoece ou remonta à proximidade da morte é interditado, desta forma, em uma visão fenomenológico-existencial, é possível pensar no ser que, ao interditar a velhice e a morte, afasta à si mesmo e sua inexorabilidade.

A velhice nas camadas mais pobres é marcada por fatores que reforçam a ocorrência da institucionalização. Os estudos de Cordeiro (2008) demonstram que a solidão, isolamento social e condição económica deficitária são alguns dos principais motivos de institucionalização da pessoa idosa. Pimentel (2001) corrobora com os achados e coloca a solidão, o aumento da dependência e a inexistência de uma verdadeira rede de suporte social e mesmo familiar que permita responder às suas necessidades, como principal razão de admissão em Instituições de Longa Permanência ou centro de dia. Dessa forma, verifica-se que lidar com as perdas físicas e simbólicas é difícil para a família e para o idoso e a instituição vem como um lugar possível para o lidar com estas perdas.

A crescente institucionalização de idosos tem despertado atenção e isso traz a preocupação com as condições da população residente nesses espaços e os significados e relações que ocorrem em tal contexto. Segundo pesquisa de Abrunheiro (2016), a institucionalização parece ser valorizada pelo idoso no seu processo de envelhecimento, sendo que eles vislumbram nela aspetos limitadores, mas também adaptativos e promotores do ajustamento ao seu processo de envelhecimento. Esta, portanto, depende das relações que se davam antes e das que acontecem em tal contexto.

Os idosos, de acordo com Dezan (2015), despojados de seu papel social e destituídos de suas famílias, enfrentam a morte civil, representada por perdas dos direitos à cidadania pela ruptura dos laços familiares, de trabalho, que acarretam, por sua vez, a perda de amigos, da cultura, da privacidade e das relações com o mundo. Todavia, apesar das perdas que são elencadas, os idosos em Instituições de Longa Permanência não devem ser vistos somente por degradação ou morte, pois, embora o presente e o futuro estejam condicionados por regras e rotinas institucionais e não ter um caráter de porvir ou viver saudável, o existir é possibilidade e abertura, independente de contexto.

Ao longo do tempo, modificou-se o perfil do idoso institucionalizado e, conforme Vieira (2003), a instituição de longa permanência não deveria ser configurada apenas como um local que acolhe idosos rejeitados ou abandonados pela família. Freitas (2010) aponta que ela deveria ser lembrada, compreendida e respeitada como uma escolha no contexto da vida de cada indivíduo, que busca a inserção em um grupo que o estimule para a construção de nova identidade, permitindo a sensação de pertencimento.

O idoso institucionalizado, em contato com o passado, relembra de seu convívio, de seus fazeres, da vida que tinha antes, das relações, de tudo aquilo que o construiu, sendo que este passado é o percurso do idoso, o que o tornou único e diferente dos demais e lhe permite encarar esta última fase do seu ciclo de vida à sua maneira e de forma diferente de todos os outros (CARRARA, 2016; ABRUNHEIRO et al., 2016). Diversos fatores relacionam-se às interpretações do sujeito e influenciam na maneira em que ele vive o envelhecer e a inserção do idoso num contexto institucional demarca uma ruptura do que este estava construindo e a necessidade de (re)construções, movimentos esses que são ligados à historicidade do sujeito, uma vez que não há uma quebra ou um apagar do ser que se era.

Muros reais não significam impedimento total ao ser, mas um fato que o demarca e o coloca diante da sua responsabilidade e liberdade de construir pontes para si mesmo. Sob a perspectiva fenomenológico-existencial, o ser especializa e temporaliza durante a sua existência. Estabelecendo relações com os locais e construindo sentidos ele se cria e deixa marcas por onde passa. Nesse sentido, para se refletir sobre o processo de envelhecimento nas Instituições de Longa Permanência, faz-se necessário compreender o fenômeno, o ser-idoso, sua historicidade e temporalidade e suas vivências neste espaço, uma vez se constitui e constitui o no meio que vive. Para esta leitura, se faz necessário compreender os fundamentos e conceitos desta linha da Psicologia.

 

Psicologia Fenomenológico-Existencial e as pontes para o ser

Com o despontar da chamada Terceira Força, a Psicologia foi marcada com fundamentos filosóficos da Fenomenologia, Existencialismo e Humanismo. Elas colocaram novas maneiras de se conceber o homem, falar e produzir sobre este, o que influenciou no surgimento das psicoterapias de cunho fenomenológico-existenciais e, portanto, visões que se afastam do mecanicismo e se fincam em conceitos na construção, no vir-a-ser. 

A palavra autonomia tem suas raízes no grego autonomia e remete ao "direito de reger-se segundo leis próprias". Já o vocábulo existência vem do latim "ex(s)istentĭa,ae" e se traduz como "um ser saído de outra coisa", trazendo o sentido de criação. Sob tais perspectivas, a psicologia fenomenológico-existencial surge como um modelo teórico que possui o objetivo de facilitar na pessoa do cliente autonomia suficiente para que ele possa assumir livremente a sua existência (VILLEGAS, 1988). Desta forma, quando visto pelas lentes de tal teoria, o homem é livre, ser que se constrói nas vivências com o mundo, saindo justamente dessa relação, não estando nunca completo, mas em um eterno vir-a-ser, sempre capaz de buscar tal autonomia e de assumir a sua existência de forma mais autêntica, ou seja, regendo-se segundo suas próprias leis.

A fenomenologia, uma das bases dessa linha teórica, foi criada por Husserl e pressupõe a descrição dos fenômenos como eles são na intencionalidade da consciência, ou seja, no retorno às coisas mesmas, ao que acontece, ao fenômeno. Ao invés de fatos, temos fenômenos e fenômenos são vividos (HOLANDA, 2003, p. 46). Desta forma, os fatos e objetos só passam a ser fatos e objetos quando na consciência, o que denota um movimento vivencial, de interação, pois, conforme Tenório (2011), toda vivência é uma forma de relação que o sujeito estabelece com os diversos objetos que constituem seu mundo.

Segundo Forghieri (1993), a reflexão fenomenológica vai em "direção ao mundo da vida, ao mundo da vivência cotidiana imediata, no qual todos nós vivemos, temos aspirações e agimos" (p. 18). Desta forma, calca-se que a compreensão das vivências seja o objetivo principal da fenomenologia, buscando apreender os significados que estas adquirem na constituição do mundo-do-ser. Este ser vivencial e de construção é, como coloca Feijoo (2011) um fluxo que reatualiza o presente, o passado e o futuro em uma síntese de vivências que incluem lembranças e expectativas. É essa concepção de fazer a si mesmo que orienta a filosofia existencial.

O existencialismo é a filosofia da liberdade e responsabilidade: o homem é um ser livre e, portanto, responsável, pois sem a liberdade não se teria a responsabilidade por escolher. Com a influência de autores como Nietzsche, Kierkegaard, Heidegger e Sartre, o existencialismo mostra que a existência é um contínuo vir a ser, um sempre ainda não, com a possibilidade de um poder ser e esse modo, é totalmente inaceitável a rotulação do ser humano (CAMON, 1984). O ser se faz, assim, no dia a dia, não estando fechado ou acabado, mas aberto a reinvenções e desse modo não lhe cabe ser isolado em rótulos.

Heidegger, em Ser e Tempo (1927/1988), foi o primeiro existencialista a se utilizar da fenomenologia, tendo inserido nessa alguns elementos da hermenêutica, o que coloca uma ênfase à facticidade do sujeito. Sua teoria foi chamada, portanto, de ontologia hermenêutica.

Segundo esta linha, a pre-sença sempre compreende a si mesma a partir de sua existência, de uma possibilidade própria de ser ou não ser ela mesma (HEIDEGGER, 1927/1988). A presença, ou seja, o ser ou "dasein", é possibilidade e se faz em sua existência, numa abertura de sentido como ser-no-mundo. Abertura de sentido, sob essa perspectiva, é fazer-se e existir com o outro, é ser-com. A essência do ser é a existência, existência essa que se finca no movimento de questionar-se e projetar-se, interpretando a si mesmo e ao mundo.

Dessa forma, a experiência cotidiana imediata seria o cenário, segundo Forghieri (1993), dentro do qual decorre a vida; neste cotidiano o ser é com e, conforme esta autora citando Heidegger (1988, p. 172), "mesmo o estar só é ser-com, no mundo. Somente ‘num' ser-com e ‘para' um ser-com é que o outro pode faltar". Desta forma, é necessário considerar diferentes aspectos do mundo e as diferentes maneiras do homem existir no mundo em um espaço e tempo (FORGHIERI, 1993), ser está para ser-com, ser-no-mundo com os outros, é a partir da experiência no mundo compartilhado que o ser se faz ser.

O "Dasein" tem seu modo de existir vinculado à temporalidade, onde o ser não se deixa revelar a si próprio, senão a partir do tempo. Almeida (2011), sintetizando a ideia de temporalidade de Heidegger, coloca que o ser é constituído por quatro dimensões do tempo, a saber, presente, no qual o ser-vem-à-presença, passado, o que envolve o ausente, o futuro, vir à presença e possibilidade, e sua relação, que envolve os três tempos.

É no tempo, portanto, que o ser se faz e se compreende, se desvela na relação. O ser é, também, em espaços. Sobre isso, Heidegger (1988, p. 154 e 155) argumenta que "orientando-se exclusivamente pelas distâncias, enquanto intervalos medidos, encobre-se a espacialidade originária do ser-em". Espacializar, conforme Forghieri (1993) consiste no modo como se vivencia o espaço em nossa existência e relacionam-se intimamente e são experienciadas com amplitude ou restrição de forma que o "Dasein", ainda em sua leitura,se relaciona com o espaço de acordo com o ver as possibilidades e esperança de poder realizá-las, ou a restrição de perspectivas e desânimo por não vislumbrar meios de concretiza-las

Tudo o que acontece ao ser é vivenciado, como já dito. O "Dasein" vivencia a sua existência em tempo, espaço e com o mundo, e é no olhar para estes aspectos que se compreende como o ser vivencia. No vivenciar, eu aconteço e, por outro lado, acontece algo comigo (HEIDEGGER, 1987/2001). O vivenciar é mais que a relação sujeito-objeto, mas uma relação consciência-existência onde o ser cria significados na vida e é no olhar para a vivência que se deve ter uma postura fenomenológica de reparar as coisas mesmas.

Como ponto de partida para se compreender vivência, Fernandes (2010), afirma que é necessário captar três sentidos da palavra consciência, pois esta seria a esfera global de compreensão das vivências: a tríplice teria consciência como apercepção das próprias vivências, como o eu fenomenal, que, nesta e para esta apercepção se constitui e, por fim, a consciência como totalidade estrutural intencional dos atos. As vivências, entretanto, segundo o mesmo autor, não devem ser compreendidas somente como algo encapsulado na consciência: é fato que ela abrange as vivências intencionais, ou consciência-de-alguma-coisa, e as potenciais, que são possibilidades, mas as vivências são, acima de tudo, comportamentos e realizações do mundo-vida do indivíduo. Vivenciar é colocar-se como ser diante do mundo.

É vivenciando que o ser se constitui. Para Fernandes (2010) vivemos sempre em determinada direção, que múltiplas são as tendências da vida e que existem nas experiências fácticas sempre um determinado âmbito. Desta forma, ainda segundo o mesmo autor, o que se experimenta, o que é vivenciado em todas e em cada uma das vivências não se dá nunca como objeto, mas se dá sempre como mundo pois o mundo é onde se pode viver, não em um objeto.

Com base nessa linha teórica, o ser é aquele que constrói o seu caminho conforme é no mundo e com o mundo, durante toda a sua existência, num processo que tem por fim somente a morte. Para Heidegger (1988), toda tentativa de tomar o ente como algo dado "no tempo" está fadada ao fracasso, pois a presença também é fruto da temporalidade e historicidade, e não se encontra simplesmente dada, preenchendo um trajeto ou um trecho da vida. Desta forma, ser-idoso é ser continuidade, tal como seria se fosse qualquer outra fase do desenvolvimento, e isto implica que olhá-lo demanda considerar as vivências ao longo da vida e as que podem-ser.

Estar em uma Instituição, entre muros, ao ser-idoso é uma das vivências do ser. Esta, entretanto demarca um ponto em toda uma trajetória que ainda não findou. É, assim, sob esse ponto de vista, que considera o ser, que o velho residente em Instituição de Longa Permanência deve ser tomado. Fugir de técnicas e concepções pré-estabelecidas e olhar para o fenômeno singular que é cada ser-aí ao envelhecer em tal espaço é a postura fenomenológico-existencial à qual o presente trabalho se propõe.

 

MÉTODO

O presente estudo se caracteriza como exploratório-descritivo, por meio de uma revisão integrativa, que, segundo Beyea e Nicoll (1998) e Fernandes (2000), sumariza pesquisas passadas e apresenta conclusões globais de um tópico, permitindo a construção de uma análise ampla que contribui para discussões bem como reflexões que possibilitem a realização de pesquisas futuras.

Para alcançar os mesmos padrões de rigor científico, clareza e replicação que apresentam os estudos aplicados, adotou-se no delineamento da pesquisa seis etapas adaptadas das propostas por Ganong (1987) para revisão integrativa de literatura, a saber: seleção da questão norteadora; definição dos critérios de inclusão e exclusão de estudos; seleção de amostra; análise crítica; interpretação e correlação dos dados; divulgação da revisão de forma clara e objetiva, evidenciando a análise crítica.

Como critérios de inclusão, no que diz respeito ao período, foram selecionados estudos publicados nos anos de 2008 à 2018. Em relação ao idioma, a busca restringiu-se ao português. Outro aspecto considerado foi de que os artigos trouxessem experiências e relatos dos idosos, sendo, portanto, pesquisas de campo. Para esta revisão foram excluídas as seguintes categorias: resenhas; dissertações; teses; livros; artigos fora dos anos de recorte e estudos em outros idiomas. Foram excluídas publicações que se distanciam do objetivo e do escopo da pesquisa além de estudos bibliográficos.

O levantamento bibliográfico foi realizado através da internet num período de sete meses, de dezembro de 2017 à maio de 2018. Foram consultadas as seguintes bases de dados que reúnem trabalhos nacionais: LILACS, SciELO e PEPsic.

A partir dos objetivos específicos, foram gerados quatro descritores, sendo estes, "institucionalização", "ILPI", "envelhecimento" e "Psicologia". A opção por utilizar dois descritores relacionados às Instituições de Longa Permanência para Idosos se justifica por considerar as produções envolvendo tanto o processo de institucionalização, ou seja, a historicidade e o impacto desta na entrada em uma Instituição de Longa Permanência, quanto das vivências que ocorrem nas ILPI's, de forma que, a partir da busca, se pudesse explorar essas possibilidades.

Na coleta de dados privilegiou-se o truncamento dos descritores, a fim de que na busca não fossem relacionados tantos artigos que fugissem à temática da pesquisa. Deste modo, esta deu-se com a combinação entre: "institucionalização", "envelhecimento" e "psicologia"; "institucionalização" e "envelhecimento"; "ILPI", "envelhecimento" e "psicologia", e por fim, "ILPI" e "envelhecimento". A escolha por repetir a busca retirando o descritor "psicologia" deu-se pelo fato de outras áreas explorarem este fenômeno e puderem contribuir com a pesquisa e a reflexão pela ciência psicológica.

Ainda na seleção da amostra, durante a coleta, foram realizadas os procedimentos de leitura do resumo; aos selecionados nesta primeira etapa, realizou-se uma leitura rápida do material, para verificar se estes atingiam os objetivos propostos; e, por fim, foi feita a leitura seletiva, com o aprofundamento e registro das informações extraídas das fontes em um protocolo de coleta específico. Os resultados encontrados foram agrupados por temas, a saber, as vivências relacionais do ser-idoso e a vivência no espaço-lugar.

Os conteúdos apresentados nessas divisões foram relacionados com o arcabouço teórico da psicologia fenomenológico-existencial, em específico o conceito de vivência e os aspectos relacionados, a fim de construir um panorama bem como uma proposta de olhar da ciência psicológica frente a este fenômeno, de forma a se constituir como a análise crítica proposta na revisão. Exclusivamente para a análise crítica foram utilizados três livros do autor de referência, à saber, Heidegger (1927/1988, 1981, 1989), um livro de Forghieri (1993) e um artigo de Fernandes (2010), sendo os dois últimos produções que trazem releituras dos pontos principais das vivências na ontologia hermenêutica do autor principal.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

De muros à possíveis pontes

Na base de dados científicos SciELO, a partir da combinação entre os descritores "institucionalização", "envelhecimento" e "psicologia" foram registrados dois trabalhos. Ambos foram descartados uma vez que distanciavam dos objetivos. Com a retirada do descritor "Psicologia" e permanência dos outros dois, obteve-se dezessete artigos dos quais também não foi selecionado nenhum por permanecerem distantes do escopo do trabalho. Com a terceira combinação de descritores, ou seja, "ILPI", "Envelhecimento" e "Psicologia", foi encontrado um artigo, excluído por não obedecer aos critérios de inclusão. Retirando o último descritor foram recuperados doze artigos, não sendo selecionado nenhum. Não foram selecionados, portanto, trabalhos na base SciELO.

A partir da busca na base da PEPsic com os descritores "Institucionalização", "Envelhecimento" e "Psicologia" foram recuperados quatro estudos, dos quais dois foram repetidos em outra plataforma, um foi excluído por estar fora do tema, sendo selecionado um estudo. Com os dois primeiros descritores sete artigos foram encontrados, dos quais não houve seleção. Com os descritores "ILPI", "Envelhecimento" e "Psicologia", a busca obteve um artigo, que foi selecionado. Retirando-se o último descritor, encontrou-se dois artigos, dos quais um fora recuperado na busca anterior. O excluído não obedecia aos critérios de inclusão, apesar de versar sobre a depressão em idosos institucionalizados. Dessa forma, selecionou-se dois artigos encontrados exclusivamente na PEPsic.

Já na plataforma LILACS, na busca com os descritores "Institucionalização", "Envelhecimento" e "Psicologia", foi encontrado um artigo que já havia sido relacionado em outra base de dados e incluso na pesquisa. Com a combinação entre os descritores "institucionalização" e "envelhecimento" foram encontrados 23 (vinte e três) artigos. Dois estavam repetidos, tendo sido encontrados em outra base de dados, cinco estavam em espanhol e dois em inglês, sendo, portanto, excluídos. Os demais não selecionados se distanciavam dos objetivos ou da temática da pesquisa.

Na terceira busca na LILACS, com os descritores "ILPI", "Envelhecimento" e "Psicologia", encontrou-se apenas um artigo, sobre o papel do Psicólogo em ILPI's, já repetido em outra plataforma e não obedecendo os objetivos e critérios do levantamento. A combinação dos dois primeiros descritores resultou em 45 (quarenta e cinco) artigos, dos quais foram selecionados dois. Os demais foram excluídos conforme os critérios estabelecidos para esta pesquisa. Foram encontradas quatro dissertações e um livro que não foram considerados. Uma pesquisa do ano de 2007 destacou-se pela proximidade com os objetivos da pesquisa, mas o texto não se encontra disponível na íntegra online. Dessa forma, foram selecionados dois artigos encontrados na LILACS.

A amostra total do presente estudo é de quatro trabalhos. Destes, dois foram produzidos na área da Psicologia e um pela Fonoaudiologia. Destaca-se a produção multiprofissional, com as ciências Enfermagem e Fisioterapia compondo juntas um trabalho. A presença de outros campos na investigação deste fenômeno traz a relevância da ênfase no ser, independente de área ou enfoque. Além disso, não há no trabalho com idosos institucionalizados – e em nenhuma outra prática –, uma ação isolada de outros olhares e proposições. A presença destas ciências na produção de reflexões sobre o ser-idoso em instituições coloca à psicologia a perspectiva de outras profissões à dialogar, produzir e também capacitar.

Em relação aos anos de publicação dos trabalhos analisados, de acordo com os critérios de inclusão, compreenderam o período entre 2008 e 2018, os trabalhos estão distribuídos 2013, 2014, 2015 e 2018, tendo uma publicação em cada ano. Não foram encontrados estudos nos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2016 e 2017. Estes dados denotam a escassa produção e o movimento recente de se explorar este fenômeno, pois, como colocado por Griffa e Moreno (2001) não havia grande representação populacional e a gerontologia como área solidamente constituída.

Explorando a amostra, em seu artigo intitulado "Subjetividade e institucionalização no discurso de idosas", Mello et al (2013) analisaram a linguagem de oito idosas residentes em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), verificando as particularidades da produção da linguagem, assim como as marcas da subjetividade de cada uma delas. Utilizaram-se entrevistas semiestruturadas e foram analisadas os contextos de produção da linguagem, embasando-se na Neolinguística discursiva. Esta abordagem de pesquisa enfoca o ser como de linguagem, o que é um aspecto privilegiado por Heidegger ao buscar a compreensão sobre o ser-aí, além de considerar também a subjetividade, ou seja, a temporalidade e a vivência da entrada em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos.

Ferretti et al (2014), no artigo "Viver a velhice em ambiente institucionalizado" buscaram conhecer o processo de envelhecer em ambiente institucionalizado. Utilizaram-se de entrevistas semiestruturadas e da observação participante. Neste trabalho, observou-se a ênfase no aspecto vivencial, buscando enfatizar o ser como possibilidade e não anulação no ambiente em que vive.

Por outro lado, Dezan (2015) em "O Envelhecimento na Contemporaneidade: reflexões sobre o cuidado em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos", coloca que o objetivo do seu trabalho foi identificar necessidades de cuidado emocional de pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade psicossocial, em específico, idosos institucionalizados, abordando e compreendendo suas experiências vividas, por meio da análise da narrativa dos sujeitos. É perceptível, portanto, que a este estudo se propôs a partir dos discursos e vivências dos idosos para identificar e, posteriormente, subsidiar a elaboração de estratégias de cuidado.

Corrêa et al (2018), no seu trabalho "Ser além dos muros: fenomenologia da liberdade para idosos institucionalizados", objetivou pesquisar os significados da liberdade para idosos residentes numa Instituição de Longa Permanência para Idosos, utilizando como método a narrativa. Neste artigo, de base fenomenológico-existencial, tem-se a liberdade como condição inerente ao ser, e a busca da compreensão de como ela é vivenciada no contexto da Instituição é relevante para se vislumbrar as questões do ser nestes espaços.

A partir da análise dos dados, verifica-se que ainda há pouca produção acerca das vivências de idosos em Instituições de Longa Permanência. De fato, estudar a experiência singular do indivíduo ainda é uma tarefa difícil tendo em vista tantos olhares tecnicistas que por vezes desconsideram a subjetividade e os sentidos que estão atrelados ao envelhecer em tal espaço.

Como vivencia o tempo, tanto o seu tempo enquanto ser, ou seja, sua temporalidade, quanto o tempo cronológico e vivencial fora e dentro da instituição? Como se relaciona e se constrói neste espaço? Essas são algumas das perspectivas levantadas quando se pretende investigar as vivências tomando por base um olhar fenomenológico-existencial. Tais questionamentos denotam a relação entre a consciência, liberdade e a responsabilidade que é do ser-idoso na construção de si.

Seguindo os passos e uma interpretação partindo das ideias Heidegger, ser-idoso é abertura de sentido e cabe a ele questionar, resgatar e construir-se em um mundo constituído de muros subjetivos, como os estigmas, ou de muros reais, como na institucionalização. Ser-no-mundo institucionalizado demanda uma disposição do ser para continuar constituindo seu ente e essa disposição e construção do ser tem por marca as vivencias.

Para melhor compreensão das vivências do ser-idoso em Instituições de Longa Permanência, os resultados serão apresentados em dois blocos temáticos. O primeiro versa sobre as relações sociais dos idosos, a com-vivência. O segundo trata das vivências no espaço institucional, o ser-em. Nesta discussão serão analisadas os recortes de algumas falas selecionadas nos artigos pesquisados, que trazem as unidades de significação, ou seja, as experiências que mais se repetiram, e estes serão relacionados com os aspectos relativos à vivência.

 

Com-vivência: as vivências entre muros

A relação é uma condição da existência do ser pois o modo de ser-no-mundo do "Dasein" é estar com entes e co-presentes. Sob essa perspectiva, Heidegger (1927/1988) pontua que o ser é abertura e que o mundo se apresenta ao ser-aí e é nessa relação entre o ser que está aberto e o mundo em que ele é que surgem as significações. Dessa forma, é no convívio, no vivenciado no dia a dia, que o ser cria e compartilha a si e ao mundo e é em tal criação e no compartilhamento de si e do mundo que a pre-sença pode escolher afastar ou aproximar-se de algo ou alguém.

Assim, o ser-idoso institucionalizado, que ao longo da sua vida foi um ser-com em outros contextos, chega a velhice de forma que estas relações se atualizam: existe todo um conjunto de significados das convivências tidas ao longo da vida e o significado das que se dão na velhice e é no movimento entre as vivências com as relações anteriores e posteriores que o idoso faz à si. Dessa forma, não é possível falar das vivências de ser-com nas Instituições de Longa Permanência de uma forma isolada, restrita ao período da residência, mas sim em uma visão fluída e processual, em que as relações presente, passado e futuro são consideradas neste viver e vivenciar.

Em Dezan (2015) e Mello et al (2013), é possível encontrar o ser que, aberto, é movimento contínuo entre mundo e vida antes e com a institucionalização e que vivências não são pontuais, mas continuidades, e que marcam a existência e modo de ser-com do idoso.

"Às vezes que eu saio do asilo e vejo os familiares da minha antiga companheira, prefiro me esconder para que eles não me vejam, não me sinto bem" (Senhor A) (DEZAN, 2015, p. 37).
"Logo que eu vim pra cá eu sentia falta de Cruz Alta, saudade das minhas amigas, aí demorava para dormir, mas aí coloquei na cabeça que eu não tinha mais nada lá, agora a bem" (Dona S. T.) (MELLO et al, 2013, p. 40).

Dessa forma, é possível perceber como as vivências com outros ser-aí antes da institucionalização trazem significados e marcas que orientam atitudes, pois o ser é junto das vivências. De acordo com Forghieri (1993), o eu vive no mundo, mas não se encontra delimitado ao que vivencia no momento atual pois pode também dirigir seu pensamento para o que já vivenciou anteriormente e é partindo disso, das vivências bem como dos significados que estas tiveram, que o senhor A teve o movimento de afastar-se e a dona S. T. de deixar as relações anteriores. Enquanto o primeiro convive com uma presença que lhe é incomoda, a segunda traz uma ausência à qual ela precisou se adaptar e ambos convivem com a falta. É somente para o ser-com, segundo a autora acima citada, que o outro pode faltar e somente um ser-com pode se ajustar à falta.

O mesmo se dá com novas relações. O ser-com tem a condição da indeterminação, ou seja, para Heidegger (1927/1988), o "Dasein" é sempre poder-ser, é sempre abertura de sentido, capaz de construir e reconstruir a si e ao seu projeto existencial. Dessa forma, o ser-idoso institucionalizado, mesmo na convivência com muros, é possibilidade porque ele é ser antes de qualquer coisa. Atualizando suas vivências passadas ao ser-com e sua disposição para estar com o outro, uma vez que é marca do ser-idoso o isolacionismo e a reclusão, o ser cria vínculos com outras pessoas. Essa dimensão relacional, na qual o ser busca o outro, ou seja, relacionar-se com os demais residentes, é perceptível na fala colhida por Ferretti (2014): "Eu tenho aqui dona D. A. que é como uma mãe para mim e me cuida muito bem, se não fosse ela não sei o que seria de mim" (O. M. G., 87 anos) (FERETTI, 2014, p. 433).

A pre-sençaé relacional e ao ser-com o "Dasein" também está para si, sem os outros o indivíduo não é. Para Heidegger (1927/1988), em cada relação que estabelecemos, em cada ação no mundo, em nosso lidar cotidiano com os entes, tornamo-nos quem somos e isso é cuidado. Esse aspecto é notório na fala de O. M., pois ela reconhece a importância que o outro tem no cuidado de si o que, entretanto, também traz que sua dimensão do ser-com não é de todo autêntica, como apontado pelo supracitado autor, uma vez que ela não assume o cuidado de si e desloca ao outro, de forma a mostrar uma de-pendência. A sua vivência traz à tona questionamentos acerca da sua autonomia, no sentido amplo da palavra, por ela retrair-se do cuidado de si e enxergar a ausência desse outro como uma possibilidade de não saber sobre si, tornando-se a-gente.

No convívio institucional o ser também percebe e vivencia a situação dos outros, com os outros. Ele pode importar-se ou não, recluir-se no seu mundo e passar pelo que Heidegger (1981) chama de formas deficientes e indiferentes de solicitude, onde o ser é ser-sem-o-outro; que passa-pelo-outro, demonstrando um envolver-se. Esses aspectos são destacados na fala do senhor A: "O filho dele trouxe ele aqui sem saber, e deixou ele aqui, mas ele pensa que vai sair. Isso é duro." Em outro momento da entrevista ele coloca que "um pai é capaz de cuidar de dez filhos, mas dez filhos não são capazes de cuidarem de um pai" (DEZAN, 2015, p. 37).

Algo característico deste colaborador, segundo Dezan (2015) é a forma como ele se posiciona: um observador silencioso. Em sua fala, é perceptível que o senhor A se toca e vivencia a situação do outro residente, mas o seu modo de cuidado é de afastamento. Heidegger (1981) traz que uma possibilidade de cuidado é o modo antepositivo, que se dá com o questionamento pelo modo como alguém vem sendo e cuidando de seu quem. Para este autor o ser-que-cuida favorece que o outro assuma seus próprios caminhos, mas na situação do senhor A, embora exista a vivência uma pre-disposição ao cuidado, o seu relacionamento não possui tanto envolvimento, o que também é característico das relações em Instituições de Longa Permanência para Idosos. Entretanto, não se pode esquecer que, por ser-com, estar diante do abandono que é vivenciado pelo outro pode trazer à tona as próprias questões e vivências do senhor A.

Fica evidente, ao se considerar essas falas, a dimensão processual das vivências do ser-com em instituições totais. A existência do ser-idoso institucionalizado é compartilhada com o outro e isso presume as convivências anteriores e durante a entrada em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos, pois a realidade para o ser humano está fundamentada, segundo Forghieri (1993), na compreensão que ele tem das situações que vivencia, estando implícitas as três dimensões temporais de seu existir, ou seja, como ele tem sido, como está sendo e como poderá vir a ser. Dessa forma, as atitudes do ser-com no contexto institucional está atrelada aos significados das relações anteriores e das perspectivas do que se estabelecer no porvir.

Nesses discursos, é notório o afastamento de relações anteriores cujas vivencias não foram de cuidado para o "Dasein", a quebra de vínculos e a elaboração dos mesmos, bem como as relações de cuidado e aproximação do mundo do outro. Entretanto, a forma como estas relações se desenrola também está intrinsecamente ligada à vivência entre muros, aos significados que são atribuídos à esse espaço, pois uma nova espacialização denota novos modos de relacionar-se, pois nada faz sentido isolado. E é sobre os modos de relacionar-se com o espaço, entre muros, que o próximo tópico se propõe a discutir.

 

Ser-em: as vivências nos muros

Ser-no-mundo é relação entre a pre-sença, o mundo em que o ser existe e de quem ele é no mundo. É neste modo de existir, um todo no mundo, que o "Dasein" especializa (HEIDEGGER, 1927/1988; FORGHIERI, 1993) de forma que as conexões entre o lugar e o ser tomam um significado abrangente, pois passa a envolver geografia, temporalidade e o ser-aí.

Não há para Heidegger um lugar visto de forma isolada, pois um lugar acontece em espaço e tempo. Isso quer dizer que não há na relação entre ser-aí e lugar a dissociação dos aspectos temporais e das vivências e dos espaços: o Dasein se relaciona com espaços ao longo da sua vida e atribui à eles sentidos, formando e sendo formado por tais significados.

Neste sentido, para Heidegger (1927/1988), "o ‘Dasein' toma – em sentido literal – para si o espaço". Ser-idoso denota vivências longas, no sentido cronológico, e pressupõe o especializar em vários contextos, que não mais existem, existem ou podem existir. Casa, espaços educacionais, trabalho, locais de diversão e outros espaços geográficos são locais onde o ser vivencia e constrói sua existência ao longo da vida, deixando marcas em si e no mundo também. Ele faz o seu mundo-vida a partir das relações estabelecidas e a saída deste para as Instituições de Longa Permanência traz mudanças. O ente fica diante do que experienciou, ou seja, do não-mais, e também da sua disposição de ir para o novo em sua condição de abertura. Esses aspectos são vistos na fala de O. R. A. (FERRETTI et al, 2014) e M. E. (MELLO, 2013):

"Lá em casa o que queria eu ajeitava, da minha maneira, né, aqui não se faz nada, eu quero qualquer dia varrer as calçadas, porque se eu chegar em casa não vou mais saber varrer e logo, logo eu volto para casa, né?" (O. P. A., 79 anos) (FERRETTI et al, 2014, p. 429).
"Eu trabalhava na cozinha, gosto muito de lidar. Lavava as verduras, cozinhava as verduras, mas aí chegô uma ôtra e elas cochichavam, daí resolvi sair" (M. E.) (MELLO, 2013, p. 42).

Nas afirmativas anteriores fica evidente a condição relacional da espacialização que o ser faz. Vivências tidas em espaços significativos anteriores, a casa para O. P. A. e o trabalho para M. E., são rememorados no contexto institucional, que as limita e subtrai o sentido de ações que lhe são características, no caso o arrumar e o cozinhar, respectivamente. De acordo com Pádua (2005), a abertura do ser depende da existência de um lugar para seu acontecer, de um lugar determinado, ou, talvez se possa dizer, de um lugar determinante, e nas falas das colaboradoras a Instituição de Longa Permanência se coloca como o lugar que as indetermina, pois, enquanto M. E. teve suas perspectivas frustradas, O. P. A. sequer visualiza o ambiente como parte da sua existência e sua espacialização se direciona para sair deste.

O contexto institucional existe regras e disposições anteriores ao "Dasein". Porto e Koler (2006) trazem a retirada do lar, dos papeis sociais, relações restritas e as rotinas como aspectos limitadores da vivência em Instituições de Longa Permanência. Nesse contexto, o ser-aí é lançado em um espaço que o limita mas também o coloca diante da liberdade de escolher fazer à si e reformular o seu projeto existencial diante das rotinas, pois esta é a sua condição para construir-se enquanto ente.

Para Heidegger (1989), a liberdade é a abertura própria do "Dasein". É uma entrega dele para si, um conferir e protagonizar a si mesmo. Essa disposição e atitude de continuar a experienciar dentro do contexto institucional e de quebrar as regras e monotonia que é característica destes ambientes é visto nas vivências de S. T. e S. D. (MELLO et al, 2013):

"A rotina é esta: ver TV, às vezes filme, ginástica, caminhada, três voltas na quadra. O dia é muito curto!" (Dona E) (MELLO et al, 2013, p. 41).
"Quando chove leio muito no meu quarto. Quando tem sol fico no pátio lendo ou fumando meu cigarrinho... Que eu gosto, sabe?" (Dona S. D.) (MELLO et al, 2013, p. 41)

Embora vivam em um ambiente visto como limitador e de repetição, as idosas buscam transformar o espaço. Colocar a si mesmo e formar sentidos dentro da Instituição de Longa Permanência, não se restringindo à rotinas ou à monotonia, é uma forma de especializar pois os mesmos experimentam o sentir-se próximo ou afastado de algo, alguém ou algum lugar. Na fala das idosas, é marcante a forma como afastam ou ignoram a presença dos muros reais e subjetivos e se colocam como um poder-ser, trazendo uma vivência de abertura e amplitude, conforme abordado por Forghieri (1993).

Este poder-ser dentro do espaço das Instituições de Longa Permanência também é colocado em L. A., ao ser questionado acerca da sua liberdade dentro do lar (CORREIA ET AL, 2018):

"[...] Aqui você tem uma liberdade diferente. Você tem a liberdade aqui dentro, não é? Não tem a sua liberdade lá de fora. [...] É isso que me foi tirado, não é? Essa liberdade lá de fora. E talvez eu não esteja na idade de gozar essa liberdade. [...] Então a solução, o que é? É você com a sua liberdade aqui dentro ir tentando conviver" (L.A.) (CORREIA et al, 2018, p. 169).

A fala de L. A. traz o ser colocado diante da temporalidade e da espacialidade. O que se era lá fora, para ele, é diferente do que se pode ser na Instituição e o que ele chama de liberdade está atrelado ao movimento, movimento este que em sua fala é visto junto à limitação trazida pela idade. Segundo Heidegger (1989), o ser aceita aquilo que aparece ou se manifesta à consciência e isto é uma parte do vivenciar. Ao trazer as limitações de ser-idoso, o indivíduo se depara com a angústia e tem consciência da sua finitude, de forma que o poder-ser está ligado a ser no espaço e tempo em que se está. Porém, é o movimento de transcendência e rompimento dos muros que marca o discurso na vivência da liberdade de L. A., e este é, conforme o mesmo autor (HEIDEGGER, 1989, p. 255) porque "só na angústia subsiste a possibilidade de uma abertura privilegiada. Essa singularização retira o ser-aí de sua decadência e revela a autenticidade e inautenticidade como possibilidades de seu ser".

O ser se faz nas vivências. De acordo com Fernandes (2010), todo vivenciar é um viver que se abre para algo, para um desabrochar da vida e cada vivência, enquanto auto-efetivação e auto-afeição da vida precisa de um eu individual para se concretizar. Dessa forma, o ser-idoso institucionalizado se vivencia e vive o seu ser-aí dentro dos muros, o que não se resume somente ao agora, mas ao antes e depois também.

O ser-idoso em instituições é abertura de sentido e tem a sua existência como um fluir que perpassa o processo de envelhecimento e também na marca da entrada em um ambiente que o coloca diante de angústias e possibilidades – e também impossibilidades – de atualizar o poder-ser. As vivências nesse contexto não são entendidas de forma isolada e o modo como elas fazem o ser-aí vem da relação entre muros anteriores, que existiam nas vivências do ser que não habitava uma instituição, e do modo como ele significa estar neste local. Entretanto, é o ser-ponte-para-si-mesmo que coloca o "Dasein" como aquele que pode criar possibilidades de enfrentar e ter vivências e atitudes construtivas dentro de um ambiente que é marcado por muros reais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um olhar para o fenômeno e para as vivências do envelhecer em Instituições de Longa Permanência é desafiador, uma vez que ao mesmo tempo em que se encontra dificuldades, é colocada a abertura para compreender o ser de outra forma. Encontram-se muros, mas também a possibilidade de transpassa-los e construir pontes, pois essa é a condição do "Dasein" e do que se pode fazer para e junto à ele: poder-ser, poder-fazer-algo-a-si e poder-fazer-no-mundo.

O presente estudo buscou compreender as vivências de idosos residentes em Instituições de Longa Permanência, de forma a conhecer, descrever e relaciona-las com as proposições da psicologia fenomenológico-existencial. Ao se empreender a tarefa de uma revisão integrativa da literatura cujos dados contemplassem falas e vivências dos idosos, foram encontrados muros sobretudo pela questão da técnica, como já empreendido pelo teórico utilizado neste estudo: os poucos artigos analisados dentro de pesquisas que trouxeram números razoáveis colocam que a tecnologia maquinista e as intervenções passam a ser mais importantes do que o próprio ser-idoso e as suas vivências.

Ao se buscar compreender e relacionar as vivencias de ser-com e ser-em, foi possível conhecer e retirar dos relatos analisados as unidades significativas que saltam dos discursos dos idosos. Com tais dados, foi possível empreender os objetivos específicos de conhecer, descrever e relacionar, também sendo possível refletir sobre o fenômeno e trazer possibilidades à atuação psicológica, ou seja, aquele que facilita a construção de pontes do ser para si e para o mundo e o outro, e ao fazer desta com outras áreas, uma vez que a presença da enfermagem, fisioterapia e fonoaudiologia no explorar sentidos do ser-idoso em instituições coloca à psicologia a perspectiva do trabalho multiprofissional.

Envelhecer é um verbo, que pode ser tomado como singular e ao mesmo tempo plural. Nas vivências de ser-com, os idosos colocam a singularidade das suas experiências anteriores e como elas os marcaram de forma a orientar atitudes e perspectivas no estarem uma instituição. O mesmo aconteceu com o ser-em, pois estes trouxeram o estar-em um local anteriormente e o impacto da ausência deste no seu cotidiano. É nesse sentido que o envelhecer é plural, pois é o verbo que traz ele, ela, eles, elas e principalmente o nós, o estar com o mundo e com o outro no seu sentido mais amplo.

Colocar a ênfase no ontológico, mesmo em um estudo bibliográfico, traz a possibilidade de retomar ao "Dasein" e colocá-lo no seu lugar privilegiado de abertura e existência pois o ser é antes da técnica e existe antes de teorizações. O profissional da psicologia pode ser aquele que na facilita ao ser o movimento de ser construtor e atravessador de sua ponte, propondo e realizando intervenções que resgatem o sentido da palavra autonomia que é trazido como um dos objetivos da psicoterapia existencial. Ao colocar-se neste papel e com tais objetivos, o psicólogo não somente se afasta das teorizações, mas rememora o ser como aquele que vem antes da instituição, de forma a superar estigmas e contribuir para o envelhecimento ativo e saudável, um dos pontos da gerontologia atualmente.

É nessa perspectiva que este trabalho propôs-se a revisitar os muros e as pontes a serem construídas nas Instituições de Longa Permanência, partindo de quem os atravessa. Verificou-se que a psicologia fenomenológico-existencial é uma abordagem relevante para se pensar sobre o ser-idoso-em-instituições e também fazer-se pre-sença neste fenômeno. Espera-se com esta pesquisa disparar reflexões que coloquem o ser à frente da Instituição e das técnicas, de forma que o fazer da Psicologia e das outras áreas que estão próximas à este fenômeno parta do contato e, sobretudo, da compreensão de poder-ser independente de muros reais e da quebra de muros subjetivos. Sugere-se a ampliação de pesquisas e ações acerca do tema para que se possa fincar este movimento de transcendência e poder-ser de tal público.

 

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NOTAS

* Samara Sales de Brito: Graduanda em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI).
** Patrícia Carvalho Moreira: Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí; Mestre em antropologia pela Universidade Federal do Piauí; Tanatologa e Musicoterapeuta; Especialista em Saúde Mental; Cuidados Paliativos; Perdas e luto; Professora substituta da Universidade Estadual do Piauí; Conselheira presidente da Comissão de Tanatologia-CRP21.

 

Endereço para correspondência
Samara Sales de Brito:
Endereço eletrônico:samarasales.psi@gmail.com
Patrícia Carvalho Moreira:
Endereço eletrônico:patriciamoreirapsi1@hotmail.com

 

Recebido em: 23/07/2018
Aprovado em: 13/11/2018