ARTIGO

 

Psicologia Clínica entre ênfases e especialismos: a responsabilidade da clínica na formação de psicólogos"

 

"Clinical Psychology and emphases between specialisms: the responsibility for the training of clinical psychologists"

 

 

Márcia C. Estarque Pinheiro*

IGT - Instituto de Gestalt Terapia e Atendimento Familiar – Rio de Janeiro, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho visa provocar uma reflexão em relação à situação atual da formação do psicólogo clínico na cidade do Rio de Janeiro. O dilema entre a idealização da formação ampla, generalista que propicia várias oportunidades de articulação e desenvolvimento do psicólogo e a realidade dos últimos 25 anos onde a grande parte dos recém-graduados entra no mercado de trabalho com formação muito aquém do necessário para desenvolver suas atribuições é vista a partir do viés de psicóloga coordenadora de curso de especialização em psicologia clínica certificado pelo CFP no Rio de Janeiro, cidade em que a atual gestão do CRP se mostra claramente contrária ao título de especialista.

Palavras-chave:  Psicologia clínica; Psicólogo; Formação; Academia; Título de especialista.


ABSTRACT

This work aims to provoke a debate about the current state of training of the clinical psychologist in the city of Rio de Janeiro. The dilemma between the idealization of broad education, generalist who provides various opportunities for articulation and development of the psychologist and the reality of the past 25 years where a large proportion of new graduates entering the labor market with education far short of the need to develop its mission is view from the bias psychologist coordinator specialization course in clinical psychology certified by CFP in Rio de Janeiro, the city in which the current management of CRP shown clearly contrary to the title of specialist.

Keywords: Clinical Psychology; Psychologist; Training; Academy; Title of specialist.


 

 

PONTO DE VISTA DA AUTORA

A partir da experiência de 25 (vinte e cinco) anos com a psicologia, sendo 5 (cinco) como aluna de graduação entre 1987 e 1992, e 20 (vinte) já como psicóloga (a partir de 1992), sempre voltada para a prática clínica, e com a vivência de 10 (dez) anos como coordenadora de curso de especialização em psicologia clínica, supervisora de psicólogos e formadora de gestalt-terapeutas (desde 2002)   é observada importância de uma reflexão mais aprofundada em relação a preparação do psicólogo para esta profissão desde a graduação até o processo de seu constante aperfeiçoamento. 

O ponto de partida desta discussão é a experiência pessoal em relação a minha formação como psicóloga, o contexto atual como coordenadora de curso de especialização em psicologia clínica e uma reflexão em relação às críticas da atual gestão (2012) do CRP 05 em relação aos cursos de especialização e ao título de especialista em psicologia clínica.

CHEGADA DO ESTUDANTE NA UNIVERSIDADE

O estudante de psicologia muitas vezes chega à academia com a visão do senso comum de psicologia e do seu papel a desenvolver.  Este estudante chega à universidade com expectativas, na maioria das vezes, voltadas para a  psicologia clínica, coerente com a perspectiva mais divulgada pelo senso comum. A ideia marcante é do psicólogo se capacitar para realizar atendimentos individuais em um consultório.  Chega trazendo na bagagem sua crença em sua habilidade em ouvir e empatizar com a dor do outro. Acredita que sua profissão tem como objetivo central ajudar o outro a lidar com suas dores. Ele espera que a universidade o prepare para esta empreitada.

Os estudantes às vezes visualizam os psicólogos como primordialmente preocupados com questões que dizem respeito a uma pessoa em particular como, por exemplo: “Fulana será capaz de trabalhar em nível universitário?” e como podem Pedro e Joana Ferreira resolver seus problemas conjugais?”. Enquanto alguns psicólogos correspondem a essa imagem, muitos buscam conhecimentos gerais, tais como “quais as condições para melhorar a memória?”, “Quais os efeitos da perda do sono?”, “A inteligência declinará na velhice?”, “Pode a ansiedade levar à doença?” (DAVIDOFF, LL, 2001)

OBJETIVOS DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO DO CURSO DE PSICOLOGIA

Durante seu curso profissionalizante, o aluno do curso de psicologia segue um caminho de responder às demandas acadêmicas, tais como leitura de textos, discussões em sala de aula, provas, trabalhos, estágios, discussões de casos, participação em pesquisas, entre outras.  As instituições de Ensino Superior, em sua maioria, têm como objetivo que ao final do curso o aluno possa estar apto a entrar no mercado de trabalho com um mínimo de subsídios para desempenhar o papel de psicólogo, sempre mantendo o compromisso de aprendizado contínuo e abertura para o novo.

Um dos objetivos centrais das Instituições de Ensino Superior (IES) é formar cidadãos qualificados para o exercício de uma profissão, com autonomia intelectual para o aprendizado contínuo, capazes de se inserir no mundo do trabalho com habilidade de interagir em equipe e com compromissos éticos de construir a justiça social, a sustentabilidade sócio-ambiental e a democracia. O desafio de se trabalhar institucionalmente a construção deste perfil exige reflexões, debate coletivo, mobilização e ações no âmbito dos cursos de graduação. (MAJEROWICZ ,2007)

DIFICULDADE DA ACADEMIA DE ATINGIR A SUA META

Mesmo tendo este compromisso tem sido recorrente o registro de dificuldades de se obter êxito nesta empreitada.  Neste momento, após 20 anos com registro como psicóloga, revejo o quanto meu processo de graduação foi deficiente.  Observo esta defasagem apesar de ter cursado psicologia na UERJ1 (entre 1989 e 1991), universidade que considero possuir um excelente corpo docente, uma variedade atípica para a época de oportunidades de estágio no próprio SPA2 da Universidade - tanto em termos de quantidade de vagas, de diversidade e qualidade das propostas desenvolvidas – e um alunato que contribuía para um ambiente de possibilidades de discussões e reflexões.

Apesar do contexto descrito no parágrafo anterior, era marcante a distância existente entre o que era apresentado nas aulas teóricas e o que era vivido na parte prática do curso, isto é nos atendimentos no SPA. Os conteúdos desenvolvidos eram excelentes, porém hoje percebo a falta de algo que me ajudasse a conectá-los de forma a dar sustentação à minha preparação para o mercado de trabalho. 

Ao final de 5 (cinco) anos de curso, o aluno de graduação em psicologia, ao receber seu diploma chancelado pelo MEC3, é considerado capaz de cumprir as atribuições de sua carreira. Dirige-se então ao CRP4 de sua região, entrega seus documentos e recebe um número de registro.  A partir daí, espera-se que seja um generalista. Tem a autorização e deveria ter a formação adequada para atuar como um psicólogo nas diferentes áreas da psicologia: organizacional, escolar, empresa, clínica, esporte, entre outras. 

“A psicologia (derivada da palavras gregas que significam “estudo da mente ou da alma”) é hoje em dia comumente definida como a ciência que estuda o comportamento e os processos mentais.  Os assuntos investigados pelos psicólogos incluem todos os que se acham listados no índice e mais alguns:  desenvolvimento, as bases fisiológicas do comportamento, a aprendizagem, a percepção, a consciência, a memória, o pensamento, a linguagem, a motivação, a emoção, a inteligência, a personalidade, o ajustamento, o comportamento anormal, o tratamento do comportamento anormal, as influências sociais e o comportamento social. A psicologia é frequentemente aplicada na indústria, na educação, na engenharia, em assuntos de consumo e em muitas outras áreas.” (DAVIDOFF, 2001 p.2)

O psicólogo desempenha suas funções e tarefas profissionais individualmente e em equipes multiprofissionais, em instituições privadas ou públicas, em organizações sociais formais ou informais, atuando em: hospitais , ambulatórios, centros e postos de saúde, consultórios, creches, escolas, associações comunitárias, empresas, sindicatos, fundações, varas da criança e do adolescente, varas de família, sistema penitenciário, associações profissionais e/ou esportivas, clínicas especializadas, psicotécnicos, núcleos rurais e nas demais áreas onde as questões concernentes à profissão se façam presentes e sua atuação seja pertinente. (Atribuições Profissionais do Psicólogo no Brasil - disponível em: http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/atr_prof_psicologo.pdf  acesso em 19/11/2012)

O campo de trabalho da psicologia é muito amplo.  Um curso de graduação, para cumprir a exigência de preparar um profissional de forma tão ampla, necessitaria de um fio condutor muito claro, não só em termos de conteúdo, mas também em termos de orientação para o aproveitamento individual de cada aluno.  Pelos critérios atuais, o aluno para se considerar apto para o trabalho nas diversas áreas da psicologia precisa apenas de boas notas nas matérias da grade curricular e cumprir exigências de frequência e estágios.

Esta grade curricular muitas vezes não tem uma conexão para o processo de aprendizagem e desenvolvimento pessoal e profissional do psicólogo. Os conteúdos são lançados e absorvidos de forma aleatória e muitas vezes sem um espaço para articular e questionar o que foi aprendido.

Diante da insegurança e dificuldade em integrar os conteúdos apresentados durante a minha graduação observava entre os meu colegas nas turmas do curso de psicologia uma característica que de certa forma me parece ainda presente no momento atual nas universidades. Desde cedo era demarcada uma certa cisão em “times” dentro da turma. Eram formados guetos de graduandos adeptos de Gestalt-terapia, psicanálise, teoria cognitivo comportamental, psicologia institucional, orientação profissional, entre outros. 

Os alunos pareciam ir construindo muros instransponíveis, e de certa forma, se mostravam avessos à curiosidade em relação aos pontos de vista diferentes do seu.  Eram comuns entre estes estudantes posicionamentos como  “a minha abordagem psicológica é que é a certa”, “o que você diz é absurdo”, além, é claro, de caras e bocas de desprezo pelo conhecimento do outro. Essa postura rígida, muitas vezes trazia a reboque uma dificuldade de pensar, de refletir de ampliar possibilidades.   Este posicionamento se reflete muitas vezes na sua vida profissional, quando este psicólogo se recusa a aceitar pontos de vista diferentes dos que ele desenvolveu até o momento.  Difícil aceitar esse tipo de postura em um psicólogo, dada uma das características básicas desta profissão ser o respeito pelas diferenças e a importância da curiosidade em relação ao que o outro te apresenta. Mais complicado ainda um psicólogo que deseja receber todo o conteúdo pronto, todas as respostas prontas, sem se dispor a se implicar na construção de sua reflexão.

...E mais: a graduação não dá conta. Não há resposta pronta, não há uma formação em Psicologia enquanto saber pronto a ser obtido, concluído e aplicado. A que se pensar de forma ético-política nas fragilidades da formação em Psicologia e na complexidade de seu objeto. Para tanto se faz necessário ir contra a urgência das soluções demandadas a nós, em prol da construção de um campo de indagações sobre quais forças estão atravessadas na produção de uma demanda. Formação assim pode ser pensada como produção de sentidos, como acontecimento, em que não há previsibilidades nem repetição de ministrações conteudísticas. O aluno dará outros manejos ao pensamento e aos conceitos, potencializando os usos diferenciados de acordo com as necessidades encontradas. (BICALHO, 2009)

INSEGURANÇA AO SAIR DA UNIVERSIDADE

Ao final de minha graduação, diante da realidade do mercado de trabalho, pude verificar o quanto não fui desenvolvendo de forma integrada a noção da carreira do psicólogo durante meu curso.   Sinto que poderia ter aproveitado muito melhor o contexto daquela configuração da UERJ, mas naquela altura não tinha maturidade para tal e de alguma forma não percebi a academia pronta para me provocar neste sentido.

O que observo desde então é que, na grande maioria dos casos, este profissional, neste momento de entrada no mercado de trabalho, parece não estar adequadamente preparado para exercer tais funções.  Este contexto muitas vezes leva este recém-formada a abandonar a carreira diante das inseguranças e frustrações iniciais.

E este profissional recém-lançado no mercado, precisando de remuneração, nem sempre tem a capacidade de discernir (por não ter conhecimento adequado) o que é capaz ou não de desempenhar.  Muitas vezes este faz escolhas que comprometem o desempenho de seu trabalho e trazem consequências difíceis para a população.

Felizmente esta não é a realidade para a totalidade dos psicólogos recém-formados. Após sua formatura, talvez uma grande parte se considere ainda incapaz de responder plenamente às demandas da sociedade e do mercado de trabalho e perceba a necessidade de se potencializar sempre mais para o melhor desempenho em sua carreira. Cabe ressaltar que de certa forma isso é o que se espera de um profissional de inúmeras áreas em início de carreira: certa insegurança ou pouca experiência.  Porém um aspecto relevante é o fato de que a maioria destes psicólogos permanece não sabendo qual o seu papel e como desempenhá-lo adequadamente. A noção do que é ser psicólogo e como atuar tende a permanecer obscura para grande parte destes profissionais. 

IMPORTÂNCIA DO CONSELHO DE PSICOLOGIA NESTE CONTEXTO

Este psicólogo tem conhecimentos técnicos que muitas vezes não estão integrados com as suas características pessoais (capacidade de liderança, introversão, extroversão, valores pessoais, sensibilidade a dor do outro).  Estes se mostram de certa forma cindidos em relação às atividades a desempenhar. No período entre 1987 e 1991, como estudante de psicologia, nunca tive a oportunidade de encontros na universidade para troca de informações e orientações diretas por parte do CFP ou CRP.  Este é um ponto que considero fundamental de ser observado, pois estas são as entidades representantes da classe que melhor poderiam facilitar a construção deste fio condutor junto com os alunos ainda em processo de formação, no sentido de favorecer a abertura de reflexões e questionamentos ligados à prática profissional, em especial em relação à prática clínica, objeto central da presente apresentação.  Em contatos recentes com alunos recém-graduados na cidade do Rio de Janeiro fico feliz em saber que o CRP 05 tem buscado estar disponível para estas oportunidades, comparecendo sempre que é convidado pelas universidades e pelos cursos de especialização para buscar dialogar com os psicólogos e estudantes de psicologia. Porém nesse momento essa parece ser uma prática pontual.

Acredito que esta precisa ser uma conduta mais permanente e articulada e que o CRP poderia também desenvolver ações mais objetivas junto ao corpo discente das universidades. Acredito que o contato inicial com nosso conselho não deveria ser na palestra para a entrega da carteira de psicólogos.

A SAÍDA QUE OS RECÉM-GRADUADOS BUSCAM

Como um dos recursos para lidar com a sua falta de preparação para entrar no mercado de trabalho, alguns destes psicólogos buscam cursos de aperfeiçoamento. Desde 2002 os psicólogos passaram a ter também a opção de buscar os cursos de especialização, chancelados pelo CFP.  Buscam este caminho, entre outros objetivos, como forma de ter uma opção, uma orientação mais sistemática do trabalho a realizar, além é claro de ter o título de especialista.  Estas afirmações são seguidamente ouvidas em momentos de entrevistas de seleção para curso de especialização por candidatos a vagas em turmas desde 2002.  Muitas vezes a experiência vivida neste curso acaba sendo, segundo alguns alunos destes cursos de especialização, a única no sentido de um acompanhamento sistemático e global para o trabalho a desenvolver, pois têm um supervisor e um grupo de outros alunos que o acompanha ao longo de todo o curso em diversas dimensões, a saber: nas aulas teóricas, nos atendimentos, nas supervisões e na orientação de seus trabalhos escritos, além de outros profissionais com quem trocam diferentes pontos de vista de maneira contínua e orientada.  Bem diferente do que a maioria relatava viver nas universidades, onde tendem a descrever uma impressão de cisão entre os conhecimentos adquiridos; lamentam a falta de tempo, de um espaço ou incentivo no sentido de integração e discussão dos conhecimentos – não só teóricos – adquiridos entre seus pares e com os professores.

Vale ressaltar que este recurso de buscar cursos específicos fora da academia é o mesmo usado no final dos anos 1980 e início dos 1990, quando os psicólogos recém-formados eram orientados informalmente a buscar cursos de formação nas abordagens das quais mais se aproximavam durante seu curso de graduação.  Esses cursos naquela época, não tinham nenhuma regulamentação ou intervenção do CFP ou do CRP, e foram se constituindo a partir da demanda e do notório saber de alguns profissionais mais experientes. 

Este foi a opção que escolhi para dar conta do buraco encontrado para ingressar na vida profissional de maneira melhor preparada, quando em 1991 ainda na universidade, iniciei um curso de formação em Gestalt-terapia e nos últimos meses do curso de graduação fui aprovada para iniciar no ano seguinte um curso de especialização em terapia de família sistêmica. Segui o caminho que na época era a saída “oficial” para a maior parte os psicólogos recém-formados.  Vale ressaltar que estes cursos não tinham nenhuma intervenção do CFP, o que de certa forma deixava os alunos recém-graduados à mercê de todo o tipo de profissionais do mercado. No meu caso tive o prazer de ter sido acompanhada por alguns profissionais muito bem preparados, como Teresinha Mello da Silveira, minha formadora em Gestalt-terapia.  Porém poderia não ter sido assim.

A busca nesses cursos era de potencialização para minha atuação como psicóloga clínica. Buscava na figura do formador, instrumentos e orientação para meu trabalho que não tinha obtido, ou não tinha conseguido alinhavar durante minha graduação. Hoje penso que buscava um espaço ou alguém que me auxiliasse, como diz Afonso (DA FONSECA, 2012), a harmonizar as minhas potências como profissional.  Tive bons encontros e me aprimorei bastante para o trabalho clínico. Porém ressalto, que boa parte do que desenvolvi nestes cursos, me parece hoje, seria obrigação da universidade em criar oportunidades de reflexão e questionamento de maneira mais ampla.  Um exemplo de aspecto que academia poderia ter me ajudado a refletir, a pensar e a me auxiliar de forma mais direta se relaciona ao aspecto de que psicólogo clínico é na maioria das vezes um profissional autônomo.

E isto tem aspectos muito específicos. Faz muita diferença para uma pessoa recém-formada diante do mercado de trabalho, e não me recordo de ter vivido durante meu curso momentos de discussões claras e de ter recebido orientações práticas em relação a esse tema.  Neste momento ressalto que um profissional autônomo, além de precisar se capacitar nos aspectos técnicos de sua profissão, precisa desenvolver aptidões relacionadas à administração de carreira como por exemplo: investimentos financeiros; administração de um salário que não é fixo; não ter décimo terceiro ou férias remuneradas; necessidade e como obter licenças para trabalhar; impostos a pagar; divulgação profissional, entre outros.

PARTICIPAÇÃO DO CFP NOS CURSOS DE ESPECIALIZAÇÃO

A partir da criação pelo CFP do título de especialista, desde 2002, o CFP tem participado do processo de construção dos cursos de especialização, orientando as instituições interessadas em administrar e coordenar este tipo de curso em termos de alguns quesitos necessários para a organização de uma proposta como esta. Hoje temos cursos de especialização nas seguintes especialidades: Clínica, Escolar e Educacional, Esporte, Jurídica, Neuropsicologia, Organizacional e do Trabalho, Psicomotricidade, Psicopedagogia, Social e Trânsito.

Como coordenadora pedagógica do curso de especialização em psicologia clínica -Gestalt-terapia (Indivíduo, Grupo e Família) considero importante demarcar que a interlocução com os representantes da ABEP5, foi bastante instigante.  As trocas vividas durante os encontros com seus representantes contribuíram para o nosso aperfeiçoamento e para ampliar os nossos pontos de vista em alguns aspectos.  Este processo de construção de nossa proposta pedagógica tem sido constantemente revisitado e revisado.

REFLEXÕES DO CRP 05 EM RELAÇÃO AO TÍTULO DE ESPECIALISTA

Interessante demarcar que o CRP 05, marca posição claramente contrária a criação dos títulos de especialização que são chancelados pelo CFP com alguns argumentos como os descritos no Relatório Final do Grupo de Trabalho Regional do Ano Temático da Avaliação Psicológica (GTRATA) 2011/2012 no Anexo: Manifesto do CRP-05 contra a criação do título de especialista em avaliação psicológica:

Como no caso da criação do Título de Especialista em Psicologia Social, a criação do Título em Avaliação Psicológica é um contra-senso, uma vez que toda Psicologia é Psicologia Social; nossa subjetividade está atravessada pelas forças sociais – históricas, econômicas, políticas, culturais – que nos constituem. Do mesmo modo, todo psicólogo realiza, em sua área de trabalho, uma avaliação psicológica da (s) pessoa (s) e grupos nos quais vai intervir, e o faz com métodos, ferramentas e abordagens diferenciadas, próprias de sua área. Consideramos que apenas uma visão tecnicista da Psicologia, como uma disciplina objetiva, neutra, asséptica, ancorada em uma pretensa cientificidade ahistórica e não ideológica, é capaz de criar regras universais e absolutas para a avaliação psicológica. É também esta orientação teórico-sistemática da Psicologia que, na discussão sobre critérios éticos e de respeito aos Direitos Humanos para a construção e uso dos instrumentos e ferramentas da avaliação psicológica, apresenta teses que subordinam estes critérios à abordagem e aos requisitos unicamente psicométricos. O argumento é o de que, uma vez estes requisitos atendidos, a Ética e os Direitos Humanos seguem a reboque, como na tese da “validade conseqüencial” – que seria nada mais que um delírio psicométrico e positivista, simplesmente. Não são apenas os argumentos lógicos e teóricos, alguns elencados acima, que nos levam a manifestar a presente moção. A prática profissional nos mostra, ao longo do tempo, como os diversos títulos de especialista promovem distorções e usos perversos no exercício profissional, ensejando, por exemplo, reserva de mercado. (GTRATA, 2012)

QUESTIONANDO O PAPEL DO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Temos sempre nos perguntado sobre qual o nosso papel como coordenadores deste curso e qual o nosso objetivo junto a nossos alunos.  Neste momento o que aparece como marcante em nossa realidade é uma defasagem muito grande em termos de preparação da graduação de uma parcela de nossos alunos. Aspectos básicos ainda parecem ser deixados de lado por eles, principalmente no que se relaciona a forma como encaram o homem e suas relações com o mundo.

>Outro aspecto que também aparece em minha amostra como negligenciado em termos de discussões mais aprofundadas por parte da academia repousa na noção de verdade: de certo e errado. Muitos ainda chegam ao curso de especialização com a percepção ingênua de que vão encontrar uma única verdade, uma única resposta sobre um tema, um caminho pronto para seguir com seus clientes.  Tende a ser difícil trazer a noção de diferentes possibilidades no campo de percepção.  Muitas vezes parece estarmos apresentando pela primeira vez esta noção. Estes ainda se colocam como os que sabem o certo e o errado para orientar seus clientes.  Precisamos ficar atentos para não cairmos na armadilha de acreditar que sabemos tudo o que é necessário ensinar para nossos alunos de uma forma geral.  Como sabemos não existe um livro “de gente” e como nossos alunos são gente que vão acompanhar gente no processo de auto-conhecimento, precisamos sempre nos manter alertas para manter nossa curiosidade e não permitir que a arrogância de saber o “certo”  nos impeça de estar abertos para o novo como novo. 

Nossa busca tem sido de  acompanhar nossos alunos, favorecendo que se experimentem, conheçam mais de suas características, se potencializem, fiquem curiosos sobre eles e sobre o mundo ao seu redor, se coloquem, dialoguem, e ampliem seus recursos.  Neste contexto, espero que sempre nos mantenhamos com dúvida e abertos para trocas constantes. Isso nos manterá alertas para não cairmos em uma postura acomodada e sem crítica.  Buscando sempre nos perguntar que formação de psicólogos é essa que estamos construindo e mantendo na atualidade. Uma postura que se coloca como contrária a uma proposta de aperfeiçoamento chancelada pela instituição que representa a classe dos psicólogos, como os cursos de especialização, me parece ingênua neste contexto de lapso entre o que é ensinado nas universidades e as necessidades do profissional ao ser lançado no mercado de trabalho, já discutido acima. 

Todos nós estudantes de psicologia, psicólogos, professores, membros do conselho de psicologia estamos implicados neste processo de desenvolvimento da profissão de psicólogo e precisamos nos apropriar disto a todo o momento.

e temos o desafio da permanente reflexão e criação de que práticas são essas, a partir de que estatutos de verdade, e com quais efeitos. Que efeitos têm sido produzidos em nosso cotidiano? Que sujeitos, saberes e objetos – os quais não existem em si - estamos o tempo todo produzindo? É preciso colocar em análise nossas práticas, discutindo que psicólogos estamos produzindo e que saberes estamos perpetuando. (BICALHO, 2009)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É compreensível o fato de que esta modalidade de cursos de especialização tragam possibilidades de alguns impasses e riscos.  Porém é fundamental uma reflexão sobre o processo de desenvolvimento do curso de psicologia no que tange a um maior intercâmbio entre o sistema conselhos e as universidades.  Esta comunicação, buscando ampliar discussões no sentido de um aperfeiçoamento do curso em questão, é fundamental, pois o estudante de psicologia sai da universidade para o mercado de trabalho muitas vezes perdido e até pode-se ousar dizer, sem orientação adequada em relação ao desempenho de sua carreira, ao mesmo tempo em que está garantido por lei como apto para estas atividades.

Necessidade do Sistema Conselhos articular ações conjuntas com o Ministério da Educação (MEC), visando produzir discussões e encaminhamentos frente os entraves elencados durante todo o ano temático; Necessidade de maior aproximação do Sistema Conselhos com os Serviços-Escola, visando refletir sobre o processo de formação conciliado com as repercussões éticas e técnicas da avaliação psicológica; (GTRATA, 2012)

Este trabalho busca contribuir com reflexões sobre o que é vivido por psicólogos recém-formados neste momento de inúmeros questionamentos sobre os rumos dos cursos de graduação e especialização em psicologia.  Talvez desta forma a necessidade quase obrigatória de se inserir em curso de especialização para se sentir apto a trabalhar em sua profissão após o curso de graduação, tenda a ser menos natural. Talvez estes cursos possam parar de precisar cumprir tarefas que são esperadas da graduação, como “compromisso com a formação de profissionais-cidadãos qualificados, críticos e socialmente engajados” (PPGPSI,2012)

Recusar o lugar de “ortopedista social”, com seus saberes prontos em planejamentos metodológicos assépticos, mesmo sabendo que inúmeras vezes fomos (somos) capturados pelo enfoque positivista. É preciso, enfim, pôr em questão nossas implicações: que lugar ocupamos como especialistas? Não é negar o lugar de saber-poder, é assumi-lo, pondo-o o tempo todo em análise, pensando que práticas e lugares são esses que, como psicólogos, somos convidados a ocupar. E, sobretudo, o que fazemos quando ocupamos o lugar de professores? O que significa atravessar a formação em Psicologia com discussões sobre direitos humanos? Que efeitos são produzidos quando colocamos  em análise a vida, através de sua proveniência, saberes, diferentes confrontos e produções? Com que ética estamos articulados e quais subjetividades estamos produzindo? É preciso adquirir a clareza de que nosso trabalho profissional é também um trabalho político, nunca isento nem neutro. Nossas práticas envolvem uma concepção de mundo, de sociedade, de homem, de humano, exigindo um posicionamento sobre a finalidade da intervenção que fazemos, a qual envolve a certeza de que nossas práticas têm sempre efeitos, exigindo que tomemos, portanto, posições. (BICALHO, 2009).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BICALHO, P. P.G e outros  - Formação em Psicologia, Direitos Humanos e Compromisso Social: A Produção Micropolítica de Novos Sentidos In:  Boletim Interfaces da Psicologia da UFRRJ – ISSN 1983-5570    - Vol. 2, Nº. 2, Dezembro 2009.  Disponível em: http://www.ufrrj.br/seminariopsi/2009/boletim2009-2/boletim.pdf Acesso em 20/11/2012.

DAVIDOFF, L. L.  – 1 – Psicologia: Presente e Passado, Introdução à Psicologia: Terceira Edição. São Paulo: Pearson Makron Books, 2001.

DA FONSECA, Afonso Henrique Lisboa(2012) – Mesa Redonda "Filosofia e Gestalt-Terapia. Embasamento? Influência? Interlocução?” palestra proferida no I congresso IGT de Gestal-terapia, Maio de 2012, Rio de Janeiro.

GTRATA - GRUPO DE TRABALHO REGIONAL DO ANO TEMÁTICO DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA . Relatório Final do Grupo de Trabalho Regional do Ano Temático da Avaliação Psicológica. 2011/2012. Anexo: MANIFESTO DO CRP-05 CONTRA A CRIAÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA. Disponível em: http://www.crprj.org.br/documentos/2012-relatorio_avaliacao_psicologica.pdf acesso em 17/11/2012.

MAJEROWICZ, Nádia -  Interdisciplinaridade e Ensino Superior: Desafios Para a Formação do Graduando, In: Disponível em: http://www.ufrrj.br/seminariopsi/2007/boletim/pdf/boletim2007_2.pdf   Acesso em: 16/11/2012

PPGPSI – Programa de Pós-Graduação em Psicologia – UFRRJ, 2012. HISTÓRICO Disponível em: http://r1.ufrrj.br/wp/ppgpsi/historico/  Acesso em 19/11/2012

 

 

Endereço para correspondência
Márcia C. Estarque Pinheiro

Endereço eletrônico: marcia@igt.psc.br

 

Recebido em: 19/12/2012
Aprovado em: 24/12/2012

 

 

Notas

*Psicóloga, CRP 05/17.721, especialista em psicologia clínica, especialista em atendimento de casal e família na abordagem sistêmica (I.P.U.B. - U.F.R.J.), Gestalt-Terapeuta com experiência em atendimento clínico desde 1992, coordenadora do curso de Especialização em Psicologia clínica - Gestalt-Terapia (Indivíduo, Grupo e Família) sócia fundadora do IGT.
1UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro a partir deste momento neste artigo será apenas denominada por esta sigla
2SPA - Serviço de Psicologia Aplicada. A partir deste ponto do texto iremos sempre utilizar estas letras para identificar este serviço.
3 MEC – Ministério de Educação e Cultura.
4 CRP – Conselho Regional de Psicologia - A partir deste ponto do texto iremos sempre utilizar estas letras para identificar este conselho.
5ABEP – Associação Brasileira de Ensino de Psicologia