ARTIGO


Disfunção de desejo ou interesse sexual: um olhar gestáltico

Sexual Desire or Interest Disorder: a Gestalt Perspective


Fabiana Silveira Dutra Pessanha

Endereço para correspondência

 


RESUMO

Ao considerar a sexualidade como um aspecto de grande relevância da saúde global do ser humano, buscou-se com esta monografia conhecer como ocorre a forma de expressão da sexualidade feminina, focalizando a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual por esta ser muito frequente, comprometer o subsequente funcionamento sexual da mulher e do casal e por sua origem derivar de uma variedade de fatores altamente sensíveis ao tratamento psicoterápico. Nesta perspectiva, a presente monografia teve o intuito de expandir os conhecimentos teórico-metodológicos existentes sobre a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual a partir de uma discussão introdutória deste tema sob a ótica da Gestalt-Terapia, objetivando viabilizar uma maior qualificação do gestalt-terapeuta para atuar no acompanhamento de mulheres e/ou casais que apresentam tal queixa. Para tanto, sua construção se deu da seguinte forma: inicialmente investigou-se a ocorrência da função e das disfunções sexuais humanas através de um consistente levantamento bibliográfico; tentou-se aproximar da Disfunção de Desejo ou Interesse sexual, discutindo os fatores que influenciam seu desenvolvimento e manutenção e seu diagnóstico; em seguida, buscou abordar tal disfunção sob a perspectiva da Teoria de Campo e de alguns dos conceitos fundamentais da Gestalt-Terapia (Self, Awareness e Contato), sinalizando alguns caminhos para intervenção psicoterápica em Gestalt-Terapia com mulheres e/ou casais que apresentam tal queixa. Finaliza tecendo algumas considerações sobre o que fora discutido até então, reforçando seu caráter introdutório e a necessidade do desenvolvimento de estudos mais aprofundados nesta área.

Palavras-chave: Disfunções Sexuais; Frigidez; Transtorno de Desejo Sexual Hipoativo; Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual; Gestalt-Terapia.


ABSTRACT

Considering sexuality as an aspect of great relevance for human being global health, this monograph discusses how women sexuality expressions occur, focusing specifically on their sexual desire or interest disorder since it is very frequent, it has implications for woman and couple sexual function, and also because its origin derives from a variety of highly sensitive factors to psychotherapy treatment. Based on this perspective, this monograph aims at expanding the theoretical-methodological knowledge about sexual desire or interest disorder based on a Gestalt-therapy perspective, searching for a higher qualification for the Gestalt-therapist in the treatment of women and/or couples with such complaints. Thus, first of all, it investigates the occurrence of human sexual functions and disorders based on a consistent bibliographic survey; then, it discusses sexual desire or interest disorder, focusing on the factors that have influence on its development and maintenance and on its diagnosis; next, it approaches such disorder under the perspective of Field Theory and of some fundamental Gestalt-therapy concepts (Self, Awareness and Contact), pointing out some possible ways for psychotherapy intervention in Gestalt-therapy for women and/or couples with such complaints. Finally, it concludes highlighting some considerations about what has been discussed so far, reinforcing its introductory aspect and the need for deepening knowledge in this field.

Keywords: Sexual Disorders; Frigidity; Hypoactive Sexual Desire Disorder; Sexual Desire or Interest Disorder; Gestalt-therapy.



INTRODUÇÃO

A sexualidade humana, intrínseca ao sujeito, deve ser compreendida enquanto um constructo sociocultural e histórico. Tal consideração se deve porque a forma de expressão da mesma sofre influências diretas desta conjuntura, mudando ao longo dos tempos e de acordo com os valores da cultura dominante. Assim, é importante delimitar tal conjuntura para viabilizar uma melhor compreensão da forma de expressão da sexualidade humana.

O contexto que permeia esta monografia, portanto, é o de conhecimentos e vivências da cultura ocidental do século XXI, que comporta a coexistência de valores distintos e contraditórios acerca da expressão da sexualidade, que se mesclam ao longo de um continuum. A sociedade admite, então, valores que vão desde uma censura à expressão da sexualidade – sendo esta vista como um tema tabu, proibido – até uma incitação para que a mesma seja expressa livremente.

Esta variação na forma de expressão da sexualidade pode ser verificada entre os distintos lugares e nas diferentes famílias e é ainda mais marcante se observados os gêneros. Histórica e habitualmente, pessoas do gênero masculino são mais incitadas a expressar-se sexualmente do que aquelas do gênero feminino, que recebem uma educação mais repressora.

É neste contexto que se conformam os modos mais díspares de expressão da sexualidade: algumas pessoas constroem e expressam sua sexualidade de modo pleno enquanto outras não conseguem fazê-lo e podem desenvolver, dentre outras coisas, as mais diferentes disfunções sexuais.

Cabe, então, ressaltar neste momento, que a sexualidade humana não deve ser vista como reduzida à expressão sexual. Ela se constitui, na realidade,

(...) a central aspect of being human throughout life and encompasses sex, gender identities and roles, sexual orientation, eroticism, pleasure, intimacy and reproduction. Sexuality is experienced and expressed in thoughts, fantasies, desires, beliefs, attitudes, values, behaviours, practices, roles and relationships. While sexuality can include all of these dimensions, not all of them are always experienced or expressed. Sexuality is influenced by the interaction of biological, psychological, social, economic, political, cultural, ethical, legal, historical, religious and spiritual factors. (WHO, 2004).

Assim entendida, a sexualidade humana se configura como um fator importante que influencia a saúde global do ser humano e carece de maior atenção.

Justificativa do Tema

Considerando, então, a amplidão do conceito de sexualidade humana, houve a necessidade de dirigir o olhar a uma dimensão mais específica desta temática e, assim, a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual despontou como um ponto importante da sexualidade feminina por se apresentar como uma desordem extremamente frequente e que compromete todo o funcionamento sexual da mulher e do casal – posto que o desejo é um fator primordial para a realização do ato sexual – e cuja etiologia deriva de uma multiplicidade de aspectos em sua maioria mais sensíveis ao tratamento psicoterápico.

Outros fatores determinantes para a escolha da citada Disfunção como tema deste trabalho foi o interesse da especializanda pelo mesmo devido à sua experiência clínica e o fato de existirem poucos estudos específicos na área da psicologia que instrumentalizassem o gestalt-terapeuta no manejo desta disfunção. Os poucos estudos existentes direcionavam seu olhar a mulheres que estavam enquadradas em períodos específicos de vida como “na menopausa” e “na gravidez” ou “no decurso de uma doença (diabetes e câncer, por exemplo)” e, em sua maioria, estavam baseados na Teoria Psicanalítica.

Assim, a escolha da Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual como tema deste trabalho ocorreu com o intuito de ampliar os conhecimentos teórico-metodológicos existentes a partir de uma discussão introdutória desta temática sob a ótica da Gestalt-Terapia e possibilitar uma maior instrumentalização do psicólogo para atuar com clientes que apresentam tal queixa.


Objetivo Geral

O presente trabalho objetiva, então, ampliar o conhecimento teórico-metodológico existente acerca da Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual e verificar como os preceitos da abordagem Gestáltica podem contribuir para o adequado acompanhamento de mulheres e/ou casais que apresentam tal queixa, viabilizando uma maior qualificação do gestalt-terapeuta no manejo desta disfunção.

Objetivos Específicos

Para tentar alcançar o objetivo acima explicitado, houve a necessidade de delimitar objetivos mais específicos, através dos quais, busca-se:

Metodologia

A metodologia empregada para elaboração deste trabalho foi um consistente levantamento de informações e conhecimentos já existentes em livros e artigos publicados, que englobou tanto autores precursores acerca da sexualidade humana e da Gestalt-Terapia, como também aqueles com descobertas mais recentes nestas mesmas áreas.

Outra forma de investigação utilizada para elaboração desta monografia foi a de conversas informais com gestalt-terapeutas que já haviam atendido mulheres e/ou casais com queixa de diminuição e/ou falta de desejo sexual com vistas a montar um panorama de como estas pessoas chegam ao consultório.

Além destas formas de investigação, a observação clínica no atendimento a pessoas com a queixa de Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual consubstanciou a formulação desta monografia.

Tendo sido confrontadas estas informações coletadas a partir da literatura e da prática clínica, a monografia foi elaborada da seguinte forma:

O capítulo 1 versa sobre a Função Sexual Humana e, para melhor compreendê-la, aborda o Ciclo de Resposta Sexual Humana sob a ótica dos autores clássicos – Masters & Johnson e Kaplan – e de uma autora contemporânea – Rosemary Basson. Este capítulo engloba ainda as Disfunções Sexuais que acometem a homens e mulheres e suas principais categorizações baseado nos sistemas de classificação nosológica – CID-10 e DSM-IV – e na mais recente teoria sobre sexualidade feminina (Basson).

O capítulo 2 focaliza a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual apresentando algumas mudanças ocorridas com esta terminologia ao longo do tempo, sua caracterização sob a ótica contemporânea, como a mesma pode se desenvolver e ser mantida, alguns meios para facilitar o seu diagnóstico, além de algumas das formas de tratamento existentes para a mesma.

O capítulo 3 visa abordar a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual à luz de uma das bases teóricas da Gestalt-Terapia – Teoria de Campo – e de alguns dos principais conceitos que a fundamentam – Awareness, Contato e Self. Busca, assim, relacionar esta teoria com o que fora apresentado no capítulo anterior sobre a citada disfunção e apontar alguns caminhos de intervenção psicoterápica em Gestalt-Terapia para o acompanhamento de mulheres e/ou casais que possuem tal queixa.

No quarto e último capítulo serão feitas algumas reflexões sobre o que fora discutido ao longo desta monografia.


FUNÇÃO SEXUAL HUMANA

A função sexual humana é extremamente complexa, pois exige a conformação adequada de variadas dimensões (biológicas, psicológicas, sócio-culturais e relacionais) do indivíduo para se desenvolver e se manter de modo satisfatório. Quaisquer mudanças nessa ampla gama de fatores podem deflagrar alterações na expressão sexual do indivíduo. Assim, com o intuito de melhor conhecer o funcionamento sexual humano, os pesquisadores Masters e Johnson desenvolveram estudos na área da sexualidade humana e elaboraram um modelo teórico-científico que descrevia de forma clara e precisa a resposta sexual de homens e mulheres. O conhecimento desta resposta sexual permitiu a elaboração de critérios científicos para distinguir um funcionamento sexual adequado e também suas possíveis inadequações.

Seguiu-se a eles outra autora clássica, Helen Kaplan, que reviu o modelo existente e propôs alterações nas etapas da resposta sexual, passando a valorizar a função do desejo no desencadeamento da sexualidade. Estes dois modelos clássicos, datados das décadas de 60 e 70, respectivamente, postulavam a linearidade das etapas da resposta sexual humana, apesar de considerarem etapas diferentes de resposta sexual, e pautavam-se mais em aspectos biológicos. Eles serviram de referência para a conformação do conhecimento científico internacional sobre função e disfunção sexual humana que se mantém até os dias atuais.

No final do século XX, estes modelos foram revisitados e uma nova proposta de modelo de resposta sexual foi feita por Rosemary Basson. Esta proposta foi motivada pelas especificidades do sexo feminino em relação ao masculino e reconhecia a não linearidade das etapas que conformam a resposta sexual das mulheres, bem como a importância da dimensão subjetiva para o seu adequado funcionamento.

Estes modelos de resposta sexual humana serão apresentados na primeira parte deste capítulo, que compreende ainda em uma segunda parte uma breve exposição sobre as disfunções sexuais humanas.

Nesta segunda parte, as definições e as categorizações das disfunções sexuais humanas são apresentadas à luz dos dois principais sistemas de classificação de doenças – o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV) e da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). Além disso, ao final, é apresentada a forma de classificação das disfunções sexuais femininas estipuladas segundo os critérios estabelecidos pelo modelo proposto por Basson.


Resposta Sexual Humana

Na década de 1960, os autores Masters e Johnson revolucionaram a área da sexualidade humana com a formulação de um modelo científico para a compreensão da resposta sexual tanto de homens quanto de mulheres. Segundo este modelo, a resposta sexual humana se caracteriza por um ciclo composto de quatro fases subsequentes e interdependentes (isto é, o alcance de uma fase posterior só se dará após o alcance da fase anterior): excitação, platô, orgasmo e fase final ou de resolução. Para cada uma dessas fases, determinados padrões fisiológicos da função sexual são descritos, a saber:

1ª. Fase de Excitação – a resposta sexual é iniciada por meio de uma adequada estimulação física (através dos cinco sentidos humanos: tato, olfato, audição, gustação e visão) e/ou psíquica (através de pensamentos e fantasias). Esta estimulação causaria a excitação sexual de homens e mulheres, promovendo alterações fisiológicas em ambos (a ereção, nos homens e a vasoconstrição da vagina e da vulva, na mulher) de modo a deixá-los dispostos para o ato sexual.

2ª. Fase Platô – o seguimento da estimulação sexual de forma apropriada intensificará a excitação deflagrada na fase anterior, promovendo as condições indispensáveis para ocorrência do orgasmo.

3ª. Fase do Orgasmo – nesta fase ocorre o ápice da tensão sexual, com homens e mulheres apresentando significativas alterações físicas (contrações rítmicas da musculatura genital) e psíquicas (consciência subjetiva do orgasmo), que podem variar em sua intensidade e duração, e que se configuram em uma sensação de prazer máximo.

4ª. Fase de Resolução – é a fase final do ciclo de resposta sexual, que se caracteriza por um período em que a tensão sexual diminui e dá lugar a uma sensação geral de relaxamento e bem-estar. Esta fase é mais facilmente percebida em homens, visto que neste período eles não estão aptos a ter uma nova resposta sexual. Em contrapartida, as mulheres podem ter outros orgasmos neste momento em caso de continuidade da estimulação sexual adequada.

Este modelo de resposta sexual humana foi reformulado e expandido na década de 1970 por Helen Kaplan e passou a compreender a existência das seguintes Fases:

1ª. Fase de Desejo – esta fase pode ser anterior ao próprio contato sexual e se caracteriza por fantasias sexuais e anseio pela atividade sexual.

2ª. Fase de Excitação – está estritamente relacionada à Fase de Desejo e, como descrita no modelo desenvolvido por Masters e Johnson, é caracterizada por alterações fisiológicas e sensação de prazer que predispõem a pessoa ao ato sexual. Esta fase contemplaria ainda a Fase Platô descrita por Masters e Johnson, sendo também caracterizada pela intensificação da excitação sexual que deflagraria no orgasmo.

3ª. Fase do Orgasmo – como descrita no modelo desenvolvido por Masters e Johnson, é o auge da tensão sexual, que é percebida como uma sensação de prazer máximo .

A conjugação destes dois modelos lineares de Masters e Johnson (1960) e de Kaplan (1970) fundamentou os critérios de conceituação de resposta sexual humana saudável que consta do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV) e da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). Apesar de algumas peculiaridades em seu conteúdo geral, com relação à sexualidade ambos postulam que o ciclo de resposta sexual humana saudável é composto por quatro etapas sucessivas (desejo, excitação, orgasmo e resolução). Apontam também, em contrapartida, que as disfunções sexuais estariam vinculadas a alguma alteração em uma ou mais das fases desse ciclo.

Fundamentado em pesquisas mais recentes, realizadas nas últimas duas décadas, verificou-se que o modelo de ciclo de resposta sexual vigente, embora continue se aplicando ao que ocorre com a sexualidade masculina, não correspondia ao que de fato tem ocorrido com grande parte das mulheres. Em decorrência disso, em 1999, a Fundação Americana de Doenças Urológicas (FADU) reuniu um grupo multidisciplinar de especialistas em sexualidade feminina que consensuou uma reformulação deste modelo de ciclo de resposta sexual destinado especificamente a mulheres. Tal reformulação foi baseada na proposta de Basson, psiquiatra canadense, e apresenta especial ênfase no papel da subjetividade para o despertar sexual das mulheres.

Para Basson (2002), muitas mulheres iniciam a experiência sexual em estado de neutralidade sexual, isto é, sem motivação suficiente (...). Nesta condição, ela encontra motivação na busca da intimidade emocional, expressa pela necessidade de maior proximidade, compromisso, compartilhamento, carinho e tolerância, assim como de demonstração dos sentimentos pela ausência emocional ou física do parceiro. Inversamente, experiências negativas anteriores podem afetar sua disponibilidade, fazendo com que ela evite a estimulação sexual. Em condições favoráveis, a mulher iniciará uma busca deliberada de estímulos sexuais, como o diálogo, música, erotismo escrito ou visual, ou a estimulação física direta, desencadeando a excitação e favorecendo sua receptividade, por intermédio da aceitação de estímulos até então indesejados, geralmente relacionados à genitália e aos seios. Cria desta forma a responsividade necessária para a continuidade do ato sexual, que seguirá o ciclo tradicional: desejo e excitação interrelacionados e podendo um estimular e fortalecer o outro, seguidos da satisfação emocional e física. (FLEURY, 2004, p.18)

Fundamentada nesta nova visão acerca da sexualidade feminina, a proposta de Basson é, então, de um modelo de resposta sexual circular (segundo o esquema abaixo) composto por fases que se sobrepõem em uma sequência variável que combina diversas respostas da mente (aspecto subjetivo) e do corpo (aspecto biológico).

(BASSON, 2005, p. 1328)

De modo sintético, as fases do ciclo de resposta sexual de Basson podem ser descritas da seguinte forma: em um estágio inicial há uma neutralidade sexual da mulher com uma motivação positiva para uma relação mais íntima com o parceiro. As razões femininas para iniciar ou engajar-se em um ato sexual são variadas e muito mais complexas do que a simples presença ou ausência do desejo sexual (definido como pensamentos e fantasias sobre sexo) no início do ciclo. Envolve uma maior intimidade emocional com o parceiro, elevados bem-estar e auto-imagem (sentir-se atraente, feminina, apreciada, amada e/ou desejada), uma diminuição em sensações de ansiedade ou culpa, além da presença de estímulos sexuais adequados e da experiência sexual anterior. Este contexto apropriado propicia uma disposição da mulher para se focar em estímulos sexuais, que são influenciados por fatores tanto biológicos quanto psicológicos e resultam em um despertar subjetivo para a sexualidade. A continuidade da estimulação adequada permite a excitação sexual e o prazer, desencadeando o interesse pelo ato sexual propriamente dito. Neste estágio, o desejo sexual, ausente no início, agora está presente. Com a intensificação da excitação e do desejo sexuais pode haver ou não o orgasmo. De qualquer forma, a satisfação emocional e física ao final da atividade sexual predispõe a uma maior receptividade da mulher a futuras atividades sexuais.

É ressaltado ainda que o desejo sexual espontâneo vivenciado anteriormente ao início da estimulação pode algumas vezes estar presente e desencadear o ciclo da resposta sexual, substituindo as primeiras fases em que a mulher apresenta-se em estado de neutralidade e necessita de estímulos que a despertem para a atividade sexual. Neste caso, esta nova proposta comporta uma combinação com o modelo tradicional, enfatizando, contudo, que a ausência do desejo espontâneo não caracteriza uma disfunção sexual.

Diante das particularidades expostas acerca deste novo modelo do ciclo de resposta sexual feminina, através de consenso entre especialistas, a FADU apresenta uma classificação específica das principais disfunções sexuais que acometem às mulheres. Esta categorização difere da apresentada pelos principais sistemas de classificação nosológica (CID-10 e do DSM-IV).

Segue, então, na segunda parte deste capítulo, a apresentação tanto da classificação das disfunções sexuais humanas segundo o CID-10 e do DSM-IV quanto à classificação das disfunções sexuais femininas segundo o modelo de Basson.


Disfunções Sexuais Humanas

Para uma compreensão mais ampla acerca das disfunções sexuais de homens e mulheres é recomendada a utilização de um modelo teórico que contemple aspectos biológicos, psicológicos, sócio-culturais e relacionais. Isto porque se acredita que tais aspectos atuem de forma inter-relacionada seja no desenvolvimento, seja na manutenção da disfunção. Espera-se também que com esta abordagem mais ampliada se viabilize um diagnóstico e uma terapêutica das disfunções sexuais potencialmente mais eficientes.

Assim, a segunda parte deste capítulo apresenta inicialmente as classificações das disfunções sexuais humanas com base em referências que possuem o reconhecimento da comunidade científica internacional: a CID-10 (Organização Mundial de Saúde) e o DSM-IV (Associação Psiquiátrica Americana), anteriormente mencionados. Eles contemplam mais especificamente os aspectos biológicos das disfunções sexuais e estabelecem um padrão para a classificação das doenças com base em critérios comuns.

Ao final desta parte será apresentada também a proposta de classificação das disfunções sexuais femininas segundo o modelo circular de resposta sexual elaborado por Basson. Esta classificação contempla especificidades do sexo feminino, clarificando a influência do aspecto subjetivo para o despertar da mulher para o ato sexual.

De acordo com a CID-10, as disfunções sexuais:

(...) dizem respeito às diferentes manifestações segundo as quais um indivíduo é incapaz de participar numa relação sexual, como ele ou ela desejaria. A resposta sexual é um processo psicossomático e mais comumente, processos tanto psicológicos quanto somáticos intervêm na causação da disfunção sexual. (CID-10, 2008)

Segundo o DSM-IV:

Uma Disfunção Sexual caracteriza-se por uma perturbação nos processos que caracterizam o ciclo de resposta sexual ou por dor associada com o intercurso sexual. (DSM-IV, 2000)

Tem-se, então, que as disfunções sexuais são caracterizadas pela insuficiência, demasia, desconforto e/ou dor, tanto de origem psicológica quanto de origem somática, que se manifestam de modo persistente ou recorrente na expressão e no desenvolvimento do ciclo de resposta sexual humana, comprometendo uma ou mais fases do mesmo.

É importante ressaltar que, de acordo com Abdo e Fleury (2006), quanto mais precocemente ocorrer o comprometimento deste ciclo de resposta sexual humana, mais prejudicada será esta resposta sexual e mais difíceis serão o quadro clínico, o prognóstico e o tratamento da disfunção.

Na CID-10, as disfunções sexuais estão elencadas no Capítulo V, que se refere a ‘Transtornos Mentais e Comportamentais’ (F00-F99), mais especificamente nas partes referentes a ‘Síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e fatores físicos’ (F50-F59) e a ‘Transtornos de personalidade e de comportamento em adultos’ (F60-F69). Estes últimos não serão aqui abordados por fugirem à proposta deste trabalho.

As disfunções sexuais classificadas segundo a CID-10 são:


De acordo com o DSM-IV, as disfunções sexuais são classificadas mais nitidamente em consonância com a fase da resposta sexual a qual acomete:

Disfunções Sexuais:

Transtornos da Excitação Sexual:

Transtornos Orgásmicos:

Transtornos de Dor Sexual

Disfunção Sexual Devida a uma Condição Médica Geral.

Disfunção Sexual Induzida por Substância.

Parafilias

Ainda conforme o DSM-IV, com o intuito de melhor diagnosticar as disfunções sexuais, estas devem ser classificadas em subtipos de acordo com os seguintes critérios:

Além dos fatores acima mencionados, é imperativo que se considerem as diferenças relacionadas às características de gênero - feminino e masculino – no que tange à sexualidade humana, posto que as mesmas também interferem de modo direto nas disfunções sexuais.

Essas diferenças são atribuídas a fatores de ordem biopsicossocial, em especial: hormônios sexuais (estrógenos versus andrógenos), educação sexual (repressora versus permissiva), ambiente (controlador versus estimulante). (ABDO e FLEURY,2006, p. 164)

Sob este prisma, o modelo do ciclo de resposta sexual de Basson contempla tais particularidades do gênero feminino e, juntamente com estudos realizados por um Comitê com especialistas em sexualidade feminina da FADU, propõe uma classificação das principais disfunções sexuais das mulheres. Tais especialistas definiram as disfunções sexuais femininas como sendo “o comprometimento do desejo e excitação sexual, do orgasmo e/ou dor sexual, provocando desconforto pessoal significativo.”(FLEURY, 2004, p.18). São elas:

Considerando assim a importância da diferenciação entre os gêneros, esta será observada e serve como delineadora do objetivo deste trabalho. Portanto, nas próximas páginas será abordado apenas o gênero feminino e suas especificidades no que diz respeito à Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual, de acordo com o modelo de ciclo de resposta sexual feminino de Basson.

Neste momento, cabe salientar novamente o motivo que levou à escolha da citada disfunção em detrimento das demais. Como já explicitado anteriormente, tal escolha se fundamentou no fato desta disfunção sexual ter alta prevalência no sexo feminino, comprometer por completo o subsequente funcionamento sexual da mulher e do casal e, principalmente, por sua etiologia e manutenção emanarem de uma gama de fatores que respondem fortemente a um tratamento psicoterápico.


DISFUNÇÃO DE DESEJO OU INTERESSE SEXUAL

Tendo sido abordados no primeiro capítulo os modelos de resposta sexual humana e as disfunções sexuais que podem vir a ocorrer, de acordo com as visões clássica e contemporânea sobre sexualidade, este segundo capítulo versará sobre a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual. Assim, ponderará sobre sua caracterização de acordo com a perspectiva médico-científica moderna, sobre determinados fatores que podem contribuir para seu desenvolvimento e manutenção, além de alguns meios para viabilizar o seu diagnóstico, apontando, ainda, as formas tradicionais de seu tratamento. Contudo, antes de discorrer sobre a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual propriamente dita, é importante fazer uma ressalva com relação à nomenclatura aqui utilizada.

Apesar da CID-10 apontar como sinônimo da citada disfunção o termo ‘Frigidez’ e a despeito desta ser uma terminologia popularmente conhecida, Kaplan (1977) aponta que a utilização do mesmo leva a interpretações errôneas sobre a sexualidade feminina, posto que

é empregado para se referir a todas as formas de inibição da resposta sexual feminina, indo desde a falta total de responsividade e de sensações eróticas até os graus menores de inibição orgásmica. Assim, o termo é duplamente confuso: primeiro por não transmitir, em seu sentido, o fato de que os dois componentes da resposta sexual feminina podem ser prejudicados separadamente, e segundo porque a implicação de que a mulher que sofre de uma inibição sexual seja necessariamente fria e hostil aos homens é inexata e pejorativa. (KAPLAN, 1977, p.325)

Outro sinônimo também amplamente empregado para designar uma disfunção de desejo sexual na mulher é o “Transtorno de Desejo Sexual Hipoativo”, classificação estabelecida pela CID-10 e pelo DSM-IV, cuja ênfase recai sobre a ausência de fantasias e desejo sexuais espontâneos anteriores à excitação e à atividade sexuais e sobre os aspectos biológicos a ele relacionados (dilatação e lubrificação genital). Contudo,

Acceptance of an evidence-based conceptualization of women’s sexual response combining interpersonal, contextual, personal psychological and biological factors has led to recently published recommendations for revision of definitions of women’s sexual disorders found in the American Psychiatric Association’s Diagnostic and Statistical Manual (DSM–IV-TR). (…) The revised definitions consider the many reasons women agree to or instigate sexual activity, and reflect the importance of subjective sexual arousal. The underlying conceptualization of a circular sex-response cycle of overlapping phases in a variable order may facilitate not only the assessment but also the management of dysfunction (…) (BASSON, 2005, p.1327)

Assim, com o intuito de evitar a ambiguidade derivada do termo ‘Frigidez’ e a ênfase no desejo sexual espontâneo inicial e no fator biológico do ‘Transtorno de Desejo Sexual Hipoativo’, será adotado neste trabalho a terminologia mais recente aplicada exclusivamente ao sexo feminino: ‘Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual’. Esta opção terminológica deveu-se principalmente ao fato de que a nova abordagem enfatiza o aspecto subjetivo da resposta sexual feminina, que é vista de modo mais amplo e complexo. A justificativa desta opção é corroborada pela seguinte citação:

A new model of women’s sexual response reflects their various motivations to be sexual and the fact that psychological and biological factors strongly influence their arousability. (…) To increase emotional intimacy with their partner, women will deliberately find or be receptive to sexual stimuli that can potentially be sexually arousing. Only later do they sense specifically sexual need to continue for the sake of sexual sensations, sexual tension and possible orgasmic release. A model of women’s subjective sexual arousal reflects the ongoing modulation from her emotions and cognitions as well as highly variable genital feedback. (BASSON, 2002, p. 267)

Diante de tais fatos e da temática em questão, uma pergunta se faz premente: o que é desejo? Segundo o Dicionário de Língua Portuguesa Michaelis , desejo significa:

”1 Ação de desejar. 2 O que se deseja. 3 Anseio, aspiração veemente. 4 Cobiça. 5 Apetite, vontade de comer ou de beber. 6 Apetite carnal, concupiscência. 7 Desígnio, intenção. 8 Psicol "Impulso, acompanhado da imagem da sua satisfação; surge quando há demora na satisfação desse impulso" (Donald Pierson). (...) D. de correspondência, Sociol "desejo de apreciação íntima, preferencial, completa, permanente, por parte de outros, como, por exemplo, o de ser objeto de afeição materna, paterna, fraterna, conjugal" (Donald Pierson). (...) D. sexual: o mesmo que amatividade, acepção.”

Visto, então, de uma forma mais ampla, desejo é ação, é energia que move o ser humano no sentido de sua satisfação, impulsionando-o para a vida. Pressupõe, portanto, uma carência, uma falta e está referido e dependente de um outro (objeto de desejo) que o satisfaça. Nesse sentido, o desejo não cessa, posto que nunca é plenamente satisfeito.

Visto com foco na sexualidade humana, temática deste trabalho, desejo é energia que impulsiona para as escolhas sexuais, sendo a base para as fantasias eróticas e predispondo a mulher para o ato sexual. Vai além disso, sendo também a vontade de ser amado.

Assim, o desejo sexual se caracteriza por um impulso que pode predispor a mulher a participar ativamente da atividade sexual ou a tornar-se disponível, permitindo ao seu corpo responder a circunstâncias que possam resultar em satisfação sexual, seja ela oriunda do ato sexual em si ou de uma maior intimidade com o parceiro. Esta – a necessidade de maior intimidade com o parceiro – é o grande diferencial existente na resposta sexual das mulheres, segundo Basson, visto que deflagra o desejo da mulher pelo ato sexual propriamente dito. Ela se caracteriza por

(...) um estado transitório e prazeroso de conexão emocional, agindo como uma “cola” em relacionamentos importantes. Trata-se de uma poderosa motivação para a expressão sexual, garantindo a manutenção de um estado de tranquilidade interna. (...). Refere-se à capacidade de compartilhar experiências íntimas com alguém. Considerando-se a perspectiva de quem vai iniciar o processo de comunicação, divide-se em três habilidades: capacidade de reconhecer o que sente e pensa, seguida da vontade de contar isso ao outro e da habilidade verbal para expressar sentimentos e idéias em palavras. Sob a perspectiva de quem escuta, envolve a aceitação sem crítica do que está sendo dito, a consciência da importância do momento para quem está falando, além da capacidade para apreender o que está sendo dito e do interesse pelo que está sendo dito. A presença desses três componentes, principalmente a capacidade de compartilhar experiências internas privadas, é essencial num relacionamento amoroso (...). (FLEURY, 2006, p.19)

O desejo sexual, desta forma, não é independente do contexto, sendo fortemente influenciado por fatores biológicos, psicológicos, socioculturais e relacionais, que podem contribuir de forma isolada ou conjunta para o engajamento ou não da mulher na atividade sexual.

Assim, segundo Kaplan (1983),

O desejo sexual (...) é experimentado na forma de sensações que levam o indivíduo a buscar ou a tornar-se receptivo a experiências sexuais. Tais sensações são produzidas pela ativação física de um sistema neural específico do cérebro. Quando este sistema se acha em atividade, a pessoa se sente “excitada” – talvez experimente sensações genitais, ou vaga inclinação para a atividade sexual; pode estar interessada em sexo, disposta a uma relação sexual, (...) (KAPLAN, 1983, p.28)

Baseado em tais considerações, tem-se que a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual se caracteriza pela ausência ou diminuição de sentimentos de desejo ou interesse sexual, pensamentos ou fantasias sexuais e o desejo responsivo a estímulos ao longo de todo o ciclo de resposta sexual. Razões que incitariam o despertar do interesse ou do desejo da mulher para o sexo são insuficientes ou inexistentes, sendo que esta falta de interesse vai além de uma redução que pode ocorrer normalmente no decorrer do ciclo natural da vida (menopausa) ou com uma maior duração do relacionamento.

A redução do desejo ou interesse sexual deve, desta forma, se apresentar de forma recorrente ou persistente e acarretar sofrimento em quem é acometido, podendo compreender todas as formas de expressão sexual do indivíduo. Ainda pode ter seu início concomitante ao começo da vida sexual de quem é acometido, estando presente ao longo da mesma, ou desenvolver-se quando a vida sexual da pessoa já se iniciou e transcorreu de modo adequado por um período.


Etiologia e Diagnóstico

A Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual é decorrente de uma multiplicidade de fatores, que podem ser tanto biológicos quanto psicológicos, sócio-culturais e/ou relacionais. Estes fatores podem atuar de forma isolada ou, principalmente, de forma associada no desenvolvimento e na manutenção desta disfunção, devendo ser criteriosamente avaliados para um adequado diagnóstico da disfunção, como sinaliza Basson:

Sexual dysfunction can be a symptom of an underlying disorder, or have causes outside the patient herself. It is important to avoid “pathologizing” women by diagnosing a sexual disorder based on a normal response, such as tiredness or the side effect of a drug. Simultaneously, it is essential not to imply that dysfunction is absent or discredited simply because the cause is external to the patient. (BASSON, 2005, p.1332)

Cuidando, então, para que o diagnóstico da disfunção sexual seja realizado de forma acertada, Althof e Leiblum (apud FLEURY, 2006), baseados em dados da epidemiologia clínica, propuseram um modelo etiológico para a compreensão dos fatores que viabilizam essa disfunção dividindo-os, didaticamente, nas seguintes categorias:

Os fatores que podem predispor a mulher a desenvolver a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual podem ser classificados em duas subcategorias:

1 – Constitucionais – se referem à dimensão biológica , como no caso de deformidades anatômicas, alterações hormonais (níveis alterados de testosterona e estrogênio) e outras enfermidades (diabetes, câncer e depressão), por exemplo - e à dimensão psicológica da sexualidade, como no caso de uma baixa auto-estima, problemas com a auto-imagem e do tipo de personalidade da pessoa, por exemplo;

2 – Desenvolvimentais – se referem aos modelos relacionais desenvolvidos no início da vida da mulher e que afetam sua autonomia e segurança nos relacionamentos, como, por exemplo, no caso do estabelecimento de vínculos precários, de criação extremamente restritiva, com pais negligentes ou críticos, ou ainda no caso de abuso e/ou violência física e sexual.


Alguns fatores podem precipitar o desenvolvimento de uma disfunção sexual principalmente em mulheres que se apresentarem mais vulneráveis, elevando, assim, os seus índices de ansiedade e afetando a sua auto-estima. Estes fatores precipitantes estão geralmente relacionados à condições de vida específicas que esta mulher está vivenciando e que podem ser percebidas como uma crise. Assim, diferentes problemas no relacionamento (divórcio, perda do parceiro, infidelidade), menopausa, experiências sexuais humilhantes, depressão e ansiedade e abuso ou uso de drogas podem precipitar o aparecimento da disfunção sexual.


Os fatores interpessoais e contextuais estão relacionados à dimensão psicológica e ao contexto sociocultural em que a mulher vive. São constituídos por situações onde há perda de privacidade e tempo, distrações devido a exigências de trabalho e filhos, problemas com a auto-imagem e preocupações em geral que interfiram na experiência sexual, bem como situações insuficientemente eróticas.


Alguns fatores podem ser os responsáveis por transformar fracassos sexuais episódicos em disfunções sexuais mais graves, demonstrando uma falta de recursos pessoais da mulher para lidar com os desafios normais que a vida apresenta. Esses fatores englobam tanto os aspectos biológicos, quanto os psicológicos e os socioculturais e relacionais. São eles: comprometimento da auto-imagem e da auto-estima, conflito interpessoal e/ou conjugal contínuo, estresse (emocional, ocupacional ou pessoal), perda de autoconfiança sexual e consequente ansiedade com relação ao desempenho sexual, informação ou estimulação sexual inadequada, desordens psiquiátricas, medo da intimidade, dentre outros.

Verifica-se, então, com esta caracterização, que uma multiplicidade de fatores pode afetar a sexualidade das mulheres e fazer com que elas não se sintam à vontade para explorar os próprios desejos e anseios, sendo esta uma condição necessária para entrar em contato com seus sentimentos e sensações, principalmente os relacionados à sua receptividade a excitação e desejo sexuais. Este fato corrobora, portanto, que a investigação da disfunção de desejo ou interesse sexual de mulheres, assim como das demais disfunções, deve ser feita de forma mais ampliada, tentando abarcar esses complexos elementos que se interrelacionam e juntos contribuem para o aparecimento e a manutenção da disfunção.

Com este intuito, Basson et al. (apud FLEURY, 2006) recomenda que o diagnóstico da Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual deva ser feito identificando-se também:

o Duração: vida toda ou adquirida. A primeira categoria exige uma investigação psicossexual cuidadosa, relativa à infância, adolescência e relacionamentos anteriores, enquanto que as adquiridas exigem investigação do contexto psicológico e médico relativo ao início da disfunção.
o Situacional ou generalizada.
o Grau de desconforto produzido.
o Contexto:
- Passado: experiências negativas do desenvolvimento, perdas e traumas (físico, sexual, emocional, relacionamentos anteriores, restrições culturais e religiosas);
- Atual: dificuldades interpessoais, disfunção sexual do parceiro, estimulação inadequada e contexto emocional e sexual insatisfatórios;
- Médico: condições médicas e psiquiátricas, administração de medicamentos e abuso de substâncias. (FLEURY, 2006, p. 33 e 34)

Outro fator de grande importância para o adequado diagnóstico da Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual é a saúde sexual do parceiro da mulher que busca ajuda. “(...) devem-se investigar as condições do (a) parceiro (a), para se afastar possíveis equívocos de interpretação ante o quadro referido pela paciente”. (ABDO e FLEURY, 2006, p. 165) Isto porque um baixo desejo aparente em um parceiro pode refletir, ao invés disso, uma necessidade excessiva de expressão sexual da parte do outro ou mesmo uma disfunção sexual deste.

Assim, um diagnóstico acertado é imperativo para que a terapêutica subsequente seja o mais efetiva possível. Em contrapartida, um diagnóstico equivocado pode acarretar em prejuízos para a saúde da mulher que apresenta a disfunção sexual.

Formas de Tratamento

Dado que a função sexual feminina é consequencia da inter-relação de fatores biológicos, psicológicos, socioculturais e relacionais, as formas de tratamento indicadas dependerão exatamente da conjugação destes fatores que contribuem para a gênese da disfunção sexual. Assim, a terapêutica da Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual pode ser realizada simultaneamente ou não por profissionais de saúde das áreas médica e psicológica, cada qual com seu enfoque específico.

O tratamento médico focalizará mais especificamente os aspectos biológicos que de alguma maneira estão influenciando no desencadear e na manutenção da Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual, com o uso de medicamentos adequados a cada mulher que busca ajuda. Este profissional pode ainda desempenhar uma importante função na prevenção do agravamento deste quadro, prestando orientação sexual à mulher, “(...) dirimindo mitos e tabus, bem como legitimando o prazer sexual (...).”(ABDO e FLEURY, 2006, p. 165).

O tratamento psicoterápico, por sua vez, atuará sobre os aspectos psicológicos, socioculturais e relacionais que afetam a expressão adequada da sexualidade feminina, viabilizando o desenvolvimento dessas variadas dimensões e também clarificando os mitos e tabus existentes. A forma de intervenção proposta dependerá, todavia, da abordagem psicoterápica escolhida pelo psicólogo e poderá ser desenvolvida através de um acompanhamento psicoterápico de casal ou de grupo, além do individual. Contudo, nos casos em que a queixa principal é de disfunção sexual, deve-se dar preferência por realizar a terapia com ambos os parceiros, tendo em vista as possíveis decorrências deste tipo de queixa sobre a sua relação e também as possíveis implicações dessa relação sobre o desenvolvimento e/ou manutenção deste tipo de disfunção. Assim, neste tipo de terapia, busca-se viabilizar a comunicação entre os parceiros e promover um maior conhecimento sobre o funcionamento da relação do mesmo, com vistas a clarificar sentimentos e modos de agir que podem estar refletindo na vida deste casal e no adequado funcionamento sexual do mesmo.

Pode-se propor também à mulher com queixa de Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual um acompanhamento de grupo, tendo em vista que o ambiente acolhedor e de trocas existente em uma terapia de grupo poderá funcionar como um suporte à mesma, facilitando sua compreensão sobre aquilo que está vivenciando e também sobre as possibilidades de mudança de que dispõe.

Após este breve percurso no que a literatura nacional e internacional apresenta sobre a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual, no capítulo seguinte, esta será abordada à luz de alguns dos principais conceitos e de uma teoria basilar da Gestalt-Terapia. Esta se configura em um tipo de abordagem psicoterápica que possui uma visão ampliada do ser humano, visto sempre em relação no ambiente em que vive, e ressalta a importância dos recursos internos e potencialidades deste ser humano, responsável por suas atitudes e ações, tornando-o mais espontâneo e coerente consigo mesmo através da (re)significação de seus próprios valores e crenças.


UM OLHAR GESTÁLTICO SOBRE A DISFUNÇÃO DE DESEJO OU INTERESSE SEXUAL

Neste capítulo, a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual, sua etiologia, manutenção e possíveis decorrências para as mulheres e/ou casais por ela acometidos serão abordadas segundo uma das bases teóricas da Gestalt-Terapia – a Teoria de Campo, de Kurt Lewin – e alguns dos principais conceitos que fundamentam a Gestalt-Terapia – Contato, Awareness e Self. Haverá, então, uma breve tentativa de relacionar a Teoria de Campo e estes conceitos gestálticos com o que fora apresentado no capítulo ‘Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual’ e de propor algumas possibilidades de intervenção psicoterápica baseadas na Gestalt-Terapia para o acompanhamento de mulheres e/ou casais com a citada disfunção.

Antes de iniciar esta discussão, contudo, se faz necessário apresentar de forma sucinta alguns outros aspectos relevantes que compõem o corpo teórico da Gestalt-Terapia e que nortearão o desenvolvimento deste trabalho, como a visão de homem, de sintoma e o método diagnóstico utilizados por esta abordagem. Convém também esclarecer que os demais constructos que fundamentam e conformam a base teórica da Gestalt-Terapia, apesar de não serem abordados aqui de forma mais direta, estarão indiretamente permeando a construção do olhar sobre a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual.

A Gestalt-Terapia compreende o homem como uma unidade indivisível e integrada (uma totalidade) que tende naturalmente a um equilíbrio e possui as ferramentas necessárias ao desenvolvimento de suas próprias potencialidades. Enfatiza que é essencial que este homem se responsabilize pelas suas escolhas e pelos seus atos, posto que desta forma ele entende que cabe somente a ele promover as mudanças necessárias para o seu próprio desenvolvimento e, então, mobilizar os recursos que possui na direção desse crescimento. Para tanto, coloca que é de fundamental importância que este homem busque estar inteiro e completo no experienciar de cada uma de suas vivências, expandindo seus conhecimentos sobre si mesmo e sobre o meio no qual se encontra e com o qual estabelece contato. Acredita que este contato viabiliza a ampliação do conhecimento do homem sobre si e sobre o meio, fazendo com que ele possa vislumbrar novas e diferentes possibilidades de ser e estar no mundo, estando o processo de mudança diretamente relacionado à criatividade. Aponta ainda que este homem, apesar de único, singular em seu modo de ser e agir, não é isolado, está constantemente em relação com o meio em que vive, formando com o mesmo um sistema interligado e interdependente, transformando-o na medida em que é por ele transformado. Assim, ao longo de toda a sua existência e a partir do contato que estabelece com o meio em que vive, o homem se encontra em um constante processo de construção de si mesmo.

A Gestalt-Terapia afirma que a pessoa deve ser vista como um todo, ou seja, que seu comportamento só se torna compreensível a partir de sua visão dentro de um determinado campo com o qual ela se encontra em relação. (RIBEIRO, 1985, p.95)

Sob esse enfoque, a Gestalt-Terapia pressupõe uma abordagem diagnóstica que considere esta dinamicidade, avaliando de modo amplo como se estabelece a relação do homem com seu meio e consigo mesmo, os fatores que interferem nestas relações e os recursos disponíveis deste homem para promover as mudanças necessárias ao seu crescimento. Este é o chamado ‘diagnóstico processual’, onde o diagnóstico da pessoa não é estanque, podendo ser modificado ao longo do tempo em acompanhamento às constantes modificações da pessoa ao longo de sua vida.

De acordo com esta perspectiva, então, a Gestalt-Terapia concebe o sintoma como o melhor recurso disponível do ser humano naquele momento para lidar com uma situação causadora de sofrimento e alcançar um novo equilíbrio. Assim, o sintoma, entendido como um ajustamento criativo desta pessoa, se configura em apenas uma parte da totalidade da mesma, que deve ser compreendida em sua integralidade.

Baseados nestes preceitos, o desenvolvimento deste capítulo segue, então, abordando a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual à luz da Teoria de Campo de Kurt Lewin e dos conceitos de Awareness, Contato e Self. Convém ressaltar, contudo, que não é a proposta deste trabalho abordá-los em toda a sua complexidade, mas apenas utilizá-los como norte para iniciar uma reflexão acerca da disfunção sexual em questão.

“A Teoria de Campo é o tipo de pensamento científico que melhor funciona com o resto do sistema teórico da Gestalt-Terapia.” (YONTEF, 1998, p.172) Isso porque ela pressupõe uma visão holística e dinâmica do campo; acredita que o comportamento do ser humano é função deste campo, que é composto por um conjunto complexo de múltiplas forças que se interrelacionam e se congregam no tempo e no espaço, influenciando-o e determinando-o.



Lewin descreve o campo psicológico e social como um conjunto de forças que atuam no presente formando uma rede de relações entre as partes. Esse campo ou espaço vital é composto de regiões (intrapessoais, interpessoais, físicas, sociais) cujas demarcações são chamadas de fronteiras. Do ponto de vista funcional, a fronteira revela a diferenciação e a interdependência dos elementos. Na área fronteiriça, ocorre o contato, a articulação de motivação, a percepção, o afeto, a cognição e a ação. (SILVEIRA, 2005, p.5)

Outra característica a ser enfatizada sobre a citada teoria é que, segundo ela, “o que olhamos, como olhamos e o contexto de nossa observação determinam o que observamos.” (YONTEF, 1998, p.196). Em decorrência, a realidade não é absoluta ou objetiva, isto é, ela depende de quem a vê e ninguém consegue vê-la em sua totalidade, mas apenas uma pequena parte da mesma. Deste modo, não somente o comportamento humano seria resultante desta interrelação de diversas forças, tornando-se diferente à medida que a interação entre elas é alterada, como também a realidade percebida por essa pessoa é construída em função da configuração dessas mesmas forças no campo.

Assim, objetos e pessoas só se fazem inteligíveis ou compreendidos quando são vistos na sua relação total com o ambiente que os cerca, ou seja, a pessoa não se faz compreensível a não ser no contexto tal em que se encontra.
O comportamento deixa de ser entendido apenas como resultado da realidade interna da pessoa e passa a ser analisado em função do campo que existe no momento em que ocorre. (RIBEIRO, 1985, p.95)

Este momento presente ou o conceito aqui-e-agora é também de extrema relevância para a Gestalt-Terapia e merece destaque com o intuito de evitar interpretações errôneas a seu respeito. Segundo a Teoria de Campo, o tempo ou campo presente congrega também fatos do passado e perspectivas do futuro da vida da pessoa cujos efeitos possam ser percebidos no momento presente. Assim, “(...) É bom método Gestalt-terapêutico falar sobre o passado, quando falar sobre o passado é a figura de interesse no presente, e parte do funcionamento ativo atual”. (YONTEF, 1998, p.198 e 199)

Vista de modo mais amplo,

A teoria de campo capacita a Gestalt-Terapia a manter o foco na pessoa, como agente ativo, ter sempre em mente as complexidades das relações de campo no presente, e diferentes contextos e maneiras pelas quais as pessoas constroem os seus self(ves). (YONTEF, 1985, p.177)

O self, cuja tradução literal da língua inglesa é “a personalidade de alguém; a natureza-base de alguém” (OXFORD apud D’ACRI, LIMA e ORGLER, 2007, p.193), é visto pela Gestalt-Terapia como sendo produto das trocas entre o indivíduo e o meio no qual ele está inserido, estando em constante processo de (re) construção. É definido por Ginger (1995, p.126) como sendo “(...) um processo especificamente pessoal e característico de sua maneira própria de reagir, num dado momento e num dado campo, em função de seu “estilo” pessoal. Não é o seu “ser”, mas seu “ser-no-mundo” variável conforme as situações”. É, então, através do contato entre indivíduo e campo que ambos vão se transformando e os self(ves) vão se (re) construindo.

O contato se configura, então, em um conceito de extrema importância para a Gestalt-Terapia.

O contato é o sangue vital do crescimento, o meio para mudar a si mesmo e a experiência que se tem do mundo. A mudança é um produto inevitável do contato porque apropriar-se do que é assimilável ou rejeitar o que é inassimilável na novidade irá inevitavelmente levar à mudança. (...) O contato é implicitamente incompatível com permanecer o mesmo. A pessoa não precisa tentar mudar, por meio do contato a mudança simplesmente acontece. (POSTER, 2001, p. 112 e 113)

Deste modo, “Mediante contato, cada pessoa tem a chance de encontrar o externo de um modo nutridor” (POLSTER, 2001, p.110). Assim, o contato se caracteriza pelo constante intercâmbio entre indivíduo e meio e ocorre nas fronteiras que delimitam um e outro, diferenciando o que é indivíduo e o que não é indivíduo. Essas fronteiras de contato geralmente são fluidas e flexíveis, tornando-se permeáveis, assimilando aquilo que é interessante ou agradável, ou impermeáveis, rejeitando aquilo que é danoso ao equilíbrio do indivíduo. Esta permeabilidade, contudo, varia grandemente de pessoa para pessoa, havendo aquelas que apresentam amplas modificações na fronteira do eu, estabelecendo bons contatos, e aquelas cujas fronteiras se apresentam mais rígidas e inflexíveis, prejudicando a qualidade do contato. Essas variações, chamadas funções ou disfunções de contato , também podem ser observadas ao longo da vida de uma mesma pessoa e são importantes para manutenção da integridade do indivíduo.

Os conceitos de “função/disfunção de contato (...) representam a possibilidade do contato livre, espontâneo e, portanto, saudável, ou o contato interrompido, represado ou imposto (...). Assim, a função de contato é a abertura por meio dos sentidos para vivenciar as trocas com o mundo e a disfunção de contato é o encolhimento, o “embotamento” desse fluxo natural. (D’ACRI, LIMA e ORGLER, 2007, p.120)

 

Como explicitado anteriormente, decorrências inevitáveis deste constante processo de interação com o meio são o crescimento e a mudança do indivíduo, que, segundo Polster (2001), pode ser obtido através de sete processos que constituem as funções de contato: visão, audição, olfato, tato, paladar, falar e movimentar-se.

É por essas funções que o contato pode ser conseguido, (...). Contudo é importante lembrar que embora possamos descrever sete diferentes funções de contato, quando este é feito, é o mesmo para todas as funções; existe uma carga de excitação dentro do indivíduo que culmina num senso de pleno envolvimento com o que quer que seja interessante naquele momento. (POLSTER,2001, p. 139)

Contudo, este mesmo autor evidencia a importância da awareness para que o indivíduo consiga estabelecer um contato de qualidade com o mundo e consigo mesmo. Este, aliás, é um outro aspecto importante do contato e se torna possível devido à “capacidade humana para dividir-se em observador e observado” (POLSTER, 2001, p. 118).

Segundo Polster, não basta, então, apenas ver, ouvir, tocar,... mas ver, ouvir, tocar... de modo mais inteiro e presente possível com a experiência. Deste modo, é o contato aware, presente e envolvido, que implica necessariamente no crescimento do indivíduo, posto que assim o mesmo se torna capaz de vislumbrar novas alternativas de ser e estar no mundo, saindo de um padrão enrijecido de existir.

Nossas funções motoras e sensoriais são potencialmente aquelas pelas quais o contato é feito, mas é importante lembrar que, do mesmo modo que o todo é mais do que meramente a soma das suas partes, o contato é mais do que a soma de todas as funções possíveis que poderiam ser incluídas nele. Ver ou ouvir não são uma garantia de bom contato, é mais o modo como vê ou ouve que determina um bom contato. Além disso, o contato existe na interação com objetos inanimados e animados; (...) Também pode-se fazer contato com memórias e imagens, e experimentá-las de modo nítido e pleno. (POLSTER,2001, p. 113 e 114)

O autor ilustra tal situação referindo-se à função de contato visão e sinaliza que se pode distinguir uma dicotomia em relação a esta forma de contato que também se aplica às demais funções: “Um desses tipos é o contato evidencial, em que o olhar nos proporciona orientação para acontecimentos ou ações que estão além do ato de olhar em si mesmo. O outro é o contato em si.” (POLSTER, 2001, p. 143) Ele enfatiza, então, que o indivíduo está mais acostumado a estabelecer um contato evidencial com as coisas do mundo, isto é, está mais acostumado a contatar as coisas do mundo com uma finalidade prática (“Vejo a máquina de escrever para que eu possa datilografar (...)”). (POLSTER, 2001, p. 143). Em contrapartida, assinala que o contato como um ato por si mesmo não é hábito tão comum ao indivíduo e alerta que

Muitos de nós, embora sejamos bem equipados para o contato evidencial, somos, entretanto, cegos para o contato em que ver, por ver, é pouco importante para nós. Isto reduz a ativação na vida e provavelmente pode até reduzir também o contato evidencial. Todas as funções precisam existir por si mesmas, além de servir a propósitos meramente práticos. Assim, aqueles que sentem prazer em ver têm maior probabilidade de ser mais alertas e sensíveis também quando se trata de ver evidencialmente. (POLSTER, 2001, p. 143)

A falta de estímulo e, muitas vezes, a proibição por parte da cultura ocidental ao estabelecimento do contato por meio destas funções de contato se refletiu, então, no comportamento dos indivíduos e, em última instância, no desenvolvimento de mecanismos através dos quais estes indivíduos evitam o contato com vivências dolorosas. Isso acarretou no desenvolvimento de fronteiras rígidas e cristalizadas nos indivíduos, isto é, no desenvolvimento das disfunções de contato, onde esses indivíduos têm um empobrecimento do contato com o mundo.

Fundamentado neste corpo teórico da Gestalt-Terapia, haverá uma breve tentativa de apontar apenas algumas das possibilidades de intervenção do gestalt-terapeuta junto à mulher ou casal chega ao consultório com uma queixa principal de Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual. É imperativo ressaltar que tais apontamentos não têm a pretensão de esgotar o escopo de atuação de um gestalt-terapeuta e nem ao menos de ser uma ‘receita pronta para o uso’; tais apontamentos se configuram apenas em possibilidades de reflexões e intervenções.

Quando uma mulher ou casal chega ao consultório com esta queixa específica, o gestalt-terapeuta não precisa focalizar apenas este aspecto da vida daquela(s) pessoa(s). Entendendo que o desejo sexual da mulher é influenciado diretamente pelo contexto em que esta vive, sendo responsivo a um estímulo provocado pelo meio na mesma, o gestalt-terapeuta deve buscar ampliar o seu olhar para os diferentes aspectos da vida desta mulher e mapear os componentes desse contexto que podem estar contribuindo para o desenvolvimento e/ou manutenção da citada disfunção sexual. Lembrando sempre que esta disfunção é entendida como o melhor recurso disponível da mulher, em um dado momento, para lidar com uma circunstância causadora de sofrimento (disfunção como sintoma), tem-se como decorrência que não se objetiva, no processo terapêutico, a retirada desse sintoma. O que se tem por objetivo é a ampliação do conhecimento da mulher acerca de si mesma, de suas ações e reações ao longo das situações que ela vivencia. Com base nestes conhecimentos sobre si e sobre o seu contexto, esta mulher terá maior possibilidade de escolher a forma que deseja atuar no mundo nos mais diferentes contextos. Assim no caso da Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual, a mulher poderá optar tanto pela manutenção quanto pela remissão deste sintoma.

Para que o gestalt-terapeuta obtenha uma compreensão mais abrangente acerca desta queixa principal, é importante desenvolver uma visão holística sobre a(s) pessoa(s) em sofrimento, entendendo que múltiplos são os fatores que interagem entre si conformando o campo que propicia à mulher não desejar ou não se interessar pela atividade sexual. Deste modo, de acordo com a concepção da Gestalt-Terapia, a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual é entendida como o resultado da conformação ou ajustamento das diversas experiências pelas quais esta mulher passou.

Assim, através desta visão holística, cabe ao gestalt-terapeuta verificar cada tipo de fator que pode estar deflagrando ou contribuindo para a manutenção do quadro de Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual na mulher: fatores biológicos, relacionais, psicológicos e socioculturais, além de características da estimulação e do contexto sexual. Ressalta-se, contudo, que esta divisão dos fatores que afetam a expressão sexual feminina é apenas didática, posto que na realidade todos eles estão imbricados na expressão da própria subjetividade na vivência sexual.

O gestalt-terapeuta necessita, portanto, atentar para os aspectos biológicos desta mulher (alterações hormonais ou determinadas doenças), orientando-a a buscar um profissional especializado para verificar tais questões e solucioná-las, quando for o caso.

Focalizando os fatores psicológicos e socioculturais que estão comprometendo o adequado funcionamento sexual desta mulher, o gestalt-terapeuta deve verificar questões relacionadas à auto-estima (sensação de autovalia da mulher), auto-imagem, segurança, autonomia e nível de ansiedade da mulher, bem como expectativas de resultados negativos quanto à atividade sexual e até mesmo o conhecimento que esta mulher possui acerca de sua sexualidade.

Independentemente dos fatores que contribuem para o desenvolvimento e/ou manutenção da disfunção de desejo ou interesse sexual e tendo em vista que o desejo é função dos estímulos advindos do meio em que a mulher vive, o conhecimento da mesma com relação ao seu próprio corpo e às suas sensações é fundamental. A experiência clínica mostra que muitas vezes, a mulher chega ao consultório de psicologia com pouco conhecimento sobre seu corpo, sobre como estimulá-lo e não consegue reconhecer as sensações daí advindas, se são prazerosas ou desprazerosas. Neste caso, cabe ao gestalt-terapeuta, antes mesmo de entrar em processo psicoterapêutico, orientar esta mulher com noções básicas sobre anatomia, com foco no aparelho genital, e incitá-la a aguçar os seus sentidos, explorando o próprio corpo e atentando para cada sensação.

Dessa forma, o uso dos sentidos humanos, que constituem as funções de contato, deve ser estimulado, visto a importante influência que exercem no despertar da sexualidade e do desejo sexual humano.

Com relação à sexualidade feminina, o uso da função de contato audição é capaz de influenciar o desejo ou interesse sexual através do som de uma música, da voz ou mesmo da respiração da pessoa querida. E, talvez mais importante do que o que é dito neste momento de intimidade , é o que é ouvido pela mulher, pois, como afirma Polster, “O ouvinte que faz contato está atento ao que está sendo dito, (...) assim, ouve mais do que apenas as palavras. Ele ouve o que significa algo para si e é afetado por aquilo que ouve.” (Polster, 2001, p. 150 e 151). Assim, é importante estimular a mulher a ficar atenta aos sons e palavras ditas e às sensações concomitantes, descobrindo o que para ela é prazeroso ou não.

As funções de contato olfato e paladar também desempenham um papel importante no que diz respeito à sexualidade humana, posto que os odores e os gostos provocam reações corporais e psicológicas que deflagram comportamentos de atração ou repulsão nas pessoas, e devem ser estimulados. Assim, estes odores e gostos podem ser um atrativo a mais à prática sexual, levando a um aumento do desejo.

A função de contato visão, por sua vez, é uma das vias mais utilizadas, principalmente na contemporaneidade, para a percepção do ambiente e do outro e, por isso, apresenta uma considerável influência sobre o funcionamento sexual humano. É por meio do contato visual que a mulher tem acesso mais fácil e rápido às características, sexuais ou não, do parceiro e do ambiente em que se encontra, o que pode se configurar em um estímulo deflagrador do desejo sexual.

O tato, todavia, é a principal função de contato relacionada à sexualidade humana, sendo um pré-requisito para que a relação sexual se efetive. Esta, não obstante, se configura em um ato essencialmente tátil. Assim, o toque do próprio corpo ou do corpo do outro, seja em áreas consideradas eróticas ou não, feito de modo apropriado, se conforma em um importante estímulo que pode despertar sensações de prazer.

Há que se ressaltar, contudo, que, exatamente pelo despertar de sensações que podem gerar desejo sexual e em uma consequente relação sexual, os cinco sentidos humanos, cada qual em um grau distinto, muitas vezes foram coibidos, tornando-se um tabu para muitas pessoas, que passam a evitar fazê-lo. Tal repressão pode ocasionar não apenas um receio de entrar em contato com as outras pessoas e o mundo, mas também, e muitas vezes, pode levar a uma restrição de contato consigo próprio(a). Assim, impede-se a livre exploração das sensações, a livre expressão dos sentimentos e cria-se uma barreira natural de separação em relação a si e ao outro, inclusive durante o sexo, podendo deflagrar, dentre outras coisas, disfunções sexuais.

Considerando, então, a relevância das funções de contato para o crescimento pessoal e sua íntima relação com o desejo, o desenvolvimento de um trabalho que promova a percepção e o contato da mulher com seu próprio corpo, incitando o uso mais aware dos sentidos e o conhecimento do que lhe gera ou não prazer, é de extrema importância .

O gestalt-terapeuta deve também atentar para o padrão de moralidade com os quais a mulher foi criada, buscando identificar e clarificar conflitos internos e preocupações íntimas que inibem o seu funcionamento sexual adequado. Além disso, deve construir com a mesma o olhar dela própria sobre a sexualidade, dirimindo crenças, mitos e tabus, e descobrir os recursos próprios que viabilizem o seu desenvolvimento pessoal.

Bernardez (1996a) atribui à repressão, que é mais acentuada na mulher, a inabilidade para definir sua própria experiência, a inibição do desejo sexual, além da dificuldade em expressá-lo para o homem e até mesmo de reconhecer comportamentos abusivos nele. (FLEURY, 2006, p.47)

É importante que tais fatores sejam abordados em processo de psicoterapia, onde o gestalt-terapeuta, através da relação estabelecida com a cliente e se valendo de recursos como experimentos , por exemplo, irá atuar como um facilitador desse processo de auto-conhecimento da mulher, acompanhando-a no processo de ampliação da awareness da mesma com relação ao seu modo de ser e estar no mundo e ajudando-a no desenvolvimento do seu próprio potencial. Acredita-se que a mudança e o desenvolvimento pessoal desta mulher possam ocorrer a partir do contato que ela estabelece com o outro e consigo mesma e com a ampliação da sua awareness.

O gestalt-terapeuta deve estar vigilante ainda para o fato de que as mudanças nos diversos papéis que a mulher pode assumir ao longo de sua vida, além daquelas transformações ocorridas ao longo dos tempos, poderão influenciar a disponibilidade da mulher também para a vida sexual.

Ao longo da vida de uma pessoa ocorrem grandes mudanças. Considerando-se uma jovem inicialmente desacompanhada, ela pode envolver-se com alguém, casar-se e estar feliz, tornar-se mãe, vivenciar um processo gradual de infelicidade no casamento, envolver-se num relacionamento extraconjugal, separar-se, recasar-se, enviuvar, assim seguindo inúmeros percursos, cada um deles inevitavelmente afetando sua sexualidade. (FLEURY, 2006, p.51)

O gestalt-terapeuta, ao ampliar o seu olhar para o companheiro da mulher com queixa de disfunção de desejo ou interesse sexual e para a relação do casal, deve considerar que “o significado da experiência sexual para o casal é influenciado pelas características pessoais de cada um, seus padrões relacionais, além de possíveis comprometimentos no desenvolvimento emocional.” (FLEURY, 2006, p.58) Assim, ele deve propiciar oportunidades para um maior conhecimento sobre cada parceiro e também acerca da dinâmica relacional do casal, tendo em vista que quando o relacionamento não está bem e existem muitos conflitos, então, a busca pela intimidade e, consequentemente pelo sexo, fica comprometida . Fato ainda mais marcante para a mulher, na qual a busca por intimidade com o parceiro é uma etapa importante e anterior à própria busca pelo ato sexual, despertando o desejo e viabilizando-o.

É imprescindível verificar também como está a comunicação entre o casal, posto que este é um fator primordial tanto para o fomento de conflitos, no caso de uma não comunicação ou de uma comunicação insuficiente ou distorcida, quanto para a transformação de condições adversas, no caso de uma comunicação clara e suficiente. Assim, através da prática clínica, percebe-se que nos casos onde existem conflitos constantes no relacionamento, geralmente a comunicação entre o casal está comprometida, ficando ainda afetada mais no que tange à sexualidade, devido à vergonha e/ou medo de rejeição de compartilhar com o parceiro experiências íntimas (seus desejos, fantasias e mesmo dificuldades sexuais, dentre outros). Mais uma vez este fato se faz mais marcante no caso da mulher, que, queixosa do parceiro e/ou desta relação, muitas vezes não quer compartilhar suas experiências íntimas com o mesmo, não possuindo motivação para expressar-se para ele, ainda mais expressar-se sexualmente. Deste modo, o estímulo à comunicação entre o casal no processo terapêutico fortalece esta habilidade em ambos, que não a utilizarão apenas neste âmbito restrito de seu relacionamento afetivo, podendo desenvolvê-la cada vez mais em outros âmbitos de sua vida.
Cabe ressaltar, neste momento, o que se entende por comunicação:

Refere-se à capacidade de compartilhar experiências íntimas com alguém. Considerando-se a perspectiva de quem vai iniciar o processo de comunicação, divide-se em três habilidades: capacidade de reconhecer o que sente e pensa, seguida da vontade de contar isso ao outro e da habilidade verbal para expressar sentimentos e idéias em palavras. Sob a perspectiva de quem escuta, envolve a aceitação sem crítica do que está sendo dito, a consciência da importância do momento para quem está falando, além da capacidade para apreender o que está sendo dito e do interesse pelo que está sendo dito. A presença desses três componentes, principalmente a capacidade de compartilhar experiências internas privadas, é essencial num relacionamento amoroso (...). (FLEURY, 2006, p.19 e20)

Tendo por base, então, tal concepção de comunicação, é importantíssimo que estes parceiros se comuniquem, falem e ouçam aberta e respeitosamente o que sentem, o que gostam e desejam e o que os incomoda. Para tanto, é essencial que ambos se conheçam, saibam daquilo que gostam e não gostam, do que lhes gera prazer e do que não lhes é prazeroso. Acredita-se, então, que a partir do momento em que a mulher conhece a si mesma e também ao parceiro, há uma maior proximidade e consequente intimidade entre eles, viabilizando uma maior fluidez no relacionamento como um todo e refletindo-se diretamente na relação sexual.

É importante, então, que seja dada uma ênfase especial ao aspecto comunicacional no processo de psicoterapia, promovendo experimentos que tentem facilitar o ato de falar e de ouvir de modo claro, ao desenvolvimento de recursos pessoais para vivenciar um relacionamento íntimo, expressar seus sentimentos e pensamentos, conhecer o próprio corpo e o corpo do parceiro, os estímulos que lhes dão prazer e dão prazer ao outro. Algumas propostas de experimentos podem ser: trabalho de consciência corporal e de sensibilização, utilização de recursos como espelho, música, desenhos, projeção, distanciamento-aproximação do casal durante a sessão, ficar frente a frente um com outro, olhar, sentir a temperatura da pele um do outro, etc. Cabe ressaltar, entretanto, que alguns destes experimentos poderão ser realizados no próprio consultório, sendo outros, de caráter mais íntimo, realizados em casa.

Em última instância, o gestalt-terapeuta deve buscar, então, acompanhar a ampliação da awareness do casal, favorecendo a percepção de como interagem e também como e onde ocorrem os impasses nesse relacionamento. Tendo a percepção do modo como interage, acredita-se que este casal tenha condições de escolher outras formas de agir, saindo de um padrão cristalizado e disfuncional e possuindo alternativas ao seu padrão de comportamento.

Ao utilizar a Teoria de Campo e os conceitos gestálticos de awareness, self e contato para tecer reflexões iniciais acerca do manejo da Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual, percebe-se que os mesmos, bem como os demais conceitos que conformam o corpo teórico da Gestalt-Terapia, fornecem um subsídio consistente para o manejo adequado da citada disfunção sexual. Assim, o conhecimento do campo em que ocorre a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual, de como o self dessa mulher ou casal vem se construindo ao longo de seus contatos e de como funciona a awareness desse cliente instrumentaliza o gestalt-terapeuta para dar seguimento ao processo de psicoterapia. É necessário enfatizar, mais uma vez, que o objetivo deste processo de psicoterapia não será a remissão do sintoma (disfunção sexual), mas sim facilitar a esta mulher ou a este casal que eles percebam os recursos que possuem e sejam capazes de guiarem suas vidas da melhor forma possível.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de tecer considerações acerca do que fora abordado neste trabalho, faz-se necessário destacar uma dificuldade que esteve presente desde o início do seu desenvolvimento: o levantamento das informações e dos conhecimentos existentes em livros, artigos e pesquisas das áreas da sexualidade humana e da Gestalt-Terapia que abordassem a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual.

Inicialmente foi encontrado um vasto número de referências bibliográficas abordando o Transtorno de Desejo Sexual Hipoativo, ainda com grande enfoque no aspecto médico e biológico e sem assinalar uma distinção na expressão sexual entre os gêneros masculino e feminino. Tais referências se constituem no padrão internacionalmente reconhecido e, em sua grande maioria, fazem alusão à visão e tratamento pautados nos conhecimentos da Medicina, da Terapia Sexual ou da Teoria Psicanalítica, não tendo sido encontrada nenhuma publicação pautada nos conceitos que conformam o corpo teórico da Gestalt-Terapia.

Somente após extensa busca bibliográfica na internet chegou-se a poucos textos, a maior parte em inglês, que utilizavam a terminologia atual – Disfunção de Desejo ou Interesse sexual. Estes textos são baseados em estudos mais recentes que contemplam a diversidade da expressão sexual entre homens e mulheres, focalizando as particularidades presentes na expressão sexual desta última, como, por exemplo, a importância do aspecto subjetivo para o despertar sexual das mulheres. Contudo, eles ainda são pautados em uma visão mais médica e também não foi encontrada nenhuma publicação a respeito da Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual baseado nos preceitos da Gestalt-Terapia.

Diante de tais dificuldades, o que se constatou é que existe um vasto campo de estudo e atuação que necessita de maior aprofundamento dado à importância desta temática e a escassez de pesquisas consistentes a este respeito tanto na área da psicologia, de forma ampla, quanto, mais especificamente, na área da Gestalt-Terapia.

Por compreender que a visão sobre a citada disfunção está em acordo com a Gestalt-Terapia, tentou-se, neste trabalho, fazer exatamente uma aproximação de caráter introdutório entre tais teorias de modo a ampliar não só o conhecimento acerca da Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual como também os recursos psicoterapêuticos de abordagem gestáltica para a intervenção com mulheres e/ou casais que apresentam este tipo de queixa.

Ao final deste trabalho, acredita-se ter alcançado tal objetivo, pelo menos no que concerne à autora do mesmo, que pôde mergulhar neste vasto campo ainda pouco explorado e tentar articular as possíveis interfaces entre a Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual e a Gestalt-Terapia.

Tal articulação desenrolou-se a partir do desenvolvimento de um olhar para a mulher com queixa de Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual tendo-se como base a Teoria de Campo, onde o comportamento da mesma é visto enquanto reflexo de uma complexa rede de fatores inter-relacionados em um campo no qual esta vive e com o qual se relaciona, e compreendendo que esta mulher está em um constante processo de criação de si mesma a partir desta relação que estabelece com o meio. Sob esta ótica, então, verificou-se a relevância de uma intervenção psicoterápica focada no restabelecimento das funções de contato dessa mulher consigo mesma e com o meio em que vive com vistas a alcançar o seu desenvolvimento pessoal. Além disso, constatou-se a necessidade de ampliação da awareness para que ela se aproprie de si, do seu modo de ser e estar no mundo para que possa vislumbrar alternativas a este padrão disfuncional de existir, que é considerado pela Gestalt-Terapia como apenas transitório.

Este trabalho é encerrado com a certeza da importância da utilização dos conceitos e das teorias basilares da Gestalt-Terapia para o desenvolvimento de um olhar e de algumas possibilidades eficazes de intervenção junto à mulher e/ou casal que apresenta a queixa de Disfunção de Desejo ou Interesse Sexual, entendo a sexualidade feminina como um fenômeno complexo.

Diante desta certeza, contudo, ainda ficam muitos questionamentos e a necessidade de maiores e mais aprofundados estudos na área da psicologia e da Gestalt-Terapia que explorem este vasto campo de conhecimento ainda tão inexplorado, apesar de tão essencial à vida humana.

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Endereço para correspondência


Fabiana Silveira Dutra Pessanha

E-mail: fabidutra@hotmail.com

Recebido em: 20/10/2011
Aprovado em: 20/10/2011