ARTIGO

 

O “Aqui e Agora” no mundo corporativo


The "Here and Now" in the corporative world

Hilber Mathias Cunha

Endereço para correspondência

 


Resumo

O artigo propõe uma reflexão sobre como o mundo corporativo age sobre as pessoas. De forma intensa e auxiliada pelos diversos veículos de comunicação disponíveis, este meio muitas vezes é bem sucedido ao se impor como figura e aos poucos (ou não) vai levando o indivíduo a se desconectar de si mesmo. Este ciclo interminável de atendimento a demandas e interesses de outros como se fossem dele aturde-o e o desindentifica do seu si-mesmo, levando-o a trabalhar em favor de um si-mesmo introjetado com comportamento e discurso convenientes ao mundo corporativo em geral. Minhas observações a cerca deste processo me levaram a propor dois estereótipos e por fim um terceiro, o que em linhas gerais acredito irá ajudar na visualização e no entendimento do tema proposto. Acho importante ressaltar que tudo que expresso neste artigo é fruto de minhas observações, realizadas ao longo de 15 anos de vivência corporativa; não havendo, portanto, consulta a bibliografia específica ou trabalho de base científica. Espero com este artigo promover algum debate que leve a aprofundar este tema, tão extenso e com uma, ainda pouco explorada, área de pesquisa e trabalho.

Palavras – chave: Comunicação; Contato; Figura; Empresa; Mercado; Introjetar; Vibrante; Resignado; Dedicado; Profissional.


Abstract

This article proposes a reflection about how the corporative world pushes itself over the people. In an intense way, and being helped by all the communications resources available this days, this environment imposes itself as a figure and gradually (or not) takes the individual to disconnect from himself. This endless cycle where attending others demands and interests are taken as were his own, this process dazes him and unidentified the individual from the essence of himself, in order to work in a favor of a introjeted “himself” that gives him a convenient behavior and speech to the corporative world. Observing this process I was drove to propose two typical characters and then, after all, a third one which I believe will help to visualize and understand the proposed theme. I also believe that is important to say, that every thing I wrote in this article comes from my own observations over fifteen years of experience with the corporative world; so this article has no specific bibliography or scientific work consult. I hope some debate happens from this article in order to deepen this subject, which besides vast is a research unexplored area.

Key words: Comunication; Contact; Figure; Business; Market; Internalize; Thilling; Resigned; Dedicated; Professional.


Introdução

Muito já foi escrito sobre como a velocidade do mundo de hoje, causada pela rapidez e pela abundância de meios de comunicação, tem nos afetado enquanto indivíduos e sociedade. A velocidade em que as informações são transmitidas não permite que haja tempo de serem digeridas ou assimiladas satisfatoriamente. Dependendo da área a que se referem, estas informações quando chegam ao seu público podem já estar ultrapassadas. E para atender a essa demanda voraz por informação a cada momento somos tomados por novas formas de comunicação que ao invés de substituir se somam às já existentes.

Em praticamente todas as empresas do mundo, e em especial nas grandes corporações as pessoas têm “disponível”, acesso a telefone, fax, micros com e-mail e messenger, telefonia móvel com rádio-comunicação, acesso a web, recebimento e envio de e-mails, editoração de textos e planilhas, etc.

Tudo para que o indivíduo esteja permanentemente em contato. Em tempo real. Nada pode ser perdido, nada pode passar. Este excesso de meios de comunicação obriga as pessoas a estarem permanentemente disponíveis sempre prontas a dar respostas, no momento em que estas se façam necessárias não importando quando ou onde estejam. Afinal o sucesso da empresa frente à concorrência depende da qualidade dos seus produtos, mas também qualidade da rapidez e da precisão com que esta informação é passada, numa corrente que não pode ser quebrada.

Mas será realmente possível estar permanentemente em contato? Aqui, quando falo em contato, me refiro ao conceito gestáltico de contato, envolvendo a interação organismo/meio, a awareness do campo com todas as possibilidades de escolha entre aceitação e rejeição, aproximação e evitação, percepção, sensação, manipulação, avaliação, etc – que são oferecidas neste conceito como parte de um processo saudável que leva ao crescimento do indivíduo. (Perls, Hefferline & Goodman, 1969/1997)

A resposta à pergunta acima me parece ser não. Afinal, no mundo corporativo, a possibilidade de escolha entre estabelecer ou não o contato é justamente a primeira a ser interrompida. Esta interrupção em fase tão inicial de um contato pode levar o indivíduo a começar um processo de não distinguir entre o si-mesmo e o meio, acionando os chamados mecanismos neuróticos, a partir de então sua homeostase psicológica é inibida e os esforços para o retorno ao estado de equilíbrio se dão através de meios inadequados. (Perls, 1973/1988)

Mas “A EMPRESA” necessita de respostas imediatas em um ciclo permanente de sobrecarga de decisões. E todas essas respostas e decisões são demandadas de situações que, para alguma pessoa, em determinado momento, se tornaram figura. Figura? Como? De quem?

Para entendermos a questão acima, é preciso antes entender quem é “A EMPRESA”.

No começo da era capitalista as empresas eram personalísticas; criadas do sonho de uma ou mais pessoas, para atender anseios ou necessidades de outras pessoas. Talvez o exemplo mais emblemático desta era tenha sido a Ford e seu criador Henry Ford que com sua linha de montagem passou a fabricar carros que seus operários pudessem comprar, e uma vez que também eles podiam comprar os carros que fabricavam a empresa era realimentada num ciclo que em última instância garantia os seus empregos – algo concretamente pensado por Ford.

Com o tempo e a morte de seus idealizadores a empresa romântica e idealista foi cedendo lugar a esta entidade amorfa e virtual que chamo de “A EMPRESA”, e esta não tem sonhos e sim planos estratégicos, não atende mais aos anseios e necessidades das pessoas, mas sim aos ditames de“O MERCADO”.

E “O MERCADO” passou a exigir que “A EMPRESA”, para atendê-lo, se tornasse profissional. Não havia mais espaço para empresas dirigidas por pessoas que tinham preocupação com pessoas, ou seres humanos em busca de um ideal; e para ser profissional era preciso ser dirigida por profissionais; seres, humanos talvez, frios e completamente sem identificação com os ideais que criaram a empresa que dirigem, mas fortemente focados no lucro como única justificativa para sua existência.

Nos anos 90 chegamos ao auge deste processo com a reengenharia, quando foi consolidado o conceito de profissional como não ter compromisso com o ser humano (a não ser no discurso) e sim com o lucro. Se o faturamento diminui, seres humanos deverão se sacrificar por “A EMPRESA”; desde que a mesma mantenha ou aumente sua lucratividade.

Aos não demitidos, a sobrecarga e o peso de atender às demandas criadas por “O MERCADO” sob pena de se juntar às fileiras de demitidos.

Assim, o ser humano que antes era o fio condutor da história, viu seu espaço reduzido ao de uma peça na engrenagem, onde sua decrescente importância e suas desconsideradas necessidades “cedem” espaço numa gradual, porém contínua inversão de valores. Afinal “A EMPRESA” deve ser preservada, o humano pode ser descartado.

E então, em nome da saúde e bem estar (financeiro) de “A EMPRESA” o indivíduo corporativo interrompe o contato com o si-mesmo e suas necessidades passando a assumir como verdadeiramente suas as “necessidades” do meio (“A EMPRESA”), que lhe são impostas verticalmente. Não há questionamentos, “A EMPRESA” se sobrepõe ao indivíduo que sem poder diferenciar e consequentemente priorizar, empurra suas humanidades para o fundo passando a atender exclusivamente às necessidades desta. (Perls, 1973/1988)

Acredito que agora tenhamos claro quem é “A EMPRESA” e, portanto podemos voltar à questão anterior, quando afirmei que a sobrecarga de respostas e decisões são demandadas de situações que, em determinado momento, se tornaram figura. Figura? Como? De quem?

As situações emergem do campo e são apresentadas como figura por alguém que as têm como tal, e precisa de uma resposta imediata. Assim o indivíduo é obrigado a estabelecer contato e introjetar tal situação como figura sua, mobilizando a sua atenção e direcionando a sua vontade para que essa situação seja fechada (?). Fechada não. Problemas são resolvidos, decisões são tomadas, mas a situação não é fechada; e nem pode, a figura é imposta de fora para dentro, o contato é obrigatório – sem escolha e por fim, seguindo a lógica deste processo não há assimilação nem crescimento, apenas o término de uma etapa em meio a outras.
Tudo parece normal. Afinal, emergências fazem parte da vida e saber lidar com elas é parte de uma relação saudável com o meio. Mas quando situações com esta carga emergencial e imediatista se tornam uma constante no dia de trabalho, o indivíduo é induzido a um comportamento recursivo, e acaba sem perceber deixando de lado o crescimento, por não assimilar o que lhe é oferecido neste contato.

E estabelecer um comportamento recursivo não é suficiente para “aliviar” a tensão do seu dia; é preciso que suas respostas sejam satisfatórias, é preciso que “A EMPRESA” se satisfaça com as suas decisões forçando o indivíduo a vivenciar um “aqui e agora” permanente, onde as figuras se sucedem sem possibilidade de qualquer uma delas ser fechada; como já mencionamos, as situações podem ser resolvidas, mas não fechadas.

A tensão de viver um permanente “aqui e agora” exerce um peso que muitas pessoas não suportam, levando-as a perder o contato com suas próprias necessidades, muitas vezes até deixando de reconhecê-las, por permitir (por falta de recursos para impedir) que a influência do meio aconteça de forma excessiva.

Este “aqui e agora” a que me refiro, está ligado ao conceito gestáltico de “aqui e agora” onde trabalhamos as interações organismo/meio, awareness, si-mesmo, campo, etc. Mas neste caso se confunde com o “aqui e agora” do conceito hierárquico/militar do sargento que grita para o soldado: – Eu quero isso resolvido aqui e agora! O que acontece na vida corporativa é que a situação “aqui e agora” a ser resolvida chega militarmente ao indivíduo e é vivida, ou melhor, interrompida dentro do conceito gestáltico.

É bem verdade que dentro da hipocrisia do politicamente correto, adotado em praticamente todas as grandes corporações, é quase impossível se ouvir um grito de um chefe para um subordinado. Mas por outro lado o terror psicológico de uma ordem passada de forma tranqüila e cínica pode ser muito mais danoso do que o medo real de um chefe rude.

Com tantas mudanças no sentido de sua desumanização, era esperado que em nossos dias, o ambiente corporativo, em sua busca incessante por resultados a qualquer preço, levasse a competição a níveis extremos.

Para “A EMPRESA” ser competitiva é preciso não apenas fazer frente aos concorrentes, mas é preciso que seus membros também compitam entre si, num conceito autofágico que repete a primeira regra do mercado: “a concorrência é alma do negócio”. Ora, se os funcionários competem entre si, significa que cada um dará o máximo de que dispõe. Não medirão esforços, nem colocarão limites, trabalharão dias e noites, nos finais de semana e feriados, se necessário venderão suas férias ou parte delas, empurrando suas humanidades para o fundo, e aceitando “A EMPRESA” como figura principal, permanente (muitas vezes no sentido literal), introjetando todas as sub-figuras que esta lhe impuser, passando a perceber como suas as necessidades desta.

Não é incomum em ocasiões sociais encontrarmos pessoas que perderam completamente a capacidade de diferenciar entre o si-mesmo e “A EMPRESA”, e por isso não conseguem falar de outro assunto.

Neste ponto, precisamos entender que ao introjetar “A EMPRESA” como figura principal, o indivíduo leva junto para dentro de si os chamados benefícios que são oferecidos em troca do seu si-mesmo. Benesses materiais como os diversos vales; transporte, alimentação, supermercado, combustível; planos de saúde, áreas de lazer e até academias. Tudo para que o indivíduo não precise mais deixar “A EMPRESA” e possa se dedicar a ela pelo máximo de tempo possível.

Mas esse sem número de benefícios também é introjetado, só que sob o conceito de como “A EMPRESA” se importa com você e de como você tem sorte de trabalhar num lugar assim.

Se é tão bom, por que até os benefícios têm que ser introjetados e repetidos como um mantra, que justifica tanta dedicação? Não escutamos mais um indivíduo corporativo dizer que trabalha em tal lugar por que lá se realiza como pessoa e como profissional, em lugar disso escutamos que em tal empresa a relação custo/benefício é melhor, e se essa relação não é tão vantajosa escutamos que é melhor que ficar desempregado.

Poucas pessoas buscam sua realização pessoal, a grande maioria segue desconectada de si mesmo e de suas relações com os diversos meios que compõem a sua vida. Seguem introjetando permanentemente de forma a dar conta de tudo que lhe é imposto na velocidade que é exigido.

Não há tempo para assimilar. A assimilação começa pela nossa escolha do que queremos assimilar, e aqui precisamos entender que este contato muitas vezes é “imposto” como uma condição de o indivíduo fazer parte de uma organização a qual, por sobrevivência, ele acredita precisar estar ligado. Neste ponto, já não percebe mais a possibilidade de escolha contato/fuga.

Todos nós sabemos que lidar com escolhas é lidar com o risco. Mas antes do risco é preciso perceber a possibilidade de escolher. Porém, como escolher se “já fomos escolhidos”? E como lidar com o risco de nossa escolha nos tornar negligentes com a nossa responsabilidade? Seja a responsabilidade com o trabalho ou a responsabilidade com o seu próprio sustento e de sua família.

Acredito que o ser humano, perdido neste turbilhão, tenha que, até por sobrevivência, desconectar-se de si e de suas necessidades. Só que aos poucos, esse desconectar vai se estendendo para o pouco tempo de vida não corporativa que o indivíduo ainda tem, até que a figura introjetada de “A EMPRESA” se torne integral e permanente. Neste ponto percebemos que os já mencionados e variados (em forma e intensidade) distúrbios de ordem psicológica se mostram arraigados à personalidade do indivíduo, muitas vezes o impossibilitando de um convívio saudável no campo social e até mesmo no profissional.

Entendendo que todo este ciclo de introjeções e decisões é real, e dificilmente será mudado, mas acredito que precisamos ativar o nosso olhar curioso como terapeutas (ou Gestalt terapeutas), uma vez que é esse indivíduo que nos procurará em nosso consultório e teremos que lidar com ele sem utopias. Entendendo o seu meio, percebendo suas relações e o que delas emerge, curioso, mas com uma postura aberta, desprovida de pré-conceitos e tendências que possam influenciar diretamente as escolhas de vida do nosso paciente.

Pensando no ser humano que vive esta realidade e que busca auxílio em nosso consultório, busquei desenvolver algumas questões, que gostaria de dividir.


Como é estabelecer contatos sem possibilidade de fuga?

Quando penso sobre isso, imediatamente outra pergunta me assalta a mente: em um processo assim existe realmente contato? A resposta automática a essa pergunta é não. Mas se observarmos com um pouco mais de atenção, veremos que o contato acontece, pois respostas têm que e serão dadas; para isso é necessário que o indivíduo se dê conta de um mínimo de quesitos básicos, tais como:

• Quem requisitou a tarefa.
• A quem se destina.
• Se está apto a executá-la.
• Qual o prazo para isso.
• Qual o caminho.
• Quais as medidas práticas a serem adotadas.
• Providenciar e supervisionar a execução.
• Conferir os resultados
• Enviá-los ao seu destinatário

Afinal, como já vimos anteriormente, não bastam respostas automáticas é preciso que sejam satisfatórias e é realmente preciso garantir que sejam. Para isso é necessário que o indivíduo processe uma gama de informações que o obrigam, ainda que forçosamente, a estabelecer algum tipo de contato num processo que eu chamaria de introjeção do contato, onde a pessoa já sem condição de estabelecer um contato real e satisfatório com o meio a sua volta, introjeta uma sequência de passos que o permitem devolver ao meio, de uma forma satisfatória para este, o contato que lhe foi imposto.


Como lidar com a inevitabilidade do contato permanente?

O lidar com esta inevitabilidade pode acontecer de duas formas:

A primeira está embutida no conceito dos benefícios que entre outros oferece a possibilidade do crescimento dentro da empresa.

Esta possibilidade costuma “capturar” o indivíduo ambicioso que se acredita (e geralmente o é) capaz de lidar com todas as situações, dar sequência e resolver tudo que lhe é pedido. O sucesso de seus esforços faz com que este indivíduo se motive a, cada vez mais, “chamar para si a responsabilidade” tornando-se o que eu chamo de “introjetivo vibrante”.

O introjetivo vibrante é o indivíduo que ao introjetar “A EMPRESA” e suas sub-figuras, preenche o vazio do desconhecimento do si-mesmo. Ao preencher este vazio tem uma sensação de completude que o leva a uma excitação que se reflete em um comportamento vibrante e este ciclo de contato permanente e inevitável passa a não ser percebido, pelo contrário é até desejado.

Quando coloco que o “introjetivo vibrante” tem um vazio causado pelo desconhecimento do si-mesmo, falo não apenas de não conhecer o seu si-mesmo, mas antes ainda, pois acredito que este indivíduo desconheça a própria existência de um si-mesmo. Assim, como um organismo simbiótico, “A EMPRESA” se liga a ele preenchendo o vazio deste com as suas necessidades e valores, e tendo seu vazio preenchido esta pessoa começa a construir o seu mundo de dentro, a partir do que agora acredita ser ele, para fora; e toda a parte externa desse seu mundo terá sempre conotação de fundo quando confrontado com a figura maior e permanente de “A EMPRESA”.

O introjetivo vibrante dificilmente nos procurará no consultório, afinal ele não tem problemas, ele gera soluções. O problema está nos outros que, ou não aceitam o seu sucesso, ou não entendem sua dedicação apesar dos muitos benefícios que recebe.

A segunda forma de lidar com esta questão remete ao que passei a chamar de “introjetivo resignado”. Este indivíduo desconhece o seu si-mesmo, mas não a sua existência, pois sente que aquilo que está dentro dele não lhe pertence. Está ali, preenche um espaço, mas não é dele. Por não conseguir reconhecer a si mesmo, também não consegue se diferenciar do meio – absorve-o.

Ele não se move pelos benefícios ou pela ambição de crescer, embora os repita como um mantra percebe-se nele muito mais resignação do que motivação. É competente, mas não é vibrante, responde, resolve, dá conta, mas aparenta cansaço, não pensa em novos negócios como oportunidades, mas como algo a mais para se preocupar.

“A EMPRESA” foi introjetada, está incomodando, e como não sabe distinguir o si-mesmo do meio, também não consegue definir prioridades. Então, é de maneira resignada, que este indivíduo atenderá ao ciclo de inevitabilidade do contato permanente.

Este introjetivo resignado tem maior possibilidade de nos procurar para atendimento, pois em algum momento o sofrimento de estar “entalado” com uma carga que não é sua pode fazer com que ele perceba flashes do si-mesmo e sinta necessidade de ajuda para estabelecer esta conexão.


Como é ter que vivenciar um permanente “aqui e agora”?

Da mesma forma que na questão anterior temos que pensar nos dois tipos já descritos o “introjetivo vibrante” e o “introjetivo resignado”.

O “introjetivo vibrante” vivenciará este permanente “aqui e agora” da única maneira possível para ele, que é com alto nível de excitação. Como ele só percebe e identifica as necessidades de “A EMPRESA” e sente essas necessidades como sendo verdadeiramente suas; todo “aqui e agora” ganha contornos de auto-satisfação.

À medida que as situações se sucedem requerendo o imediatismo de sua atenção o “introjetivo vibrante” sentirá cada demanda como uma necessidade sua, uma vez que sente o que “A EMPRESA” sente fará o que for necessário para atender a cada uma e a todas as demandas, pois assim ele acredita estar realizando o necessário para a sua satisfação, o que em realidade nunca acontece – o ciclo é ininterrupto, portanto ao satisfazer cada demanda “aqui e agora” outra sempre estará em andamento, levando-o a experimentar uma estranha sensação de satisfação sem estar satisfeito, que o obriga a permanecer atendendo as suas necessidades comuns.

Vale lembrar que o “introjetivo vibrante” não sofre com esse processo, afinal ele está atendendo à sua necessidade de equilíbrio, para ele o incômodo surgirá no meio externo, seja o não atendimento a qualquer demanda que se dará sempre por problemas com fornecedores ou funcionários, ou poderá ainda ser causado por cobranças externas a “A EMPRESA”, como os pedidos de atenção por parte da família. Sempre haverá alguém não tão comprometido ou que não entende as suas necessidades. O problema estará sempre fora em local de fácil alcance para ser usado quando a sua fonte de si mesmo for ameaçada.

Já o “introjetivo resignado” vive cada “aqui e agora” como um peso, um fardo a mais que é colocado sobre ele. Não há vibração só um inexplicável cansaço. Como não consegue diferenciar o si mesmo do meio, não consegue entender o porquê do incômodo, afinal ao absorver o meio esperava se sentir completo e desta forma por que está incomodado? Ora, conforme falamos antes, este tipo usa "A EMPRESA" para preencher o vazio do si-mesmo que ele não conhece, mas sabe que aquilo não lhe pertence. Introjeta o meio como referencial de existência que utiliza para justificar a si mesmo frente ao mundo.

Saber o que não lhe pertence, não implica em saber o que é realmente seu e vivenciar este permanente “aqui e agora” é experimentar uma angústia continuada por um eterno engolir de figuras que surgem como demanda, e apesar do incômodo fará o que for necessário para que as demandas sejam todas atendidas. Ele dará o melhor possível de si, não com paixão ou vibração, mas com resignação, executará tudo que for racionalmente possível, empurrando para o fundo tudo que não fizer parte do “que é preciso fazer”.

O grande paradoxo é que apesar do incômodo o “introjetivo resignado” precisa do sentido que este ciclo ininterrupto empresta a ele. Olhar para si é se separar do que o preenche e ter que se encarar, seja o seu vazio, ou um mosaico desconexo de emoções, desejos e necessidades que ele não reconhece e se assusta quando os percebem nos “flashes” que tem do si-mesmo.


Que indivíduo emerge da exposição permanente e prolongada a esta situação?

Essa me parece à questão mais difícil pela gama de possibilidades que são abertas. Independente do tipo descrito, não há forma de determinar como cada um reagirá. Não podemos sequer afirmar que um indivíduo que em dado momento atende às características de um determinado tipo, não possa em outro momento assumir um perfil diferente, uma nova forma de ser no mundo.

O que motiva cada pessoa nos diferentes momentos de sua vida dependerá de como os estímulos enviados pelo meio serão recebidos e também de como o indivíduo percebe a receptividade do meio aos estímulos que este envia. Sabemos ainda que a relação de um indivíduo com os diversos meios é única também em relação a cada momento em que ocorre o encontro.

Parece que estou evitando o tema da questão acima e realmente estou. Não quero cair na tentação de formular conclusões chavões do tipo “se/então”, pois não é possível afirmar que por seguir um determinado caminho e atender a certas características, após certo período de tempo estará desta ou daquela forma, com este ou aquele problema.

O que podemos dizer é que estes indivíduos, independente do tipo, podem apresentar alguns aspectos marcantes como desajustes na vida familiar, como casamentos infelizes ou desfeitos (às vezes mais de uma vez), ausência em relação aos filhos, queixas de incompreensão, insensibilidade, desinteresse, etc; são feitas e também ouvidas. No campo da vida social também podemos perceber desajustes, uma vez que temos relações construídas com base em projeção social ou profissional, que ganham ou perdem importância devido aos interesses materiais e comerciais que cada um representa. Não se busca a identificação de uma amizade ou o simples relaxar de uma boa e descompromissada conversa. Como já foi falado, tudo que é humano é empurrado para o fundo.

Estes aspectos aparecem como resultado desta relação desajustada com o meio, como características de um comportamento forjado no exercício contínuo deste processo de introjeção.

Por isso é tão difícil falar alguma coisa sobre o indivíduo que emerge desta situação, podemos até antever alguns aspectos resultantes deste processo, mas não o indivíduo. Deste só saberemos algo quando, como terapeutas, formos procurados, muitas vezes como último e desacreditado recurso, para ajudar com queixas referentes a problemas que estarão sempre fora do indivíduo.

Por óbvio, uma vez que ele não reconhece a si mesmo, como identificar algo em um “eu desconhecido”. Essa exteriorização das queixas aparecerá muitas vezes em discursos do tipo: O que mais eles querem de mim? Eu não deixo faltar nada. É por isso que eu prefiro o meu trabalho; me dá menos problema que minha própria família. O ambiente no escritório é muito mais tranqüilo; lá todos fazem o que eu peço aqui é só briga e reclamação.

Acredito que ao se perceber fora de sua realidade funcional, o indivíduo não consegue se expressar – não ouve nem se faz ouvir – adotando comportamentos “alienados”, como única forma de dar vazão à sua realidade.

Como terapeutas, precisaremos estar abertos a ouvir com muito cuidado o nosso paciente e tentar ajudá-lo a, pouco a pouco se perceber e se construir, a partir do que puder perceber, delimitando o seu próprio mapa de emoções, vontades, desejos e necessidades que permitirá a ele se diferenciar do meio introjetado como dominante.

A verdadeira auto-realização é um desafio que se apresenta a todos os seres humanos, é um processo longo e complexo que envolve o despertamento, desenvolvimento e amadurecimento das potencialidades íntimas de cada indivíduo que surgem à medida que se dá a compreensão e aceitação do “eu”, sem as quais o sentimento de incompletude pode tornar-se fator psicológico de desequilíbrio.


Uma última reflexão

Neste momento me ocorre falar sobre um terceiro tipo, que seria o “introjetivo dedicado”. Este indivíduo também não tem sequer noção da existência de um si-mesmo e, vazio, preenche-se introjetando “A EMPRESA” e seus valores, mas ao contrário do “introjetivo vibrante” não tem ambições; ele não chama para si as responsabilidades, ele as assume. Dos tipos propostos, o “introjetivo dedicado” me parece ser o mais desconectado de si mesmo, uma vez que não sofre como o “introjetivo resignado”, nem tem as ambições de poder e projeção profissional e social do seu colega “vibrante”. Ele é “A EMPRESA” e atende as suas demandas de forma inquestionável; é realmente dedicado não sofre com o ciclo infindável de obrigações, nem vibra com o sucesso de uma tarefa realizada ele apenas cumpriu com a sua obrigação. Sua postura é quase indiferente, se assemelha a de um operário na hora do almoço: come porque “é hora do almoço” e come o conteúdo da quentinha porque é o que está ali. Não há questionamentos, apenas o que deve ser feito.

Notas

1 – Os tipos propostos neste ensaio são estereótipos ilustrativos, dentre uma infinidades de possibilidades, dos quais me utilizei para levantar este tema que há muito me inquieta. Em nenhum momento tive a intenção de criar ou propor uma classificação de tipos corporativos, nem tampouco definir as corporações como fábricas de introjetivos, uma vez que um número significativo de pessoas neste contexto sabe delimitar espaços e prioridades.
Acredito firmemente que quaisquer tentativas de estabelecer regras de comportamento psicológico com base na experiência e observação de alguns biótipos estereotipados, é conspirar contra todos os conceitos de saúde emocional; uma vez que os valores que a uns preenchem as carências, para outros, passa sem qualquer significativa emoção.

2 – Todo o conteúdo deste artigo é fruto de observação pessoal ao longo de mais de 15 anos de vivência nesta área atuando como prestador de serviços (não ligados à psicologia) para várias corporações de porte multinacional. Desta forma, não houve consulta a qualquer bibliografia específica ou a trabalhos científicos nesta área. Desde já quero ressaltar meu interesse em discutir e aprofundar este tema, seja a partir de alguma bibliografia ou trabalho já existente (aguardo ansioso por indicações), ou a partir das (poucas) idéias propostas.

 

Endereço para correspondência

Hilber Mathias Cunha

Email: hilbercunha@yahoo.com.br

 

Recebido em: 28/04/2009.
Aprovado em: 29/07/2009.