Alienação ou Ajustamento Criativo: procurando entender um processo em curso.
Palavras-chave:
Alienação ou Ajustamento CriativoResumo
Na terapia de adultos é comum o relato de questões relacionadas aos adolescentes e jovens adultos. Preocupações comuns tem sido a indefinição por uma carreira, falta de assertividade, falta de motivação para a busca de atividades remuneradas, falta de consciência em relação à desproporção entre projetos e esforços, uso habitual da maconha, atitude de conformismo à retirada de privilégios com exceção feita aos computadores, que apesar da proibição doméstica sejam ainda assim acessados através de amigos. Geralmente tais queixas excluem comportamentos antissociais e uso de drogas pesadas como o crack e a cocaína e por conta disso, esses jovens são apresentados como “normais”, embora o adjetivo bastante utilizado para definilos tenha sido o de alienados. Artigos, reportagens e entrevistas tem apontado essa alienação como o resultado de uma falta de perspectiva em relação ao futuro, como uma espécie de desistência diante da impotência de atuar no sentido da modificação de um sistema social desigual. Parecia um tema típico de Viktor Frankl – a falta de sentido para a vida. Parecia que o que faltava para esses jovens seria uma razão para viver. Refletir sobre alienação nos reporta quase que imediatamente para a filosofia marxista segundo a qual, de acordo com Barros (2011): Tudo aquilo que fragmentava o ser humano, que o apartava do mundo, de si mesmo, das coisas que ele criara; tudo aquilo que o separava da consciência que deveria ter que o transformava quase em um autômato ou em um “animal desnaturalizado”; tudo aquilo que o mergulhava em uma espécie de sono do qual não parecia ser possível despertar, remetia em Marx ao âmbito da alienação. Assim, de acordo com os conceitos da GT a alienação refere-se a uma falta de contato ou à existência de contatos disfuncionais, tanto em relação ao contexto mais próximo quanto a um campo muito mais amplo que é a sociedade a qual se pertence. Computadores, celulares, mundo digital, realidade virtual, espaço cibernético têm sido bastante discutidos, sendo enfatizados os aspectos que põem em risco a saúde dos jovens, especialmente em relação ao tecnoestresse e ao cyberbullying. Embora a Internet seja reconhecida como um importante agente da democratização da informação, da inclusão social, estreitando fronteiras sociais e culturais, ainda assim o que mais se ressalta são os seus efeitos negativos, especialmente no que se refere à troca da realidade cotidiana pela realidade virtual, o que em outras palavras poderíamos chamar de alienação. Da mesma forma, aparentemente, as relações virtuais têm sido olhadas com desconfiança pelos estudiosos no assunto e, em geral, consideradas como artificiais, superficiais, inautênticas. Durante muitos anos temos convivido com esse entendimento paradoxal sobre a chamada era digital, ao mesmo tempo em que aproxima, também afasta as pessoas. Eis que começaram em todo o mundo as explosões de descontentamento contra governos, mesmo em países com extremo controle social, sustentadas via Internet e sem lideranças individuais definidas, apenas uma rede, formando um todo. Como explicar a explosão inesperada principalmente dos jovens que foram às ruas mostrar a sua insatisfação? Como um movimento sem liderança ganha força e mobilização nos quatro cantos de um pais de proporções continentais e culturas de grandes variações? Como jovens descritos como alienados questionam sobre questões tão profundas da sociedade? Voltando à questão da alienação para a gestalt-terapia ela está associada à dificuldade de estabelecer ajustamentos criativos em busca de segurança. “... uma impressão de “segurança” é proporcionada pelo apego ao status quo, aos ajustamentos que obtivemos no passado. O novo excitamento ameaça abalar essa segurança, desmantelando-a[...] Na linguagem popular isto se chama “fazer um ajustamento adequado”. As únicas coisas que faltam são o excitamento, o crescimento e o sentimento de estar vivo. [...] Um sentimento de adequação e força se desenvolve à medida que o problema específico é enfrentado, gera sua própria estrutura, encontram-se nele novas possibilidades e as coisas se ajustam de maneira surpreendente.” (PHG, p.218/219). Desse modo, podemos entender essa alienação da juventude como uma tentativa de manter a segurança, afastando-se dos perigos possivelmente neles introjetados pelos próprios pais. Parece que o ajustamento conservativo foi mantido até que a paralisia das ações se transformasse num insustentável sentimento de aniquilação. Podemos comparar tal explosão com a última camada da neurose em que o sentimento da morte, resultante da experiência de vazio é substituído pela experiência de voltar à vida, de uma verdadeira ressurreição. Talvez o que nenhum estudioso tenha se dado conta é que durante todo tempo havia um processo em curso, que o que se estava vendo como um fato, nada mais era do que uma figura destacando-se de um todo em movimento. Os estudiosos enxergavam partículas, enquanto as ondas se movimentavam tal como na física quântica. É provável que o condicionamento da forma de pensar cartesiana, tenha impedido a percepção de uma dinâmica fora do que pudesse ser determinado pelas relações causais e que também não se constituísse numa estrutura absoluta. Surpreendentemente, é provável que o mesmo anonimato que protegeu esses jovens e os fez ser considerados como alienados também tenha sido o que pôde facilitar a conexão numa rede de tamanho e força incalculáveis, como Eywa, a rede viva que conecta todos os seres no filme Avatar de James Cameron. Nesse sentido, Capra (1996) já chamava a atenção para o surgimento de um novo paradigma onde o pensamento Auto-afirmativo, sustentado pela racionalidade, pela análise, reducionista e linear, dá lugar a um pensamento Integrativo, que tem como características: a intuição, a síntese o holismo e a não linearidade. Além disso, o novo paradigma também substituiu os valores Auto-afirmativos de expansão, competição, quantidade e dominação para os valores Integrativos de conservação, cooperação, qualidade e parceria. “O poder no sentido de dominação sobre os outros, é autoafirmação excessiva [...] No entanto, há outro tipo de poder, um poder que é apropriado para o novo paradigma – poder como influência de outros. A estrutura ideal para exercer esse tipo de poder não é a hierarquia mas a rede, que, como veremos, é também a metáfora central da ecologia. A mudança de paradigma inclui, dessa maneira, uma mudança na organização social, uma mudança de hierarquia para redes.” (Capra, 1996, p.28). A constatação inequívoca dessa mudança de paradigma convida os gestaltterapeutas para a reafirmação de seus pressupostos fenomenológicos e holísticos, além da reiteração da crença na capacidade humana de exercer ajustamentos criativos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, J. D’ASSUNÇÃO O conceito de alienação no jovem Marx, Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 23, n. 1 p. 236. São Paulo, 2011. CAPRA, F. A Teia da Vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo, Editora Cultrix, 1996. PERLS, F. HEFFERLINE, R. GOODMAN, P. Gestalt-Terapia. São Paulo, Editora Summus, 1977. Palavra 1: alienação Palavra 2: juventude Palavra 3: ajustamento criativo Palavra 4: mudança de paradigma Modalidade de apresentação: Tema livrePublicado
2015-12-01
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Seção
Temas-Livres