Diferentes aspectos no emergir da criatividade para a Gestaltterapia

Autores

  • Raphael Henrique Moreira

Palavras-chave:

criatividade para a Gestaltterapia

Resumo

O enfoque do trabalho é a ótica da Gestalt-terapia sobre possíveis critérios relevantes para que aconteça a criatividade. Através da análise de textos será visada a uma apresentação dos pontos de vista comentados na literatura da abordagem gestáltica, buscando a ampliação da fundamentação da teoria e da prática gestáltica. Não é objetivo do trabalho dar conta de todos os vieses possíveis ao tema, nem todas as influências teóricas que a permeiam. Serão enfocadas as condições organísmicas necessárias para um contato criativo através da noção de Indiferença Criativa de Salomo Friedländer. Faz-se necessário criar uma diferenciação entre as concepções da palavra criatividade para que se possa extrair qual delas a Gestalt-terapia valoriza no seu constructo teórico, como aponta LIMA, 2009. O termo “criatividade” é muitas vezes utilizado como um sentido para qualidade, algo único, belo, extraordinário, de valor para o meio social. Uma outra visão é aquela que vê como o surgimento de uma boa solução, uma referência a ser atuante. Os autores analisados enxergam coerência da segunda forma de encarar o termo e a abordagem gestáltica. Isso se deve ao fato que para a Gestalt-terapia o processo de contato visa ao restabelecimento de uma homeostase, de um equilíbrio que foi perdido no campo organismo/ambiente. Essa solução não precisa ser necessariamente nem única, nem bela, nem valorosa para terceiros para ser criativa sob essa ótica. Como descreve MILLER, 1990, o contato sempre é um voltar-se na direção do desconhecido. A cada momento descortinam-se possibilidades de direcionamento que exigem uma ação por parte do organismo. Tal atitude revela então uma nova possibilidade de configuração do campo, o que pode novamente requerer uma escolha organísmica. A transitoriedade é a única constância possível: “O Horizonte, na sombra do que sabemos e em direção ao que não sabemos ainda, faz a vida rica e diversamente fascinante, dando a ela um aspecto de jornada. O senso fenomenológico de desconhecido não busca um reino escondido como o Inconsciente psicanalítico, nem um transcendente também, a ser medido em estados de transposição. É simplesmente mais do que podemos fixar em uma moldura firme, é mais como uma nuvem em modificação, sempre se tornando algo, sempre tomando uma forma, bem na borda do aqui-e-agora” (Miller, 1990, p. 38) Essa concepção endossada pela Gestalt-terapia, que prioriza o olhar para cada momento como um novo momento, permite distinguir duas formas particularmente diferentes de se envolver nesse encontro com o desconhecido: Uma atitude (saudável) que permite uma avaliação no momento de qual é a melhor forma a ser criada para que o organismo e o ambiente atinjam um equilíbrio; e uma atitude (neurótica) que recorre à constância de formas que antigamente serviram para solucionar esse novo encontro (o que dificilmente traz uma boa resolução). A aptidão para criar com a novidade na fronteira de contato pode depender se o ponto de partida organísmico é o que PERLS, 2002 se referia como “ponto zero”: “Em seu livro Creative Indifference, Friedländer apresenta a teoria de que todo evento está relacionado a um ponto-zero, a partir do qual ocorre uma diferenciação em opostos. Esses opostos apresentam, em seu contexto específico, uma grande afinidade entre si. Permanecendo atentos no centro, podemos adquirir uma habilidade criativa para ver ambos os lados de uma ocorrência e completar uma metade incompleta. Evitando uma perspectiva unilateral, obtemos uma compreensão muito mais profunda da estrutura e da função do organismo”. (Perls, 2002, p. 45-46) O motivo pelo qual não é garantia que ao ter uma atitude inicialmente indiferente, necessariamente se terá um contato bem sucedido se deve ao fato que sempre existe a possibilidade do contato falhar, simplesmente porque se supunha um caminho satisfatório que acaba se revelando como não tão satisfatório assim. É sempre um processo de tentativa-e-erro. Essa relevância em uma ida com neutralidade para o encontro com o desconhecido advém (dentre outras possíveis influências) da filosofia de Salomo Friedländer e sua teoria da Indiferença Criativa (como reconheceu Perls no parágrafo supracitado). Segundo FRAMBACH, 2003 Indiferença Criativa corresponde a um ponto médio original do qual polaridades surgem. A diferenciação sempre acontece em relação a um oposto (o bondoso só pode ser assim compreendido por conta do contraste com a noção de maldoso). Ambas as polaridades partem de um mesmo centro, um ponto de indiferença (nem bondoso, nem maldoso). Qualquer fixação em um dos pólos, como uma identificação prolongada é falsa, pois ignora que o sujeito existe nesse ponto médio, que ora se polariza de uma forma, ora polariza com seu oposto. Ressalta-se assim o equilíbrio dos opostos, um estado neutro de disposição a polarizar em qualquer uma das duas oposições. Tal estado permitiria uma melhor criação, já que aumenta a “paleta de cores” que o organismo tem para lidar com a novidade que a ele se apresenta. A alquimia que pode ser feita entre os opostos amplia as chances de sucesso que se tem no contato (como juntar certo grau de “bondoso” com uma certa quantidade de “maldoso” pode resultar numa terceira forma). A indiferença passa a ter maior relevância se for considerada a quantidade de formas que poderiam ser criadas nessa “alquimia” das polaridades caso um desses opostos esteja interditado por uma fixação no pólo oposto ou por uma impossibilidade de identificação com um dos opostos. Isso aumenta as possibilidades de que ao criar se encontre uma forma satisfatória. Outro fator importante para um bom contato é a coerência com os elementos ambientais que se apresentam, pois estes também determinam o que será necessário para a homeostase (certo grau de “bondoso” com qual grau de “maldoso” em relação a quem). É válido ressaltar que por indiferença não se quer dizer um estado de contínua desafetação. Segundo PERLS, HEFFERLINE E GOODMAN, 1997 é intrínseco à saúde uma disposição ao contato, uma atitude favorável à diferenciação. É um estar aberto e disposto à novidade. A relevância da influência de Friedländer fica evidente, por exemplo, na construção feita por PERLS , HEFFERLINE, GOODMAN, 1997 para descrever como é “zerada”, indiferente, a função personalidade na homeostase que precede ou sucede um bom contato: “Em circunstâncias ideais o self não tem muita personalidade [...] O self encontrou e produziu sua realidade, mas reconhecendo o que assimilou, vê-o novamente como parte de um vasto campo [...] Onde o self tem muita personalidade, vimos, é porque carrega consigo muitas situações inacabadas, atitudes inflexíveis recorrentes, lealdades desastrosas; ou então abdicou completamente, e a sensação que tem de si próprio nas atitudes com relação a si mesmo são as que introjetou”. (Perls,Hefferline & Goodman, 1997, p. 230-231) Quando o que se é considerado é a prática clínica, a literatura gestáltica advoga em prol da criatividade individualizada a cada relação terapêutica e também a cada momento da mesma. ALVIM & RIBEIRO, 2009 destacam que é o aumento de awareness do processo criativo que se torna objeto de terapia e não o que é criado naquele momento. Isto deflagra também outro aspecto sobre a prática clínica: o quanto os recursos artísticos (muitas vezes considerados criativos por si só) são somente um meio utilizado para a ampliação da experimentação com a criatividade, e não o seu fim: “Enquanto terapeuta, meramente encorajar o brincar e a produção artística, ou trabalhar com um paciente que exibe um talento artístico excepcional não define adequadamente criatividade dentro da relação terapêutica. Uma definição mais apropriada desse tipo de criatividade precisa incluir aspectos interpessoais, assim como o ousar, interação criativa ou os que se apresentam na “terra de ninguém” entre nós” (Amendt-Lyon, 2003, p. 5) AMENDT-LYON 2003 ressalta a importância de o terapeuta descobrir a predileção sensorial do cliente para basear suas intervenções, e não estar na relação terapêutica de uma forma pré-estabelecida. Evidencia-se, assim, a importância da indiferença também na criação do terapeuta, de suas intervenções na relação. LOOB, 2003 exemplifica o quanto o trabalho do Gestalt-terapeuta é como o do músico jazzista que estudou diversas áreas da música, mas que na hora da apresentação cria de acordo com a relação que estabelece com os demais músicos naquele momento. Portanto o que se apresenta na literatura gestáltica é que no funcionamento saudável, a criatividade exige a liberdade que uma atitude “desarmada” permite. Ressaltase a importância de o espaço terapêutico proporcionar uma apropriação das formas enrijecidas e de uma criação de novas formas que realmente aconteça no aqui-e-agora, tanto por parte do cliente, quanto por parte do terapeuta. Referência Bibliográfica ALVIM, M. B & RIBEIRO, J. P. O lugar da experimentação no trabalho clínico em Gestalt-terapia In: Estudos e pesquisas em psicologia. Ano 9, número 1. Rio de Janeiro: UERJ, 2009. AMENDT-LYON, N. Toward a gestalt therapeutic concept for promoting creative process In: Creative License: the art of gestalt-therapy. Vienna: Springer-Verlag Wien, 2003 FRAMBACH, L. The weighty world of nothingness: Salomo Friedlaender’s “creative indifference” In: Creative License: the art of gestalt-therapy. Vienna: Springer-Verlag Wien, 2003. LIMA, P. Criatividade na Gestalt-terapia In: Estudos e pesquisas em psicologia.. Rio de Janeiro: UERJ, 2009. LOBB, M. S. Therapeutic meeting as improvisational co-creation In: Creative License: the art of gestalt-therapy. Vienna: Springer-Verlag Wien, 2003. MILLER, M.V. Towards a psychology of the unknown. In: The Gestalt Journal Volume XIII número 2, 1990. PERLS, F. Ego, fome e agressão: Uma revisão da teoria e do método de Freud. São Paulo: Summus, 2002 PERLS, F.; HEFFERLINE, R. & GOODMAN, P. Gestalt-terapia. São Paulo: Summus, 1997. Palavra 1: criatividade Palavra 2: gestslt-terapia Palavra 3: indiferença Modalidade de apresentação: Comunicação/ tema livre Área de concentração: Contribuições teóricas

Publicado

2015-12-01